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Maria Eduarda Fernandes «Transtorno Depressivo»
🠖🠖 Humor
O humor pode ser definido como uma emoção ou um tom de
sentimento difuso e persistente que influencia o
comportamento de uma pessoa e colore sua percepção de
ser no mundo. Os transtornos do humor – às vezes
chamados de transtornos afetivos – constituem uma
categoria importante de doença psiquiátrica, consistindo em
transtorno depressivo, transtorno bipolar e outros
transtornos.
🠖 Os transtornos depressivos incluem: transtorno disruptivo
da desregulação do humor, transtorno depressivo maior
(incluindo episódio depressivo maior), transtorno depressivo
persistente (distimia), transtorno disfórico pré-menstrual,
transtorno depressivo induzido por substância ou
medicamento, transtorno depressivo devido a outra
condição médica, outro transtorno depressivo especificado e
transtorno depressivo não especificado.
🠖 Hipomania é um episódio de sintomas maníacos que não
satisfaz os critérios para episódio maníaco
🠖 Ciclotimia: Episódios múltiplos de sintomas hipomaníacos
que não satisfazem os critérios para um episódio
hipomaníaco e episódios múltiplos de sintomas depressivos
que não satisfazem os critérios para um episódio depressivo
maior que persistem por um período de menos de 24 meses
🠖Distimia: Forma de depressão menos grave do que a
depressão maior, porém mais prolongada (mais de 2 anos de
duração) e frequentemente sem remissão
🠖 Introdução
Pacientes apenas com episódios depressivos maiores têm
transtorno depressivo maior ou depressão unipolar. Aqueles
com episódios tanto maníacos quanto depressivos ou
somente com episódios maníacos são considerados com
transtorno bipolar.
Um transtorno depressivo maior ocorre sem uma história de
um episódio maníaco, misto ou hipomaníaco e é
caracterizada por episódios distintos de pelo menos duas
semanas de duração, envolvendo alterações nítidas no afeto,
na cognição e em funções neurovegetativas, e remissões
interepisódicas.
🠖 Epidemiologia
∘ Sexo: Prevalência duas vezes maior em mulheres do que
em homens. As hipóteses das razões para essa disparidade
envolvem diferenças hormonais, os efeitos do parto,
estressores psicossociais diferentes para mulheres e para
homens e modelos comportamentais de impotência
aprendida.
∘ Idade: A idade média de início para transtorno depressivo
maior é em torno dos 40 anos, com 50% de todos os
pacientes tendo início entre os 20 e os 50 anos. Dados
epidemiológicos recentes revelam que a incidência de
transtorno depressivo maior pode estar aumentando entre
pessoas com menos de 20 anos. É possível que isso esteja
relacionado ao aumento do uso de álcool e do abuso de
drogas nessa faixa etária.
∘ Estado Civil: O transtorno depressivo maior ocorre mais
frequentemente em pessoas sem relacionamentos
interpessoais íntimos e naquelas que são divorciadas ou
separadas.
🠖 Fatores de Risco e Prognóstico
∘ Temperamentais: Afetividade negativa (neuroticismo) é um
fator de risco bem estabelecido para o início do transtorno
depressivo maior, e altos níveis parecem aumentar a
probabilidade de os indivíduos desenvolverem episódios
depressivos em resposta a eventos estressantes na vida.
∘ Ambientais: Experiências adversas na infância,
particularmente quando existem múltiplas experiências de
tipos diversos, constituem um conjunto de fatores de risco
potenciais para transtorno depressivo maior.
∘ Genéticos e fisiológicos: Os familiares de primeiro grau de
indivíduos com transtorno depressivo maior têm risco 2 a 4
vezes mais elevado de desenvolver a doença que a
população em geral.
∘ Modificadores do curso: Essencialmente todos os
transtornos maiores não relacionados ao humor aumentam
o risco de um indivíduo desenvolver depressão. Os episódios
depressivos maiores que se desenvolvem no contexto de
outro transtorno com frequência seguem um curso mais
refratário. Uso de substâncias, ansiedade e transtorno da
personalidade borderline estão entre os mais comuns, e os
sintomas depressivos que se apresentam podem obscurecer
e retardar seu reconhecimento. Condições médicas crônicas
ou incapacitantes também aumentam os riscos de episódios
depressivos maiores. Doenças prevalentes como diabetes,
obesidade mórbida e doença cardiovascular são
frequentemente complicadas por episódios depressivos, e
esses episódios têm mais probabilidade de se tornarem
crônicos do que os episódios depressivos em indivíduos
saudáveis.
🠖 Fisiopatologia
Muitos estudos relataram anormalidades biológicas em
pacientes com transtornos do humor. Até recentemente, os
neurotransmissores monoaminégicos –norepinefrina,
dopamina, serotonina e histamina – eram o centro das
teorias e da pesquisa sobre a etiologia desses transtornos.
∘ DOPAMINA
A dopamina é essencial para execução de movimentos
suaves e controlados. Portanto, comprometer as quantias do
neurotransmisor pode resultar em pensamentos
incoerentes, como na esquizofrenia. Também é responsável
pelo sentimento de euforia, assim como a endorfina. É capaz
de acalmar a dor e aumentar o prazer se estiver em grande
quantidade no lóbulo frontal.
A dopamina é sintetizada nos terminais nervosos
dopaminérgicos, a partir do aminoácido tirosina após sua
captação do espaço extracelular e da corrente sanguínea no
neurônio por uma bomba ou transportador de tirosina é
convertida em DA inicialmente pela enzima tirosina
hidroxilase (TOH) limitadora de velocidade e, em seguida,
pela enzima DOPA descarboxilase (DDC), que é captada em
vesículas sinápticas por um transportador vesicular de
monoaminas (VMAT2) e armazenada dentro dessas
vesículas até ser utilizada durante a neurotransmissão.
O neurônio DA tem um transportador pré-sináptico (bomba
de recaptação), denominado DAT que interrompe a ação
sináptica da DA ao retirá-la rapidamente da sinapse e
transportá-la de volta ao terminal nervoso pré-sináptico e
ser novamente armazenada em vesículas sinápticas. O
excesso de DA que escapa de seu armazenamento em
vesículas sinápticas pode ser destruído dentro do neurônio
pelas enzimas monoamina oxidases (MAO)-A ou B, ou fora
do neurônio pela enzima catecol-O-metiltransferase
(COMT).
Os receptores de dopamina também regulam a
neurotransmissão dopaminérgica. Talvez o receptor de
dopamina mais extensamente investigado seja o receptor de
dopamina 2 (D2) que podem ser pré-sinápticos, atuando
como autorreceptores, o que torna possível a liberação de
DA quando não estão ocupados pela DA ou inibindo sua
liberação quando a DA se acumula na sinapse e ocupa esses
autorreceptores pré-sinápticos. Esses receptores estão
localizados no terminal axônico ou na outra extremidade do
neurônio, na área somatodendrítica. Em ambos os casos, a
ocupação desses receptores D2 proporciona um impulso de
retroalimentação negativa ou uma ação de freio para a
liberação de dopamina do neurônio pré-sináptico.
Existe 5 vias dopaminérgicas:
a. Via dopaminérgica nigroestriatal
b. Via dopaminérgica mesolímbica
c. Via dopaminérgica mesocortical
d. Via dopaminérgica tuneroinfundibular
e. Via dopaminérgica surge de múltiplos locais, como
substância cinzenta central, parte ventral do
mesencéfalo, núcleos hipotalâmicos e núcleo
parabraquial lateral, e projeta-se para o tálamo
∘ SEROTONINA
A serotonina, também conhecida como 5-
hydroxytryptamine (5HT), é o hormônio e o
neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de
órgãos e constrição de vasos sanguíneos. É produzida em
células especializadas - as enterochromafinas. Algumas
funções da serotonina incluem o estímulo dos batimentos
cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão. A
serotonina também regula a luz durante o nosso sono, visto
que é a precursora do hormônio melatonina (regulador do
nosso relógio natural).
