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SP1- Artropatias Anatomia das articulações Articulações As articulações são construídas para permitir o movimento e suporte mecânico. Elas são classificadas em sólida (não sinovial) e cavitada (sinovial). As articulações sólidas, conhecidas como sinartroses, fornecem integridade estrutural e permitem um mínimo movimento. Elas não apresentam espaço articular e são agrupadas de acordo com o tipo de tecido conjuntivo (tecido fibroso ou cartilagem) que une as extremidades dos ossos; as sinartroses fibrosas incluem as suturas cranianas e as ligações entre as raízes dos dentes e os ossos da mandíbula; as sinartroses cartilaginosas (sincondroses) são representadas pelas sínfises (do manúbrio-esternal e do púbis). As articulações sinoviais, em contraste, possuem um espaço articular que permite uma ampla variedade de movimentos. Situada entre as extremidades dos ossos formados pela ossificação endocondral, elas são fortalecidas por uma densa cápsula fibrosa e reforçadas pelos ligamentos e músculos. O limite do espaço articular é formado pela membrana sinovial, que está firmemente ancorada à cápsula subjacente e não cobre a superfície articular. Seu contorno é liso, exceto próximo à inserção óssea, onde apresenta inúmeras dobras vilosas. As membranas sinoviais são revestidas por sinoviócitos, células cuboidais que estão organizadas de uma a quatro camadas de profundidade. Os sinoviócitos sintetizam ácido hialurônico e várias proteínas. O revestimento sinovial não possui membrana basal, o que permite uma rápida troca entre o sangue e o fluido sinovial. O fluido sinovial é claro e viscoso, é um filtrado de plasma contendo ácido hialurônico que age como um lubrificante e fornece nutrição para a cartilagem articular hialina. A cartilagem hialina é o único tecido conjuntivo adaptado de modo ideal para atuar como um absorvente elástico contra choques e superfície de resistência contra desgaste. Ela não possui suprimento sanguíneo nem drenagem linfática ou inervação. A cartilagem hialina é composta de colágeno tipo 2, água, proteoglicanos e condrócitos, cada um com funções específicas. As fibras colágenas permitem que o fluxo sanguíneo na rede capilar seja lento, facilitando a implantação e crescimento das células tumorais. A água dos proteoglicanos promove turgor e elasticidade à cartilagem hialina, desempenhando um papel importante na redução da fricção. Os condrócitos sintetizam e digerem enzimaticamente a matriz, com a meia-vida dos diferentes componentes variando de semanas (proteoglicanos) a anos (colágeno tipo 2). Os condrócitos secretam as enzimas degenerativas numa forma inativa e enriquecem a matriz com seus inibidores enzimáticos. As doenças que destroem a cartilagem articular atuam ativando as enzimas catabólicas e reduzindo a produção de inibidores, acelerando a destruição da matriz. Citocinas, tais como a IL-1 e TNF, desencadeiam o processo degenerativo e suas fontes incluem condrócitos, sinoviócitos, fibroblastos e células inflamatórias. A destruição da cartilagem articular por células nativas é um mecanismo importante em muitas doenças articulares. Tipos de articulação Articulações sinoviais: As articulações sinoviais são mais frequentemente encontradas ao longo dos membros. Para que uma articulação seja classificada como sinovial, os dois ossos adjacentes participantes da articulação devem ser revestidos por cartilagem hialina. Além disso, a articulação é envolvida por uma cápsula que envolve a cavidade articular. O interior da cápsula é coberto por uma membrana sinovial, que é responsável por produzir e secretar líquido sinovial que lubrifica a articulação, ajudando a reduzir o atrito entre as extremidades ósseas onde elas se articulam uma com a outra. A cápsula é reforçada ainda por ligamentos, tendões e músculo esquelético. Essas articulações são capazes de uma ampla gama de movimentos e, consequentemente, são mais suscetíveis a luxações. Existem vários exemplos de articulações sinoviais, todas capazes de uma gama variada de movimentos. Estas incluem: • a articulação esternoclavicular • o ombro • o cotovelo • o quadril • o joelho • a articulação radiocarpal • as articulações tibiofibulares proximais Articulações fibrosas: Em contraste com as articulações sinoviais, as articulações fibrosas são mais simples e menos móveis. As bordas articulares dos ossos são ligadas por tecido conectivo (conjuntivo) fibroso. A movimentação nessas articulações é desprezível. Articulações fibrosas são encontradas somente em três áreas ao longo do corpo. No crânio, por volta dos três anos, todas as fontanelas (regiões moles entre os ossos cranianos) se terão fundido. Os remanescentes, chamados de suturas cranianas, são conexões fibrosas (ligamentos suturais) que ocupam o espaço articular. Os ossos adjacentes irão ossificar completamente com o tempo, o que pode resultar em uma obliteração das linhas de sutura. Um segundo exemplo de articulações fibrosas são as articulações tibiofibulares (tibio-peroniais) distais e cuboideonavicular (entre os ossos cuboide e navicular). Elas são mantidas em sua posição por ligamentos interósseos, e são chamadas de articulações sindesmóticas (traduzido do grego, significando “mantidas unidas com uma faixa”). A articulação fibrosa final é encontrada na boca, onde a extremidade fixa dos dentes se articula com o alvéolo dentário. Essa articulação é chamada de gonfose. Articulações cartilaginosas: Articulações cartilaginosas são caracterizadas principalmente pelo fato de que elas conectam seus ossos vizinhos através de cartilagens. Elas exibem uma gama de movimentos que se encontra entre as articulações sinoviais e as fibrosas. Existem dois tipos de articulações cartilaginosas, as sincondroses e as sínfises. As sincondroses (traduzido do grego, significando “com cartilagem”) – também chamadas articulações cartilaginosas primárias – são articulações nas quais cartilagem hialina se encontra com osso. Essas articulações altamente imóveis podem ser observadas nas articulações costocondrais da cavidade torácica anterior e nas placas epifisárias dos ossos longos. As sínfises (cartilaginosas secundárias) são o segundo grupo de articulações cartilaginosas. Elas são encontradas primariamente ao longo da linha média do corpo. As características destas articulações incluem superfícies ósseas adjacentes revestidas por cartilagem hialina e conectadas por tecido fibroso, com algum grau de mobilidade. As articulações intervertebrais, a sínfise púbica e o ângulo manubrioesternal de Louis são todos exemplos de sínfises. Em alguns casos pode haver cavidades articulares, mas elas nunca são sinoviais em sua natureza. Exame físico das articulações Exame articular, tendões e músculos: É necessário perguntar, antes do início do exame se há alguma articulação que sente dor. Deve-se realizar: 1- Inspeção: Observar alterações de alinhamento, forma, volume, alteração da pele, deformidades e atrofias musculares. Sempre comparando os dois lados. 