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Neurobiologia dos Transtornos Mentais Marcus Lira Brandão Frederico Guilherme Graeff AtheneuPsicologia, Psiquiatria e Psicanálise Outros Livros de Interesse A Ciência e a Arte de Ler Artigos Cientificos Luna Filho Introdução à Psiquiatria Texto Especialmente Escrito para o Estudante A Medicina da Pessoa ed. Perestrello das Ciências da Saúde - Spoerri A Natureza do Amor Donatella Manual: Rotinas de Humanização em Medicina Intensiva ed AMIB A Neurologia que Todo Médico Deve Saber ed. Nitrini Raquel Pusch de Souza Adoecer: As Interações do Doente com sua Doença ed. Quayle Medicina um Olhar para o Futuro Protásio da Luz Quantas Fisberg e Medeiros Nem só de Ciência se Faz a Cura ed. Protásio da Luz As Lembranças que não se Apagam Wilson Luiz Sanvito Coração Sente, o Corpo Como Reconhecer, Tratar e Prevenir a Autismo Novas Tendências e Perspectivas - Assumpção Fibromialgia Evelin Goldenberg Chaves/Resumo das Obras Completas (Organização Editorial: National do Emocional em Saúde ed. Ana Cristina de Clearinghouse for Mental Health Information) Jung Desafio da Esquizofrenia ed. Ana Cristina Chaves Coleção Psicologia do Esporte e do Exercício Maria Regina Ferreira e J Mari Brandão e Afonso Antonio Machado Livro de Estimulo à Amamentação Uma Visão Biológica, Vol. Teoria e Prática Fisiológica e da Vol. 2 Aspectos Psicológicos do Rendimento Esportivo Lana Vol. 3 Futebol, Psicologia e Produção do Conhecimento Médico. Seu Paciente e a Doença Balint Vol. 4 Treinador e Psicologia do Esporte que Você Precisa Saber sobre o Sistema Único de Saúde APM-SUS Vol. Voleibol e a Psicologia do Esporte Panorama Atual de Drogas e Dependências Silveira Moreira Coluna: Ponto e Virgula ed. Goldenberg Politica Públicas de Saúde Interação dos Atores Sociais Lopes Criando Filhos Vitoriosos Quando e como Promover a Resiliência Psicofarmacologia Chei Tung Teng Grunspun Psicologia do Desenvolvimento Do Lactente e da Criança Pequena Cuidados Paliativos Diretrizes, Humanização e Alivio de Sintomas Bases Neuropsicológicas e Comportamentais Gesell e Amatruda Franklin Santana Psicologia e Cardiologia Um Desafio Que Deu Certo SOCESP Ana Cuidados Discutindo a Vida, a Morte e o Morrer Franklin Lucia Alves Ribeiro Santana Santos Psicologia e Humanização: Assistência aos Pacientes Graves Knobel de Crianças e Adolescentes sob o Olhar da e da Perinatal Chei Tung Teng Constantino Psicologia na Fisioterapia Fiorelli Delirium Franklin Santana Psicopatologia Geral ed. (2 vols.) Jaspers Abordagem Multidisciplinar Leonardo Caixeta Psicologia Médica, Dependência de Drogas ed. Sergio Dario Seibel Psiquiatria e Saúde Mental - Conceitos Clínicos e Terapêuticos Depressão e Cognição - Chei Tung Teng Fundamentais Portella Nunes Depressão em Medicina Interna e em Outras Condições Médicas Psiquiatria Ocupacional Antero de Camargo e Dorgival Caetano Depressões Secundárias - Figueiró e Saúde Mental da Mulher - Cordás Dicionário Médico Ilustrado Alves Segredos de Mulher Diálogos Entre um Ginecologista e um Psicanalista Dilemas Modernos Drogas Fernanda Moreira Alexandre Cury de Grupo Domingues Série da Pesquisa à Prática Volume Neurociência Aplicada à Distúrbios Neuróticos da Criança ed. Grunspun Alberto Duarte e George Bussato Doença de Alzheimer Forienza Série Fisiopatologia Busatto Dor Manual para o Jacobsen Teixeira Vol. 4 Fisiopatologia dos Transtornos Psiquiátricos Dor Crônica Diagnóstico, Pesquisa e Tratamento Ivan Lemos Série Usando a - Alvarez e Taub Dor e Saúde Mental Figueiró Vol. I Epidemiologia ed. Medronho Sexualidade Humana 750 Perguntas Respondidas por 500 Especialistas Esquizofrenia Bressan Lief Ginecologia Psicossomática Tedesco e Faisal Situações Psicossociais Assumpção de Consultório - Atendimento e Administração - Carvalho Argolo Uma Morte Evitável - (Perez para Família Cuidando da Pessoa com Problemas Andreoli e Taub Transtornos Alimentares Natacci Cunha Hipnose Aspectos Atuais Moraes Passos Transtorno Bipolar do Humor José Alberto Del Porto Hipnose na Prática 2a. Ed. Tratado de Psiquiatria da e da Adolescência - Assumpção Hipnoterapia no Alcolismo, Obesidade e Tabagismo Vinicius Tratamento Coadjuvante pela Hipnose Marlus Costa Ferreira Um para o Leitor de Artigos na Area da Saúde Marcopito Introdução à Psicossomática Maria Rosa Spinelli Santos SAL Tel. 08000267753 www.atheneu.com.br t You TubeNeurobiologia dos Transtornos Mentais Organizadores Marcus Lira Brandão Professor Titular do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - FFCLRP, USP Frederico Guilherme Graeff Professor Titular Aposentado da Universidade de São Paulo - USP Atheneu INeCEDITORA ATHENEU São Paulo Rua Jesuino Pascoal, 30 Tel.: (11)2858-8750 Fax: (11)2858-8766 E-mail: Rio de Janeiro - Rua Bambina, 74 Tel.: (21)3094-1295 Fax: (21)3094-1284 E-mail: Belo Horizonte Rua Domingos Vieira, 1.104 CAPA: Paulo Verardo PRODUÇÃO EDITORIAL: Rosane Guedes EQUIPE TÉCNICA: Design gráfico: Artur Fernandes Créditos das figuras de abertura dos capitulos: Maria Luiza Dal Col Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Neurobiologia dos transtornos mentais / organizadores Marcus Lira Brandão, Frederico Guilherme Graeff. São Paulo : Editora Atheneu, 2014. Vários colaboradores. ISBN 978-85-388-0482-6 1. Doenças do sistema nervoso 2. Doenças mentais 3. Neurobiologia I. Brandão, Marcus Lira. II. Frederico 14-00535 NLM-WL 300 Índices para catálogo sistemático: 1. Doenças mentais : Medicina 616.89 BRANDÃO, M. L.: GRAEFF. F. G. Neurobiologia dos Transtornos Mentais EDITORA ATHENEU São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, 2014COLABORADORES ALCION SPONHOLZ-JUNIOR Mestre em Medicina (Saúde Mental) pela Universidade de São Paulo - USP ANGELA MARIA RIBEIRO Professora Associada do Departamento de Bioquimica-Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais CLAUDIO DA CUNHA Professor Associado do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Paraná - UFPR CRISTINA MARTA DEL-BEN Professora Associada do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo USP FERNANDO MACHADO VILHENA DIAS Professor Adjunto da Área de Psiquiatria da Universidade Federal de Ouro Preto, MG FRANCISCO SILVEIRA Professor Titular do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP JESUS LANDEIRA-FERNANDEZ Professor Titular do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RJ MANOEL JORGE NOBRE Pesquisador do Instituto de Neurociências e Comportamento - INeC MARIO FRANCISCO P. JURUENA Professor Assistente Doutor do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - FMRP, USP REGIANE LOURENÇO JOCA Professora Assistente Doutora do Departamento de Física e Química da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - FCFRP, USP SUELEN LÚCIO BOSCHEN Pesquisadora do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Paraná - UFPRPREFÁCIO conhecimento iniciou-se pelo que há de mais distante dos seres humanos, os corpos celestes. Em seguida, voltou-se para os objetos inanimados de nosso planeta e, em seguida, para os corpos dos seres vivos, inclusive o humano. Só recentemen- te passou a abordar a mente, antes dominio exclusivo da Teologia e da Filosofia. Por que isso ocorreu dessa forma? Seria por causa do temor de enfrentar os dogmas da fé estabelecida? Por causa da profunda resistência ao autoconhecimento, salientada pela Psicanálise? Ou devido ao fato de a porção evolucionariamente mais recente do nosso cérebro, o neocórtex, responsável pelas funções cognitivas, estar voltada para o mundo exterior, como sugere o neurofisiologista Paul MacLean? Talvez, ainda, porque a expe- riência subjetiva nos dá um conhecimento imediato da realidade interior, que é satisfatório para as exigências práticas do dia a dia, ao passo que os acontecimentos do mundo exterior pareciam, ao homem primitivo, misteriosos e intrigantes. Não sabemos ao certo. De qualquer modo, vivemos atualmente uma fase impar da evolução do conhecimen- to, na qual os domínios da mente e de seu órgão, o cérebro, estão sendo intensamente investigados pelo método científico. Uma conjugação de diversos fatores tem contribuído para esse desenvolvimento. Lembramos, entre outros, os recentes avanços da Psicologia Cognitiva, das Ciências da Computação e das Neurociências, levando ao surgimento de campos novos do conhecimento, como o das redes neurais, que tendem a abalar os alicerces do dualismo cartesiano, aproximando mentais e cerebrais. Uma das grandes esperanças, alimentadas por esse avanço do conhecimento, é a de que se amplie nossa compreensão a respeito das disfunções psicológicas e, conse- quentemente, surjam métodos mais eficazes para o tratamento dos doentes mentais. Há muito tempo, a chamada "loucura" representa um grande desafio para a humanidade, mostrando, claramente, as limitações do conhecimento do senso comum sobre as fun- ções psicológicas. Atualmente, a integração dos conhecimentos recém-adquiridos pelas neurociências já nos permite formular hipóteses estimulantes sobre o substrato neural da esquizofrenia, dos transtornos afetivos e da ansiedade, da dor crônica e dos déficits cognitivos. Por outro lado, a preponderância da tendência biológica em psiquiatria, ca da era atual, desperta temores de que a especialidade possa tornar-se muito técnica e impessoal, perdendo suas características De acordo com o filósofo e psiquiatra alemão Karl Jaspers, grande parte dessa controvérsia pode ser decorrente da confusão entre duas formas de conhecimento, expressas com precisão pelos verbos erklaeren e verstehen, que podemos traduzir, respectivamente, por "explicar" e "com- preender". A compreensão é imediata e intuitiva, baseada na empatia que podemos sentir por outro ser humano, e até mesmo por certos animais. Permite a uma pessoa colocar-se no lugar de outra e entender o que aquela possa estar sentindo. Por isso esse conhecimento é também denominado compassivo. Sua natureza é estritamente pessoal, dependendo de qualidades inatas, bem como da experiência de vida de cada um, sendoviii difícil de ser codificado em palavras, a não ser sob a forma de metáforas ou parábolas, relatadas num estilo denominado conotativo. Já a explicação tem como ponto de partida a observação desapaixonada do mundo exterior, complementada pela interpretação racional e pela experimentação. Culmina com o conhecimento objetivo alcançado pelas ciências naturais. portanto, um conhecimento de natureza pública, podendo ser trans- mitido satisfatoriamente pela palavra escrita, em estilo denotativo. No atendimento de seus pacientes o psiquiatra precisa tanto de compreensão quan- to de conhecimento objetivo. Seu sucesso como psicoterapeuta parece depender em maior grau da capacidade de compreender o paciente como pessoa do que da técnica empregada. Ao mesmo tempo, ele lança mão de conhecimentos acumulados por gera- ções de e pesquisadores que permitem fazer o diagnóstico correto, prescrever o tratamento adequado e prever, com razoável segurança, o prognóstico. Os problemas surgem, no campo da teoria, quando se confunde uma forma de conhecimento com outra, ou se tenta eliminar uma delas, considerada dispensável. Por exemplo, o conhecimento psicanalítico parece se referir mais à compreensão que à explicação. Os conceitos formulados pela Psicanálise originaram-se de experiências interpessoais únicas, e dificilmente podem converter-se em hipóteses verificáveis pelo método Assim, ao longo de sua história, multiplicaram-se as escolas cada qual apoiada no ponto de vista da figura dominante que a originou, sem que se vislumbre a possibilidade de um paradigma teórico predomínio da visão na Psiquiatria norte-americana, verificado após a Segunda Guerra Mundial, levou-a a distanciar-se das outras especialidades médicas, ignorando as implicações clínicas dos avanços que se verificavam nas Por outro lado, o conhecimento psicanalitico aumentou nossa capacidade de compreen- der estados emocionais e de desvendar motivações obscuras da conduta humana, bem como destacou a importância da interação paciente-terapeuta; sem mencionar que, fora do campo restritamente psiquiátrico, a Psicanálise exerceu influência cultural maior do que qualquer outra orientação em Psicologia. A contrapartida verifica-se, atualmente, com a Psiquiatria Aliás, tal deno- minação é redundante, pois sendo portanto disciplina médica, a Psiquiatria não pode deixar de se basear na Biologia. Porém, esse novo rótulo serve para diferençar essa corrente da Neuropsiquiatria tradicional, que também procura estabelecer as bases neu- rais das doenças mentais. Porém, enquanto esta última se fundamenta principalmente na Neuroanatomia e na Neurofisiologia, a Psiquiatria Biológica nasceu como consequência do acentuado desenvolvimento da farmacoterapia, ocorrido principalmente nos anos 1950 e 1960. Em decorrência, baseia-se, sobretudo na Neuroquímica, buscando nos mecanismos da neurotransmissão as de transtornos funcionais não identificadas pela Patologia clássica. Assim, procura fugir às críticas formuladas pelos psiquiatras de orientação dinâmica à chamada Psiquiatria Organicista, que floresceu na primeira metade do século XX. Nas últimas décadas desse século, e continuando no século XXI, verificou-se o impacto da Genética Molecular, de um lado, e da Neuroimagem, de outro, que estão delimitando a fronteira da Psiquiatria Biológica. Com a predominância da orientação biológica, a Psiquiatria voltou a ocupar um lugar definido entre as disciplinas médicas, bem como ganhou respeitabilidade cientifica. Não iremos discorrer sobre a importância desse desenvolvimento, razão de ser deste livro. Mas não devemos ignorar os riscos que o exagero dessa tendência pode acarretar. maior deles é o de reduzir funções psicológicas a meros mecanismos neuroquímicos, despidos de significado para a pessoa que as vivencia. Seria a substituição da Psiquiatria "descerebrada" pela Psiquiatria "desalmada". É necessário, pois, buscar oix equilibrio. A filosofia chinesa tradicional afirma que a polaridade é um atributo intrinseco da realidade. Ou seria uma necessidade do espirito humano ao tentar compreender essa realidade, como afirmou 0 filósofo Georg Hegel? De todo modo, ensina que a solução da contradição está na harmonia - no Tao caminho do meio - e não na eliminação de um lado pelo Podemos alcançar a harmonia pela sabedoria, fruto da compreensão, mais que pela sapiência. Espera-se portanto, que a Psiquiatria do futuro possa aumentar nossa capacidade de explicar as doenças mentais, sem prejudicar a compreensão da pessoa doente. 