A síntese de 5HT começa pelo aminoácido triptofano, que é
transportado do plasma para o cérebro, onde duas enzimas
de síntese o convertem em serotonina: primeiramente, otriptofano hidroxilase (TRY-OH) converte o triptofano em 5-
hidroxitriptofano e, depois, a descarboxilase de aminoácidos
aromáticos (AAADC) converte o 5HTP em 5HT. Após sua
síntese, a 5HT é captada dentro de vesículas sinápticas por
um transportador vesicular de monoaminas (VMAT2), no
qual é armazenada até ser usada durante a
neurotransmissão.
A ação da 5HT termina quando é destruída
enzimaticamente pela monoamina oxidase (MAO) e
convertida em metabólito inativo, principalmente pela MAO-
A fora do neurônio. O neurônio 5HT também tem uma
bomba de transporte pré-sináptica para a serotonina,
denominada transportador de serotonina (SERT) que
interrompe as ações da serotonina ao bombeá-la para fora
da sinapse e de volta ao terminal nervoso pré-sináptico, onde
pode ser novamente armazenada em vesículas sinápticas.
Todos os receptores 5HT2A são pós-sinápticos e estão
localizados em muitas regiões do cérebro. A estimulação
5HT2A dos neurônios piramidais corticais pela serotonina
bloqueia hipoteticamente a liberação de dopamina corrente
abaixo no estriado. Essa ação é produzida pela estimulação
da liberação de glutamato no tronco encefálico, que
desencadeia a liberação de GABA inibitório. Assim, a
liberação de dopamina dos neurônios no estriado é inibida, o
que teoricamente deve reduzir os SEP (sintomas
extrapiramidais). Se essa estimulação não ocorrer, há a
liberação da dopamina.
*SEP: Os sintomas ou efeitos colaterais extrapiramidais são
diversos transtornos do movimento, o principal é conhecido
como discinesia tardia (movimentos musculares irregulares
e involuntários, geralmente na face) e pode ser resultado do
consumo de antagonistas dopaminérgicos, geralmente
medicamentos antipsicóticos.
∘ NORADRENALINA
O neurônio noradrenérgico utiliza a noradrenalina
(norepinefrina) como neurotransmissor. A noradrenalina
(NA) é sintetizada a partir do aminoácido precursor, a
tirosina, transportada do sangue até o sistema nervoso por
meio de uma bomba de transporte ativo, uma vez no interior
do neurônio, ela sofre a ação de três enzimas em sequência.
A primeira é a tirosina hidroxilase (TOH), a enzima limitadora
de velocidade da reação que converte o aminoácido tirosina
em DOPA. Em seguida, atua a segunda enzima, isto é, a
DOPA descarboxilase (DDC), que converte a DOPA em
dopamina (DA), a terceira e última enzima na síntese de NA,
a dopamina β-hidroxilase (DBH), converte a DA em NA.
Depois, a NA é armazenada em agrupamentos sinápticos,
denominados vesículas, até ser liberada por impulso nervoso.
A ação da NA é interrompida por duas enzimas destrutivas
ou catabólicas principais, que transformam a NA em
metabólitos inativos. A primeira é a monoamina oxidase
(MAO) A ou B, que se localiza nas mitocôndrias do neurônio
pré-sináptico e em outros locais. A segunda é a catecol-O-
metiltransferase (COMT) que se acredita estar localizada,
em grande parte, fora do terminal nervoso pré-sináptico. A
ação da NA pode ser interrompida não apenas por enzimas
que a destroem, mas também por uma bomba de transporte
de NA que a remove sem destruí-la, o que impede sua ação
na sinapse, denominada “transportador de NA
(noradrenalina)” ou NAT e, às vezes, “bomba de recaptação
de NA”.
O neurônio noradrenérgico é regulado por uma série de
receptores de NA. Os receptores de NA são classificados
em α1, α2A, α2B, α2C, β1, β2 e β3. Todos podem ser pós-
sinápticos, porém apenas os receptores α2 podem atuar
como autorreceptores pré-sinápticos. Quando os receptores
α2 pré-sinápticos reconhecem a NA, eles desativam sua
liberação adicional atuando como freio para o neurônio NA
e também produzem um sinal regulador conhecido como
retroalimentação negativa que interrompe a descarga do
neurônio.
Evidentemente, todas as três monoaminas são capazes de
regular sua própria liberação. Existem também várias
maneiras pelas quais essas três monoaminas interagem para
regular umas às outras. Foi mostrado que a serotonina
regula a liberação de dopamina por meio dos receptores
5HT1A, dos receptores 5HT2A e dos receptores 5HT2C. Foi
também mostrado que a serotonina regula a liberação de
noradrenalina por meio dos receptores 5HT2C e também a
de dopamina e noradrenalina pelos receptores 5HT3.
A NA regula de modo recíproco os neurônios 5HT por meio
dos receptores α1 e α2. Os receptores α1 são o acelerador,
enquanto os receptores α2 são o freio para a liberação de
5HT. Existem muitas áreas do cérebro onde as projeções de
5HT, NA e DA se sobrepõem, o que cria oportunidades para
as interações das monoaminas em todo o cérebro e em
muitos subtipos diferentes de receptores.
∘ Hipótese Monoaminérgica da Depressão
A teoria clássica sobre a etiologia biológica da depressão
propõe a hipótese de que ela se deva a uma deficiência de
neurotransmissores monoamínicos.
Hoje em dia, a teoria monoaminérgica sugere que todo o
sistema de neurotransmissão monoaminérgica de todas as
três monoaminas – NA, 5HT e DA – pode estar disfuncional
em vários circuitos cerebrais, com diferentes
neurotransmissores envolvidos, dependendo do perfil
sintomatológico do paciente.
O conceito original era de que certas substâncias
causadoras de depleção desses neurotransmissores
poderiam induzir depressão e que todos os antidepressivos
efetivos atuam por meio da estimulação de um ou mais
desses três neurotransmissores monoamínicos.
∘ Hipótese dos receptores monoaminérgicos e expressão
gênica
A hipótese dos receptores de neurotransmissores para a
depressão postula que uma anormalidade nos receptores de
neurotransmissores monoamínicos leve à depressão. A
depleção de neurotransmissores provoca suprarregulação
(maior quantidade de receptores - por questões genéticas ou
desenvolvidas {não tem muita recaptação e desenvolve mais
receptores}, se liga a mais monoaminas, e faz com que elas
fiquem menos disponíveis) compensatória dos receptores
pós-sinápticos dos neurotransmissores.
∘ Efeitos tróficos e neuroplasticidade
Sugere-se que a redução dos níveis do fator neurotrófico
derivado do cérebro (BDNF) ou o mau funcionamento de
seu receptor, TrkB, desempenhem papel importante na
patologia da depressão. O BDNF é um fator neurotrófico
que é expresso desde a fase embrionária, e é responsável
pelo desenvolvimento do SNC durante a vida embrionária e
está envolvido no crescimento, diferenciação, plasticidade e
apoptose dos neurônios no adulto, participando assim na
integridade neuronal ao longo da vida. Embora somente a
ausência de expressão de BDNF não seja suficiente para
desencadear um episódio depressivo, evidências
comprovam que a baixa expressão associada aos eventos
estressores são capazes de gerar esse tipo de resposta em
forma de transtorno depressivo.
Segundo esta hipótese, o stresse e a predisposição genética
ao regularem a expressão de fatores de crescimento e
receptores celulares, vão ser responsáveis pela elevação dos
glicocorticóides e pela alteração da plasticidade neuronal.
Esta redução de fatores de crescimento (como o BDNF)
induz atrofia celular no hipocampo e em outras estruturas do
sistema límbico. A remissão desta atrofia está dependente
do restabelecimento dos níveis de BDNF. Sabe-se que a
neurogênese do hipocampo é diminuída pelo stresse e
aumentada por tratamento antidepressivo. Estudos
imagiológicos revelam atrofia do hipocampo, córtex pré-
frontal e amígdala em indivíduos deprimidos.
A depressão resulta de uma interacção entre predisposição
genética e fatores de risco ambientais (eventos
desencadeadores do stresse, traços de personalidade). A
combinação entre sexo feminino, risco genético elevado,
eventos desencadeadores do stresse agudos e crônicos está
associada a valores de BDNF diminuídos.
∘ Teoria do Glutamato
Outra teoria muito importante é em relação ao
neurotransmissor excitatório, o glutamato. Pesquisadores
encontraram altas taxas de glutamato no fluido cérebro-
espinhal de pacientes psicóticos que se suicidaram.A
evidência de que o glutamato tem ligação com a
fisiopatologia da depressão é a informação de que o
neurotransmissor liga as áreas corticais ao sistema límbico,
regulando a neurotransmissão de algumas moléculas.