2- Palpação: Observar se tumefação, calor, crepitações, pontos dolorosos. 3- Mobilização: Testar mobilidade e amplitude de movimentos. Passiva e ativa. Definições Artrite é um termo usado para descrever diversas doenças que causam danos às articulações do corpo. A artrose (sinônimos: osteoartrose ou osteoartrite) é a forma mais comum de artrite. Caracteriza-se pela degeneração (ou “desgaste”) da cartilagem entre os ossos e isto pode fazer com que o atrito entre os ossos cause dor. Isto também pode fazer com que a articulação saia de sua posição normal. Osteoartrite A osteoartrite, também chamada de doença articular degenerativa, é o tipo mais comum de doença articular, é uma das 10 condições incapacitantes em nações desenvolvidas. É caracterizada pela erosão progressiva da cartilagem articular. O termo osteoartrite implica uma doença inflamatória; entretanto, apesar de célulasinflamatórias poderem estar presentes (por vezes em pequeno número), a osteoartrite é considerada uma doença intrínseca da cartilagem, na qual alterações biomecânicas e metabólicas em pacientes com suscetibilidade genética resultam no seu colapso. Na grande maioria dos casos, a osteoartrite aparece de forma insidiosa, sem uma causa aparente, como um fenômeno de envelhecimento (osteoartrite idiopática ou secundária). Nesses casos, é comum a doença afetar algumas poucas articulações (oligoarticular), mas pode ser generalizada. Em cerca de 5% dos casos, a osteoartrite pode aparecer em indivíduos jovens que apresentam alguma condição predisponente, tal como uma injúria articular prévia; deformidade congênita de desenvolvimento das articulações; ou alguma doença sistêmica de base como a diabetes, ocronose, hemocondrose ou obesidade acentuada. Fisiopatologia A osteoartrite é uma doença multifatorial com componentes genéticos e ambientais. Estudos de famílias e gêmeos sugeriram que o risco de osteoartrite está relacionado ao impacto de múltiplos genes associados, cada qual com um efeito pequeno. Os principais fatores ambientais relacionam-se ao envelhecimento e ao estresse bioquímico, influenciados pela obesidade, resistência muscular e estabilidade, estrutura e alinhamento articular. A associação com o envelhecimento é forte; a prevalência de osteoartrite aumentou exponencialmente nos anos 50, e cerca de 80% a 90% dos indivíduos apresentam evidência dessa doença aos 65 anos. Assim, a osteoartrite junto com a doença cardíaca e o câncer constituem os maiores gastos do paciente em idade avançada. Entretanto, é uma visão muito simplificada considerar a osteoartrite uma consequência inevitável do uso da cartilagem. Os mecanismos que levam ao desenvolvimento da osteoartrite são complexos e ainda não estão elucidados, mas os condrócitos são o centro do processo, podendo ser dividido em várias fases: 1. lesão condrocítica, relacionada ao envelhecimento e fatores genéticos e bioquímicos, 2. artrite inicial, na qual os condrócitos proliferam-se (clones) e secretam mediadores inflamatórios, colágenos, proteoglicanos e proteases, que agem juntos para remodelar a matriz cartilaginosa e iniciar as alterações inflamatórias secundárias no espaço sinovial e no osso subcondral; e 3. a osteoartrite tardia, na qual a lesão repetitiva e a inflamação crônica levam à degeneração de condrócitos, acentuada perda de cartilagem e alterações ósseas subcondrais extensas. Quadro clínico A osteoartrite é uma doença insidiosa. Pacientes com doença primária geralmente são assintomáticos até o final da quinta década de vida. Os sintomas característicos incluem dor profunda, que piora com o uso; rigidez matutina; crepitação e limitação da amplitude de movimentos. A compressão nos forames espinais por osteófitos resulta em pinçamento das raízes nervosas cervical e lombar, com dor articular, espasmo muscular, atrofia muscular e deficits neurológicos. É comum, somente uma ou algumas articulações estarem envolvidas, exceto em uma rara variante generalizada. As articulações na maioria das vezes envolvidas incluem quadris, joelhos, vértebras lombares inferior e cervical, articulações interfalangeanas proximal e distal dos quirodáctilos, primeiras articulações carpometacárpicas e primeiras articulações tarsometatársicas. Característicos em mulheres, mas não em homens, são os nódulos de Heberden – osteófitos proeminentes nas articulações interfalangeanas distais. Os punhos, cotovelos e ombros geralmente são poupados. Ainda não existem meios satisfatórios de prevenção de osteoartrite primária nem métodos efetivos de interromper sua progressão. A doença pode-se estabilizar durante anos, mas na maioria das vezes ocorre uma lenta progressão, sendo a segunda maior causa de incapacidade de longa duração, ficando atrás das doenças cardiovasculares. Sintomas: • Dor relacionada com o uso que afeta uma ou poucas articulações (dor em repouso e noturna é menos comum). • A rigidez após o repouso ou pela manhã pode ocorrer, mas costuma ser de curta duração (< 30 min). • Perda do movimento articular ou limitação funcional. • Instabilidadearticular. • Deformidade articular. • Crepitação articular ("estalos"). Exame físico • Monoartrite crônica ou oligo/poliartriteassimétricacrônicas. • Tumefaçãofirme ou "óssea" das margens articulares - p. ex., nódulos de Heberden (IFD da mão) ou de Bouchard (IFP da mão). • Sinovite leve com derrame não inflamatóriopode ocorrer, mas é incomum. • Crepitação - rangidos audíveis ou estalidos da articulação com movimentopassivo ou ativo. • Deformidade - como, p. ex., a OA do joelho - pode acometeros compartimentos medial, lateral ou patelofemoral, resultando em deformidades em varo ou valgo. • Restrição do movimento - como, p. ex., a limitação da rotação interna do quadril. • Anormalidades neurológicas objetivas podem ser observadas com o acometimento da coluna vertebral (podem afetar os discos intervertebrais, as articulações apofisárias e os ligamentos paravertebrais). Avaliação laboratorial • Avaliação laboratorial de rotina comumente normal. • VSG em geral normal, mas pode estar elevada nos pacientes com sinovite. • Exames para fator reumatoide e ANA negativos. • O líquido sinovial apresenta cor citrina com boa viscosidade; leucócitos