0 objetivo deste livro é proporcionar conhecimento sobre a Neurobiologia das doen- ças mentais ao leitor brasileiro, com um texto escrito em linguagem acessível ao não especialista. Quadros com textos complementares estão inseridos em associação com OS tópicos mais relevantes de cada Os autores dos diferentes capítulos vêm contribuindo para 0 avanço dos respectivos temas, por meio de pesquisas originais pu- blicadas em revistas de circulação internacional, podendo assim transmitir uma vivência, de primeira mão, sobre assuntos abordados. F.G. Graeff M. Brandão1 Transtornos dos Núcleos da Base, 1 Claudio da Cunha Suelen Lúcio Boschen 2 Esquizofrenia, 31 Marcus Lira Brandão 3 Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, 73 Marcus Lira Brandão 4 Transtornos do Humor, 97 Francisco Silveira Guimarães Regiane Lourenço Joca Mario Francisco P. Juruena 5 Transtornos de Ansiedade, 131 Frederico Guilherme Graeff 6 Dores Crônicas, 165 Marcus Lira Brandão 7 Abuso de Drogas, 185 Manoel Jorge Nobre Marcus Lira Brandão 8 Disfunções Mnemônicas, 211 Jesus Landeira-Fernandez Marcus Lira Brandão 9 Transtorno de Personalidade Antissocial, 233 Cristina Marta Del-Ben Alcion Sponholz-Junior 10 Demências, 251 Angela Maria Ribeiro Fernando Machado Vilhena Dias Índice, 271CAPÍTULO 1 TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE Claudio da Cunha Suelen Lúcio Boschen 022 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS Introdução Para sobreviver os seres vivos alteram continuamente seu meio interno de forma a se adaptar às constantes mudanças do meio externo, um processo conhecido como ho- meostase. Para tanto, os organismos unicelulares organizaram sofisticadas vias bioquí- micas que respondem rapidamente às mudanças fisicas e de seu Outra estratégia de sobrevivência consiste em mudar o meio externo a seu favor alterando, por exemplo, sua composição desenvolvimento de proteínas contráteis permitiu também que eles se deslocassem para ambientes mais favoráveis, aproximando-se de oportunidades de alimentação, reprodução e fugindo ou se esquivando de situações de perigo. Nos animais pluricelulares a evolução seguiu dois caminhos: 1) a delimitação de um ambiente interno com condições mais favoráveis para a sobrevivência das células do organismo; e 2) o desenvolvimento de músculos que permitam a mobilidade do animal ou a manipulação de objetos no ambiente externo. aumento da complexidade dos vertebrados demandou o surgimento de sistemas para orquestrar o funcionamento dos diversos tecidos e o sistema neuroendócri- no se especializou no controle do meio interno, ao passo que o sistema neurovegetativo, nas respostas viscerais que levam a alterações adaptativas do meio interno em resposta a variações no meio externo. Já os sistemas sensoriais e motores, nas respostas de aproximação, fuga, esquiva e manipulação de objetos do mundo externo. A integração entre os sistemas sensoriais e motores surgiu nos animais primitivos com os circuitos de arcorreflexo integrados por interneurônios e, no curso da evolução dos vertebrados, resultou nos complexos sistemas de processamento que permitem res- postas motoras e neurovegetativas a eventos atuais, levando em conta as consequências destas respostas no passado. Tal façanha depende do armazenamento de informações sobre eventos passados e da escolha da ação apropriada para demandas Nos primatas, a evolução do sistema nervoso, em especial do córtex pré-frontal, culminou no surgimento da consciência, a faculdade mental que nos permite criar uma representação neural da nossa relação com o mundo externo presente, passado e futu- ro. Esse grau de complexidade nos permite considerar as consequências de diferentes estratégias de intervenção no mundo externo antes de colocá-las em ação. a natureza de nossa organização corporal impõe uma limitação à implementação dessas estratégias: só podemos executar uma ação de cada vez. Nosso sistema nervoso pode encontrar diferentes ações como a solução de um mesmo problema, mas apenas uma pode ser executada por vez. São os núcleos da base que fazem esta escolha. Organização anatômica e funcional dos núcleos da base: inibindo, iniciando e concluindo ações Podemos compreender o mecanismo pelo qual os núcleos da base escolhem quan- do iniciar e quando concluir uma ação comparando-o ao globo usado para sortear os números em um jogo de bingo. As bolas com os números são as diferentes ações que precisam ser escolhidas; uma de cada vez. Elas não caem o tempo todo porque o funil de do globo permanece fechado por uma porta. Quando a porta se abre, uma bola cai. Nessa analogia, uma ação é escolhida e Há também um dispositivo que fecha automaticamente a porta depois de a bola ter Outra bola só cai quando a porta for novamente aberta.1 TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 3 Outra analogia que pode nos ajudar a compreender como uma ação é iniciada e interrompida é a de um barco a motor dotado de um acelerador e de um freio. Em nosso cérebro, o piloto (aquele que estabelece um objetivo ou destino para a é o córtex o acelerador e o freio são formados pelos núcleos da base. Porém, como no mecanismo do globo do jogo de bingo, os núcleos da base são também a porta que escolhe sobre qual ação o acelerador e o freio irão atuar. As ações motoras do nosso repertório estão programadas nas áreas do córtex pré- motor e suplementar motor. Cada ação pode ser ativada de forma seletiva por neurônios do núcleo ventrolateral do tálamo (ver a Fig. 1.1). Estes não são ativados o tempo todo porque esta área do tálamo está sob inibição tônica de neurônios do globo pálido interno (GPi) e da parte reticulada da substância negra (SNr). Essas estruturas formam a porta de saída dos núcleos da base. Na analogia acima, o é a porta do globo de bingo que impede as bolas de cair. Para iniciar uma ação, os neurônios do corpo estriado inibem os neurônios do aquelas estruturas que inibem tonicamente os neurônios do Esse mecanismo resulta na "desinibição" específica dos neurônios tálamo-corticais que ativam uma ação 1) Núcleo caudado 2) (estriado) 3) GPe 4) GPI 5) NST 6) 7) negra + Córtex Estriado Tálamo NST GPi/SNr GPe + Via Via Via NST Medula espinal FIGURA 1.1 Neuroanatomia e conexões dos núcleos da Sua organização tridimensional e um corte coronal evidenciando seus componentes são apresentados no quadrante superior esquerdo da figura. As conexões de uma alça do circuito córtico-basal estão esquematizadas no diagrama inferior e no desenho à direita, indicando as vias indireta e hiperdireta, de acordo com os modelos de Albin e GPe, pálido Globo pálido NST. núcleo mico: SNc. substância negra pars Substância negra pars Fonte: Modelos propostos por Alexander, DeLong, Annu Neurosci, e Albin, TINS,4 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS específica. Por inibir os neurônios do de forma direta (monossináptica), esta via que liga o estriado ao GPi/SNr é chamada de "via direta" (ver Figs. e 1.2). No exemplo do barco a motor, a via direta corresponde ao "acelerador" que dá inicio à ação escolhida. Uma vez que a ação é executada, ela precisa ser concluída pelos neurônios da "via indireta", assim chamada porque ativa o GPi/SNr de forma indireta: os neurônios estria- tais inibem os neurônios da parte externa do globo pálido (GPe) que inibem os neurônios do GPi/SNr de forma Desta forma, o resultado final da ativação da via indireta é a reativação dos neurônios do os quais inibem a ação que foi iniciada pela via direta. Portanto, no exemplo do barco a motor, a via indireta corresponde ao "freio" que conclui a ação escolhida. Tal como ilustrado na Figura 1.2, o encadeamento dos neurônios das vias direta e indireta funcionam como em uma operação matemática, em que o produto de um número negativo por um número negativo é positivo e produto de um número negativo por um positivo é negativo. Portanto, ao atuar sobre os mesmos neurônios do os neurônios que formam as vias direta e indireta podem, iniciar e concluir uma ação. Tal com foi dito, essas vias são como o acelerador e o freio do barco. Caminhar até a mesa, pegar uma maçã que está sobre esta e levá-la à boca são exemplos de ações controladas pelas vias direta e Os neurônios talâmicos que + + Córtex Estriado GPi/SNr GPe NST Ativação da via direta: (-) (-) (+) -1 -1 +1 = +1 Ativação da via indireta: (-) (-) (-) (+) -1 -1 -1 +1 = -1 +1 Iniciação de uma ação específica -f de uma ação específica FIGURA 1.2 esquema mostra como a via direta e a via indireta resultam, respectivamente, na iniciação e na conclusão de uma ação. Detalhes no texto.TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 5 desencadeiam essas ações ficam inibidos pelo globo pálido interno (GPi) e pela parte compacta da substância negra (SNc) na maior parte do tempo, sendo ativados apenas quando forem a solução encontrada pelos núcleos da base para um objetivo estipula- do pelo córtex Neste caso, o objetivo é comer uma maçã. Ao ativar alguns neurônios da via direta, a ação de andar até a mesa é liberada da tônica do ao chegar à mesa, essa ação é interrompida pela via Nesse momento outros neurônios da via direta liberam a ação de pegar a maçã com a mão; essa ação é concluída pela via mesmo mecanismo é usado pelos núcleos da base para iniciar e concluir a ação de levar a maçã à boca. Note que durante essa sequência de ações, várias outras poderiam ter sido inicia- das. Ações como: virar-se para o lado para ver de onde vem um cochicho; as costas: amarrar os sapatos; até a pia para lavar as mãos; dizer um Porém, nenhuma dessas ações resultaria no objetivo traçado pelo córtex pré-frontal o de co- mer a maçã. Essas ações inapropriadas não foram iniciadas devido à outra via dos núcleos da base, chamada via hiperdireta. Os neurônios que formam essa via partem do córtex pré-frontal e ativam o núcleo subtalâmico (NST), outra estação dos núcleos da base (Fig. 1.1). Os neurônios do NST ativam o de forma fazendo que estes causem a inibição de uma grande população de neurônios Dessa forma, a via hiperdireta inibe todas as ações do repertório do individuo. Assim, apenas a ação apropriada para o objetivo estabelecido pelo córtex pré-frontal pode ser liberada pela direta. modelo de organização do circuito córtico-basal na forma de alças onde várias regiões do córtex projetam para o estriado que, através das vias direta e indireta li- beram ou terminam uma ação codificada por regiões motoras do córtex, foi propos- to na década de 1980 por Mahlon DeLong e da Faculdade de Medicina da Universidade de Emory nos Estados Unidos. Atualmente, esta é a teoria mais influente sobre o funcionamento dos núcleos da base, e usada para explicar quadros de hi- percinesia, hipocinesia e rigidez muscular de muitas doenças neurológicas, tal como veremos a seguir. A via hiperdireta foi proposta, alguns anos depois, por Roger Albin e cols., da Universidade de Michigan nos Estados Unidos. Esta também recebeu grande aceitação pela comunidade cientifica que a tem adotado para explicar sintomas com- portamentais de diversas doenças psiquiátricas e neurológicas relacionadas a falhas de inibição comportamental. As teorias das vias direta, indireta e hiperdireta também têm sido empregadas como um mapa para nortear as intervenções cirúrgicas feitas no tratamento da doença de Parkinson. Na publicação mais citada da literatura dos núcleos da base, DeLong e cols. que as alças que ligam córtex e os núcleos da base pelas vias direta e indireta não se restringem ao controle de ações organizadas em áreas motoras do Eles propuse- ram a existência de outras 4 alças córtico-estriatais que recebem (via estriado) projeções de múltiplas áreas corticais e projetam de volta para uma das seguintes áreas corticais: 1) áreas do centro oculomotor do córtex frontal; 2) córtex pré-frontal dorsolateral; 3) cór- tex orbitofrontal lateral; e 4) córtex cingulado anterior. Estudos mais recentes a existência de outras duas alças, uma terminando no córtex orbitofrontal medial e outra no córtex inferotemporal e parietal posterior, regiões para onde convergem as vias visuais que processam a identidade de objetos e sua localização espacial. Acredita-se que, através das alças que terminam no córtex pré-frontal medial, os núcleos da base possam atuar na escolha e na organização de ações mentais e, através das alças que terminam nos córtices orbitofrontal e cingulado anterior, promovam a seleção das emoções a se- rem expressas em resposta a um objetivo.6 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS QUADRO 1.1 A doença de Huntington: sem o "freio" da via indireta A doença de Huntington recebeu esse nome em homenagem ao médico norte-america- no George Huntington que, no fim do século XIX, descreveu sua característica É uma doença neurodegenerativa que se manifesta em qualquer idade e os pacientes tipica- mente vêm a óbito em torno de 20 anos depois do A doença afeta cerca de 5 pessoas em cada 100.000, nas populações Entre os africanos, a