Regula a neurotransmissão noradrenérgica ao nível do locus
coeruleus, a neurotransmissão serotoninérgica ao nível dos
núcleos da rafe e a dopaminérgica na substância negra e
área tegmentar ventral. Estas áreas citadas são as principais
envolvidas na depressão.
O estresse crônico provoca uma disfunção na via
glutamatérgica, expressada através da hiperatividade desta
(aumento da liberação), e consequentemente há ativação
excessiva dos seus receptores. Como tal, a neurogênese,
formação de axônios e sinaptogênese, vão estar alteradas
com consequente regressão das sinapses e atrofia neuronal.
Pensa-se que esta alteração nas redes neuronais, induzida
pela excitotoxicidade do glutamato, vai conduzir a alteração
na transmissão neuronal e, consequentemente, está
associada à neurobiologia da depressão.
A concentração de glutamato no líquido céfalorraquidiano e
no plasma de doentes com depressão, é superior à dos
controlos saudáveis, verificando-se que há uma correlação
positiva entre os valores plasmáticos de glutamato e a
gravidade da sintomatologia depressiva. Estes valores
plasmáticos diminuem com o tratamento antidepressivo.
∘ Sistema Neuroendócrino: eixo hipotálamo-hipófise-supra-
renal
O eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal (HPA) é o principal
sistema responsável pela resposta ao stresse e, embora a sua
ativação por um agente desencadeador do stresse agudo
seja essencial à sobrevivência do ser humano, e tem como
objetivo preparar o corpo para responder a esta agressão, a
sua ativação crônica é altamente disfuncional, que vai
originar imunossupressão, atraso do crescimento, inibição da
libido, alterações do padrão de sono e alimentação e
alterações do humor (ex. depressão).
Quando um agente desencadeador do stresse ativa o eixo
HPA, vai ocorrer estimulação do hipotálamo com produção
do fator de ativação das corticotrofinas (CRF), que vai
estimular a hipófise anterior a produzir hormona
adrenocorticotrófica (ACTH), que vai ser libertada na
corrente sanguínea para atuar na supra-renal. A supra-
renal vai libertar glicocorticóides que no caso do homem é o
cortisol. O cortisol é a principal hormona esteroide de
resposta ao stresse e vai atuar nos tecidos periféricos através
dos receptores dos glicocorticóides (GR). Estes receptores
não existem apenas nos tecidos periféricos, mas também no
hipotálamo e hipófise.
Estando o eixo HPA a funcionar corretamente, o cortisol ao
atuar sobre o hipotálamo e hipófise via receptores GR, vai
inibir todo o eixo (feedback negativo) impedindo a ativação
persistente do mesmo. O que acontece na ativação crônica
do eixo HPA é que vai haver redução da sensibilidade dos
receptores GR e como tal o cortisol não exerce o feedback
negativo. O feedback negativo vai depender da integridade
do hipocampo, estrutura cerebral que, por sua vez, é
particularmente sensível à ação prolongada do stresse,
tendo como consequência diminuição das dendrites dos
neurónios piramidais, diminuição da neurogênese e
diminuição da expressão de receptores GR ao nível desta
estrutura.
De facto, os doentes com depressão apresentam
hiperactividade do eixo HPA com hipercortisolemia, atrofia
do hipocampo, diminuição da sensibilidade dos receptores
GR.
🠖 Critérios Diagnósticos e Quadro Clínico
A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram
presentes durante o mesmo período de duas semanas e
representam uma mudança em relação ao
funcionamento anterior; pelo menos um dos sintomas é
(1) humor deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer:
1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os
dias, (p. ex., sente-se triste, vazio, sem esperança, parece
choroso). (Nota: Em crianças e adolescentes, pode ser
humor irritável.)
2. Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas
ou quase todas as atividades na maior parte do dia,
quase todos os dias (Anedonia).
3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo
dieta (p. ex., uma alteração de mais de 5% do peso
corporal em um mês), ou redução ou aumento do apetite
quase todos os dias.
4. Insônia ou hipersonia quase todos os dias.
5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias
(observáveis por outras pessoas, não meramente
sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais
lento).
6. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou
inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os
dias
8. Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou
indecisão, quase todos os dias
9. Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo
de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano
específico, uma tentativa de suicídio ou plano específico
para cometer suicídio
B. Os sintomas causam sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social,
profissional ou em outras áreas importantes da vida do
indivíduo.
C. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de
uma substância ou a outra condição médica.
D. Nunca houve um episódio maníaco ou um episódio
hipomaníaco
🠖 Diagnóstico Diferencial
∘ Episódios maníacos com humor irritável ou episódios
mistos
∘ Transtorno do humor devido a outra condição médica.
∘ Transtorno depressivo ou bipolar induzido por
substância/medicamento.
∘ Transtorno de adaptação com humor deprimido.
∘ Tristeza.
🠖 Classificação
A gravidade está baseada no número de sintomas dos
critérios, em sua gravidade e no grau de incapacitação
funcional.
∘ Leve: Caso ocorram, são poucos os sintomas presentes
além daqueles necessários para fazer o diagnóstico, a
intensidade dos sintomas causa sofrimento, mas é
manejável, e os sintomas resultam em pouco prejuízo no
funcionamento social ou profissional. (2 a 3 sintomas)
∘ Moderada: O número de sintomas, sua intensidade e/ou o
prejuízo funcional estão entre aqueles especificados para
“leve” e “grave”. (4 ou mais sintomas)
∘ Grave: O número de sintomas está substancialmente além
do requerido para fazer o diagnóstico, sua intensidade causa
grave sofrimento e não é manejável, e os sintomas interferem
acentuadamente no funcionamento social e profissional.
🠖 Tratamento Não Farmacológico
∘ Psicoterapia
O acompanhamento com terapeuta tem a finalidade de levar
o paciente a reconhecer, analisar e compreender as causas
que geram os conflitos, procurando ajustar os pensamentos
distorcidos que ele tem de si e do mundo buscando melhorar
suas relações interpessoais, capacitando-o para administrar
seus conflitos futuros.
A terapia interpessoal consiste em encontrara a origem do
problema, através da história do paciente, caracterizando os
pontos positivos e negativos do relacionamento dele com as
pessoas que o cerca, orientando sobre o que é depressão,
seus sinais e sintomas, e a importância do tratamento para a
recuperação. Dentre as principais causas dos conflitos em
pacientes depressivos destacam-se: luto, conflitos
interpessoais, mudanças de papéis e dificuldade de
relacionamento interpessoal.
Na psicoterapia comportamental os modelos mais
frequentemente praticados são os de autocontrole e o de
treinamento de habilidades sociais. Há quatro elementos
básicos nesta terapia: análise funcional do contexto dos
sintomas, monitoração e planejamento de atividades com o
paciente, manejo de experiências aversivas e
desenvolvimento de habilidades sociais.
As psicoterapias psicodinâmicas breves tradicionais têm em
comum a concepção da depressão como um fracasso
adaptativo resultante de conflitos intrapsíquicos, e mais
modernamente, de distúrbios relacionais. Ao invés de se
dirigirem aos sintomas depressivos em si mesmos, elas têm
como objetivo usar a relação terapêutica para investigar e
esclarecer essesconflitos precoces, principalmente os
relacionados com problemas de privação, proximidade e
intimidade afetivas.
∘ Atividade Física: Forte aliado no combate dos sintomas da
depressão. Realizar exercícios físicos como aeróbica,
caminhada, corrida e natação contribui para diminuir a
ansiedade, estresse, aumenta a sensação de bem-estar,
qualidade do sono, melhora da auto-estima e
consequentemente o humor.
∘ Papel da família: Tem papel de acolher, compreender,
escuta, reconhecer as limitações, monitorar o uso de
medicações, acompanhar consultas e terapias, e busca
reintegrar a pessoa ao meio social
∘ Mudanças no estilo de vida: alimentação, drogas lícitas e
ilícita: Alimentos que ajudam a diminuir as alterações de
humor: grãos integrais, leguminosas, atum, salmão, queijo,
iogurte, canela, amêndoa, castanha do para e folhas verdes.