no líquido < l.000/microL; tem valor para excluir artrite induzida por cristais, artrite inflamatória ou infecção. • As radiografias podem ser normais no início - no entanto, à medida que a doença progride, podem mostrar estreitamento do espaço articular, esclerose do osso subcondral, cistos subcondrais e osteócitos. As erosões se mostram diferentes daquelas das artrites reumatoide e psoriática, pois são subcondrais, ocorrendo ao longo da porção central da superfície articular. Tratamento Objetivo do tratamento: aliviar a dor e minimizar a perda da função física. Estratégias não farmacológicas destinadas a alterar as cargas por meio da articulação dolorida - consistem em orientação ao paciente, redução do peso, uso apropriado de bengala e outros apoios, exercícios isométricos para fortalecer os músculos ao redor das articulações afetadas, assim como órteses/bracing para corrigir o desalinhamento. • Creme tópico de capsaicina pode ajudar a aliviar a dor na mão ou no joelho. • Acetaminofeno, salicilatos,AINEs e inibidoresda ciclo-oxigenase2 (COX2) -devem ser avaliados com relação aos riscos e benefícios. • Tramadol: pode ser considerado nos pacientescujos sintomas não são controlados de modo satisfatóriopelos AINEs; por se tratar de um agonista sintético dos opioides, o hábito constitui uma preocupação potencial. • Glicocorticoidesintra-articulares -podem proporcionar alívio sintomático, porém seu efeito é de curta duração. • Ácido hialurônico intra-articular-pode ser administrado para a OA sintomática do joelho e quadril, porém ainda não foi esclarecido se sua eficácia vai além de um simples efeito placebo. • Glicosaminae condroitina - apesar de amplamente vendidas, ainda não foram aprovadas pelo FDApara serem usadas na OA. A comprovação de sua eficácia não foi estabelecida. • Os glicocorticoidessistêmicos não são usados no tratamento da OA. • Desbridamento artroscópico e lavagem - podem ser úteis no subgrupo de pacientes com OA do joelho em que a ruptura do menisco causa sintomas mecânicos, como bloqueio e falseio. Nos pacientes sem sintomas mecânicos, parece que tal modalidade não proporciona mais benefíciosdo que um simples placebo. • A cirurgia para substituição articular pode ser considerada nos pacientes com OA avançada que apresentam dor refratária e perda de função, bem como naqueles cuja terapia médica agressiva falhou. Artrite reumatoide A artrite reumatoide (AR) é um distúrbio inflamatório sistêmico que pode afetar diversos tecidos e órgãos: pele, vasossanguíneos, coração, pulmões e músculos, mas ataca principalmente as articulações, produzindo uma sinovite proliferativa e inflamatória não supurativa que em geral progride para a destruição da cartilagem articular e anquilose das articulações. Apesar da causa da artrite reumatoide permanecer desconhecida, a predisposição genética, ambiental e autoimunidade desempenham papéis importantes no desenvolvimento, progressão e cronicidade dessa doença. Cerca de 1% da população do mundo é afligida pela AR, sendo que as mulheres são três a cinco vezes mais afetadas do que os homens. Ela é mais comum entre 40 e 70 anos de idade, mas nenhum grupo etário está imune. Fisiopatologia Embora muita coisa ainda não esteja elucidada, atualmente acredita-se que a artrite reumatoide é desencadeada pela exposição de um hospedeiro geneticamente suscetível a um antígeno artritogênico, resultando na eliminação da autotolerância imunológica e reação inflamatória crônica. Desse modo, uma artrite aguda se inicia, mas ela é a continuidade da reação autoimune, com a ativação de células T helper CD4+ e a liberação local de mediadores inflamatórios e citocinas que por fim destroem a articulação. A suscetibilidade genética é o principal componente que contribui para a patogenia da artrite reumatoide (Alelos específicos de HLA- DRB1). Artritogênio ambiental: O artritogênio ambiental que pode ser o iniciador da doença permanece incerto. Os agentes microbianos, incluindo o vírus Epstein Barr, retrovírus, parvovírus, micobactéria, Borrelia, Proteus mirabilis e Mycoplasma foram associados, mas nenhum deles mostrou-se significante. Recentemente, as proteínas citrulinadas (proteínas modificadas por conversão enzimática de arginina em citrulina, muitas delas sendo fibrinas), formadas no corpo (especialmente em pulmões de fumantes), foram associadas com a patogênese da artrite reumatoide. A reação imune robusta a esses antígenos sugere que eles são um agente artritogênico potencialmente importante. Autoimunidade: Uma vez que a sinovite tenha iniciado, uma reação auto imune – na qual as células T desempenham um papel essencial – é responsável pela natureza destrutiva crônica da artrite reumatoide. O antígeno que induz essa reação não foi identificado de modo preciso. O efetor CD4+ ativado e células T de memória aparecem no interior de articulações afetadas precocemente. As células TH são importantes na reação inflamatória, porque recrutam neutrófilos e monócitos. As células TH1 também podem contribuir para a reação inflamatória. Cerca de 80% dos indivíduos com atrite reumatoide têm autoanticorpos (fatores reumatoides). Embora não seja um fator causador da doença, os complexos imunes circulantes são marcadores da atividade de doença. O fator reumatoide, entretanto, não está presente em alguns indivíduos com a doença (soronegativo) e algumas vezes é encontrado em outros estágios das doenças, inclusive em pessoas saudáveis. Os anticorpos para peptídeos modificados por citrulina (anticorpos de peptídeos anticíclicos citrulinados [CCP]) foram recentemente identificados em muitas pessoas com artrite reumatoide e raramente em pessoas com outras doenças inflamatórias ou indivíduos saudáveis. Esses anticorpos são produzidos em regiões de inflamação e reconhecidos como sendo de certo modo específicos para artrite reumatoide. Evidências sugerem que níveis aumentados de anticorpos de anti-CCP em combinação com reposta da célula T a proteínas citrulinadas contribuem para a doença se tornar crônica. Os mediadores inflamatórios ativam células endoteliais na sinóvia e então facilitam a ligação leucocitária e a transmigração. Também acarretam produção aumentada de metaloproteinases da matriz de cartilagem, o que junto aos complexos antígeno-anticorpos são importantes na destruição da cartilagem articular. Além disso, são potentes estimulantes da osteoclastogênese e atividade osteoclástica pela produção de RANK. O RANKL também é expresso pelas células T e sinoviócitos ativados. Como resultado, a sinóvia edematosa, hiperplásico e pegajoso (os sinoviócitos aumentam a