prevalência é menor e entre os japoneses é de apenas 0,5 em cada Clinicamente, caracteriza-se por movimentos involuntários irregulares espasmódicos nos membros ou nos músculos da face, chamados coreia (dança do coral), incoordenação motora, déficit cognitivo e outras disfunções motoras hipercinéticas (distonia, mioclonia, tiques) e hipocinéticas (bradicinesia e rigidez muscular). Também se manifesta por um declinio cognitivo progressivo, além de vários sintomas Os sinais moto- res tipicos são precedidos por uma fase em que o paciente apresenta mudanças bruscas na personalidade, na cognição e no controle motor. Os déficits cognitivos não afetam a memória declarativa de longo e sim a memória operacional, a aprendizagem de novas habilidades motoras e funções executivas, como a capacidade de organização, de planejamento e a adaptação a situações A fala se deteriora mais rapidamente que a compreensão da linguagem. Todos esses sintomas pioram com o Sintomas psiquiá- tricos e psicóticos) são frequentes, mas, ao contrário dos sintomas cognitivos, não progridem com o tempo. A depressão também é frequente, devendo ser tratada de imediato devido ao alto de suicidio entre os pacientes com esta doença. Embora a maioria dos pacientes desenvolva coreia, esta pode não ocorrer em alguns deles ou ocorrer apenas de forma transitória e progredir para um quadro de distonia e rigi- dez muscular. Dal a denominação "doença de Huntington" ter substituido a denominação "coreia de Huntington", usada no passado. A ausência de pode levar os médicos a diagnosticarem erroneamente a doença como catatonia, esquizofrenia ou A doença de Huntington é causada por uma mutação em um gene localizado no cromossomo IV, que codifica a proteina huntingtina, Esta mutação resulta na adição de sequências repetidas dos nucleotideos CAG, à proteína uma cauda de poliglu- tamina que provavelmente lhe confere um efeito neurotóxico. Esses agregados afetam fun- ções celulares importantes, como a transcrição gênica, a apoptose e a função mitocondrial. Essas disfunções podem provocar morte neuronial e afetar a sobrevivência dos neurônios vizinhos. Na doença de Huntington ocorre uma perda neuronial seletiva que é mais proeminente nos neurônios estriatais da via indireta, responsável por inibir ações motoras quando estas são Isso explica os movimentos involuntários característicos da doença e também os sintomas cognitivos e comportamentais, uma vez que a via indireta tam- bém participa nos processos de aprendizagem e inibição Imagens de ressonância magnética nuclear, tomografia computadorizada e neuroimagens funcionais por tomografia de emissão de pósitrons mostram perda de volume estriatal e aumento dos cornos frontais dos ventriculos laterais que ocorrem de 11 a 9 meses antes do inicio dos sintomas. essas imagens não são suficientes para o diagnóstico definitivo da doença. Alguns sintomas também podem ter como causa a morte de neurônios na substância negra, camadas 5 e 6 do córtex cerebral, região CA1 do hipocampo, giro angular do lobo parietal, células de Purkinge do cerebelo, núcleo tuberal lateral do hipotálamo e complexo centromedial parafascicular do A degeneração parcial de todas essas regiões pode contribuir para os sintomas cognitivos, psiquiátricos e comportamentais da doença.CAPÍTULO TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 7 Como os núcleos da base escolhem qual ação iniciar: o papel da dopamina Agora que sabemos como uma ação pode ser iniciada e concluída pelas vias direta e indireta, e as consequências devastadoras de uma falha na via indireta, cabe pergun- tar como os núcleos da base atuam para escolher uma ação específica no momento certo, em detrimento das outras ações do nosso repertório. Lembramos que, uma ação motora voluntária é escolhida por levar a um objetivo traçado pelo córtex pré-frontal. Na arquitetura das alças corticoestriatais, como delineada na Figura isso significa que a ativação de determinados neurônios corticais deve estimular mais fortemente alguns neurônios específicos da via direta. Ou seja, ao receber estimulos dos diversos neurônios corticais, os neurônios estriatais das direta e indireta devem desempenhar o papel de filtro de sinal/ruído: realçar a ativação dos neurônios que codificam a ação que atinja o objetivo traçado pelo córtex e eliminar o representado pela ativação dos demais neurônios estriatais que codificam outras ações. É como sintonizar uma estação de rádio. Se o chiado é muito alto, não conseguimos entender o sentido da mensagem que está sendo transmitida. Não adianta só aumentar o volume do rádio para entender melhor a mensagem se, ao fazer isso, o chiado também aumenta. Ao sintonizar melhor aquela fai- xa, circuito eletrônico do rádio faz o papel de um filtro, aumentando o sinal e diminuindo o Assim a mensagem transmitida pelo radialista pode ser entendida de forma clara. Os neurônios estriatais que formam as vias direta e indireta recebem projeções de um grande número de neurônios localizados em diferentes regiões do Isso inclui regiões do córtex sensorial, motor e do córtex pré-frontal. Em primatas, um único neurônio estriatal pode receber projeções de cerca de 100 neurônios Como vimos acima, sua ativação resulta na iniciação ou na conclusão de uma ação. Portanto, para traduzir o objetivo traçado pelo córtex na ação apropriada para atingi-lo, os neurônios estriatais competem entre si - o mais despolarizado (ativado) pela estimulação cortical ganha a competição, que significa vencer a barreira da forte inibição a que estão tonicamente submetidos e disparar potenciais de ação. Pense em uma peneira como um filtro: o que ela faz é selecionar as que passam mais facilmente por seus poros. filtro, formado pelos neurônios estriatais, tem a mesma função deixa passar apenas as informações do córtex mais relevantes para a escolha da ação apropriada. Ou seja, filtra o ruido causado pela ativação de áreas corticais que não contribuem para a tomada de decisão sobre a ação apropriada e se despolariza apenas em função das áreas corticais que estão mais fortemente ativadas aquelas que codificam informações mais relevantes para esta tomada de decisão. Tendo em vista que os neurônios estriatais recebem informações convergentes dos neurônios corticais, veja na Figura como esse processo ocorre: No exemplo da Figura 1.3, o estado de ativação dos 4 neurônios corticais está repre- sentado pelo número de barras paralelas em seus axônios (frequência de disparos de potenciais de ação). Os 2 neurônios estriatais (A e B) recebem projeções convergentes de vários, mas não de todos, os neurônios corticais. Para simplificar, representamos ape- nas os neurônios da vida direta, pois sua ativação resulta na escolha de uma ação (A ou B). Na função de filtro, os neurônios estriatais devem responder mais aos neurônios corti- cais mais ativos (no caso 1 e 2) e não responder aos menos ativos (3 e 4). Qual neurônio estriatal vai ser ativado em um dado momento depende da integração da estimulação recebida de cada neurônio cortical. No exemplo acima, o neurônio A se ativou porque amplificou os sinais que recebeu dos neurônios 1 e 2, se despolarizando a ponto de pro- duzir potenciais de ação. Já o neurônio B neutralizou o ruido que recebeu dos neurônios8 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS 1 2 3 4 A B Ação A FIGURA 1.3 esquema representa como os neurônios da via direta B) integram e filtram os sinais dos neurônios corticais (1. 2. 4) de forma a escolher a "ação A" em detrimento da "ação B' 3 e 4 e permaneceu Como resultado, a ação A foi escolhida em detrimento da ação B. Ou seja em uma situação específica em que os neurônios 1 e 2 estão mais ativos que os neurônios 3 e 4. os neurônios estriatais escolhem iniciar a ação 1. Esta decisão foi tomada por um mecanismo que filtrou os sinais de uma população de neurônios Além da convergência das projeções o estriado conta com outros mecanismos poderosos que ajudam a filtrar ou a otimizar a relação Os neu- rônios estriatais das vias direta e indireta são chamados neurônios espinhosos médios. devido ao tamanho de seus corpos celulares e à presença de espinhos em seus dendri- tos. Quando não são fortemente estimulados pelos neurônios corticais, ficam silenciosos porque estão sob forte inibição tônica de interneurônios do próprio corpo A maioria deles libera o inibitório GABA (ácido Contribuem também para inibição tônica desses neurônios e seu papel de filtro dos si- nais recebidos do córtex, interneurônios colinérgicos e a produção local de adenosina e Além da participação de neurotransmissores liberados por neurônios locais, outro chamado dopamina, exerce um papel preponderante na função de "filtro" dos neurônios estriatais. A dopamina é liberada pelos neurônios da parte com- pacta da substância negra (SNc) que se projetam para o Ela atua sobre duas de receptores ligadas às proteína e chamados receptores do tipo-D. e do tipo-D, respectivamente. A ativação dos receptores do tipo D, resulta no aumento da concentração de e a ativação dos receptores do tipo em sua Dos 5 tipos de receptores que compõem essas apenas os receptores D, e D, foram encontrados no sendo o primeiro da família do tipo-D, e os dois últimos da família do No estriado, os receptores D, se expressam principalmente nos neurônios da via os receptores nos neurônios da via indireta: e os receptores nos terminais sinápticos dos neurônios potencial de membrana dos neurônios espinhosos médios cicla entre dois esta- dos de polarização, chamados pelas palavras inglesas up e down. No estado up suaTRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 9 membrana está próxima do limiar de despolarização e no estado down está hiperpola- rizada. Este estado reflete a atividade dos neurônios corticais que se projetam para o neurônio espinhoso médio. No exemplo da Figura mesmo antes de se despolarizar ao ponto de produzir potenciais de ação, o neurônio A estaria no estado up e o neurônio B, no estado down. efeito da dopamina sobre os receptores da via direta tem um papel em sua função de filtro. Quando estão no estado up, a ativação dos receptores D, aumenta a probabilidade de que eles disparem potências de ação, desencadeando uma ação específica. Quando estão no estado down, eles são inibidos pelos receptores Já a ocupação dos receptores sempre causa uma inibição nos neurônios da via indireta. A doença de Parkinson: quando falta a dopamina A doença de Parkinson foi descrita pela primeira vez como "uma paralisia agitante" por James Parkinson, em 1817, em sua obra An Essay on the Shaking Palsy que, ape- sar de incompleta, chama atenção pela acurácia e clareza de expressão marcantes, razão pela qual a doença leva seu nome. Em meados do século XIX, depois de estudar pacientes portadores da doença, o fisiologista francês Jean Martin Charcot corrigiu e complementou a descrição de J. Parkinson quanto às manifestações clínicas da doença. Trata-se de uma doença neurodegenerativa, crônica e progressiva, tendo sido a primeira cuja causa foi a uma falha nos núcleos da base, mais especificamente a lesões na SNc, o que leva a uma deficiência na transmissão dopaminérgica no corpo estriado. grau de diminuição dos níveis de dopamina está relacionado à gravidade da doença. Este quadro neurodegenerativo é a causa principal dos déficits motores, cognitivos e comportamentais da doença, que serão comentados Epidemiologia risco de desenvolver a doença de Parkinson apresenta distribuição universal e atinge todos os grupos étnicos e classes socioeconômicas, sendo a segunda doença neurodegenerativa mais comum. Usualmente acomete individuos com mais de 50 anos, sendo mais comum entre pessoas do sexo Estima-se uma prevalência de 100 a 200 casos por 100.000 habitantes, e incidência de 20 casos novos a cada 100.000 habitantes por ano. A maior incidência está por volta dos 60 anos, mas pode surgir em qualquer momento, dos 35 aos 85 anos. Como a doença de Parkinson é progressiva e mesmo entre os pacientes medicados, acarreta incapacidade severa após 10 a 15 anos de seu início, seu impacto social e financeiro é elevado, particularmente na população mais Estima-se que o custo anual mundial com medicamentos antiparkinsonianos esteja em torno de 11 bilhões de dólares, sendo 3 a 4 vezes mais caro para os pacientes na fase avançada da doença. No Brasil, a maioria desses medicamentos é distribuída gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com um custo considerável para o governo. Aspectos clínicos A doença de Parkinson é um distúrbio neurológico crônico e progressivo. Apresenta 4 manifestações motoras cardinais: tremor de repouso, rigidez, bradicinesia (dificuldade em iniciar movimentos) e instabilidade postural. Se um movimento, como de estender um braço, for feito à força por um examinador, o paciente resiste em o que é10 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS percebido como rigidez Quando o movimento é finalmente iniciado, é exe- cutado de forma abrupta, como o de abrir um canivete. A oposição ao movimento faz também com que ele se processe em arrancos, como se estivesse sendo freado de forma intermitente, como no movimento de uma roda denteada. Nem todos os pacientes apresentam todos esses sinais estes podem ficar restritos a dois ou a apenas um. Normalmente, a primeira queixa refere-se a uma fraqueza ou inflexibilidade muscular, sendo a causa muitas vezes não diagnosticada. Porém, a instabilidade postural e os tre- mores logo emergem, levando à reconsideração do quadro importante ressaltar que o diagnóstico clínico da doença de Parkinson é feito com base no histórico médico e no exame neurológico, visto que não estão disponíveis exames laboratoriais que possam confirmar o diagnóstico. tremor de