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Natalia Quintino Dias Sangramento uterino anormal (SUA) Sangramento Uterino Anormal (SUA) constitui causa frequente de procura aos serviços de Ginecologia. Conceitos Normalidade da menstruação: • Duração do ciclo: média de 28 dias – de 24 a 38 dias; • Duração do fluxo: 4,5 a 8 dias; acima de 8 dias, considerado prolongado; abaixo de 4 dias, curto; • Volume de sangramento a cada menstruação: 5 a 80 mL. Definição Todo e qualquer tipo de alteração do padrão usual do ciclo menstrual recebe o nome de Sangramento Uterino Anormal (SUA). Cada transtorno recebe uma classificação semiológica, de acordo com o tipo de alteração. As alterações da ciclicidade e do tempo de sangramento são definidas na anamnese de acordo com o relato da paciente. As alterações de fluxo são mais bem qualificadas pelo número de absorventes trocados diariamente. A etiopatogenia do SUA varia muito, de acordo com a faixa etária da paciente. Infância: o SUA anterior à menarca é anormal. Nessa faixa etária, a vagina é a principal fonte de sangramento, e não o útero. As vulvovaginites são as causas mais frequentes de sangramento genital. Podem-se considerar, ainda, condições dermatológicas, crescimento neoplásico, trauma por acidente, abuso sexual e corpo estranho; Adolescência: o SUA resulta de anovulação – principal causa – ou defeitos na coagulação sanguínea. Gestação, Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e abuso sexual devem ser avaliados; Idade reprodutiva: há aumento na taxa de sangramento uterino anormal por gravidez e alterações anatômicas do útero, como leiomiomatose, adenomiose e pólipos endometriais; Perimenopausa: geralmente, o sangramento uterino anormal nessa fase é causado por ciclos Natalia Quintino Dias anovulatórios, porém é preciso avaliar a possibilidade de neoplasias benignas e malignas; Pós-menopausa: a maioria dos casos de sangramento é atrofia do endométrio e vagina por ausência de estrogênio. Entretanto, pode ser decorrente de pólipos endometriais, carcinoma endometrial – mais frequente nessa faixa etária –, tumor ovariano produtor de estrogênio e neoplasias ulcerativas vulvar, vaginal e cervical. Principais causas A sigla é PALM – COEIN e divide as causas em estruturais (sigla PALM) e não estruturais (sigla COEIN). Quando as causas citadas são descartadas, investiga-se sangramento uterino por anovulação. As mulheres em idade fértil com vida sexual podem ter algum sangramento relacionado às causas gestacionais, sobretudo as não usuárias de métodos contraceptivos e as que usam de forma irregular. Os sangramentos de primeiro trimestre podem estar presentes em 15 a 20% das gestações. Na maioria das vezes, não há identificação de nenhum problema associado. Entretanto, deve-se estar atento às possibilidades de ameaça de abortamento ou abortamento de fato, gestação ectópica e mola hidatiforme. As causas estruturais (PALM) de sangramento anormal são: Pólipos (P) Pólipos endometriais: podem causar SUA devido a fragilidade vascular, inflamação crônica e erosões na superfície. São diagnosticados por ultrassonografia (USG) transvaginal, histerossonografia ou histeroscopia (padrão-ouro). A histeroscopia cirúrgica fornece tratamento simples e altamente efetivo. Fatores de risco são idade avançada, obesidade e uso de tamoxifeno. Na maioria das vezes, os pólipos são benignos, mas há transformação pré-maligna ou maligna em 0,5 a 3% dos casos. Assim, recomenda-se a polipectomia histeroscópica às pacientes: - Sintomáticas; - Assintomáticas com fatores de risco para transformação maligna (pólipo maior ou igual a 1,5cm; fatores de risco para câncer de endométrio, como obesidade, pós-menopausa, usuária de tamoxifeno, anovulação crônica). Pólipos endocervicais: também denominados pólipos cervicais, geralmente são diagnosticados no exame especular. São assintomáticos, mas podem causar hemorragia, sangramento pós-coito e leucorreia vaginal sintomática. São, em sua maioria, benignos, e podem malignizar em menos de 1% dos casos. Entretanto, o câncer de colo de útero pode se apresentar na forma de massa polipoide, assim pode haver confusão entre ambos. Por isso, faz-se a retirada do pólipo cervical no consultório – com pinça fórcipe “em anel” ou extratora de pólipos – o pólipo é pinçado e torcido junto à sua base para estrangular seus vasos superiores – seguida da avaliação histológica do material. A recorrência está entre 6 e 15%. Adenomiose (A) Observa-se infiltração de tecido endometrial no miométrio. A doença pode desenvolver-se a partir da invaginação endomiometrial do endométrio. Além do SUA, as pacientes com adenomiose podem apresentar dismenorreia. Quanto ao diagnóstico, a