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1 Cenário Radiologia 2ª SI Revisão anatômica do sistema venoso cerebral ● Seios Durais ○ Seio Sagital Superior ○ Seio Sagital Inferior ○ Seios Transversos (dois) ○ Seio Reto ○ Seios Sigmóides (dois) Os seios durais são grandes canais venosos que funcionam como as veias comuns, mas apresentam diferenças anatômicas e histológicas: são envoltos por pregas da dura máter e ficam distribuídos pela periferia da caixa craniana. Os principais estão destacados acima em negrito. As funções dos seios venosos são proporcionar o retorno venoso e reabsorver o líquor cefalorraquidiano – essa última função apresenta grande importância quando se discute a fisiopatologia da trombose. Parte do líquor é produzido dentro do plexo venoso, que fica nos ventrículos cerebrais, mas sua reabsorção é feita parcialmente pelos seus venosos, permitindo assim sua circulação. As veias cerebrais também apresentam diferenças estruturais das veias periféricas: são avalvulares e possuem paredes finas – podem ser profundas ou superficiais, sendo essas últimas representadas principalmente por Labbé e Trolard (veias superficiais corticais). 2 Esse último esquema demonstra as duas principais veias superficiais corticais (ou veias corticais periféricas). A veia de Trolard se comunica superiormente com o seio sagital superior e inferiormente com a veia de Labbé. Essa, ulteriormente, drena indiretamente para a veia jugular interna. 3 Uma angioressonância magnética que teve o parênquima cerebral “apagado”, destacando os seios durais. Exames para avaliar os seios venosos: ● Tomografia Computadorizada sem contraste → 1º a ser realizado ● Tomografia Computadorizada com contraste (angiotomografia) ● Ressonância Magnética com contraste (angiorressonância) ● Venografia → exame invasivo ○ É um exame feito com um cateter através de um acesso venoso central, administrando contraste diretamente na área de interesse – nessa região são tiradas diversas pequenas fotos (raio-x) Sintomas da trombose venosa cerebral Por vezes, a cefaléia é relatada como sendo a pior da vida. Podem apresentar crises convulsivas, déficits focais (como os presentes em um AVC), queda do nível de consciência, etc. Nesse caso, os exames de imagem são essenciais para o diagnóstico. Fisiopatologia da TVC → esses edemas são alterações de parênquima cerebral decorrentes da TVC, e não vasculares A partir de uma obstrução da drenagem de um seio venoso devido ao trombo ocorre retardo no esvaziamento das veias, resultando em um represamento. O retardo no esvaziamento das veias também acarreta em retardo na reabsorção do líquor. Esses eventos aumentam gradualmente a pressão sanguínea cerebral. O aumento da pressão sanguínea cerebral pode desencadear dois diferentes cenários: ● Se o paciente apresenta uma circulação colateral suficiente (apesar da trombose no seio venoso, o sangue consegue ser drenado por “caminhos” paralelos): ○ Nesse caso haverá inicialmente congestão venosa, seguida da drenagem para as veias colaterais e sintomas de hipertensão intracraniana (como cefaléia), resultando em edema vasogênico – o líquido extravasa para o meio extracelular. 4 O edema vasogênico é um primeiro estágio da trombose. O edema é decorrente do aumento de pressões devido ao sangue venoso que não é drenado enquanto o sangue arterial continua chegando cada vez mais na caixa craniana. ● Se o paciente apresenta uma circulação colateral insuficiente: ○ Nesse caso, a partir da congestão venosa, a drenagem não ocorre pelas veias colaterais porque elas não existem de forma adequada. Como resultado, a hipertensão intracraniana é muito intensa, o que diminui a pressão de perfusão cerebral – como o sangue venoso não é drenado em nenhum nível, o sangue arterial não consegue entrar na caixa craniana. ○ A consequência da baixa perfusão arterial é a isquemia – falta sangue no tecido cerebral e, consequentemente, oxigênio (hipóxia) e nutrientes (glicose) – resultando no edema citotóxico. ○ Nesse tipo de situação pode haver lesão vascular com posterior hemorragia. O edema vasogênico pode evoluir para citotóxico se o trombo não for resolvido (anticoagulação), assim como podem existir concomitantemente em partes cerebrais diferentes. Um terceiro cenário é a possibilidade do quadro já se iniciar como um edema citotóxico. Em outras palavras, a circulação colateral suficiente pode evoluir para insuficiente. Tomografia computadorizada sem contraste A TC sem contraste é o exame de entrada – o mais comum utilizado para cefaléias com sinais de alerta e/ou crises convulsivas. Nesse exame é possível observar: ● Hiperdensidade espontânea do seio venoso onde houve formação de trombo ○ O trombo desse seio venoso se mostra mais “branco” do que o conteúdo circunvizinho; como está dentro de um vaso e aparece com formato linear, recebe o nome de sinal da corda ○ Está presente em apenas nos casos agudos, tornando-se isodenso após cerca de 2 semanas; por esse motivo, apenas 25 a 56% das TVC apresentam o sinal da corda (visível apenas quando é investigada na fase aguda ou subaguda) ● Também é possível observar áreas hemorrágicas ○ O sangue que extravasa dos vasos para o parênquima apresenta-se hiperdensa; em geral, em áreas córtico-subcorticais, ou seja, preserva a área cortical e afeta mais a área com substância branca 5 Tomografia computadorizada com contraste Normalmente o contraste usado é iodo, que é injetado em uma veia periférica. Utiliza-se desse método quando há dúvidas se o achado realmente é um trombo, ou ainda, se o paciente apresenta cefaléia sem melhoras após analgesia e com sinais de alerta. O seio venoso não enche adequadamente na presença de um trombo, produzindo o sinal do delta vazio: o seio venoso tem apensar sua periferia contrastada (hiperdensa), enquanto a região central aparece escura (região ocupada pelo trombo, que não contrasta). Geralmente a ordem de ocorrência do sinal do delta vazio é: ● Seio sagital superior → seio transverso → seio sigmóide → seio reto ● Mais comum → menos comum Sinal do delta vazio (TC com contraste) Se na imagem sem contraste o seio venoso com trombo fica hiperdenso, na imagem com contraste é o contrário, ou seja, fica hipodenso em seu centro (hiperdenso nas periferias, produzindo uma imagem triangular; por isso chama-se “delta”). 6 Como acontece a ressonância? O princípio da formação da imagem da RM envolve o magnetismo – fisicamente, alguns metais e íons atraem e repelem um ao outro, devido aos seus polos positivos e negativos, formando um dipolo. No corpo humano existe uma enorme quantidade de átomos de hidrogênio devido a presença da água. Esses átomos apresentam cargas positivas, portanto são prótons – o movimento aleatório que acontece entre esses prótons entre si gera uma corrente elétrica, que forma um campo magnético. Em suma, cada próton H+ apresenta um campo magnético, que pode ser mensurado e gerar imagens. Por esse motivo, os tecidos ricos em água (e portanto em prótons H+) ficam hiperdensos na RM. Quando não recebem ação do campo magnético externo da máquina da RM, os prótons H+ apresentam movimentos aleatórios que não podem ser captados em forma de imagem. Quando esse campo magnético externo é “ligado” – que é muito poderoso, diga-se de passagem – os prótons H+ se alinham paralelamente ao campo magnético; ao emitir pulsos de rádio frequência, os prótons H+ se desalinham e logo em seguida se alinham novamente. Esse desalinhar-alinhar que ocorre repetidamente possibilita a formação de imagens. Quando se diz “sequência T1, T2, FLAIR” ou outras sequências, o texto se refere a formas diferentes de desalinhar os prótons, gerando imagens diferentes de uma mesma região – imagens com líquidos mais claros, mais escuros, com o tecido adiposo mais ou menos evidenciado, etc. Ressonância magnética É uma imagem superior à tomografia para avaliar os seios venosos e o parênquima cerebral. Sua desvantagem é o alto custo, o que faz desse um exame pouco acessível. RM sem contraste A intensidade do trombo (se está hiperdenso ou hipodenso)varia de acordo com o tempo de evolução da trombose. Um dos sinais de trombose na RM s/C é a perda do flow void (vácuo de fluxo) do interior dos vasos. 