produção de moléculas de adesão celular), rica em células inflamatórias, torna-se aderente e cresce sobre a superfície articular, formando o pannus e estimulando a absorção do osso adjacente. Por fim, o pannus gera uma destruição irreversível da cartilagem e erosão do osso subcondral. Dessa sopa alfabética de mediadores inflamatórios e citocinas, apenas um foi associado firmemente à patogênese da artrite reumatoide – o TNF. Felizmente, a prova desse envolvimento provém de ensaios de antagonistas específicos de TNF, que provocam edema e dor, e parecem promover a progressão da doença. Quadro clínico O curso clínico da artrite reumatoide é extremamente variável. A doença se inicia de modo lento e de forma insidiosa em mais da metade dos pacientes afetados. Inicialmente, o paciente relata mal-estar, fadiga e dor musculoesquelética generalizada e só após várias semanas a meses e as articulações são envolvidas no processo. O padrão do envolvimento das articulações varia, mas em geral é simétrico e as pequenas articulações são afetadas antes das maiores. Os sintomas com frequência se desenvolvem nas mãos (articulações interfalangeanas proximais e metacarpofalangeanas) e pés, seguidos pelo punho, cotovelo, tornozelo e joelho. Raramente, a cervical superior está envolvida, mas a região lombossacral e quadris geralmente são poupados. As articulações envolvidas apresentam-se edemaciadas, quentes, dolorosas e em particular rígidas pela manhã ou após uma inatividade. Aproximadamente 10% dos pacientes afetados passam por períodos agudos de vários dias com sintomas graves e envolvimento poliarticular. O paciente típico tem envolvimento articular progressivo durante um período de meses a anos, com limitação inicial mínima do movimento que de forma progressiva se torna mais grave. O curso da doença pode ser lento ou rápido e flutua por anos, com o maior dano ocorrendo nos primeiros 4 ou 5 anos. O diagnóstico é baseado principalmente nas características clínicas e inclui a presença de quatro dos seguintes critérios: • rigidez matinal, • artrite em três ou mais áreas articulares, • artrite de articulações típicas das mãos, • artrite simétrica, • nódulos reumatoides • fator reumatoide sérico • alterações radiográficas típicas. Achados radiológicos Os marcos radiológicos são osteopenia justarticular e erosões ósseas, além de estreitamento do espaço articular com perda da cartilagem articular. A destruição dos tendões, ligamentos e cápsulas articulares produzem deformidades características, incluindo o desvio radial do punho, desvio ulnar dos dedos e anormalidades em flexão-hiperextensão dos dedos (pescoço de cisne, botoeira). O resultado final é a presença de articulações deformadas, que não apresentam estabilidade e mínima ou nenhuma amplitude de movimento. Grandes cistos sinoviais, como o cisto de Baker na face posterior do joelho, podem-se desenvolver conforme o aumento da pressão intra-articular leva ao aparecimento de projeções na sinóvia. Tratamento O tratamento da artrite reumatoide tem o objetivo de aliviar a dor e inflamação, retardar ou conter a destruição articular. O tratamento inclui corticoides e drogas sintéticas e biológicas modificadoras de doença tais como metotrexato e, de modo mais notável, antagonistas de TNF. Como mencionado anteriormente, elas são muito efetivas e agora constituem o principal agente de tratamento. Além disso, previnem ou retardam a destruição articular, que é a principal fonte de incapacidade, e alteram a história natural da doença para melhor. Entretanto, agentes antiTNF não são curativos e os pacientes devem estar mantidos sob ação de antagonistas de TNF ou outras drogas imunossupressoras para evitar o retorno da doença. Inclusive, ao inibir a atividade de um mediador inflamatórioimportante, existe um preço a ser pago, pois os pacientes tratados com agentes anti-TNF são suscetíveis a certas infecções, particularmente M. tuberculosis. Artrite idiopática juvenil (AIJ) A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) compreende um conjunto de artropatias crônicas que ocorrem na infância, mais precisamente em idades inferiores a 16 anos, que persiste por no mínimo 6 semanas, e que possui etiologia incerta, embora haja sabido envolvimento de fatores imunológicos, infecciosos e genéticos. A AJI difere da artrite reumatoide em adultos nos seguintes aspectos: • a oligoartrite é mais comum, • a doença sistêmica é mais frequente, • articulações grandes são afetadas com mais frequência do que pequenas articulações, • os nódulos reumatoides e o fator reumatoide geralmente estão ausentes e • soropositividade para anticorpo antinuclear (ANA) é comum. Assim como na artrite reumatoide, o risco está associado à suscetibilidade genética (com alelos HLA específicos) e fatores ambientais; a heterogeneidade da doença indica que diferentes fatores podem estar envolvidos em diferentes pacientes. A sinovite inflamatória e alterações morfológicas são similares às da artrite reumatoide. Existe uma evidência de imunorregulação anormal e a prevalência de células T de memória CD4+ ativadas dentro das articulações envolvidas; a produção de citocina é proeminente e ajuda a controlar o processo. São descritas sete diferentes categorias da AIJ, sendo elas: artrite sistêmica, poliartrite com fator reumatoide positivo, poliartrite com fator reumatoide negativo, oligoartrite, artrite psoriática, artrite relacionada à entesite e artrite indiferenciada. Epidemiologia A AIJ é a forma crônica mais comum de doença reumática em crianças. Sua ocorrência é amplamente variável conforme a região geográfica, o que pode ser atribuído não apenas a fatores ambientais e populacionais (genéticos), mas também à utilização de diferentes critérios de classificação e diagnóstico. No Brasil, afirmam que a inexistência de estudos com a população portadora de AIJ nos faz desconhecer a prevalência e a incidência da doença em nosso meio. A forma de início mais comum de AIJ é a oligoarticular, seguido da forma poliarticular e depois do início sistêmico. Nas formas oligo e poliarticular, observa-se um predomínio do sexo feminino (3:1 e 5:1, respectivamente), mas na forma de início sistêmico não há preferência por sexo. O pico de incidência é descrito por volta de 2- 4 anos de vida para a forma oligoarticular. Na poliarticular, há dois picos etários: 2-4 anos e 10- 14 anos. A forma de início sistêmico tem distribuição homogênea ao longo do tempo, sem apresentar picos de incidência por faixa etária. Uma distribuição bimodal para a idade de início indica um pico em crianças com menos de cinco anos e outro no grupo