repouso é uma das características mais frequentes, ocorrendo em cerca de 70% dos pacientes. A rigidez muscular, por sua vez, é percebida como uma resistên- cia ao movimento passivo dos membros superiores. Já a bradicinesia se refere a certa lentidão e escassez de movimentos, como a perda da expressão facial (muitas vezes confundida como perda do afeto), e de movimentos como o de alternar os braços ao caminhar. A bradicinesia não é decorrente da rigidez muscular, visto que pode ser obser- vada mesmo em pacientes que não apresentam esse sinal motor. Quando a bradicinesia afeta a região da podem surgir certas complicações na deglutição que, even- tualmente, culminam em problemas que podem levar à morte, como a aspiração de saliva e alimentos para o pulmão e a pneumonia. Outro déficit motor potencialmente perigoso é a instabilidade postural, pois pode resultar em fraturas decorrentes das quedas. Além disso, essa é uma das manifestações da doença que menos responde ao tratamento convencional. Um sinal motor adicional é o congelamento (freezing) ou bloqueio motor. Em sua forma mais comum esse bloqueio ocorre como uma inabilidade em dar um passo à frente ao caminhar. Pode ocorrer no da caminhada (hesitação de inicio), numa virada ou ao alcançar seu destino. É temporário, dura poucos segundos ou minutos, e repentina- mente diminui. Esse bloqueio motor dificilmente melhora com o tratamento convencional com levodopa, podendo até mesmo piorar. Os pacientes com a doença de Parkinson têm um risco aumentado para uma grande variedade de disfunções psiquiátricas e cognitivas, sendo a e depressão as mais comuns. Entretanto, também podem ocorrer alucinações, delirios, irritabilidade e ansiedade. Apatia e mudanças de personalidade (como as observadas em pacientes no córtex cingulado anterior) também podem ocorrer na doença de Parkinson. A é a maior causa de incapacitação. Na maioria dos casos, a demência observada na doença de Parkinson é diferente da demência observada na doença de Alzheimer, em que o principal componente afetado é a memória declarativa para nomes, fatos, conceitos). Tal como em pacientes com lesões no córtex pré-frontal, na doença de Parkinson, a afeta mais as funções executivas, como a capaci- dade de planejamento, de mudar o foco de atenção e de gerenciamento comportamen- tal. Porém, em uma fase avançada da doença, em decorrência de um agravamento dos déficits das funções executivas, ou mesmo devido a um comprometimento de outras áreas encefálicas, os pacientes com doença de Parkinson também podem apresentar perda de memória declarativa, bem como déficits de memória operacional e da me- mória de procedimentos que incluem as habilidades motoras e cognitivas e os hábitos Alguns estudos mostram prevalência desse quadro demencial em tor- no de 65% para pacientes acima de 85 anos. Até os pacientes que não apresentam um quadro claro de e mesmo no da doença, antes que os déficits motores seCAPÍTULO TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 11 com maior intensidade, os pacientes com doença de Parkinson apresentam esses déficits cognitivos. Os pacientes que desenvolvem um quadro definido de cia têm progressão mais rápida da doença e são mais propensos à hospitalização que aqueles em que a não se manifesta claramente. Há alguns anos era controverso se a depressão seria uma manifestação primária da doença ou uma reação a esta. Atualmente, são mínimas as dúvidas de que a depressão é mesmo uma manifestação primária da doença. Alguns estudos encontraram cerca de 50% dos pacientes com doença de Parkinson com sintomas de depressão, havendo também outros estudos que relatam incidência ainda maior. A depressão não está re- lacionada à gravidade dos sinais motores. Muitos pacientes desenvolvem sintomas de depressão antes mesmo de seu aparecimento. Além disso, a prevalência da depressão na doença de Parkinson é maior do que a observada em pacientes com disfunções motoras semelhantes, mas decorrentes de outras Além dos sinais e dos sintomas descritos, há ainda diversos outros déficits menos graves, menos comuns e até raros. Entre eles estão as dores advindas dos constantes tre- mores dos membros, o discurso parkinsoniano (ritmado e em baixo volume), a micrografia, a incontinência urinária, a constipação intestinal e a sialorreia. Etiologia A etiologia da doença de Parkinson começou a ser compreendida na década de 1960, quando o ucraniano Oleh Hornykiewicz e seu então aluno Herbert Ehringer mostra- ram que a maior parte dos déficits observados nos pacientes com doença de Parkinson se devia à perda progressiva e acentuada dos neurônios dopaminérgicos do sistema nervoso central (SNC). Os sinais motores só aparecem quando os pacientes já perderam mais de 70% desses neurônios. Em fases avançadas da doença, os pacientes podem perder mais de 99% desses neurônios dopaminérgicos. A doença envolve também per- da menos acentuada de neurônios colinérgicos, noradrenérgicos e A causa da perda dos neurônios dopaminérgicos não é de todo conhecida, porém há evidências da contribuição de diversos fatores que incluem: a) mutações em genes que codificam a proteína ou proteínas envolvidas em seu processamento e/ou degradação; b) proteínas envolvidas em cascatas de sinalização de funções mitocon- drial ou diretamente na cadeia de transporte de elétrons para a produção de moléculas energéticas c) formação de radicais livres envolvidos em processos de estresse oxidativo; e d) processos Essas disfunções celulares não acontecem necessariamente em uma sequência definida. Ao contrário, estão interligadas de forma que uma pode levar à outra, tal como esquematizado na Figura 1.4. Além da perda dos neurônios dopaminérgicos, a presença de neuritos e corpúsculos de Lewy nos neurônios da SNc são considerados marcadores morfológicos para a con- firmação post-mortem da doença de Parkinson. Estes são formados pela alfa-sinucleina e pela ubiquitina, outra que participa da degradação de Em prepara- ções histológicas coradas com eosina esses corpúsculos, presentes no corpo dos neu- rônios, aparecem fortemente corados e com um halo não corado à sua volta (Fig. 1.4). Como vimos, a ativação dos receptores dopaminérgicos ajuda o estriado a filtrar os sinais do córtex de forma a escolher qual ação deve iniciar ou encerrar. Para tanto, é necessário que os terminais dopaminérgicos liberem uma quantidade pequena, mas constante de dopamina. Mesmo com a perda de até 70% dos neurônios dopaminérgicos, os neurônios restantes conseguem manter uma concentração extracelular de dopamina12 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS Oxidação Toxinas de dopamina ambientais Complexo mitocondrial disfuncional ATP Espécies reativas Falha no reduzido do oxigênio enovelamento de proteinas Despolarização Agregados proteicos persistente MORTE CELULAR Disfunção nos proteossomas Corpos de Inflamação Lewy FIGURA 1.4 Mecanismos de neurodegeneração na doença de Parkinson. necessária para que as ações motoras sejam iniciadas no momento certo. Porém, após maior degeneração dos neurônios essa concentração cai abaixo de um crítico, levando ao aparecimento dos sinais motores da doença. Com a falta de dopamina, os receptores D, deixam de ativar os neurônios da via direta, aqueles respon- sáveis por iniciar uma ação apropriada. Também com a falta de dopamina, os receptores deixam de inibir os neurônios da via indireta, aqueles que encerram ou inibem uma ação. o resultado é a inibição da iniciação de movimentos (hipocinesia ou acinsia) e o aumento de sua (rigidez muscular). A baixa estimulação dopaminérgica resulta também em aumento do ruído causa- do pela estimulação corticoestriatal não relacionada à intenção de movimento, como já mencionado. A simulação desse em uma rede neural usada para modelar o circuito corticobasal mostra um padrão de sinal de saida com frequência com a dos tremores de repouso observados na doença de Parkinson. Os sintomas cognitivos e motores da doença de Parkinson também se devem, em sua maioria, à falta de dopamina para aumentar a relação sinal/ruído nas alças cortico- talâmicas que projetam de volta para o córtex pré-frontal. Com isso os pacientes perdem a capacidade de filtrar os pensamentos de forma a encontrar as melhores soluções para os problemas do dia a dia, apresentando falhas nas chamadas funções executivas que envolvem atenção, gerenciamento do comportamento e inibição comportamental. A falta de iniciativa para a resolução de problemas também contribui para o quadro de de- pressão que afeta grande parte dos pacientes com doença de Parkinson. Eles também apresentam problemas para aprender "como fazer" determinadas operações mentais e motoras. Nos tópicos posteriores que abordam os sintomas cognitivos de outras doenças dos núcleos da base será discutido como a falta de dopamina pode causar esses déficits.CAPÍTULO TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 13 Modelos animais primeiro modelo animal da doença de Parkinson foi desenvolvido com ratos trata- dos com reserpina, droga que causa a depleção de catecolaminas no sistema nervoso central. sueco Arvid Carlsson, Prêmio Nobel de Medicina em 2000, observou que esses animais apresentavam um quadro de acinesia (semelhante ao da doença de Parkinson) que podia ser revertido pelo tratamento com levodopa. Ele foi também o primeiro a demonstrar que a dopamina, formada a partir da levodopa, é um neurotransmissor no sistema nervoso central e não apenas um precursor da sintese de noradrenalina. Foi devido a seus trabalhos com esse modelo animal que os médicos da época começaram a usar a levodopa no tratamento da doença de Parkinson. Há mais de dez anos que meu grupo de pesquisa, na Universidade Federal do Paraná, tem se dedicado ao estudo de alterações motoras e cognitivas em modelos animais da doença de Parkinson. Tal como no exemplo acima, esses estudos com modelos animais são importantes para que se possa desenvolver novas terapias para essa doença, para avaliar os riscos das terapias em uso e para esclarecer qual é o papel da SNc e outros componentes dos núcleos da base nas funções cerebrais normais. modelo animal da doença de Parkinson mais usado foi proposto nos anos 1970 pelo também sueco Urban Ungerstedt. modelo consiste em ratos submetidos a uma lesão unilateral da SNc pela administração intracerebral da neurotoxina 6-hidroxidopamina. Quando esses animais recebem uma de um agonista competitivo dos receptores da dopamina, como a apomorfina, começam a girar em círculo para o lado oposto à lesão. Alguns animais podem girar mais de 500 vezes em uma hora. número de rota- ções por minuto é proporcional à dose do fármaco (Fig. 1.4). Este teste tem sido usado pela indústria farmacêutica na seleção de novos medicamentos antiparkinsonianos e no estudo dos mecanismos das alterações motoras da doença de Parkinson. Na década de 1980 descobriu-se uma nova neurotoxina chamada MPTP (1-metil-4- que, ao ser administrada sistemicamente em primatas, causa sinais motores idênticos aos observados na doença de Parkinson em diante, macacos tratados com MPTP têm sido usados como modelo dessa doença. Inicialmente essa toxina não era usada em ratos por não produzir alterações motoras significativas. Porém, no inicio dos anos 1990 publicamos um artigo mostrando que ratos tratados com MPTP podem ser um bom modelo para o estudo de alterações cognitivas da doença de Nos trabalhos que publicamos nos últimos anos mostramos que esses animais apresentam déficits de aprendizagem específicos, similares em sua natureza aos déficits de funções executivas, memória operacional e memória de proce- dimento, observadas em pacientes com doença de Parkinson. Tratamento Os tratamentos disponiveis até o momento para a doença de Parkinson apresentam resultados sintomáticos, sendo controverso se causam um retardo moderado na progres- são da doença. Ainda não há um tratamento que possa curar ou mesmo interromper sua progressão. A levodopa, precursor da dopamina, é medicamento mais eficaz disponível para a doença de Parkinson e foi descoberta na década de 1950. Os terminais dopaminérgicos estriatais que ainda não se degeneraram captam a levodopa e a transformam em dopami- na. A levodopa é administrada em associação com a carbidopa ou a benzerazida, inibido- res periféricos da enzima dopa-descarboxilase, que transforma a levodopa em dopamina.14 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS 6-OHDA 200 100 -100 -200 -400 -500 SAL L-DOPA ENT PRA BIP AMA MPTP 60 20 40 SAL L-DOPA ENT SELEG PRA AMA FIGURA Ratos tratados com 6-OHDA ou MPTP como modelos da doença de Os animals são anestesiados e colocados em um aparelho estereotáxico que permite a infusão dessas neurotoxinas próximo às fibras de neurônios dopaminérgicos da SNc. Após se recuperem da cirurgia, esses animais apresentam rotações quando recebem drogas antiparkinsonianas As barras brancas representam o número de rotações ipsilaterais à lesão e as pretas, as A direção e o número de rotações dependem do mecanismo do fármaco e de sua SAL solução ENT - SELEG selegilina, PRA pramipexol, BIP = biperideno, AMA Os dados foram retirados de um estudo realizado em nosso laboratório na Terminais serotonérgicos também podem captar levodopa e liberar dopamina no estriado, o que mantém a eficácia desse fármaco em estados adiantados da doença, quando quase todos os terminais dopaminérgicos já se Porém, seu efeitos esvane- cem em menos de 2 horas, uma descrita com a palavra inglesa wearing-off. Nesta os terminais dopaminérgicos e serotonérgicos são também insuficientes para manter o de dopamina extracelular estável, o que resulta em flutuações nos sinais de parkinsonismo conhecidos como on-off Apesar de sua há evidências de que a levodopa acelere o curso