🠖 Tratamento Farmacológico
O tratamento da depressão depende de algumas variáveis:
gravidade do quadro, fatores desencadeantes, tipo dos
sintomas presentes, recursos disponíveis no contexto de
atendimento, preferência do paciente e familiaridade do
profissional com o método. Antes de discutir as abordagens
possíveis, é útil saber que o tratamento dos transtornos
depressivos pode ser dividido em etapas:
O tratamento pode ser baseado na gravidade:
Os antidepressivos mais usados em nosso meio são os
antidepressivos tricíclicos (ADT) e os inibidores seletivos da
receptação da serotonina (ISRS). Os antidepressivos
apresentam eficácia semelhante, sendo diferenciados em
virtude de seus perfis de efeitos adversos e de seus potenciais
de interação farmacológica. Os ISRS costumam ser mais
bem tolerados do que os ADT. Além disso, os ADT
apresentam maiores riscos associados (como
prolongamento do intervalo QT e letalidade em sobredose).
Consultas mais frequentes estão associadas a maior adesão
e melhores resultados em curto prazo. A Organização
Mundial da Saúde preconiza consultas semanais durante as
primeiras 12 semanas de tratamento, o que se justifica pela
necessidade de observar a resposta, os possíveis efeitos
adversos e a evolução dos riscos associados ao transtorno.
O tratamento de continuação com antidepressivo por pelo
menos seis meses reduz pela metade o risco de recaída.
Assim sendo, a recomendação geral é manter a medicação
prescrita (na dose com a qual o paciente obteve melhora) por
seis a nove meses após a resposta. Em situações de risco
elevado para recorrência, pode haver indicação de
tratamento de manutenção, isto é, de uso continuado de
antidepressivo.
🠖 Antidepressivos Tricíclicos
Os antidepressivos tricíclicos (ADT) ainda são amplamente
utilizados. Estão, contudo, longe do ideal na prática, e foi a
necessidade de fármacos que atuem mais rápida e
confiavelmente, que produzam menor quantidade de efeitos
adversos e sejam menos prejudiciais na superdosagem que
levou à introdução de inibidores da captura de 5-HT mais
modernos e outros antidepressivos.
Os antidepressivos tricíclicos (ADT) são uma classe de
fármacos usados no tratamento sintomático da depressão e
outros síndromes depressivas (unipolares).
∘ Mecanismo de ação
O principal efeito imediato dos ADTs é bloquear a captura
das aminas pelas terminações nervosas, por competição pelo
ponto de ligação do transportador de aminas, e portanto,
maximizam a duração da sua ação nos neurônios pós-
sinápticos e há um aumento de neurotransmissores na fenda
sináptica. A maioria dos ADTs inibe a captura de
norepinefrina e de 5-HT, mas tem muito menos efeito sobre
a captura de dopamina.
Sugere-se que a melhora dos sintomas emocionais reflita
principalmente aumento na transmissão mediada por 5-HT,
enquanto o alívio dos sintomas biológicos resulte da
facilitação da transmissão noradrenérgica. Além de seus
efeitos sobre a captura de aminas, a maioria dos ADTs afeta
outros receptores, incluindo os receptores colinérgicos
muscarínicos, os receptores de histamina e os receptores de
5-HT. Os efeitos antimuscarínicos dos ADTs não contribuem
para seus efeitos antidepressivos, mas são responsáveis por
vários efeitos adversos.
Podem ser: seletivos para NA, seletivos para 5-HT ou não
seletivos para nenhum. Possuem efeito sobre a captura de
dopamina.
∘ Principais Representantes
- Imipramina (Tofranil, imipra, clomipran): apresentam
efeito sedativo moderado, é indicada nos quadros
depressivos, síndrome do pânico, transtorno obsessivo-
compulsivo e pode ser usada em alguns casos de
hiperatividade e déficit de atenção. O efeito é notado após
duas a oito semanas.
- Clomipramina (Anafranil, clo): é um sedativo moderado,
podendo ser utilizado para distúrbio obsessivo-compulsivo e
como auxiliar na dor crônica. É muito utilizado, atualmente,
no tratamento do transtorno do pânico.
- Amitriptilina (amytril, limbitrol, trisomatol): forte efeito
sedativo e antienxaqueca. Pode ser utilizado no tratamento
da depressão, dor crônica, enxaqueca e da neuropatia
diabética dolorosa.
- Notriptilina (Pamelor): antidepressivo de efeito sedativo
suave, podendo ser utilizado tanto na depressão quanto na
profilaxia da enxaqueca. É mais indicado para idosos.
∘ Efeitos Adversos
Em indivíduos não depressivos, os ADTs causam sedação,
confusão e falta de coordenação motora. Esses efeitos
ocorrem também nos pacientes com depressão nos
primeiros dias de tratamento, mas tendem a ir
desaparecendo em 1-2 semanas, quando se desenvolve o
efeito antidepressivo.
Os antidepressivos tricíclicos produzem alguns efeitos
adversos problemáticos, principalmente em razão da
interferência no controle autonômico. Os efeitos anti-
muscarínicos, que são pronunciados com a amitriptilina.
Ocorre hipotensão postural com os ADTs. O outro efeito
adverso comum é a sedação, e a longa duração de ação
significa que o desempenho diurno costuma ser afetado por
sonolência e dificuldade para se concentrar.
Os ADTs, particularmente em superdosagem, podem
causar arritmias ventriculares associadas ao prolongamento
do intervalo QT (Evitar uso em idosos e cardiopatas). As
doses terapêuticas habituais dos ADTs aumentam um
pouco, porém de maneira significativa, o risco de morte
súbita de causa cardíaca.
EA: Disfunção sexual, sedação, efeitos anticolinérgicos
(constipação, boca seca, retenção urinária), mania,
possibilidade de suicídio no início da terapia, dependência e
síndrome de privação e super-dosagem: arritmias
ventriculares e alto risco com depressores do SNC
∘ Toxicidade Aguda
Os ADTs são perigosos em superdosagem e eram
comumente usados em tentativas de suicídio, o que foi um
fator importante que levou à introdução de antidepressivos
mais seguros. Os principais efeitos são sobre o sistema
nervoso central e o coração. O efeito inicial da
superdosagem de ADT é causar excitação e delírio, que
podem ser acompanhados de convulsões. Isso é seguido de
coma e depressão respiratória, durando alguns dias.
∘ Menor Custo
🠖 Antidepressivos Inibidores Seletivos da Recaptação de
Serotonina
∘ Mecanismo de Ação
As indicações clínicas para o uso dos ISRS vão muito além
do transtorno depressivo maior, abrangendo
particularmente diversos transtornos de ansiedade, bem
como o transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) e os
transtornos alimentares, entre outros.
Todos os seis ISRS compartilham a mesma característica
farmacológica importante: a inibição seletiva e potente da
recaptação de serotonina, também conhecida como inibição
do transportador de serotonina ou SERT.
No estado depressivo, a hipótese monoaminérgica da
depressão afirma que a serotonina pode estar deficiente,
tanto nas áreas somatodendríticas pré-sinápticas próximas
ao corpo celular quanto na própria sinapse, perto do terminal
axônico.
Quando se administra agudamente um ISRS, sabe-se muito
bem que a 5HT aumenta, devido ao bloqueio do SERT.
Entretanto, é um tanto surpreendente o fato de que o
bloqueio do SERT pré-sináptico não leve imediatamenteao
aparecimento de uma grande quantidade de serotonina em
muitas sinapses. Com efeito, quando se inicia o tratamento
com ISRS, a 5HT eleva-se e alcança níveis muito mais altos
na área somatodendrítica localizada na rafe do mesencéfalo
(à esquerda na figura), devido ao bloqueio dos SERT nessa
região, em vez das áreas do cérebro onde os axônios
terminam (à direita da figura).
Quando ocorre elevação dos níveis de serotonina na área
somatodendrítica, eles estimulam os autorreceptores 5HT1A
vizinhos (esquerda da figura). Essas ações imediatas podem
explicar os efeitos colaterais causados pelos ISRS quando se
inicia o tratamento.