USG transvaginal apresenta útero aumentado de volume, ecotextura miometrial Natalia Quintino Dias heterogênea, podendo ou não ter a descrição de diminutos cistos miometriais. O tratamento pode ser realizado com: - Uso contínuo de progestogênio; - DIU com liberação de levonorgestrel (Mirena); - Histerectomia – tratamento definitivo. Leiomiomatose uterina – ou miomatose uterina (L) O mioma uterino é a causa estrutura mais comum de SUA. Nas pacientes portadoras de miomas uterinos, o SUA é a sua principal manifestação clínica. Entretanto, a maioria das pacientes com miomatose uterina não apresenta SUA. Assim, os miomas não podem ser considerados a causa de sangramento anormal antes que outras possibilidades tenham sido excluídas, especialmente quando não invadem ou deslocam a cavidade uterina. Os que causam SUA são aqueles com componente submucoso, miomas submucosos e intramurais grandes que distendem o endométrio adjacente. Os miomas subserosos não invadem a cavidade uterina, portanto, não provocam sangramento; a compressão inferior e o trauma pela fricção intracavitária na superfície epitelial causam inflamação crônica focal ou ulceração, resultando em sangramento. Pode, ainda, haver erosão e ruptura de vasos superficiais. Os leiomiomas uterinos são a causa estrutural mais frequente de sangramento uterino anormal; O diagnóstico é feito por USG transvaginal – tamanho, número e localização dos miomas. Tratamentos cirúrgicos são geralmente reservados para sintomáticos: - Miomas submucosos únicos: miomectomia histeroscópica. Preservam a fertilidade; - Miomas submucosos múltiplos e grandes: miomectomia histeroscópica. Requerem maior experiência técnica e podem evoluir com sinéquias intrauterinas que causam infertilidade; - Miomatose intramural: miomecttomia por abordagem abdominal por laparoscopia ou laparotomia (ou ainda histerectomia). São indicações de histerectomia: SUA, miomas grandes e múltiplos e ausência de interesse em gravidez. 0 - Submucoso ou intracavitário 1- Submucoso <50% intramural 2- Submucoso >50% intramural 3- Intramural, mas em contato com o endométrio 4- Intramural 5- Subseroso >50% intramural 6- Subseroso <50% intramural 7- Subseroso pediculado 8- Cervical ou parasitário Malignidade (M) Hiperplasia endometrial: resulta da estimulação estrogênica crônica do endométrio sem a oposição da progesterona. Portanto, é comum em ciclos anovulatórios crônicos. Pode ser com ou sem atipias. O diagnóstico pode ser suspeitado por ultrassonografia transvaginal com espessamento endometrial. O diagnóstico definitivo é por histeroscopia com biópsia de endométrio: - Hiperplasia sem atipias: glândulas dilatadas sem ramificações ou ramificações ocasionais ou glândulas endometriais mais próximas entre si, com menos estroma interposto, com ramificações. Suas células podem ou não exibir mitoses; O tratamento consiste em progestogênios – acetato de medroxiprogesterona 5 ou 10 mg/d, por 14 dias por mês, por três a seis meses, ou noretindrona 5 mg no mesmo esquema. Natalia Quintino Dias Entretanto, a melhor opção é o DIU com liberação de levonorgestrel. - Hiperplasias com atipias: Oferecem elevado risco de progressão para adenocarcinoma – de 10 a 30% – e são consideradas lesões pré-malignas. O tratamento preferencial é a histerectomia. Nas mulheres que desejam manter a fertilidade, pode- se tentar o progestogênio por via oral com biópsias sequenciais de endométrio para monitorizar a resposta ao tratamento em três e seis meses. Entretanto, a melhor opção também é a inserção do DIU com a liberação de levonorgestrel. - Câncer de endométrio: o câncer de endométrio é mais frequente em pacientes pósmenopausa. Classicamente se manifesta por sangramento pós- menopausa. Entretanto, a principal causa de sangramento pós-menopausa é atrofia endometrial. Os níveis de estrogênio são tão baixos que tornam o endométrio atrófico. Essa atrofia deixa o tecido friável e, portanto, com possibilidade de sangramento. Entretanto, toda paciente com sangramento pós-menopausa deve ser submetida a uma avaliação endometrial para excluir a possibilidade de câncer. Em mulheres no menacme, pode se manifestar por SUA. O seu diagnóstico definitivo é realizado, preferencialmente por histeroscopia com biópsia endometrial sob visualização direta. A principal causa de sangramento pós-menopausa é atrofia. Todavia, em toda paciente com esta queixa deve- se excluir a possibilidade de câncer de endométrio; - Câncer de colo uterino: a gênese do câncer do colo uterino ocorre pela ação do papilomavírus humano (HPV). A evolução das neoplasias intraepiteliais cervicais para o câncer de colo uterino é lenta. Quando a neoplasia invasora do colo uterino está presente, o