da doença e, após muitos anos de uso também induz o aparecimento de movimentos involuntários conhecidos como discinesias. Estas podem ser tão debilitantes quanto o tremor e a bradicinesia, podendo ser abrandadas pelo tratamento com o fármaco aman- Acredita-se que as discinesias se devem, ao menos em parte, a uma superssen- sibilização dos receptores dopaminérgicos, resultando em desbloqueio inadequado de movimentos quando os neurônios corticais liberam pequenas quantidades de glutamato no estriado. A amantadina atua bloqueando um subtipo de receptores glutamatérgicos. Como o tratamento com a levodopa causa todas as complicações mencionadas, outros medicamentos foram desenvolvidos para o tratamento sintomático da doença deCAPÍTULO TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 15 Parkinson. Todos os que estão em uso visam a melhorar a neurotransmissão dopami- nérgica. Entre estes, estão os agonistas diretos de receptores dopaminérgicos, assim chamados porque atuam de forma independente da liberação de dopamina, estimulando diretamente os receptores. pramipexol e o ropinirol estão entre os mais usados. A rotigotina foi introduzida recentemente para a administração transdérmica (adesivos). Esses medicamentos podem ser usados como monoterapia nas fases iniciais da doença, para adiar as complicações da levodopa, mas, nas fases adiantadas da doença, devem ser usados em associação com levodopa. A apomorfina, um agonista dopaminérgico de meia-vida curta, tem sido usada de forma intermitente nos intervalos em que a levodopa é efeito colateral mais grave dos agonistas diretos, que pode até levar à sua suspensão, é o aparecimento de sintomas psicóticos, tais como alucinações. Isto se deve principalmente à estimulação de receptores dopaminérgicos no córtex pré-frontal, como é mencionado no capítulo sobre esquizofrenia. Eles também podem causar sonolência e edema periférico. A pergolida e a cabergolida são menos recomendados por estarem associados a casos de fibrose da válvula cardíaca. Outros medicamentos antiparkinsonianos atuam inibindo as enzimas que degradam a dopamina, Os inibidores da monoamina oxidase do tipo B (MAO-B), selegilina e raza- gilina, também podem ser usados como monoterapia no inicio da doença ou em asso- ciação com levodopa em fases mais adiantadas. A razagilina apresenta a vantagem de, ao contrário da selegilina, não produzir metabólitos anfetamínicos, diminuindo assim o risco de efeitos Os inibidores da enzima como o tolcapone e o entacapone, são usados em associação com a levodopa para aumentar seu tempo de ação e atenuar os efeitos de wearing-off e on-off. tolcapone é bastante hepatotóxico, tendo causado fatalidades logo após sua liberação. Atualmente é usado de forma mais restrita e controlada. Muitos outros medicamentos não dopaminérgicos já foram usados ou propostos para tratamento sintomático da doença de Parkinson, mas seu uso se mostrou ineficaz. Fármacos antimuscarínicos como o biperideno já foram muito usados para o tratamento do tremor, mas seu uso foi sensivelmente reduzido porque ele pode agravar os déficits cognitivos dos pacientes idosos. Não se conseguiu, entretanto, demonstrar a eficácia de tratamentos com antioxidantes (vitamina E, vitamina fitoterápicos) e com medicamentos anti-inflamatórios. Nos casos em que o tratamento farmacológico já não é há a opção de um trata- mento cirúrgico ablativo de parte do tálamo (talamotomia), do globo pálido (palidotomia) ou a implantação de um eletrodo para estimulação cerebral profunda no núcleo subtalâmico ou no núcleo A talamotomia é mais eficaz no tratamento dos tremores, mas deve se restringir a um hemisfério cerebral, sob pena de causar um quadro de balismo, caracterizado por movimentos bruscos e involuntários. Não se sabe exatamente porque a talamotomia atenua os tremores. A palidotomia pode melhorar o quadro de rigidez muscu- lar e acinesia, por remover a inibição do GPi sobre as ações programadas no tálamo. A estimulação cerebral profunda no núcleo subtalâmico resulta em inibição deste. núcleo estimula o GPi, a mesma estrutura que inibe de forma tônica as ações mediadas pelos neurônios tálamo-corticais (ver Fig. 1.1). Sua função é retardar a toma- da de decisão por uma ação motora, de forma que, ao o circuito corticobasal considere todas as variáveis do problema e tome a decisão mais ponderada. Ao inibir o núcleo subtalâmico com a estimulação cerebral profunda, facilita-se a iniciação de uma ação motora, o que atenua a bradicinesia. Em alguns casos, o custo desse tratamento é o aparecimento de sintomas psiquiátricos de impulsividade, como ocorre na mania (ver 2) e também de outros déficits comportamentais e cognitivos. Vale lembrar16 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS que os circuitos corticobasais não afetam apenas a tomada de decisões sobre ações motoras, mas também cognitivos mais altos, como a decisão sobre uma compra ou sobre envolvimento em um relacionamento. leitor pode imaginar as complicações na vida de um paciente que se submeteu a esse tipo de cirurgia se passar a tomar decisões precipitadas sobre tais assuntos. A estimulação profunda no núcleo é o tratamento cirúrgico que foi proposto mais Até o momento, ele foi adotado em um pequeno número de pacientes em nivel experimental, com bons resultados sobre os prejuízos motores, e se baseia na propriedade do núcleo pedúnculo-pontino em estimular o SNC a liberar dopa- mina no estriado, além de afetar o funcionamento de outras regiões dos núcleos da base de forma ainda pouco elucidada. Nos últimos anos, fizemos em nosso laboratório um trabalho em colaboração com o grupo do Dr. Philip Winn (Universidade de St. Andrews, Escócia) para avaliar se processos de aprendizagem com reforço dependem de inte- ração funcional entre o núcleo e a SNc. Observamos que ratos com lesão combinada da SNc esquerda e do núcleo direito (ou vice-versa) perderam completamente a capacidade de aprender a evitar um choque correndo para um lugar seguro quando ouvern uma campainha. Esse resultado sugere cautela sobre os efeitos colaterais cognitivos desse tipo de cirurgia. Perspectivas Há muitos estudos em andamento que visam a procurar meios para retardar pro- gresso da doença de Parkinson. Estudo inicial sugeriu que a selegilina apresenta essa propriedade, mas sua interpretação é controversa devido aos efeitos colaterais da maior e melhor estudo multicêntrico longitudinal planejado, chamado ADAGIO, do em 2009, sugere que um tratamento precoce com razagilina pode retardar o curso da doença, mas esse efeito é modesto. Estudos com avaliação do curso da doença por neuroimagens funcionais sugerem que os pacientes que iniciam o tratamento com os agonistas dopaminérigicos pramipexol e ropinirol (em lugar de levodopa) perdem os terminais dopaminérgicos mais lentamente, mas a interpretação desse estudo também é controversa. Outro estudo em curso, chamado PROUD está tentando verificar se o tratamento tardio com pramipexol também retarda o curso da doença. Estuda-se também o tratamento com a coenzima Q visando a reverter a do complexo I mitocondrial observado na doença de Estão também sendo conduzidos estudos do trata- mento com creatinina para reverter déficits energéticos nos neurônios Os resultados são promissores, mas ainda Estudos com inibidores de canais de cálcio, como a nimodipina, e estudos epidemiológicos em pacientes hiper- tensos que fizeram uso desse medicamento por um tempo prolongado, sugerem efeito neuroprotetor em pacientes com mais de 80 anos. Os pacientes submetidos a transplante de células-tronco embrionárias desenvolve- ram discinesias severas, o que levou ao abandono desse tipo de terapia. Além disso, os neurônios transplantados desenvolveram corpúsculos de o que sugere que o tratamento com imunossupressores pode ser benéfico. Estudos em modelos animais do tratamento por engenharia genética, que envolve a transfecção do fator de crescimento GDNF (do glial derived nerve growth factor) apresentaram resultados promissores, mas um estudo em humanos foi interrompido precocemente devido aos efeitos colaterais. Outro estudo de fase em humanos, com a transfecção por lentivirus do gene de outro fator de crescimento, a neurturina, está em curso com resultados promissores.TRANSTORNOS DOS DA BASE 17 Um balanço dos avanços dos estudos e tratamentos da doença de Parkinson nos úl- timos 50 anos mostra progresso considerável no entendimento da doença e nas terapias para o tratamento dos déficits motores, os quais proporcionaram considerável melhora no padrão de vida dos pacientes. Entretanto, pouco se progrediu no tratamento dos sintomas não motores da doença (os sintomas cognitivos em particular) e em terapias que possam "frear" seu curso. futuro é promissor, embora a cura completa da doença ainda não possa ser vislumbrada no horizonte. Como as ações são representadas nos núcleos da base? Modelo do Mosaico dos Espelhos Quebrados Em artigo que publicamos recentemente, formulamos uma resposta plausível a essa pergunta na forma de uma teoria que chamamos de Modelo do Mosaico dos Espelhos Quebrados. Sabe-se que o estriado recebe informações de todo o córtex cerebral, in- clusive das regiões que codificam as diversas partes do nosso corpo de forma sensorial e motora. Partes do córtex relacionadas aos outros sentidos (olfato, paladar, audição e visão) também projetam para estriado. No que diz respeito às áreas corticais visuais que projetam para o estriado, é importante mencionar que estas não se restringem ao chamado córtex visual primário. Incluem também áreas de reconhecimento de objetos e de sua posição no Essas projeções são, ao mesmo tempo, convergentes e divergentes. padrão de convergência é funcional regiões do córtex somatossensorial e motor que representam a mesma parte do corpo enviam fibras que convergem para os mesmos neurônios A resolução com que o corpo do sujeito é representa- do no estriado é mais grosseira que a representação cortical. Estudos eletrofisiológicos mostram um neurônio ou grupo de neurônios estriatais representando partes articuladas do corpo. Cada unidade estriatal pode representar um dedo, uma mão, um braço inteiro, um dedo do pé, toda a perna, a boca etc. Não há consenso sobre essa representação ser fragmentada ou contínua. Nos estudos clássicos publicados na década de 1950 pelo neurocirurgião canadense Wilder Penfield, a representação de partes continuas do corpo no córtex sensorial primário e no córtex motor primário foi denominada homúnculo (figu- ra distorcida do corpo). Um padrão semelhante no estriado foi descrito pelo grupo de DeLong na década de 1990. Os estudos da década de 1980 do grupo da pesquisadora norte-americana Ann Graybiel, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), mos- tram fortes evidências de que partes contínuas do corpo são representadas no estriado de forma fragmentada (como um mosaico). Ela também encontrou evidências de que esta representação é redundante, ou seja, com a mesma parte do corpo representada várias vezes em diferentes regiões do É essa que caracteriza o padrão divergente das projeções Também não há consenso sobre esse padrão divergente o modelo das direta e indireta proposto por Alexander, DeLong e Crutcher (ver Fig. 1.1) propõe que estas formam alças paralelas e segregadas entre o córtex e os núcleos da base, com a mesma informação que sai de uma região do córtex voltando a essa região, após passar pelo estriado, pelo globo pálido e pelo tálamo. Como o modelo das vias direta e indireta se tornou peça central na explicação dos mecanismos da maioria das doenças dos nú- cleos da base, a opinião desses pesquisadores se tornou muito influente, muito embora esses mecanismos não necessitem da propriedade de "padrão paralelo" das projeções Embora o padrão paralelo ainda seja muito aceito pela comunidade cientifica e médica, os resultados de grande número de estudos das últimas décadas desafiam esse conceito. Entre os mais influentes, estão os trabalhos recentes do grupo18 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS da norte-americana Suzanne Haber, da Universidade de Rochester (EUA), mostrando que a aplicação de um traçador em uma região discreta do córtex resulta na marcação de áreas extensas e difundidas do estriado. padrão de convergência funcional também parece se aplicar à representação sensorial de objetos no Vários pesquisadores publicaram trabalhos mostran- do que um mesmo neurônio estriatal responde a estímulos visuais, motores e olfativos de um mesmo objeto. Em um trabalho influente, Michael Graziano e Charles Gross, da Universidade de Princeton (EUA), mostraram que o mesmo neurônio estriatal ativado pela estimulação tátil ou pela ativação motora de uma parte do corpo de um macaco, é também ativado quando esta parte do corpo se aproxima de um objeto, mas só quando o animal pode ver essa ação. medida que a mão do macaco se aproximava do objeto (um pedaço de aumentavam os disparos de potencias de ação do neurônio estriatal que representava a mão (que também se ativava pela estimulação tátil da mão pelo Graziano e Gross interpretaram esse resultado como evidência de que os neurônios estriatais podem codificar a posição de objetos do campo visual do animal, mas não em coordenadas como fazem alguns neurônios do córtex visual, e sim em coordenadas da parte do corpo. Na proposta do Modelo do Mosaico dos Espelhos Quebrados, os neurônios estriatais codificam ações de uma parte do corpo em direção a um objeto ou de todo o corpo em direção a um lugar (Fig. 1.2). No exemplo de comer a maçã, um neurônio da via direta que representa a ação de andar até a mesa (o corpo do sujeito se movendo em direção a um objeto) seria ativado para iniciar essa ação. Outro neurônio da