Com o passar do tempo, os níveis aumentados de 5HT que
atuam nos autorreceptores 5HT1A somatodendríticos fazem
com que eles sofram infrarregulação e se tornem
dessensibilizados. Essa dessensibilização acontece em
consequência do reconhecimento do aumento da serotonina
por esses receptores 5HT1A pré-sinápticos. Assim, essa
informação é enviada ao núcleo do neurônio serotoninérgico.
A reação do genoma a essa informação consiste em emitir
instruções que façam com que esses mesmos receptores se
tornem dessensibilizados com o tempo. O tempo levado para
esse processo de dessensibilização correlaciona-se com o
início das ações terapêuticas dos ISRS.
*A dessensibilização do receptor refere-se à responsividade
diminuída que ocorre com a exposição repetida ou crônica
ao agonista e é uma característica geral da maioria dos
receptores de membrana de sinalização.
Uma vez dessensibilizados os autorreceptores
somatodendríticos 5HT1A, a 5HT não pode mais desativar
efetivamente sua própria liberação. Como a 5HT não está
mais inibindo sua própria liberação, o neurônio
serotoninérgico fica, portanto, desinibido. Isso resulta em
uma enxurrada de 5HT liberada pelos axônios e em aumento
no fluxo de impulsos neuronais. Esta é apenas outra maneira
de dizer que a liberação de serotonina foi “ativada” nos
terminais axônicos. A serotonina que agora jorra das várias
projeções das vias serotoninérgicas no cérebro é o que
teoricamente medeia as diversas ações terapêuticas dos
ISRS.
O tempo levado para o processo dessa dessensibilização
correlaciona-se com o aparecimento da tolerância aos
efeitos colaterais dos ISRS.
*Tolerância medicamentosa é a diminuição do efeito de uma
medicação por exposição excessiva do paciente ao seu
princípio ativo.
Embora os seis ISRS compartilhem claramente do mesmo
mecanismo de ação, cada paciente reage de maneira muito
diferente a um ISRS em comparação com outro. Cada ISRS
exerce outras ações farmacológicas secundárias além do
bloqueio do SERT.
∘ Efeitos Adversos
São tão eficazes quando os antidepressivos tricíclicos, mas
com perfil mais tolerável aos efeitos colaterais, entre eles
náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, agitação,
ansiedade, insônia, ciclagem para mania, nervosismo,
tremores, efeitos extrapiramidais, perda ou ganho de peso,
disfunções sexuais e reações dermatológicas.
efeitos adversos anticolinérgicos (comparado com os
ADTs).
∘ Fluoxetina
Este ISRS também exerce ações antagonistas de 5HT2C,
que podem explicar muitas de suas propriedades clínicas
singulares. O bloqueio da ação da serotonina nos receptores
de 5HT2C desinibe a liberação de NA e DA. O antagonismo
de 5HT2C pode contribuir não apenas para as ações
terapêuticas da fluoxetina, mas também para o seu perfil de
tolerabilidade.
Todos os receptores 5HT2A são pós-sinápticos e estão
localizados em muitas regiões do cérebro. A estimulação
5HT2A dos neurônios piramidais corticais pela serotonina
bloqueia hipoteticamente a liberação de dopamina corrente
abaixo no estriado. Essa ação é produzida pela estimulação
da liberação de glutamato no tronco encefálico, que
desencadeia a liberação de GABA inibitório. Assim, a
liberação de dopamina dos neurônios no estriado é inibida, o
que teoricamente deve reduzir os SEP (sintomas
extrapiramidais). Se essa estimulação não ocorrer, há a
liberação da dopamina.
A boa nova sobre o antagonismo de 5HT2C pode ser que ele
seja geralmente ativador. Assim, muitos pacientes, mesmo
com a primeira dose, percebem que a fluoxetina produz um
efeito energizante e de redução da fadiga, havendo também
melhora na concentração e na atenção. Esse mecanismo
talvez seja mais apropriado para pacientes deprimidos que
apresentam redução do afeto positivo, hipersonia, retardo
psicomotor, apatia e fadiga. O antagonismo de 5HT2C
também contribui para o efeito antibulimia de doses mais
altas de fluoxetina, o único ISRS aprovado para o
tratamento desse transtorno alimentar.
A má notícia sobre o antagonismo de 5HT2C é que ele pode
ser ativador. Desse modo, as ações antagonistas de 5HT2C
da fluoxetina pode contribuir para o fato de esse fármaco ser
menos apropriado para pacientes com agitação, insônia e
ansiedade. Estes pacientes podem apresentar ativação
indesejada e, até mesmo, ataques de pânico se tomarem um
agente que os ative ainda mais. Outras propriedades
singulares da fluoxetina são suas ações bloqueadoras fracas
da recaptação de NA, que podem se tornar clinicamente
relevantes em doses muito altas.
A fluoxetina apresenta meia-vida longa (2 a 3 dias), e é
vantajosa, pois parece reduzir as reações de retirada
características da suspensão súbita de alguns ISRS (bom
para quem esquece de tomar), porém também significa que
é necessário um tempo prolongado para a depuração do
fármaco e de seu metabólito ativo após a interrupção da
fluoxetina e antes de iniciar outro agente.
A síndrome de abstinência ou descontinuação é mais
comum quando os ISRS são administrados em maior dose
ou por maiores períodos de tempo. Medicações com uma
meia-vida mais curta, como a paroxetina, apresentam maior
incidência de sintomas, início mais rápido e maior gravidade
do que aquelas com meia-vida maior, como é o caso da
fluoxetina. Seguindo esse exemplo, a paroxetina produz
sintomas de descontinuação em dois dias, enquanto a os
sintomas da fluoxetina podem aparecer em duas a seis
semanas.
A interrupção abrupta do tratamento deve ser evitada. Ao
suspender o tratamento com Cloridrato de Fluoxetina, a
dose deve ser gradualmente reduzida em um período de pelo
menos 1 a 2 semanas com o objetivo de minimizar os
sintomas de descontinuação. Os sintomas mais comuns
reportados incluem tontura, alterações do sono, distúrbios
sensoriais, parestesia (sensação incomum na pele -
queimação coceira), ansiedade, agitação, astenia, confusão,
dor de cabeça e irritabilidade.
∘ Sertralina
Este ISRS apresenta dois mecanismos candidatos que o
diferenciam: a inibição do transportador de dopamina (DAT)
e a ligação aos receptores sigma-1 (σ1). As ações inibitórias
sobre o DAT são controversas, pois são mais fracas do que
as ações inibitórias sobre o SERT. Por isso, alguns
especialistas sugerem que a ocupação do DAT pela
sertralina não é suficiente para ser clinicamente relevante.
Com base em relatos, os clínicos têm observado as ações
ativadoras discretas e desejáveis da sertralina em alguns
pacientes com “depressão atípica”, o que melhora os
sintomas de hipersonia, baixa energia e reatividade do
humor. Uma combinação favorita de alguns médicos para
pacientes deprimidos consiste em acrescentar bupropiona à
sertralina, somando as propriedades inibitórias fracas de
cada agente sobre o DAT. Os clínicos também têm
observado a ativação excessiva de alguns pacientes com
transtorno do pânico pela sertralina, o que exige titulação
mais lenta da dose em determinados pacientes com
sintomas de ansiedade. Todas essas ações da sertralina são
compatíveis com suas ações inibitórias fracas sobre o DAT,
o que contribui para o seu perfil clínico de ações.
As ações σ1 da sertralina não estão bem elucidadas, mas
podem contribuir para seus efeitos ansiolíticos e, em
particular, para seus efeitos na depressão psicótica e na
depressão delirante, nas quais a sertralina pode ter efeitosterapêuticos vantajosos, em comparação com alguns outros
ISRS. Essas ações σ1 contribuiriam tanto para as ações
ansiolíticas quanto para as ações antipsicóticas.
∘ Paroxetina
Este ISRS é utilizado por muitos clínicos em pacientes com
sintomas de ansiedade. A paroxetina tende a ser mais
tranquilizante e, até mesmo, sedativa no início do tratamento,
em comparação com as ações mais ativadoras da fluoxetina
e da sertralina. Talvez as ações anticolinérgicas leves da
paroxetina contribuam para esse perfil clínico.