de 10 a 16 anos de idade. Fisiopatologia Embora os quadros clínico e patológico estejam bem documentados, a etiologia é desconhecida. Pouco se sabe sobre os mecanismos que levam à quebra de tolerância e a doenças autoimunes, mas suspeita-se que um fator do meio ambiente deva interagir com a presença da suscetibilidade genética. Dentre os fatores do meio ambiente, os mais citados são os agentes infecciosos que levariam à quebra de tolerância e à autoimunidade em indivíduos geneticamente suscetíveis. A suscetibilidade genética é sugerida pela alta concordância do subtipo de AIJ que foi observada em irmãos, mas também pela maior associação de alguns subtipos com determinados antígenos do sistema HLA. Os resultados do primeiro estudo de genoma em crianças com AIJ suporta que vários genes além do HLA afetam a suscetibilidade para AIJ. Várias anormalidades imunológicas têm sido relatadas. Diferentes perfis de citocinas têm sido associados com diferentes subtipos de AIJ, sugerindo que a alteração da regulação de algumas citocinas pode contribuir para a apresentação da doença, embora os resultados sejam inconclusivos quanto a sua real importância. A presença de anticorpo antinuclear é muito comum na oligoartrite e está associada ao maior risco de uveíte anterior crônica. A presença de fator reumatoide define um subtipo de AIJ que apresenta semelhanças com a artrite reumatoide e, como nos adultos, pode estar associado à presença de anti-CCP (anticorpo antipeptídeo cíclico citrulinado). A patogênese da AIJ ainda não foi totalmente elucidada. Sabe-se que envolve a combinação de diversas células inflamatórias ativadas através de uma resposta dirigida contra auto-antígenos em indivíduos geneticamente predispostos. Essa patologia é descrita como uma doença autoimune associada tanto na imunidade humoral como na mediada por células. Além disso, segundo cientistas, no tocante à imunidade humoral, há aumento de autoanticorpos, especialmente os antinucleares, produzidos por células B, e de fator reumatoide. Por outro lado, os Linfócitos T possuem papel central, e são recrutados para autoantígenos na sinóvia articular, sendo que ainda é desconhecida a natureza desses antígenos, embora alguns estudos citem as proteínas do choque térmico e o colágeno tipo II, a fibrilina, metaloproteinases de matriz e agreccan como auto antígenos importantes. A inflamação é adicionada com o consumo de complemento e deposição de imunocomplexo. Manifestações clínicas Artrite sistêmica O subtipo de início sistêmico é o mais grave e possui características que lembram as doenças auto inflamatórias, com grande participação do sistema de imunidade inata. No início da doença, predominam a febre e outras manifestações sistêmicas e, em cerca de 10% dos pacientes, a artrite terá início tardio, surgindo após algumas semanas ou meses das manifestações sistêmicas. Esse subtipo de AIJ ocorre em 4-17% dos casos, não tendo predomínio em algum gênero. O quadro clínico é caracterizado por febre intermitente com duração mínima de 2 semanas acompanhada de pelo menos um dos seguintes sintomas: rash cutâneo (geralmente pouco pruriginoso, e localizado em tronco e região proximal de membros), adenomegalia generalizada, hepatoesplenomegalia e serosites. Clinicamente se caracteriza por febre geralmente persistente, organomegalia, disfunção do sistema nervoso central, sintomas hemorrágicos e, laboratorialmente, por queda da velocidade de hemossedimentação, citopenia, hipofibrinogenemia e aumento da ferritina, enzimas hepáticas, desidrogenase lática, Ddímeros, triglicerídeos, prolongamento do tempo de protrombina e do tempo parcial da tromboplastina. Poliartrite com fator reumatoide positivo Esse tipo de AIJ tem envolvimento articular semelhante ao da artrite reumatoide do adulto que é simétrica, progressiva, com acometimento preferencial pelas articulações periféricas, cervical e temporomandibular. A doença afeta 5 ou ou mais articulações durante os 6 primeiros meses da doença e quando o teste de fator reumatoide (FR) é realizado, seu resultado é positivo. A prevalência desse subtipo é de cerca de 10% de todos os casos, sendo mais frequente no sexo feminino. Poliartrite com fator reumatoide negativo Quadro com semelhança à poliartrite com FR positivo, ou seja, afetando 5 ou mais articulações durante os 6 primeiros meses de doença, porém aqui o anticorpo referido é negativo ao exame. Esse subtipo acomete cerca de 20-30% das crianças com artrite idiopática juvenil e possui predominância no gênero feminino. Oligoartrite Compreende os casos que envolvem de uma a quatro articulações, durante os primeiros 6 meses de enfermidade. É o tipo mais comum da doença, podendo chegar a 50-60% dos casos, e também de acometimento preferencial no sexo feminino. Os joelhos e tornozelos são as articulações mais afetadas e, geralmente, esse acometimento é assimétrico. A dor causada pela oligoartrite na AIJ, na maioria das vezes, não é intensa e o maior motivo de busca por atendimento é devido ao surgimento de edema articular. Podehaver manifestações extra articulares, sendo a uveíte (inflamação da camada média do olho - úvea) anterior crônica a mais temida delas. O início é insidioso e por vezes assintomático, porém os enfermos podem queixar-se de redução na acuidade visual, dor ocular, hiperemia conjuntival, lacrimejamento, fotofobia e cefaleia. Esta complicação está relacionada à presença de anticorpos antinucleares e o exame oftalmológico com lâmpada de fenda está indicado para todos os portadores desse subtipo de AIJ. Artrite psoriásica A AIJ psoriática é aquela em que o quadro de artrite surge concomitantemente com manifestações cutâneas caraterísticas da psoríase ou, caso tais lesões cutâneas não estejam presentes, que a artrite seja associada à pelo menos dois dos seguintes sinais: dactilite, onicólise ou outra alteração ungueal que curse com sulcos ou depressões, presença de histórico familiar de psoríase em parente de primeiro grau. Artrite relacionada à entesite (ARE) Entesite consiste na inflamação dolorosa nas inserções tendíneas e ligamentares dos ossos. No presente subtipo, a artrite é assimétrica e acomete principalmente membros inferiores (tornozelo e joelho, principalmente), bem como articulações sacroilíacas e da coluna, podendo desenvolver espondilite anquilosante. O paciente não necessariamente necessita de ter artrite e entesite associadas para se enquadrar neste diagnóstico, uma vez que, segundo os critérios da ILAR, o indivíduo pode ter um ou outro somado à dois ou mais dos seguintes sintomas: dor em articulação sacroilíaca e/ou dor em