via indireta a encerra- ria. Outro neurônio da via direta iniciaria a ação de pegar a maçã (ação de parte do corpo em direção a um objeto). Um neurônio da via indireta terminaria essa ação, e assim por diante até que a maçã fosse levada à boca (ação de uma parte do corpo sobre o objeto em direção à outra parte do corpo). Em nosso laboratório estamos acumulando evidências diretas de que os neurônios estriatais codifiquem ações de parte do corpo em direção a um objeto ou do corpo em direção a um lugar, como propõe o Modelo do Mosaico dos Espelhos Quebrados (Fig. 1.6). Esse modelo deverá percorrer um longo caminho, onde suas predições serão tes- tadas, para que possa ser amplamente aceito pela comunidade Porém, ele é compatível com grande número de trabalhos experimentais acumulados ao longo dos anos e, até onde vai nosso conhecimento, nenhum outro modelo explica de forma tão simples e direta como os núcleos da base podem traduzir um objetivo do córtex pré- frontal em uma sequência de O papel dos núcleos da base na aprendizagem por tentativa e erro Modelo do Mosaico dos Espelhos Quebrados também explica como aprende- mos, com nossos acertos e erros, a fazer escolhas mais acertadas. No caso de um aprendizado que envolve a ação de parte do corpo sobre um objeto, ele depende do fortalecimento das sinapses entre os neurônios do córtex que representam a parte do corpo e dos neurônios que representam o objeto, com o neurônio estriatal para o qual eles convergem. Nosso cérebro considera a "melhor solução" sempre aquela que no passado resul- tou na recompensa de atingir objetivo almejado ou em evitar uma punição. Portanto, para otimizar o processo de escolha, o cérebro precisa de um "medidor" do grau deCAPÍTULO TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 19 Modelo do Mosaico dos Espelhos Quebrados A. Sensorial Motor B. FIGURA No esquema, o estriado é representado como um mosaico de fragmentos de espelhos quebrados que refletem as sensoriomotoras do o esquema representado em (A) mostra um mesmo neu- rônio cortical projetando para diversos neurônios estriatais um padrão divergente que resulta em uma parte do corpo sendo representada de forma redundante no Também em (A) se observam néurônios corticais sensoriais e motores enviando projeções convergentes para o estriado, o que resulta na representação sensorial e motora de uma mesma parte do corpo pelo mesmo neurônio Os neurônios que representam, de forma redundante, uma mesma parte do corpo fazem projeções convergentes para um mesmo neurônio no globo pálido negra reticulada que, via tálamo, transmitem ao córtex motor a ordem de iniciar uma ação com aquela parte do corpo. o estriado representa também objetos do No esquema apresentado em os neurônios estriatais que codificam o pé ou a mão do sujeito e uma bola estão representados na forma de um anagrama onde a sobreposição das células representa o neurônio que codifica uma ação da parte do corpo sobre o objeto. Modificado de Da Cunha et al. Behav Brain Res recompensa ou de punição que resulta de suas escolhas. A natureza fez melhor que isso desenvolveu um sensor para medir a discrepância entre o grau da recompensa esperada (objetivo) e o grau da recompensa obtida como consequência de uma ação. Essa diferença (recompensa obtida esperada) é chamada de "erro de predição". erro de predição é um sinal gerado pelos neurônios dopaminérgicos da SNc e da área tegmental ventral (ATV), na forma de liberação fásica de dopamina no Quanto maior é o erro de predição, mais dopamina é liberada no No tópico anterior, vimos que a liberação tônica de pequena quantidade de dopami- na no estriado é necessária para que ele possa escolher e iniciar uma ação. Quando os neurônios da SNo e ATV estão ativados no modo de liberação fásica, disparam poten- ciais de ação em uma frequência muito maior do que aquela registrada quando estão no modo de liberação promovendo grande aumento na concentração sináptica de dopamina no sinal de erro de predição é definido pela quantidade de dopa- mina liberada de forma muito simples: erro de predição (concentração de dopamina) = reforço obtido reforço esperado.20 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS Vejamos um exemplo derivado de um estudo feito pelo pai da teoria do erro de predição indicado pela dopamina, Wolfram Schultz quando estava na Universidade de Cambridge no Reino Unido (Fig. 1.3). Ao estudar um macaco que enfiava a mão em um buraco pela primeira vez e encontrava alimento, sua equipe registrou um aumento no pa- drão de disparo dos neurônios da SNc/VTA. Como o macaco não esperava encontrar o alimento (recompensa), o resultado dessa ação culminou em uma consequência melhor que a esperada. A recompensa obtida foi maior que a esperada, o que foi computado pe- los neurônios dopaminérgicos como um erro de predição positivo (erro de predição = 1). A SNc/VTA sinalizou esse erro de predição aumentando de forma fásica a liberação de dopamina no estriado. Como o erro de predição foi o maior possível (o macaco não re- cebeu nenhuma dica, portanto não tinha nenhuma expectativa de encontrar a recompen- sa), os níveis de dopamina nas sinapses estriatais atingiram sua concentração máxima. Nas próximas vezes em que o macaco a oportunidade de escolher a mesma ação (enfiar a mão no buraco), ele já tinha uma expectativa de encontrar o alimento; essa expectativa aumentou com o número de tentativas bem-sucedidas, chegando a uma certeza. À medida que a expectativa aumentava e era confirmada pela consequência da ação, o erro de predição A equipe do dr. Schultz encontrou uma diminuição proporcional na liberação fásica de dopamina no estriado que chegou a zero com um supertreinamento. Nesse momento, deixaram de recompensar o macaco por enfiar a mão no macaco esperava encontrar a recompensa como consequência dessa ação, mas sua expectativa foi frustrada. Nessa circunstância também houve um erro de predição, mas de valor negativo. reforço obtido (zero) foi menor que o esperado (erro de predição = -1). De forma coerente, o grupo do dr. Schultz registrou uma diminuição na frequência de disparos de potenciais de ação dos neurônios da SNc/VTA do macaco. (A) Sem dica Recompensa (B) Dica Recompensa (C) Dica Sem recompensa FIGURA 1.7 Liberação de dopamina devido a um erro de (A) A dopamina é liberada de forma fásica quando uma recompensa inesperada é recebida (erro de predição = +1). (B) Quando não há um erro de predição (erro de predição = ou seja, quando uma recompensa esperada é recebida, não ocorre a liberação fásica de dopamina no momento da recompensa, e sim antecipadamente, quando o sujeito recebe uma dica de que a recompensa está por (C) Quando o sujeito recebe uma dica de que vai receber uma mas não a recebe (erro de predição -1), a liberação de dopamina é Fonte: Modificado de Shultz Trends in 30:303.CAPÍTULO TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 21 Recentemente, os pesquisadores japoneses radicados nos Estados Unidos, Masayuki Matsumoto e Okihide Hikosaka, descobriram na SNc/VTA outra população de neurônios dopaminérgicos que respondem de forma semelhante a eventos Os trabalhos de vários outros pesquisadores mostraram que os neurônios dopaminérgicos também se ativam de forma fásica em resposta a estímulos salientes, como uma luz piscando ou uma mudança do ambiente que indique uma consequência importante para o sujeito. Nessas três situações (recompensa ou punição inesperadas e estímulos salientes) pode- mos dizer que a dopamina está indicando que há algo novo e importante a ser aprendido sobre o ambiente e as consequências das ações do sujeito sobre ele. No início da década de 1990, o pesquisador italiano Paolo Calabresi descobriu que a concentração de dopamina no estriado tem um efeito dramático sobre o fortalecimento e enfraquecimento das sinapses corticoestriatais. fortalecimento de uma sinapse, ou seja, o aumento da probabilidade de que o neurônio pré-sináptico, quando despolariza- do, ative o neurônio pós-sináptico, pode ocorrer devido a um fenômeno conhecido como potenciação de longo prazo (LTP, do long-term potentiation). Esse foi postulado como um mecanismo neural para a formação de memórias no fim do século XIX pelo espanhol Santiago Ramon y Em 1949, o canadense Donald Hebb e o po- lonês Jerzy Konorski teorizaram que a LTP só ocorreria nas sinapses entre os neurônios que estivessem ativos ao mesmo tempo. A LTP, tal como concebida por Hebb, foi de- monstrada em 1973 por Timothy Bliss e seu aluno, Terje Lomo, em fatias de hipocampo, sendo descoberta no estriado 20 anos depois, como já mencionado. Devido à LTP, quando uma rede de neurônios é ativada para codificar uma cia (como enfiar a mão em um buraco e receber uma recompensa), as sinapses entre estes se favorecendo a reativação dos mesmos neurônios para nos lembrar- mos do episódio e repetirmos a ação que foi reforçada com uma recompensa. Devido, mais uma vez, ao fortalecimento das sinapses entre estes neurônios (LTP), a ativação de apenas um deles leva à ativação dos demais, como a queima de um rastilho de pólvora. Quando o macaco do experimento do dr. Schultz se deparou com o problema do buraco onde encontrou o alimento, vários neurônios de seu córtex foram ativados, re- presentando os diversos objetos sobre os quais sua mão poderia atuar. Ele poderia ter levado a mão à boca, batido com ela sobre a mesa, agarrado a grade ou não ter feito nada. Como a única ação que resultou em uma recompensa inesperada foi a de enfiar a mão no buraco, só esta resultou na liberação fásica de dopamina. De acordo com as descobertas do dr. Calabresi, isso resultou no fortalecimento das sinapses (LTP) entre os neurônios corticais que representam a mão do macaco e os neurônios estriatais da via di- reta para os quais os neurônios corticais que codificaram o buraco também convergiram. As sinapses entre os demais neurônios corticais e estriatais não foram reforçadas, pois, neste caso, os neurônios pré e pós-sinápticos não estavam despolarizados ao mesmo tempo (veja acima a regra de Hebb para a indução de LTP). Devido à LTP nestas sinapses, na próxima vez que o macaco viu o buraco, os neurônios corticais que se ativaram com essa visão desencadearam mais facilmente a ação de a mão no buraco. A LTP nessas sinapses passou a ser o traço neural da memória para a expectativa de recom- pensa como consequência dessa À medida que essa memória se fortaleceu, o erro de predição para essa situação diminuiu o macaco pôde prever, com probabilidade de acerto cada vez maior, que a consequência de enfiar a mão no buraco seria encontrar alimento. Com isso, a liberação tônica de dopamina no estriado diminuiu (Fig. 1.3). Sem a liberação fásica de dopamina não houve mais aprendizagem. Biologicamente, faz sentido que não se aprenda mais nada de diferente quando o que fazemos baseados em nossas memórias resulta em22 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS recompensa quando acontece o que esperamos que aconteça. É como diz o ditado em time que está ganhando não se mexe. Porém, quando nossa expectativa é frustrada como no caso do macaco que espe- rava encontrar alimento ao enfiar a mão no buraco e não encontrou um novo aprendiza- do deve ocorrer para que aquela memória que leva a um erro (erro de predição negativo) seja apagada. Como vimos, nessa situação os neurônios dopaminérgicos diminuem a liberação de dopamina no estriado abaixo do nível tônico basal. Segundo os experi- mentos do dr. Calabresi, com baixas concentrações de dopamina, outro fenômeno de plasticidade sináptica, chamado de depressão de longo prazo (LTD, do long-term depression), acontece nas sinapses corticoestriatais ativas. A LTD enfraquece as sinap- ses entre os neurônios corticais que codificam a mão e os neurônios estriatais da via direta que desencadeiam a ação de a mão no buraco. Segundo o dr. Calabresi, fenômenos opostos ocorrem nas sinapses corticoestriatais da via indireta, ou seja, LTD durante a aprendizagem e LTP durante a extinção desta transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH): falhas na liberação fásica de dopamina transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é caracterizado por um quadro que envolve desatenção, hiperatividade e impulsividade, além de vários outros sintomas secundários de natureza cognitiva, comportamental e afetiva. quadro clínico, etiologia e tratamento do TDAH são tratados com mais detalhes no Capítulo 3 deste livro. Nesse tópico incluímos um breve comentário sobre as evidências de que esses sintomas podem ser explicados como uma falha no controle da liberação de dopamina no estriado com consequência sobre o funcionamento das alças corticoestriatais, em especial a que liga o córtex cingulado anterior e o córtex parietal ao núcleo caudado. Não queremos com isso descartar as outras hipóteses vigentes. Ao contrário, é provável que a etiologia desta doença seja multifatorial, como revisado no Capítulo 3. Apenas realçamos uma hipótese influente no meio científico associado aos núcleos da base. Vários estudos mostraram que os pacientes com TDAH expressam uma alta den- sidade da proteína DAT (do dopamine transporter), que transporta a dopamina de volta aos terminais sinápticos após sua liberação. Por essa razão, nos pacientes com TDAH, quando a dopamina é liberada de forma fásica esta é mais rapidamente recaptada, resultando em menor concentração na fenda sináptica e em encurtamento da duração do sinal. Tal como mencionado, estímulos salientes a liberação fásica de dopamina no estriado e córtex pré-frontal, o que pode explicar parte do quadro de desatenção do TDAH. Outro problema acarretado pela diminuição dos picos de dopamina no TDAH, é que estes são necessários para consolidar as associações entre