A paroxetina também tem propriedades inibitórias fracas
sobre o NAT (transportador de noradrenalina), que podem
contribuir para sua eficácia na depressão, particularmente
em doses altas (IRSN). A paroxetina inibe a enzima óxido
nítrico sintetase, o que pode, teoricamente, contribuir para a
disfunção sexual, em especial nos homens. A paroxetina
também é notória por causar reações de abstinência com
sua interrupção súbita, com aparecimento de sintomas como
acatisia, inquietação, sintomas gastrintestinais, tontura e
formigamento, principalmente quando é interrompida de
súbito após tratamento prolongado com doses altas.
∘ Fluvoxamina
Este ISRS foi um dos primeiros a serem lançados
mundialmente para o tratamento da depressão, porém
nunca teve aprovação oficial para a depressão nos EUA.
Assim, ele tem sido considerado mais um fármaco para o
tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo e da
ansiedade. À semelhança da sertralina, a fluvoxamina tem
uma propriedade de ligação singular, que consiste na sua
interação com os sítios σ1. Todavia, essa ação é mais potente
com a fluvoxamina do que com a sertralina.
A função fisiológica dos sítios σ1 continua sendo um mistério
e, por isso, é às vezes chamada de “enigma sigma”, embora
tenha sido relacionada com a ansiedade e a psicose. Estudos
recentes sugerem que a fluvoxamina possa atuar como
agonista nos receptores σ1 e que essa propriedade possa
constituir uma ação farmacológica adicional. Isso ajuda a
explicar as propriedades ansiolíticas bem conhecidas da
fluvoxamina, que também tem demonstrado atividade
terapêutica tanto na depressão psicótica quanto na
depressão delirante, nas quais, à semelhança da sertralina,
pode ter vantagens sobre outros ISRS.
∘ Citalopram
Este ISRS compreende dois enantiômeros, R e S. A mistura
desses enantiômeros é conhecida como citalopram racêmico
ou, comumente, apenas como citalopram e apresenta
propriedades anti-histamínicas leves, que residem no
enantiômero R.
*Enantiômeros são moléculas orgânicas que são chamadas
assim em razão da sua forma, pois para
cada enantiômero existe um de forma idêntica, porém
invertida, como se esta estivesse em frente a um espelho.
Em geral, o citalopram racêmico é um dos ISRS mais bem
tolerados, e os achados no tratamento da depressão no idoso
são favoráveis. Entretanto, tem uma ação terapêutica um
tanto inconsistente na menor dose, o que costuma exigir o
aumento da dose para otimizar o tratamento. Todavia, o
aumento da dose é limitado, em virtude do potencial de
prolongamento do QT.
Todos esses achados sugerem que não seja adequado que o
citalopram contenha o enantiômero R, que interfere na
capacidade do enantiômero S ativo de inibir o SERT. Isso
pode levar à redução da inibição do SERT, da 5HT sináptica
e das ações terapêuticas finais, particularmente em doses
baixas.
∘ Escitalopram
A solução para melhorar as propriedades do citalopram
racêmico consiste em remover o enantiômero R indesejado.
O fármaco resultante é conhecido como escitalopram, por
ser constituído apenas do enantiômero S ativo puro. Essa
manobra parece remover as propriedades anti-histamínicas,
e não há restrição quanto a doses mais altas para evitar o
prolongamento de QTc. Além disso, a remoção do isômero R
que interfere potencialmente faz com que a menor dose de
escitalopram tenha eficácia mais previsível. O escitalopram é
considerado, talvez, o ISRS mais bem tolerado, com as
menores taxas de interações medicamentosa. (Bom para
idosos).
🠖 Antidepressivos Inibidores da captação de serotonina e
norepinefrina (ICSNs) - Duais
Esses fármacos são relativamente não seletivos para a
captação de 5-HT e NE. Possuem maior efeito sobre
sintomas específicos da depressão e a NA na dor crônica.
Os efeitos adversos desses fármacos – principalmente
devido ao aumento da ativação de receptores adrenérgicos
– incluem cefaleia, insônia, disfunção sexual, boca seca,
tontura, sudorese e perda de apetite.
No caso de superdosagem, os sintomas mais comuns são
depressão do SNC, toxicidade por serotonina, convulsão e
anormalidades na condução cardíaca. Foi descrito que a
duloxetina é hepatotóxica e, portanto, é contraindicada para
pacientes com insuficiência hepática.
∘ Principais Representantes
- Venlafaxina: efeito de retirada; T1/2 curto (~5h); Doses
acima de 150mg tem mais efeitos NA.
- Desvenlafaxina: metabólito da venlafaxina; utilizada para
sintomas vasomotores (ondas de calor) na perimenopausa.
Duloxetina: menos efeitos adversos que a venlafaxina; Possui
propriedade NA desde o começo do tratamento – bom para
dor neuropática, fibromialgia e incontinência urinária
🠖 Antidepressivos Inibidores da Manoamina Oxidase
(iMAO)
Os fármacos inibidores da MAO inibem a enzima
monoamina oxidase (MAO), responsável pela degradação
(metabolização) como a noradrenalina, dopamina e
serotonina aumentando assim a concentração sináptica
destas e condicionando maior excitação dos neurônios que
possuem receptores para estes mediadores.
Os inibidores da monoamino-oxidase (IMAOs) estiveram
entre os primeiros fármacos introduzidos clinicamente como
antidepressivos, mas foram superados por outros tipos de
antidepressivos, cujas eficácias clínicas foram consideradas
melhores e cujos efeitos adversos, em geral, são menores que
os dos IMAOs. Esses fármacos causam inibição irreversível
da enzima.
A monoamino-oxidas é encontrada em quase todos os
tecidos, e existe em duas formas moleculares semelhantes,
codificadas por genes separados. A MAO-A tem
preferência de substrato pela 5-HT e é o principal alvo para
os IMAOs antidepressivos. A MAO-B tem preferência de
substrato pela feniletilamina e a dopamina. O tipo B é inibido
seletivamente pela selegilina, usada no tratamento da
doença de Parkinson. A maioria dos IMAOs antidepressivos
atua sobre ambas as formas de MAO, mas estudos clínicos
com inibidores específicos para subtipos têm mostrado
claramente que a atividade antidepressiva, bem como os
principais efeitos adversos dos IMAOs, associa-se à inibição
de MAO-A.
Os inibidores da monoamino-oxidase não são específicos em
suas ações e inibem várias outras enzimas, bem como a
MAO, incluindo muitas enzimas envolvidas no metabolismo
de outros fármacos. Isso é responsável por algumas das
muitas interações clinicamente importantes associadas aos
IMAOs.
Os inibidores da monoamino-oxidase causam aumento
rápido e sustentado do conteúdo de 5-HT, norepinefrina e
dopamina, sendo a 5-HT mais afetada, e a dopamina menos.
O principal efeito dos IMAOs é aumentar a concentração
citoplasmática das monoaminas nas terminações nervosas,
sem afetar grandemente os depósitos vesiculares que são
liberados por estimulação nervosa.
Em indivíduos normais, os IMAOs causam aumento
imediato da atividade motora e desenvolvem euforia e
excitação durante alguns dias. Diferem dos ADTs, que
causam apenas sedação e confusão quando administrados
a indivíduos não depressivos. Os efeitos dos IMAOs sobre o
metabolismo das aminas desenvolvem-se rapidamente, e o
efeito de uma única dose dura vários dias. Há clara
discrepância, como com os ISCSs e ADTs, entre a resposta
bioquímica rápida e o efeito antidepressivo tardio.
∘ Efeitos Adversos e Toxicidade
Muitos dos efeitos adversos dos IMAOs resultam
diretamente da inibição da MAO, mas alguns são produzidos
por outros mecanismos. A hipotensão é um efeito adverso
comum. Uma explicaçãopossível para esse efeito é que as
aminas, como a dopamina ou a octopamina, se acumulam
dentro das terminações nervosas simpáticas periféricas e
deslocam a norepinefrina das vesículas de armazenamento,
reduzindo, assim, a liberação de norepinefrina associada à
atividade simpática. A estimulação central excessiva pode
causar tremores, excitação, insônia e, em superdosagem,
convulsões. Aumento do apetite, levando a ganho de peso,
pode ser tão extremo a ponto de exigir que o fármaco seja
interrompido. Os efeitos atropínicos (boca seca, visão
embaçada, retenção urinária etc.) são comuns com os
IMAOs, embora sejam problema menor que com os ADTs.