coluna lombossacral, uveíte anterior aguda, quadro de artrite iniciado após os 6 anos de idade, presença do gene HLA-B27; histórico familiar de artrite relacionada à entesite, espondilite anquilosante, sacroileíte com doença inflamatória intestinal, síndrome de Reitter, ou uveíte anterior em parente de primeiro grau. Artrite indiferenciada São aquelas que não preenchem os requisitos para os quadros anteriormente descritos ou se enquadram eu dois ou mais dos mesmos. Exames laboratoriais Alguns exames servem para auxiliar na classificação e no diagnóstico diferencial, outros mostram a extensão da atividade inflamatória e, durante o acompanhamento, alguns terão o objetivo de detectar efeitos adversos das drogas em uso. Hemograma No hemograma, os índices hematológicos refletem a extensão da inflamação. Anemia, leucocitose e trombocitose são acentuadas nos pacientes sistêmicos, moderadas nos poliarticulares, leves ou inexistentes nos oligoarticulares. As doenças crônicas levam à anemia e, portanto, essa é uma manifestação comum na AIJ. Leucocitose com aumento de polimorfonucleares pode chegar até 20 ou 30 mil nos sistêmicos, enquanto a presença de leucopenia e trombocitopenia faz repensar o diagnóstico, mas pode representar efeitos colaterais de algumas drogas usadas no tratamento, ou ser manifestação da citopenia que caracteriza a síndrome de ativação macrofágica (SAM). As provas de atividade inflamatória, que são inespecíficas, podem alterar-se em qualquer tipo de AIJ. Os exames mais empregados para esse fim são a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C reativa. Os valores caem paralelamente com a diminuição da atividade, embora a VHS normal não exclua a presença de atividade inflamatória e pode estar diminuída ou normal na vigência da SAM. A ferritina costuma estar bastante elevada, acompanhando a atividade inflamatória, e pode chegar a valores superiores a 10.000 ng/dL na SAM, sendo, portanto, um exame importante na suspeita dessa complicação. Outras proteínas alteram-se durante a inflamação: a albumina diminui enquanto as imunoglobulinas e proteínas do sistema do complemento elevam-se em resposta à fase aguda. Testes imunológicos -> Anticorpo antinuclear: Os anticorpos antinucleares (ANA), também chamados de fatores antinucleares (FAN), são demonstrados no sangue de pacientes com muitas enfermidades reumáticas, inflamatórias, infecciosas, neoplásicas e depois do uso de diversas drogas. A positividade está presente em alguns casos dos subtipos de AIJ poliarticular, oligoarticular e psoriásica. Os padrões são geralmente ou homogêneo ou pontilhado, e os títulos baixos ou moderados, em torno de 1:160 a 1:320, não guardam relação com a evolução ou gravidade da enfermidade. Clinicamente, a solicitação de ANA tem 2 objetivos: se negativo em pacientes com manifestações sistêmicas, tornar improvável o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico ou doença mista do tecido conectivo, e se positivo, principalmente em pacientes do sexo feminino, em idade pré-escolar e com oligoartrite, pelo maior risco de desenvolverem iridociclite crônica, já que nesses casos chega a ser positivo em 70 a 90%. -> Fator reumatoide: O fator reumatoide (FR) detectado pela prova do látex está presente em uma pequena porcentagem de pacientes com AIJ, caracterizando o grupo com poliartrite e fator reumatoide positivo. É necessário que o teste seja positivo pelo menos 2 vezes no intervalo de 3 meses. A positividade não está restrita à artrite reumatoide de adultos ou aos poucos pacientes de AIJ, já que pode ser encontrada também em diversas doenças reumatológicas, algumas infecções crônicas e em 5% da população adulta normal. -> Anticorpos anti-CCP (anti-cyclic citrullinated peptide antibodies) ou anti- ACPA (anti-citrulinated protein antibodies): Estes anticorpos têm valor limitado na AIJ pois são encontrados principalmente em pacientes com poliartrite FR positiva. -> HLA B27: Correlações entre tipos de HLA e subtipos de AIJ têm sido relatadas, sugerindo que os subtipos diferem no âmbito imunogenético. De modo geral, na prática, solicita-se apenas a pesquisa do HLA-B27, que é um dos critérios que pode auxiliar na classificação da ARE mas que também auxilia nos critérios de exclusão dos outros subtipos. Função hepática: O aumento de transaminases pode indicar o envolvimento hepático benigno causado pela própria AIJ sistêmica, refletir a hepatotoxicidade da maioria das drogas usadas durante o tratamento, ou alertar para a gravíssima complicação que é a SAM. Função renal: Alterações no sedimento urinário podem refletir a presença de efeitos colaterais renais causados pelos anti- -inflamatórios não hormonais. Apesar de a amiloidose ser complicação temida em pacientes sistêmicos com atividade inflamatória persistente durante anos, expressando-se frequentemente com proteinúria, atualmente, é muito rara. Coagulograma: Evidências de distúrbios da coagulação, como aumento do tempo de protrombina e tromboplastina parcial, hipofibrinogenemia, níveis elevados de produtos de degradação de fibrina e deficiência de fatores de coagulação, são encontrados nos pacientes com AIJ complicada com a SAM. Líquido sinovial De modo geral, não se costuma solicitar análise de líquido sinovial, exceto nos casos de monoartrite, na fase inicial, para descartar outras causas de artrite, principalmente a artrite séptica. Nos casos de artrite crônica, o líquido sinovial é levemente inflamatório, de coloração amarela, discretamente turvo, com uma quantidade variável de leucócitos (2.000 até 100.000), sem guardar uma relação com a gravidade da enfermidade. Biópsia sinovial: Nos casos duvidosos, a biópsia sinovial, de preferência feita sob artroscopia, pode ser indicada. Os achados histopatológicos são inespecíficos e devem ser diferenciados de outras causas de artrite, como a artrite tuberculosa, a sarcoidose e sinovite vilonodular. Exames de imagem Radiografia simples As radiografias são os métodos de imagem mais solicitados. Na fase inicial, os exames radiológicos não ajudam no diagnóstico, mas servem para afastar outras enfermidades, às vezes mais graves ou que necessitam de diagnóstico e tratamento mais precoces, como neoplasias, infecções e fraturas. As radiografias devem ser sempre bilaterais para permitir a comparação com estruturasnormais quando apenas um lado for acometido. Na fase inicial da artrite, as alterações consistem em aumento de partes moles, alargamento do espaço articular, osteoporose periarticular e neoformação óssea periosteal principalmente em falanges, metacarpais e metatarsais. Na fase