estímulos ambientais que indicam quais ações são apropriadas para o momento. No tópico anterior vimos que esse processo de escolha da melhor ação depende do fortalecimento das sinapses entre os neurônios corticais que codificam esses estímulos e os neurônios da via direta que codificam essas Sem que esse processo ocorra, os neurônios estriatais pas- sam a responder de forma a todos os estímulos, perdendo assim sua função de filtro sinal/ruído das informações provenientes do córtex. Isso também pode contribuir para um quadro de desatenção. processo de aprendizagem que ocorre durante a liberação fásica de dopamina resulta também no fortalecimento das sinapses corticoestriatais da via indireta que inibeCAPÍTULO TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 23 ações inapropriadas. A ativação dessas sinapses por neurônios corticais, especialmente entre os neurônios do córtex cingulado anterior e o núcleo caudado, tem um papel crítico na inibição de ações e pensamentos inadequados. Portanto, esse mecanismo pode ex- plicar os sintomas de impulsividade do A liberação fásica de dopamina depende de uma discrepância entre a expectativa e a obtenção de recompensa como consequência de uma ação. Como esse aprendizado fica prejudicado com a redução dos picos de dopamina, o paciente com TDAH terá sempre maior incerteza sobre as consequências de suas ações. Isto pode explicar porque eles tipi- camente preferem pequenas recompensas imediatas que a grandes recompensas no futuro. Sabe-se também que a atividade fisica aumenta a liberação fásica de dopamina. Alguns pesquisadores especulam que esta seja a causa da hiperatividade no TDAH os pacientes precisariam manter uma atividade motora elevada para compensar a dificulda- de de liberar dopamina. Isso também poderia explicar porque os pacientes com TDAH têm dificuldade de se manter ocupados por muito tempo em tarefas enfadonhas, mas são mais aplicados que os demais quando se trata de tarefas motivadas que possam liberar maior quantidade de dopamina. Também é provável que os pacientes com TDAH tenham maior propensão ao consumo de drogas de abuso porque estão tentando corrigir seu déficit de liberação de dopamina, uma vez que todas as drogas de abuso aumentam a liberação fásica de Nesse contexto, não é dificil entender porque os medi- camentos mais eficazes para o tratamento do TDAH são os inibidores de recaptação da dopamina, como o metilfenidato e a atomoxetina (para maiores detalhes ver Capítulo 3) Uma pergunta que pode ocorrer aos leitores é por que os pacientes do TDAH não apresentam sintomas de parkinsonismo se têm um déficit de dopamina. Isso não ocorre porque os sinais motores da doença de Parkinson só aparecem com redução de mais de 70% dos niveis tônicos de dopamina. Os pacientes com TDAH não têm perda dos nios dopaminérgicos ou redução do tônico, e sim uma diminuição na concentração de dopamina na fenda sináptica após sua liberação Em resumo, embora outros fatores possam compor a causa primária ou secundária do TDAH, as disfunções no funcionamento dos circuitos corticobasais em decorrência de uma deficiência na liberação fásica de dopamina podem explicar a maioria dos sintomas e nortear novas pesquisas e tratamento para essa doença. Como se formam os hábitos Modelo do Mosaico dos Espelhos Quebrados explica também como ações direcio- nadas a um objetivo se tornam hábitos, podendo ser iniciadas e de forma auto- mática, como fazemos, por exemplo, quando aprendemos a dirigir um carro. Inicialmente, as escolhas das ações apropriadas demandam grande interação entre o córtex pré-frontal e o estriado (particularmente o núcleo caudado), consumindo assim a maior parte dos nossos recursos de atenção para a escolha, iniciação e monitoramento das sequências das ações voluntárias. Porém, após um longo treinamento, aprendemos a desempenhar determinadas ações apropriadas de forma automática, liberando o córtex pré-frontal para trabalhar em outra tarefa, como traçar um objetivo para nossa conversa com o passageiro do banco da frente. Esse tipo de memória sobre como responder de forma automática aos estímulos ou dicas que indicam a ordem de ações a executar é chamado de hábito ou simplesmente de hábito. ronco do motor é o estímulo que nos faz mudar a marcha; o sinal vermelho é o estímulo que nos faz pisar no freio. Tudo isso sem que precisemos dirigir nossa atenção sobre quando iniciar e terminar tais ações.24 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS A formação de hábitos depende do fortalecimento das sinapses entre os neurônios do córtex sensorial que representam o (ronco do motor, sinal vermelho), neurônios do córtex motor que representam a ação (mão sobre o câmbio, pé no freio) e o neurônio estriatal para o qual suas projeções convergem, como propõe o Modelo do Mosaico dos Espelhos Quebrados. mecanismo para o fortalecimento dessas sinapses é semelhante ao descrito acima para o aprendizado de ações direcionadas a um objetivo. Envolve a liberação de dopamina no estriado quando há um erro de predição entre a recompensa esperada (dirigir corretamente) e a recompensa obtida (desempenho do motorista), LTP na via direta e LTD na via indireta nas sinapses entre os neurônios dos córtices sensorial e motor que representam o estimulo e a resposta motora (ação) com os neurônios estria- tais que controlam essa ação. Com o tempo, o passa a desencadear a resposta sem que precise necessariamente ser representado no córtex pré-frontal, ou seja, sem ser percebido de forma nesse ponto que essa memória de procedimento passa a ser um hábito A diferença no traço de memória para um comportamento voluntário (direcionado conscientemente a um objetivo) e um hábito estímulo-resposta está na região cortical que projeta para o estriado e na parte do estriado que recebe essa projeção. As memórias para ações direcionadas a um objetivo dependem de regiões mais dorsomediais do estriado, que, nos primatas, correspondem à cabeça do corpo caudado. Já os hábitos estímulo-resposta dependem de regiões mais dorsolaterais do estriado, que correspon- dem ao putame nos primatas (ver Fig. 1.1). Outra diferença está na duração do pico de dopamina no estriado durante sua libera- ção fásica. pico de dopamina é mais curto no estriado dorsolateral fazendo com que as experiências ou o treinamento que levam ao aprendizado tenham de ser repetidas mais vezes para que as sinapses corticoestriatais sejam reforçadas. Por essa razão, os hábitos estímulo-resposta são aprendidos mais lentamente. Porém, uma vez estabelecidos, são e de ser modificados ou extintos. Essa propriedade será importante para entendermos os tópicos seguintes que tratam da dificuldade de se modificar hábitos de consumo de drogas de abuso e de comportamentos compulsivos. A usurpação dos mecanismos de reforço que formam os hábitos por drogas de abuso Assim como TDAH, o abuso de drogas é tratado como um tema separado (Capítulo 7), mas será discutido brevemente neste capítulo no contexto do envolvimento dos núcleos da base. Todas as drogas de abuso têm em comum a propriedade de promover a liberação fásica de dopamina no Como esse é o sinal fisiológico de que algo novo deve ser aprendido, ele promove o fortalecimento das sinapses entre os neurônios do córtex pré-frontal que codificam esse objetivo (obter prazer como recompensa do uso da droga) e os neurônios estriatais da via direta que ativam essa ação (consumir a droga). Assim como o consumo de uma droga de abuso, outras ações que resultam em uma recompen- sa inesperada também a liberação fásica de dopamina no Porém, à medida que aprendemos a consequência dessas ações (a recompensa), essa liberação fásica deixa de ocorrer. Se a consequência de uma dessas ações mudar, tornando-se algo aversivo, alguns neurônios dopaminérgicos diminuem a liberação de dopamina no estriado, promovendo a extinção dessa Porém, a liberação fásica de dopamina não diminui com o uso continuado de uma droga de abuso. Dessa forma, a ação de consumirCAPÍTULO TRANSTORNOS DOS DA BASE 25 a droga continua sendo reforçada, mesmo que suas consequências se tornem adversas. É como se a droga estivesse usurpando os mecanismos fisiológicos de recompensa de forma a escravizar o comportamento do usuário para seu consumo núcleo caudado é a região do estriado que recebe as projeções do córtex pré-frontal onde o objetivo de consumir uma droga é elaborado. A liberação fásica de dopa- mina no núcleo caudado resulta em um pico de dopamina de maior duração, reforçando rapidamente as sinapses corticoestriatais que codificam esse comportamento. Porém, por receber também projeções de estruturas que codificam o estado emocional do sujeito, como o córtex orbitofrontal e a amigdala, a ação de consumir drogas ainda pode ser alte- rada por um esforço consciente do sujeito quando ela está codificada no núcleo Nesse momento, o usuário ainda não perdeu o controle sobre o consumo da droga. Porém, se ele persistir nesse padrão de consumo, as sinapses das regiões mais dorsolaterais do estriado, como as do putame, passam também a ser fortalecidas de forma a reforçar esse hábito. As sinapses corticoestriatais do putame se modificam mais lentamente porque nesta região os picos de dopamina têm menor Porém, pela mesma razão, enfraquecimento dessas sinapses é mais Além disso, como o putame quase não recebe projeções do córtex pré-frontal e de regiões límbicas do cé- rebro, o controle dos hábitos codificados sai do domínio da vontade consciente do Seu comportamento de consumo passa a ser compulsivo. É nesse ponto que se estabelece a adição. A adição é também agravada por outro mecanismo que depende de uma região mais ventromedial do conhecida como núcleo Esse núcleo recebe proje- ções da amigdala, uma estrutura limbica onde os estímulos percebidos como prazerosos (reforçadores primários) são associados a estímulos ambientais que estavam presentes durante a apresentação do reforçador primário. reforçador primário é chamado de estimulo incondicionado e o neutro pareado com ele de estímulo condicionado. Esse aprendizado associativo é chamado de condicionamento pavloviano. Após esse condicionamento, os condicionados passam a atuar como reforçadores secun- dários, promovendo a liberação fásica de dopamina no acumbens. Tal como ilustrado na Figura 1.7, quando o sujeito recebe uma dica (estimulo condicionado) de que vai receber uma recompensa, a liberação fásica da dopamina é antecipada. Na adição, esse estímulo condicionado é chamado de de incentivo e passa a desempenhar o importante papel de reforçar o comportamento de procura pela droga. Após o usuário ter consumido a droga em determinados ambientes ou na presença de outros usuários, esses estímulos (ambiente, usuários) passam a funcionar como estímulos de incentivo que reforçam o comportamento de busca, antecipando efeito reforçador decorrente do consumo da droga. Dessa forma, o de encontrar seus colegas usuários ou mesmo passar pelo caminho da casa do traficante, pode desencadear o comportamento de busca pela droga de forma automática e compulsiva. transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): quando um hábito se torna uma compulsão TOC é uma doença psiquiátrica grave (Ver Capítulo 5). Tal como sugere o nome, a doença se caracteriza pela ocorrência simultânea de obsessões e compulsões, em- bora apenas um desses sintomas seja suficiente para se estabelecer o diagnóstico. Obsessões são pensamentos, imagens ou impulsos repugnantes; compulsões são com- portamentos ou ações mentais repetitivas, executadas com o propósito de reduzir ou26 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS prevenir estresse relacionado a um evento ou Uma obsessão comum no TOC é a crença que ao tocar em uma pessoa ou em objetos o sujeito pode se Para aliviar o estresse causado por essa obsessão os pacientes limpam constantemente os objetos em que irão tocar e lavam repetidamente as mãos, chegando muitas vezes a desenvolver feridas. Epidemiologia Estima-se em cerca de 50 mil o número pessoas com TOC em todo o mundo e que cerca de 2 a 3% delas pessoas apresentam essa doença ao longo de sua vida, inde- pendentemente de sua classe socioeconômica ou etnia. Estudos recentes sugerem que esse transtorno inicia-se na infância ou adolescência em pelo menos 80% dos casos, porém a grande parte permanece sem o devido diagnóstico até a vida adulta. Mais de 40% dos pacientes que desenvolveram TOC quando crianças continuam apresentando a doença durante a vida TOC com início na infância ou na vida adulta difere iniciado na infância é mais prevalente entre o sexo masculino, tem um componente genético mais forte e os pacientes apresentam distúrbios de tiques (mo- vimentos involuntários estereotipados súbitos e rápidos) com maior frequência, sendo considerado por alguns um subtipo específico de distúrbio de tiques, diferente do TOC iniciado na vida adulta. Aspectos clínicos A noção predominante de que o TOC é uma doença crônica e degenerativa ain- da paira nas pesquisas clínicas atuais, principalmente quando os sujeitos investigados são crianças. curso da doença pode ser categorizado, em termos gerais, em (a) ininterrupta e crônica, (b) fásica, com períodos de completa remissão, e (c) episódica com remissão incompleta, que ainda assim permite o convívio social normal. Apesar dos estudos divergirem quanto à porcentagem de pacientes em cada quadro, a grande maioria dos pacientes se encaixa no último grupo descrito, ao passo que cerca de 10% dos pacientes exibem progressiva deterioração dos Estudos mais recentes mostram que a forma episódica desse transtorno distintos de remissão sem o uso de mediação) é incomum. A periodicidade, a duração e a severidade dos episódios variam consideravelmente para cada paciente. Uma