Os IMAOs do tipo hidrazina (p. ex., fenelzina e iproniazida)
produzem, muito raramente (menos de um em 10.000),
hepatotoxicidade grave, que parece ser causada pela parte
hidrazina da molécula. Não se recomenda, portanto, seu uso
em pacientes hepatopatas.
∘ Interação com outros fármacos e alimentos
A interação com outros fármacos e alimentos é o problema
mais grave com os IMAOs e é o principal fator que causou
declínio do seu uso clínico.
A “reação ao queijo” é consequência direta da inibição da
MAO e ocorre quando são ingeridas aminas normalmente
inócuas (principalmente a tiramina) produzidas durante a
fermentação. A tiramina normalmente é metabolizada pela
MAO na parede do intestino e fígado, e uma quantidade
pequena de tiramina da dieta chega à circulação sistêmica.
A inibição da MAO permite que a tiramina seja absorvida e
também aumenta seu efeito simpático. O resultado é a
hipertensão aguda, dando origem a cefaleia latejante intensa
e, ocasionalmente, até hemorragia intracraniana. Embora
muitos alimentos contenham certa quantidade de tiramina,
parece que pelo menos 10 mg de tiramina precisam ser
ingeridos para produzir tal resposta, e o principal risco é de
queijos amadurecidos. A administração de aminas
simpatomiméticas com ação indireta (p. ex., efedrina – um
descongestionante nasal – ou anfetamina – um fármaco de
uso abusivo) também causa hipertensão grave em pacientes
que recebam IMAOs.
∘ Principais Representantes:
- Fenelzina
- Tranilcipromina
- Iproniazida
🠖 Antidepressivos Atípicos
São mais novos e não apresentam um mecanismo de ação
bem elucidado. A bupropiona inibe tanto a captura de
norepinefrina quanto a de dopamina (mas não de 5-HT);
porém, ao contrário da cocaína e da anfetamina, não induz
euforia e, até o momento, não demonstrou nenhum potencial
de uso abusivo. Em doses mais elevadas pode induzir
convulsões e risco de HAS.
∘ Mirtazapina: bloqueia os receptores 2 e 5-HT - ↑ liberação
de NE e 5-HT; Antiemético. Sedação, ↑ apetite e boca seca
∘ Tradozona: bloqueia 5-HT2A; Tratamento de insônia e
pode ser usado para ansiedade leve; Sedação, hipotensão e
disritmias cardíacas.
∘ Agomelatina: agonista dos receptores da melatonina MT1
e MT2; Regula ciclo sono-vigília na depressão.
∘ Reboxetina: inibidor seletivo da recaptura de NA – dor
crônica.
∘ Vortioxetina: multimodal – 5-HT, NA, Dopa; Ach –
cognição.
∘ Cetamina: anestésico usado em doses para: TD grave e
Ideação suicida; Resposta em minutos; efeito
glutamatérgico; Adm EV e intranasal.
Evidências científicas relevantes da relação entre fatores
neurobiológicos e suicídio foram descritas há quase três
décadas, com a observação da associação entre baixos níveis
do metabólito de serotonina no líquido cerebrospinal de
suicidas, quando comparados com sujeitos-controle que
morreram de acidentes.
🠖 Conceitos
∘ Tentativa de suicídio abortada: comportamento
potencialmente autodestrutivo com evidências explícitas ou
implícitas de que a pessoa pretendia morrer, mas a tentativa
foi interrompida antes da ocorrência de danos físicos
∘ Automutilação deliberada: atos intencionais de causar dor,
lesões ou destruição sem intenção de morrer
∘ Letalidade ou comportamento suicida: perigo objetivo de
vida associado a método ou ações suicidas. Reparar que
letalidade é diferente e pode nem coincidir com a expectativa
de um indivíduo de que é medicamento perigoso
∘ Ideação suicida: pensamento de servir como agente da
própria morte, a gravidade pode variar dependendo da
especificidade dos planos suicidas e do grau de intenção
suicida
∘ Intenção suicida: expectativa subjetiva e desejo de que o
ato autodestrutivo cause morte
∘ Tentativa de suicídio: comportamento autodestrutivo com
resultado não fatal acompanhado por evidências explícitas
ou implícitas de que a pessoa pretendia morrer
∘ Suicídio: morte autoinfligida com evidências explicitas ou
implícitas de que a pessoa pretendia morrer.
🠖 Tipos de suicidas
∘ Suicídio Egoísta: É um ato que se reveste de individualismo
extremado. É o tipo de suicídio que predomina nas
sociedades modernas e é geralmente praticado por aqueles
indivíduos que não estão devidamente integrados à
sociedade e geralmente se encontram isolados dos grupos
sociais (família, amigos, comunidade, por exemplo).
∘ Suicídio Altruístra: É um ato em que o indivíduo está
tomado pela obediência e força coercitiva do coletivo, seja ele
um grupo social restrito ao qual pertence ou mesmo a
sociedade como um todo. Um exemplo típico de suicídio
altruísta é o caso dos soldados japoneses que lutaram na
Segunda Guerra Mundial e que ficaram conhecidos como
camicases. Ao lançarem as aeronaves em que pilotavam
sobre os inimigos provocando sua própria morte, os
camicases japoneses morriam em honra ao imperador,
considerado por eles uma divindade.
∘ Suicídio Anômico: Representa mais propriamente uma
mudança abrupta na taxa normal de suicídio, geralmente
marcado por uma vertiginosa ascensão do número de
suicídios que ocorrem em períodos de crises sociais (o
desemprego, por exemplo) ou processos de transformações
sociais (como a modernização).
🠖 Epidemiologia
Muitas vezes, o evento “suicídio” é ocultado por familiares ou
mesmo autoridades. Estima-se que os registros de óbito por
suicídio seriam 2 a 10 vezes menores que os reais.
Comparando os números brasileiros com as taxas mundiais
de suicídio, o Brasil foi considerado um dos países de baixa
taxa de suicídio, 3,0 a 4,0/100.000 habitantes, quando
comparado com alguns países da Europa, cujas taxas
chegam a estar acima de 40/ 100.000 habitantes.
Estudos brasileiros confirmam a tendência dos homens
brasileiros se suicidarem mais que as mulheres, na
proporção de 3:1, em concordância com estudos
internacionais. Entretanto, essa relação inverte-se quando
estudamos as tentativas de suicídio: as mulheres tentaram o
suicídio três vezes mais que os homens, proporcionalmente.
A diferença de gênero também pode ser observada quanto
aos métodos utilizados para cometer suicídio. Enquanto as
mulheres optam por envenenamento ou ingestão de
medicamentos, os homens buscam métodos violentos e
letais, como enforcamento e arma de fogo. De forma geral,
tanto o enforcamento como o uso de armas de fogo foram os
métodos mais utilizados pelos brasileiros para auto-
eliminação.
Os idosos representam o grupo etário com a maior taxa
absoluta de suicídio no Brasil. Entretanto, não existem
estudos nacionais específicos sobre esta população.
🠖 Fator de Risco
Os fatores de risco podem ser classificados de diversas
formas. A forma mais pragmática é a divisão entre fatores
de risco modificáveis e não-modificáveis, na qual o impacto
de alguns fatores de risco pode ser reduzido ou não por meio
de intervenções. Os fatores de risco modificáveis são: o
tratamento adequado e eficaz para o transtorno depressivo
e a presença de arma de fogo no domicílio.
Nos fatores não-modificáveis têm-se a história pregressa, a
história familiar e os aspectos demográficos, como o sexo e a
idade. Dificuldades financeiras e desemprego são fatores de
difícil modificação, pelo menos a curto prazo.
Dessa forma, as condutas dos cuidadores devem ser
direcionadas para enfraquecer os fatores de risco
modificáveis e reforçar os fatoresprotetores.
Os fatores de risco também podem ser separados em distais
e proximais. Os fatores de risco proximais são ligados
temporalmente ao ato suicida e agem como
desencadeantes. Eles não são necessários nem suficientes
para o suicídio. Um dos fatores de risco proximal mais
poderoso é a presença de arma de fogo em casa,
aumentando o risco de suicídio, mesmo após monitorar para
sexo, idade e presença de transtornos mentais. Os fatores
distais representam a base sobre a qual se estrutura o
comportamento suicida e aumentam a vulnerabilidade dos
fatores de risco proximais. Os fatores distais podem ser
considerados como necessários, mas são insuficientes para
que ocorra o suicídio. A combinação de potentes fatores de
risco distais com eventos proximais pode produzir as
condições necessárias e suficientes para que ocorra o
suicídio.