tardia, geralmente após mais de 1 ano de evolução, as alterações consistem em discrepância no crescimento dos ossos, anquilose, estreitamento do espaço articular, formação de pseudocistos e erosões marginais, desalinhamento, subluxações e osteoporose generalizada. As anomalias de crescimento localizado mais comuns são observadas em joelhos, resultante de um crescimento exagerado das epífises, principalmente quando a doença tem início nos 3 primeiros anos de vida. A patela pode mostrar maturação acelerada. Várias outras estruturas evoluem com hipodesenvolvimento, principalmente a ulna, metacarpais, metatarsais, quadris, coluna cervical, articulação temporomandibular, ombros e cotovelos. As alterações erosivas visíveis radiologicamente são mais tardias. Inicialmente, a perda da cartilagem é percebida como redução do espaço articular e, posteriormente, quando a inflamação alcança o osso, surgem pseudocistos, erosões e lesões destrutivas extensas. A presença de desvios, contraturas e subluxações geralmente é determinada pelas forças musculares anormais exercidas na articulação afetada. Na coluna cervical, o aparecimento de subluxação atlantoaxial pode ser observada e ser causa de comprometimento neurológico. Nos dedos, as forças anormais de estresse sobre as articulações já afetadas levam a contraturas e subluxações responsáveis por deformidades em “pescoço de cisne”. São comuns contraturas em flexão de cotovelos, joelhos e quadris, valgo de joelhos, valgo ou varo da articulação subtalar, e desvio ulnar do punho. São múltiplas as causas que determinam osteoporose generalizada no paciente com AIJ, principalmente naqueles de início sistêmico. O osso enfraquecido torna-se então mais vulnerável a fraturas, principalmente as supracondilianas do fêmur e as de compressão vertebral. As entesites causam lesões que podem ser visualizadas como erosões ou proliferação óssea, por exemplo, o esporão do calcâneo. Tratamento O tratamento da AIJ consiste em um programa conservador inicial que tem por objetivo aliviar a dor, manter a posição e movimentação das articulações, prevenir deformidades secundárias, minimizar a atrofia e a osteoporose, preservar a integridade psicológica proporcionando as condições adequadas para o bem-estar físico, mental e social. Para atingir esses objetivos é necessária a combinação de intervenção farmacológica, terapia física e ocupacional e suporte psicossocial. São vários os profissionais envolvidos no programa básico de tratamento. Cabe ao reumatologista harmonizar o trabalho do restante da equipe, composta de fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, oftalmologista, ortopedista, ortodontista, assistente social, enfermeira e psicólogo. O tipo de AIJ, sua gravidade e evolução determinam a sequência de medidas que devem ser aplicadas, pesando-se bem os riscos e benefícios. • Orientação aos pais e à escola (a frequência normal à escola deve ser estimulada, e a instituição deve ter conhecimento das dificuldades da criança). • Imunizações: O esquema de vacinas deve ser revisto e, nos casos de vacinação incompleta, deve-se buscar a sua atualização antes da introdução de drogas imunossupressoras. • Acompanhamento oftamológico: É indispensável o acompanhamento oftalmológico na AIJ. Dessa maneira, a uveíte anterior crônica, frequentemente assintomática, pode ser descoberta ao exame com lâmpada de fenda e permitir o tratamento em suas fases iniciais, antes de surgirem lesões irreversíveis, trazendo chances de melhor prognóstico. Além da uveíte, os olhos podem sofrer efeitos colaterais de drogas como os corticosteroides, sendo mais um motivo para o acompanhamento oftalmológico periódico. Tratamento farmacológico O tratamento com drogas tem por finalidade agir nas manifestações articulares e extra-articulares, bem como nas complicações relacionadas com a persistência da atividade de doença, como o déficit estatural e a osteoporose. Os grupos de drogas mais utilizadas no tratamento da artrite crônica são anti-inflamatórios não hormonais, corticosteroides, drogas antirreumáticas modificadoras de doença e agentes biológicos. Terapias experimentais incluem a participação de novos agentes biológicos, talidomida e transplante de célula- tronco autóloga. Atualmente, os parâmetros de avaliação que determinam objetivamente o benefício terapêutico e ajudam a decidir sobre a sua eficácia e a necessidade de mudanças são 6: número de articulações edemaciadas, número de articulações com limitação dos movimentos; avaliação global da doença pelo médico, pela família e/ou paciente em escalas analógicas visuais de 10 cm, VHS ou proteína C reativa; e avaliação funcional pelo c- HAQ (childhood health assessment questionnaire) (questionário de avaliação de saúde aplicado para crianças). Anti-inflamatórios não hormonais Os anti-inflamatórios não hormonais (AINH) são as drogas de primeira linha no controle dos sinais inflamatórios e, dependendo do tipo de AIJ, alguns pacientes necessitam apenas desse tipo de droga para o controle da sintomatologia. Os AINH têm efeito analgésico, antipirético e anti- inflamatório, mas este último efeito geralmente é mais tardio, levando algumas semanas para se manifestar. Os efeitos colaterais mais comuns dos AINH afetam o tubo digestivo. Como estratégias para diminuir os efeitos colaterais, recomenda-se a administração de drogas que diminuem a secreção ácida, como os antagonistas de receptores de H2, ou as que inibem a bomba de prótons, como o omeprazol. Corticosteroides Os corticosteroides podem ser administrados sob a forma de colírios nos casos de uveíte, diretamente dentro da articulação, ou, sistemicamente, por via oral ou em pulsos endovenosos, dependendo da indicação clínica. A triancinolona hexacetonida usada por via intra- articular têm sido uma excelente arma no tratamento da oligoartrite que não respondeu aos AINH. A aplicação da injeção deve ser feita com todo o cuidado, de preferência de modo indolor, sob anestesia geral em crianças pequenas ou sob sedação e analgesia em crianças maiores, diminuindo a ansiedade e o desconforto associados à aplicação. O procedimento não é isento de risco e o efeito colateral mais frequente é a lesão tissular expressa por atrofia cutânea, subcutânea, despigmentação e telangiectasias. Outras vezes, surgem calcificações intra ou periarticulares que podem regredir espontaneamente. Em articulações pequenas e de difícil acesso, o acetato de metilprednisolona pode ser a droga de escolha. Apesar da potente ação anti-inflamatória, geralmente é feito todo esforço para evitar a terapêutica sistêmica com esteroides a fim de