7 Observe que o seio transverso está escuro quando comparado aos tecidos circunvizinhos. Está escuro porque é impossível captar o campo magnético dos prótons H+ em um vaso pérvio (sem estase, que seria proporcionada pelos trombos). Nesse caso, o flow void existe, ou seja, não foi perdido, o que é o normal. Para captar o campo magnético é preciso que haja um trombo, o que permite que o sangue fique em estase e o campo magnético dos prótons H+ presentes no plasma seja captado, como é observado na imagem abaixo: O flow void foi perdido pela diminuição do fluxo sanguíneo em decorrência de um trombo, permitindo a captura do campo magnético dos prótons H+ presentes na água do plasma. Houve perda do flow void. A imagem torna-se clara. 8 RM com contraste O contraste injetado (gadolínio, um metal) circula pelos vasos e permite a visualização da falha do enchimento dos seios venosos. É útil em momentos pós tratamento (anticoagulação) para acompanhar a recanalização do vaso em questão. Nessa RM com contraste é possível observar a hipodensidade dos seios transversos e sigmóides (ficam escuros). Observe do lado direito a presença de um conteúdo mais escuro ocupando a luz do seio transverso e sigmóide; trata-se do trompo. 9 Venograma por RM Ausência de fluxo sanguíneo nos seios transverso e sigmóide à esquerda – todo tecido cerebral e calota craniana foi subtraída para melhor visualização vascular. Alterações de parênquima Acima foram descritas principalmente as alterações vasculares decorrentes da TVC, mas as alterações também podem se extender para o parênquima cerebral (edema vasogênico, citotóxico e hemorragias). São visíveis na RM antes da TC. Edema vasogênico → ainda não há sofrimento tecidual É um edema reversível; é secundário ao aumento da pressão venosa retrógrada devido ao represamento do fluxo sanguíneo no seio dural que possui a trombose. O aumento de líquidos acontece no meio extracelular. Edema citotóxico → há sofrimento tecidual Quando ocorre uma persistência da hipertensão intracraniana e redução do fluxo de perfusão cerebral (fluxo arterial), há mais chances de irreversibilidade devido a isquemia seguida de morte celular. O meio intracelular é muito mais concentrado em íons, gradiente mantido pela bomba sódio e potássio. Tal bomba necessita de ATP para funcionar, o que fica escasso numa condição de isquemia (não chega oxigênio nem glicose para servir como substrato). Essa bomba entra em falência e para de funcionar; nesse momento, o meio intracelular hiperconcentrado atrai água do meio extracelular por osmolaridade, o que torna as células edemaciadas – o edema citotóxico, que provoca morte celular. Trata-se de um mecanismo retrógrado da trombose venosa, e não arterial. É um infarto venoso. 10 Esses edemas podem acontecer simultaneamente e apresentam áreas identificáveis no parênquima, normalmente regiões subcorticais. Na RM As consequências do edema são visualizadas através de áreas com aumento do sinal (brilho) nas ponderações sensíveis aos líquidos (T2 e FLAIR) quando comparadas aos tecidos adjacentes – nessas ponderações o líquido fica mais claro. Na TC Ocorre o oposto: as consequências do edema são visualizadas através de áreas hipodensas quando comparadas ao tecido circunjacente. Em ambos – consequências da hipertensão intracraniana Essa hipertensão intracraniana e edema distende as estruturas cerebrais, gerando: ● Apagamento de sulcos e giros cerebrais ● Redução volumétrica dos ventrículos ● Herniações cerebrais ○ Parte de giros e sulcos invadem outros giros e/ou sulcos Abaixo: Ressonâncias Magnéticas Observe a área com aumento de sinal no lobo temporal direito devido ao edema vasogênico. A retenção de líquidos é captada na RM devido ao campo magnético dos prótons H+. Também é possível observar nessa região clara o apagamento de sulcos e giros. Ao comparar com o lado contralateral, essas alterações citadas tornam-se bastante evidentes. 11 Neste outro exemplo também é possível identificar o apagamento de sulcos e giros na região afetada pelo edema. Abaixo: Tomografia Computadorizada Na TC, os edemas ficam mais hipodensas. Observe a região frontal direita, uma região circular hipodensa indicando o edema e perda de sulcos. 