seu crescimento com áreas friáveis e ulceradas podem levar ao sangramento pós coito, denominado sinusorragia. Por isso, todas as pacientes com queixa de sangramento devem ser examinadas. O exame especular é importante e pode identificar possíveis lesões vegetantes, friáveis e com alta suspeita de neoplasia invasora. As causas não estruturais (COEIN) de sangramento anormal são: Coagulopatias (C) Alterações na coagulação provocam SUA. A doença de von Willebrand é a anormalidade hematológica que mais afeta as mulheres. A suspeita de coagulopatias deve ser realizada quando os sangramentos menstruais excessivos ocorrem na puberdade, logo na menarca e nas primeiras menstruações. A queixa comum é a presença de sangramentos excessivos em fluxo e duração. A investigação envolve a solicitação do fator de Von Willebrand, fator VIII e cofator ristocetina. Ovulatórios (O) A anovulação pode gerar o aumento da duração do ciclo menstrual levando ao quadro de menstruações infrequentes. A sua ocorrência é comum nos extremos da vida reprodutiva. Na adolescência a imaturidade do eixo hipotálamo- hipófise-ovário leva a ciclos anovulatórios. Os pulsos de GnRH ainda não são suficientes para produzir níveis adequados de FSH com consequente pico de estradiol e de LH. Portanto, a ovulação não ocorre. A ausência de progesterona leva a períodos de estimulação endometrial estrogênica isoladamente. Como consequência, a adolescente costuma queixar-se de ciclos longos (menstruações infrequentes) e sangramentos excessivos quando ocorrem. - Os ciclos anovulatórios também são frequentes no climatério, mais especificamente na última fase, antes da ocorrência da menopausa. O esgotamento folicular leva à ineficiência do estradiol gerar o pico de LH. Dessa forma a ovulação não ocorre. As pacientes costumam apresentar ciclos menstruais mais longos (menstruações infrequentes) com consequentes sangramentos excessivos em fluxo e em tempo de duração; - Das causas patológicas de anovulação, a principal delas é a Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP). A ausência de pico de LH leva ao quadro de anovulação. Como consequência as pacientes apresentarão menstruações infrequentes podendo ser seguidas por sangramentos excessivos em fluxo e duração. Endometriais (E) A endometrite crônica pode resultar de infecções – clamídia, tuberculose, micoplasma. Entretanto, em Natalia Quintino Dias um terço das pacientes, não é possível identificar o fator causal. Podem apresentar-se assintomáticas (maioria) ou sintomáticas: dor à mobilização do colo uterino, sintoma mais comum, SUA – sangramento intermenstrual ou pós-coito– e dor pélvica vaga do tipo cólica. Geralmente, a endometrite crônica não é a causa direta do SUA, mas é a causa indireta ou contribuinte dele. Iatrogênica (I) Envolve qualquer tipo de sangramento causado por ação médica. As principais incluem a inserção de DIU, a prescrição de contraceptivos hormonais ou terapia hormonal e a indicação de anticoagulantes. - DIU: a presença do corpo estranho na cavidade uterina pode causar desequilíbrio entre prostaglandinas e tromboxano. Há, ainda, aumento na vascularização endometrial, congestão e degeneração no tecido endometrial. Esses fatores corroboram para o sangramento. A conduta envolve discutir com a paciente a sua retirada; - Contracepção hormonal e terapia de reposição hormonal: sangramento uterino normal pode ocorrer com métodos contraceptivos de progesterona apenas, além de sangramentos de escape irregulares e leves. Na contracepção hormonal combinada, também é comum sangramento de escape, principalmente no primeiro mês de uso da medicação – 30 a 50% das pacientes –, sendo atribuído à proliferação insuficiente ou atrofia endometrial. O sangramento de escape também pode ser chamado spotting. A conduta consiste em tranquilizar a paciente e substituir o método por outro com dose mais elevada de estrogênio, avaliando a necessidade em cada caso. A terapia de reposição hormonal, especialmente aquelas que usam esquema contínuo, provoca sangramento uterino irregular. Entretanto, quando esse sangramento persiste por mais de seis meses após seu início, deve-se descartar patologia uterina que o justifique; - Uso de anticoagulantes: a prescrição de fármacos anticoagulantes é classificada nas causas iatrogênicas de sangramento. A conduta consiste em reavaliar a indicação do anticoagulante e individualizar caso a caso. Não especificada (N) As causas não identificadas de sangramento entram neste grupo. Algumas doenças sistêmicas também podem ser causas de sangramentos anormais. Dentre elas, lista-se: doenças renal e hepática, doença tireoidiana.
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