não tornar o paciente dependente da droga e minimizar a possibilidade de efeitos colaterais, principalmente o déficit de crescimento e a osteoporose. O uso de altas doses de corticosteroides por via oral ou pulsos endovenosos (até 30 mg/kg/dia, máximo de 1.000 mg) está indicado no envolvimento sistêmico grave como febre persistente, pericardite, miocardite e síndrome de ativação macrofágica. Drogas modificadoras de doença Atualmente, as drogas antirreumáticas modificadoras de doença são empregadas com o objetivo de controlar a doença e, com isso, melhorar o prognóstico. A possibilidade de causarem sérios efeitos colaterais existe; portanto, só devem ser empregadas por médicos capazes de pesar cuidadosamente os seus benefícios e a sua toxicidade. As opções de drogas de 2a linha no tratamento da AIJ são: metotrexato (MTX), sulfassalazina, leflunomida e ciclosporina (importante indicação da ciclosporina é na SAM que não respondeu aos corticosteroides, ou até como drogade 1ª linha). Metotrexato A tendência é usar o MTX precocemente, assim que o diagnóstico de AIJ com envolvimento poliarticular é feito. A dose inicial de 10 mg/m²/semana pode ser aumentada, em casos não responsivos, para 15 mg/m²/semana. A remissão da artrite com MTX é alcançada em cerca da metade dos pacientes mas, infelizmente, metade deles recidiva após a suspensão da droga. Os principais efeitos colaterais são náuseas e vômitos (13%), aumento de transaminases (15%) e estomatite (3%). Diferentemente de outros imunossupressores, age mais como imunomodulador e parece ser mais aceitável, pois não tem demonstrado oncogênese em crianças ou esterilidade no longo prazo. Sulfassalazina A sulfassalazina mostra-se eficaz em alguns pacientes com artrite relacionada à entesite, na dose de 30 a 50 mg/kg/dia (máximo de 2 g) em 3 a 4 doses diárias. Agentes biológicos Os agentes biológicos são uma opção terapêutica em pacientes resistentes à terapêutica convencional. Anti-TNF-alfa Atualmente, existem 3 tipos de medicação anti- TNF-alfa disponíveis para crianças no Brasil: • etanercepte (receptor solúvel de TNF- alfa), • infliximabe (anticorpo monoclonal quimérico (humano-murino) com ação anti-TNF-alfa e • adalimumabe (anticorpo monoclonal humanizado anti-TNF-alfa) mas há outros em estudo. São drogas de ação rápida, bastante eficazes mesmo em pacientes que não responderam ao tratamento com drogas modificadoras de doença, principalmente aquelas com envolvimento poliarticular ou com artrite relacionada à entesite. A troca de drogas anti-TNF pode ser benéfica e eficaz em paciente não responsivo ou que apresentou efeito colateral a um outro anti-TNF- alfa. Em geral os efeitos colaterais são leves: dor no local da aplicação, infecções respiratórias leves ou moderadas. Assim como em adultos, existe o risco de tuberculose e por isso recomenda-se fazer PPD e radiografia de tórax antes de iniciar ao tratamento. O paciente não deve receber vacinas vivas durante o tratamento. Recentemente foram relatados casos de doenças malignas, principalmente linfomas, em crianças com AIJ ou doença de Crohn, recebendo medicação anti-TNF, mas não ficou claro se foi ocorrência maior do que a esperada nessa faixa etária. Fenômenos autoimunes são descritos como efeito adverso: positivação de anticorpo antinuclear, psoríase, diabete melito, lúpus induzido por drogas, vasculite cutânea e desmielinização do sistema nervoso central. CTLA4-Ig O abatacepte é um agente biológico que atua como inibidor da coestimulação da célula T (CTLA- 4 Ig). É eficaz na poliartrite, mesmo em pacientes que falharam com os medicamentos anti-TNF-alfa. É administrado por via venosa. Os efeitos adversos são leves, e são raros os casos de infecções graves. Nos Estados Unidos, é aprovado para crianças com mais de 4 anos e no Brasil, acima de 6. Anti-IL6 A IL-6 é uma citocina muito importante na artrite sistêmica e o tocilizumabe, um anticorpo anti-IL-6, é bastante eficaz nesse tipo de artrite. Os efeitos adversos incluem anafilaxia, perfuração gastrointestinal, infecções e hiperlipidemia. A droga também foi eficaz na poliartrite. Tratamento do déficit estatural O déficit estatural é um problema importante em pacientes com AIJ, principalmente na forma sistêmica. Ele está diretamente relacionado com a persistência e a intensidade da atividade inflamatória da doença e pode ser agravado pelo uso crônico de glicocorticosteroides. Obviamente, o objetivo para se alcançar o crescimento ideal é obter o controle da atividade inflamatória. Há um pequeno número de estudos utilizando o hormônio de crescimento recombinante em pacientes com AIJ. Os resultados mostram-se favoráveis na dependência ou não da atividade da doença. Tratamento e prevenção da osteoporose A osteoporose, outra complicação frequentemente observadas em pacientes sistêmicos e poliarticulares, guarda relação com a persistência e a intensidade da atividade inflamatória, uso de glicocorticosteroides, diminuição da atividade física, baixo índice de massa corpórea e frequente atraso da puberdade. Segundo as normas do American College of Rheumatology (ACR), toda criança recebendo esteroides deve ser tratada preventivamente com vitamina D e suplementação de cálcio. As medidas preventivas devem estar voltadas para melhor nutrição, adequada ingestão de cálcio, aumento de atividade física e níveis normais de vitamina D. Terapia física e ocupacional A fisioterapia é uma das partes mais importantes do tratamento da AIJ. Deve ser instituída em pacientes de qualquer idade, já nas fases iniciais da doença, prevenindo deformidades articulares, conservando massa e força muscular. As modalidades de terapia física empregadas são: cinesioterapia, hidroterapia e termoterapia. As órteses são parte importante do tratamento. Os punhos, joelhos e tornozelos com artrite podem necessitar de órteses para uso noturno que os mantenham na melhor posição possível, prevenindo deformidades. Nos casos de discrepância de tamanho dos membros, resultante de acometimento de joelhos ou tornozelos, um calço sob o calcanhar pode ser utilizado na perna mais curta. O terapeuta ocupacional é útil ao planejar os recursos necessários à vida diária dos pacientes gravemente afetados. Tratamento ortopédico A colaboração do ortopedista nas fases iniciais da doença consiste em auxiliar no diagnóstico diferencial, realizando artroscopia ou biópsia sinovial. Nas fases mais avançadas, com a destruição da articulação e contraturas que não responderam às medidas conservadoras, a artroplastia e a sinovectomia podem ser consideradas.
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