É importante salientar que alguns fatores podem estar
associados com menor risco de comportamento suicida,
sendo chamados de fatores de proteção. Gravidez,
religiosidade, satisfação em viver, presença de habilidades de
enfrentamento e apoio da rede social são exemplos de
fatores de proteção. Reforçar e/ou instalar alguns desses
fatores pode diminuir o risco potencial de suicídio, apesar de
alguns dos fatores modificáveis dependerem de processos
terapêuticos longos, como o desenvolvimento de aspectos
cognitivos de enfrentamento e solução de problemas, e
outros estarem sujeitos a características de história pessoal,
como a religiosidade.
Pacientes com transtornos depressivos cometem mais
suicídio no início da doença do que mais tarde; mais homens
deprimidos do que mulheres cometem suicídio; e a chance de
que uma pessoa deprimida se mate aumenta se ela for
solteira, separada, divorciada, viúva ou tenha sofrido luto
recente. Pacientes com transtorno depressivo na
comunidade que cometem suicídio tendem a ter meia-idade
ou ser mais velhos. Isolamento social intensifica as
tendências suicidas entre pacientes deprimidos.
🠖 Tratamento
A avaliação do potencial de suicídio envolve a obtenção de
uma história psiquiátrica completa; um exame minucioso do
estado mental do paciente; e uma indagação sobre sintomas
depressivos, pensamentos, intenções, planos e tentativas
suicidas. Ausência de planos futuros, doar propriedades
pessoais, fazer um testamento e ter sofrido uma perda
recente são elementos que implicam aumento do risco de
suicídio. A decisão de internar um paciente depende do
diagnóstico, da gravidade da depressão e da ideação suicida,
da capacidade de enfrentamento do paciente e da família, da
situação de vida do paciente, da disponibilidade de suporte
social e da ausência ou presença de fatores de risco para
suicídio.
∘ Tratamento de internação X Ambulatorial
Hospitalizar ou não um paciente com ideação suicida é a
decisão clínica mais importante a ser tomada. Nem todos os
pacientes exigem hospitalização; alguns podem ser tratados
em contexto ambulatorial. Porém, ausência de um sistema
de suporte social eficaz, história de comportamento
impulsivo e plano de ação suicida são indicações para
internação. Para decidir se um tratamento ambulatorial é
possível, o clínico deve usar uma abordagem clínica simples
e direta: perguntar aos pacientes que são considerados
suicidas se concordam em chamá-los quando não estiverem
mais seguros de sua capacidade de controlar seus impulsos
suicidas. Pacientes que podem fazer esse tipo de acordo com
um médico com quem têm uma relação reafirmam a crença
de que têm força suficiente para controlar esses impulsos e
buscar ajuda.
Se o paciente considerado gravemente suicida não puder
assumir esse compromisso, indica-se hospitalização de
emergência imediata; tanto o paciente quanto sua família
devem ser orientados a fazê-lo. Caso, no entanto, o paciente
seja tratado de forma ambulatorial, o terapeuta deve tomar
nota dos números de telefone de casa e do trabalho do
paciente para referência de emergência. Se recusar
hospitalização, a família deve assumir a responsabilidade de
estar com ele 24 horas por dia.
Um tratamento intensivo com medicamento antidepressivo
ou antipsicótico deve ser iniciado, dependendo do transtorno
subjacente. Alguns medicamentos (p. ex., risperidona) têm
efeitos tanto antipsicóticos quanto antidepressivos e são
úteis quando o paciente apresenta sinais e sintomas de
psicose e depressão.
Pacientes que se recuperam de depressão suicida correm
bastante risco. Com a dissipação da depressão, o indivíduo
se sente cheio de energia e, portanto, pode colocar seus
planos suicidas em ação (suicídio paradoxal). Uma
complicação a mais é o efeito ativador de fármacos
serotonérgicos, como fluoxetina, que são antidepressivos
eficazes, especialmente em pacientes com depressão
suicida. Tais agentes podem melhorar o retraimento
psicomotor e, assim, permitir que o paciente aja a partir de
impulsos suicidas, já que tem mais energia. Às vezes, sujeitos
deprimidos, com ou sem tratamento, de modo repentino,
parecem estar em paz consigo mesmos porque tomaram a
decisão secreta de cometer suicídio. O clínico deve ficar
particularmente desconfiado dessa alteração tão drástica,
que pode ser o presságio de uma tentativa de suicídio.
Perda, luto e pesar são termos que se aplicam às reações
psicológicas daqueles que sobrevivem a uma perda
significativa.
🠖 Conceitos
∘ Luto é o sentimento subjetivo precipitado pela morte de
uma pessoa amada.
∘ Perda literalmente significa o estado de estar privado de
alguém por morte e se refere a estar no estado de pesar. As
experiências de luto e perda têm semelhanças suficientes
para justificar uma síndrome que tem sinais, sintomas, um
curso demonstrável e uma solução esperada.
∘ Pesar é o processo pelo qual o luto é resolvido; ele é a
expressão social do comportamento e de práticas pós-perda.
🠖 Fases do Luto
A psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, identificou a
reação psíquica de cada paciente em estado terminal e
formulou as cinco fases do luto ou perspectiva da
morte: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. É
mais comum que as pessoas que passam por esse processo
apresentem pelo menos dois desses estágios e não toda a
sequência.
Negação: uma defesa psíquica, onde a pessoa se nega a
acreditar no que ocorreu e de alguma forma, tenta não
entrar em contato com a realidade e prefere não falar sobre
o assunto.
Raiva: sentimento de revolta com o mundo e todos, onde o
indivíduo se sente injustiçado e não se conforma pelo o que
está passando.
Negociação ou Barganha: a pessoa negocia consigo
mesma. É uma tentativa de aliviar a dor e ponderar possíveis
soluções para sair daquela circunstância. Normalmente,
relaciona-se a uma conjuntura religiosa e promessas a um
Deus.
Depressão: ocorre a reclusão da pessoa para o seu mundo
interno, onde ela passa a se isolar e a se
considerar impotente frente ao ocorrido. Geralmente, é
a fase mais duradoura do processo do luto, caracterizada
por um sofrimento intenso.
Aceitação: o indivíduo não se sente mais desesperado e já
consegue enxergar a realidade como ela é. Ocorre assim,
a assimilação e aceitação por completo da perda ou morte
de forma consciente.
🠖 Luto x Episódio Depressivo Maior
Ao diferenciar luto de um episódio depressivo maior (EDM),
é útil considerar que, no luto, o afeto predominante inclui
sentimentos de vazio e perda, enquanto no EDM há humor
deprimido persistente e incapacidade de antecipar felicidade
ou prazer. A disforia no luto pode diminuir de intensidade ao
longo de dias a semanas, ocorrendo em ondas, conhecidas
como “dores do luto”. Essas ondas tendem a estar
associadas a pensamentos ou lembranças do falecido. O
humor deprimido de um EDM é mais persistente e não está
ligado a pensamentos ou preocupações específicos. A dor do
luto pode vir acompanhada de emoções e humor positivos
que não são característicos da infelicidade e angústia
generalizadas de um EDM.
O conteúdodo pensamento associado ao luto geralmente
apresenta preocupação com pensamentos e lembranças do
falecido, em vez das ruminações autocríticas ou pessimistas
encontradas no EDM. No luto, a autoestima costuma estar
preservada, ao passo que no EDM os sentimentos de
desvalia e aversão a si mesmo são comuns. Se presente no
luto, a ideação autodepreciativa costuma envolver a
percepção de falhas em relação ao falecido (p. ex., não ter
feito visitas com frequência suficiente, não dizer ao falecido o
quanto o amava). Se um indivíduo enlutado pensa em morte
e em morrer, tais pensamentos costumam ter o foco no
falecido e possivelmente em “se unir” a ele, enquanto no
EDM esses pensamentos têm o foco em acabar com a
própria vida por causa dos sentimentos de desvalia, de não
merecer estar vivo ou da incapacidade de enfrentar a dor da
depressão.