12 Essas alterações decorrentes do infarto venoso, em última instância, ocorrem em regiões específicas do cérebro. ● Tromboses de veias cerebrais internas/profundas: edemas e hemorragias tendem a ser centrais, ocupando tálamo e núcleos da base ● Tromboses da Veia de Labbé: edemas e hemorragias tendem a ser no lobo temporal ● Tromboses do Seio Sagital Superior: edemas e hemorragias tendem a ser na região parassagital O edema e alterações da substância branca “dão dicas” de qual vaso foi acometido com a trombose. Da esquerda para direita: trombose de veias cerebrais internas, veia de Labbé e seio sagital superior (afetando tálamo/núcleos da base, lobo temporal e região parassagital). Edema parassagital bilateral, indicando trombose do seio sagital superior. As áreas mais escuras do lado esquerdo representam sangue – na RM, o sangue apresenta comportamento diferente dependendo da fase da hemorragia, podendo ficar mais branco ou mais escuro. Na TC, o sangue aparece sempre mais hiperdenso (mais branco). 13 Hemorragia Presente de 30 a 35% dos casos de TVC. Tem predileção por regiões corticais com extensão subcortical. Quando a trombose acomete veias cerebrais profundas, o sangramento tende a acontecer no tálamo e núcleos da base. Na TC, fica espontaneamente hiperdensa e na RM, tem variações – pode ficar mais escura ou mais clara. Os especialistas (radiologistas) têm conhecimento para estimar há quanto tempo se iniciou a hemorragia com base na apresentação do achado hemático (se brilha muito ou pouco indica um tempo de sangramento diferente). Abaixo: Tomografia Computadorizada Essa imagem deve ser reconhecida por todo médico generalista. Trata-se de uma TC sem contraste, portanto sabe-se que o conteúdo espontaneamente hiperdenso é a representação de uma hemorragia. Em volta da hemorragia observa-se um halo escuro, característico de edema. A hemorragia apresenta um efeito de massa, ou seja, o aumento de pressões (hipertensão intracraniana) desloca estruturas, evidenciado no corno lateral do ventrículo esquerdo, que está muito menor que o corno lateral do ventrículo direito – isso aconteceu porque essa estrutura foi comprimida devido a hemorragia/edema. Localiza-se no lobo temporal-parietal, sugerindo que a veia afetada foi de Labbé. 14 Abaixo: Ressonância Magnética Edema visualizado na região dos tálamos, principalmente do lado esquerdo. Nessa imagem a ponderação é T2 Gradiente, sensível ao sangue. Nessa ponderação/sequência, o sangue fica preto, como visto na ponta da seta. Trata-se de uma hemorragia decorrente de uma trombose de veias cerebrais internas. 15 Principais pontos das alterações de imagem na trombose venosa cerebral Esses achados apresentam predileção em regiões subcorticais: ● TC sem contraste: já é possível visualizar algumas alterações como sinal da corda, hemorragias (área hiperdensa) e edemas (área hipodensa). Também pode não apresentar nenhuma alteração na vigência de uma TVC. ● TC com contraste: falha de enchimento do seio venoso, traduzida pelo sinal do delta vazio (periferias hiperdensas e região central hipodensa, onde fica o trombo). ● RM: edema vasogênico, edema citotóxico, hemorragia, perda do flow void e, quando usado contraste, é possível observar a falha de enchimento. Casos clínicos 1. Ao redor da área hemorrágica, observa-se o halo hipodenso do edema. Ao usar contraste, o sinal da corda do seio sagital superior torna-se o sinal do delta vazio. 16 Nessa imagem, o sinal do delta vazio aparece no seio sigmóide. 2. Essas imagens foram feitas em um ponto alto do crânio. Na imagem à esquerda (ponto mais alto), é possível observaro conteúdo espontaneamente hiperdenso (sinal da corda) na veia de Trolard. É possível observar a continuação do sinal da corda na imagem à direita, indicando que há um trombo em uma veia cortical (Trolard). 17 Pequenos pontos brancos são observados do lado direito, representando hemorragias. Quando usado o contraste, o trombo “desaparece” (a imagem hiperdensa se torna apagada). Isso é o esperado, afinal a veia de Trolard com o trombo não é capaz de ser preenchida pelo contraste, pois não há fluxo sanguíneo. Diagnóstico final: trombose venosa aguda da veia de Trolard com hemorragia intraparenquimatosa