vez estabelecidas, a compulsão e a obsessão persistem, apesar do conteúdo, da intensidade e da frequência dos sintomas sofrerem flutuações com o tempo. Sintomas assim como sintomas de ansiedade, estão presen- tes, em maior ou menor grau, na maioria das pessoas. Muitas pessoas comuns dizem que no presente ou no passado já apresentaram algum tipo de obsessão ou compulsão. Esses sintomas são caracterizados por pensamentos, ideias e comportamentos ritualísticos e intrusivos sobre os quais o indivíduo tem pouco ou nenhum controle. que distingue o comportamento normal do anormal é a frequência com que esses sintomas aparecem e o quanto interferem nas funções rotineiras do Para se estabelecer o diagnóstico de TOC, os sintomas devem durar pelo menos uma hora por dia por um período minimo de 6 meses e interferir com as obrigações sociais e ocupacionais do paciente. Em sua obra publicada em 1904, Les obsessions et psychasténie (As obsessões e a psicastenia), o francês Pierre Janet considerou as obsessões e as compulsões a forma mais severa do quadro de uma doença chamada por ele de psicastenia, caracterizada por sentimentos de imperfeição e insatisfação. Em sua descrição de psicastenia, JanetCAPÍTULO TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 27 também incluiu três dos cinco elementos característicos do TOC, que constam no o perfeccionismo, a expressão emocional restrita e a Além desses, outros traços de personalidade dos pacientes com TOC são compartilhados por pacientes com outros transtornos de ansiedade, como a resistência a mudanças ou novidades, a aver- são ao risco, submissão, excesso de moralidade e devoção ao A frequente associação entre sintomas obsessivos e compulsivos com outros trans- tornos psiquiátricos é importante, não apenas em razão do diagnóstico diferencial, mas, também, para que se possa avaliar o prognóstico desses sintomas. Da mesma maneira, a possibilidade do surgimento de quadros psicóticos ou depressivos no transcurso do TOC tem relevância e Etiologia Uma teoria que nos últimos anos tem recebido um apoio crescente dos estudos ex- perimentais é que o TOC é causado por um déficit de inibição comportamental devido a um entre as vias direta e indireta. Nesse contexto, as obsessões são vistas como falhas na de pensamentos invasivos e as compulsões como uma falha em inibir certos comportamentos ativados por essas Isso pode ocorrer devido a um aumento da atividade da via direta nas alças que ligam córtex orbitofrontal e córtex cingulado anterior aos núcleos da base, resultando em um feedback positivo no qual os pensamentos obsessivos ficariam Ao ativar repetidamente o estriado, esses pensamentos podem ser associados à ativação de uma sequência de ações que passam a ser executadas de forma compulsiva. Os mecanismos para o forta- lecimento das sinapses corticoestriatais que sustentam as obsessões e as compulsões são provavelmente os mesmos que levam à formação dos hábitos e ao abuso de drogas. É provável que tenhamos as vias que alimentam essas obsessões e compulsões já delineadas de forma inata, de forma a que possamos responder naturalmente em si- tuações em que nossa sobrevivência dependa desses comportamentos. Isso explicaria porque, nas diferentes culturas, as obsessões e compulsões dos pacientes com TOC sempre envolvem temas relacionados à higiene, ordem, perigo, violência ou sexo. Embora os estudos de neuroimagem funcional não sejam suficientes para estabelecer uma relação causal entre as áreas encefálicas ativadas e o TOC, esses estudos trouxeram um lastro considerável para a teoria de que esse transtorno pode ser causado por uma falha dos mecanismos de inibição comportamental dos núcleos da base. Tais evidências podem ser divididas em 4 categorias: a) estudos em repouso, que comparam medidas de atividade cerebral entre pacientes com TOC e voluntários normais enquanto eles estão em estado de b) estudos de indução de sintomas, que compara a atividade cerebral dos pacientes com antes e depois da indução dos sintomas, como ocorre ao forçá-los a manusear algo sujo; c) estudos de tratamento, que comparam a atividade do cérebro em repouso antes e depois do tratamento farmacológico ou psicoterapêutico do TOC; e d) estudos de ativação cognitiva, que comparam a atividade cerebral de pa- cientes com TOC e pacientes controle, enquanto eles executam uma tarefa cognitiva. De forma coerente com a teoria da inibição comportamental mediada pelos núcleos da base, esses estudos mostraram que três regiões cerebrais sua ativação alterada no TOC, tanto em adultos quanto em crianças: o córtex orbitofrontal, o córtex cingulado anterior e a cabeça do núcleo caudado. Essas áreas aparecem como hiperativas nos pacientes em repouso, tornando-se ainda mais ativadas quando os sintomas são provo- cados e, depois do tratamento, não demonstram mais a hiperatividade antes observada.28 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS Os estudos de ativação cognitiva empregam tarefas que avaliam principalmente as funções executivas, como tarefas do tipo ir/não ir, aprendizado reverso, conflito numé- rico, desempenho continuado, tempo de reação para estimulos apresentados em série e geração de Os resultados desses estudos estão em conformidade com os demais. Mostram alterações no funcionamento do córtex orbitofrontal, córtex cingulado anterior, núcleos da base e áreas A maioria dessas tarefas emprega estra- tégias de controle inibitório, sendo que pacientes com TOC exibem na execução de pelo menos uma As alterações nas neuroimagens funcionais são observadas especificamente quando os pacientes desempenham esse tipo de tarefa em que apre- sentam um déficit de comportamental. Outra evidência favorável a essa hipótese deriva de um estudo que mostrou maior atividade do hipocampo enquanto pacientes com TOC executam esse tipo de Isso foi interpretado como evidência de que tais pacientes podem recorrer às funções hipocampais de memória declarativa para compensar um déficit de aprendizado ins- trumental dependente do estriado. Especula-se que esse comportamento seria um me- canismo compensatório para superar a possível sobrecarga de compulsões (hábitos) que ocuparam toda a capacidade de processamento do estriado, tornando impossível o aprendizado de novos É possível que a ativação dos córtices orbitofrontal e cingulado anterior sejam conse- quência e não causa dos sintomas do TOC. É possível que essas estruturas sejam ativa- das pelos pacientes com TOC em uma tentativa em controlar sua ansiedade. Porém, há também outras evidências do envolvimento causal dessas estruturas no TOC, as quais incluem evidências de alterações de volume, estudos com modelos animais e estudos de pacientes com lesões que afetam especificamente essas estruturas, como em acidentes com perfuração do encéfalo, acidente cerebral vascular (AVC) e doenças autoimunes consequentes de encefalites por Em seu conjunto, todas essas evidências sugerem fortemente que o TOC seja causado por uma disfunção nas alças corticobasais que terminam nos córtices orbitofrontal e cingulado Tratamento Inicialmente considerada um transtorno refratário ao tratamento, verificou-se que os sintomas do TOC podem ser substancialmente reduzidos com o uso de agentes que atuam, principalmente, inibindo a recaptação de serotonina. Os mais usados são a clo- mipramina, serotonina, fluoxetina, sertralina, paroxetina e fluvoxamina. A clomipramina é um antidepressivo que inibe a recaptação da serotonina da noradrenalina e da dopamina, além de ter afinidade por receptores colinérgicos e adrenérgicos. Os outros são antidepressivos inibidores específicos da recaptação da serotonina. A res- posta clínica aparece apenas após várias semanas de tratamento. tratamento com clonazepam, uma benzodizepina com propriedades e anticonvulsivantes também é usado. Não há consenso quanto a maior efetividade da clomipramina sobre os inibidores de recaptação de Muitos estudos sugerem que a efetividade das duas classes de fármacos é equivalente. Dessa forma, a escolha da melhor opção de tratamento deve levar em consideração a resposta terapêutica de cada paciente quanto à eficácia e às reações adversas de cada A clomipramina pode causar mais efeitos adversos de natureza anticolinérgica (taquicardia, visão embaçada, constipação, retenção urinária e confusão) e antiadrenérgica (hipotensão ortostática), além de também causar efeito antiarritmico, reduzindo a condução do impulso Esse risco deveCAPÍTULO TRANSTORNOS DOS NÚCLEOS DA BASE 29 ser bem considerado ao prescrever tal agente para pacientes com problemas Apesar dos efeitos adversos dos demais inibidores da recaptação de serotonina não serem tão severos quanto os da clomipramina, pode acontecer agitação, ansiedade, náusea, cefaleia, ganho de peso e disfunção sexual. Para o tratamento do TOC em crianças e adolescentes, as opções de escolha são clomipramina, fluoxetina, fluvoxamina e sertralina, as quais tiveram sua segurança comprovada nesses pacientes. Recentes revisões sobre o tratamento de crianças e adolescentes com TOC sugerem que, com a abordagem farmacológica, intervenções de manejo educacional com os pais dos pacientes e exercícios cognitivos também são efetivos. A terapia do TOC também pode abranger técnicas comportamentais, como a ex- posição prolongada ao que desencadeia os pensamentos obsessivos ou os comportamentos compulsivos. Nesse tipo de terapia os pacientes devem confrontar essa situação sem ceder à tentação de adotar os comportamentos compulsivos até que o desconforto Para os pacientes refratários pode-se associar um inibidor de recaptação de seroto- nina com outro agente terapêutico cujo efeito final é aumentar a transmissão serotonér- gica ou que tenha ação sobre outros sistemas de neurotransmissores ou de sinalização Como exemplo, pode-se citar a buspirona, agonista do receptor serotonina, o benzodiazepinico clonazepam, os antagonistas dopaminérgicos haloperi- dol e risperidona, e a gabapentina, análogo do ácido (GABA). Para o tratamento do TOC refratário a tratamentos farmacológicos ou psicoterápicos, há também abordagens eletrofisiológicas e cirúrgicas. A estimulação magnética trans- craniana repetitiva da área pré-frontal direita tem resultado em relatos que mostram uma redução expressiva da urgência compulsiva, quando comparada com a estimulação de áreas occipitais e de áreas pré-frontais laterais esquerdas. Trabalhos recentes com esti- mulação do nervo vago, estimulação cerebral profunda e outras formas de neurocirurgia parecem promissoras. Modelos animais Os padrões e repetitivos apresentados pelos indivíduos com esse transtorno aos comportamentos estereotipados apresentados por animais em cer- tas Assim como os rituais compulsivos são desempenhados para aliviar a ansiedade, os comportamentos estereotipados também parecem produzir esse efeito. conceito de estereotipia refere-se a comportamentos repetitivos e invariáveis, sem uma função ou uma meta evidente. modelo animal relacionado ao TOC mais bem estudado tem sido a dermatite ca- nina provocada por lambida. Ele é investigado por Rapoport e cols. desde a década de Eles demonstraram que um transtorno demonstrado por conhecido como dermatite acral, em consequência do comportamento excessivo de lamber ou morder as extremidades das patas ou da cauda (considerado uma estereotipia), responde de maneira significativa ao tratamento com clomipramina, de forma semelhante ao TOC. Posteriormente, outros pesquisadores mostraram que a administração de agonistas em ratos pode produzir um conjunto de comportamentos ritualísticos que, em parte, também responde ao tratamento com clomipramina, podendo servir como um modelo do TOC em Mais recentemente, Baxter Jr. e cols. propuseram um modelo de TOC com primatas e ratos com estimulação do córtex orbital.30 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS Perspectivas Os estudos acumulados nas últimas décadas apontam para as alterações no fun- cionamento das alças corticobasais que terminam nos córtices orbitofrontal e cingulado anterior como a causa do TOC. A continuidade desses estudos poderá consolidar essa teoria e sugerir novos tratamentos para esse transtorno. Espera-se também que esses estudos desenvolvam novos métodos diagnósticos que ajudem a classificar o TOC em categorias mais bem definidas, de forma que os pacientes se beneficiem de procedi- mentos terapêuticos mais Conclusões Neste capítulo vimos como disfunções nos núcleos da base podem resultar em doen- ças neurológicas e como a doença de Huntington, doença de Parkinson, TDAH, abuso de drogas e TOC. Em todas essas doenças ocorre uma falha na forma como uma ação é escolhida, iniciada, e na forma como se aprende a iniciá-las no momento certo, de forma a atender um objetivo ou executar ações rotineiras de forma automática. Para tanto, os núcleos da base recebem projeções do córtex e de outras regiões limbicas e libera ou inibe ações, modificando esse padrão de comportamento de acordo com suas consequências que são indicadas na forma de picos de liberação fásica de dopamina. As teorias sobre a forma como essas alças corticobasais funcionam, como a teoria das vias direta, indireta e hiperdireta e o Modelo do Mosaico dos Espelhos Quebrados podem fornecer uma ajuda preciosa para nortear o rumo das pesquisas e das abordagens terapêuticas desses transtornos dos núcleos da base. Agradecimentos: Os autores agradecem a Ariel Morais da Cunha pelas ilustrações das Figuras e e a José da Costa Morais pela revisão do texto. Referências 1. Adam Jankovic J. Symptomatic treatment of Huntington 2008; 2. Bush G. Attention-deficit/hyperactivity disorder and attention Reviews, 2009; 1-23. 3. Da Cunha C. Wietzikoski EC. Dombrowsk P. Santos LM, Bortolariza Boschen SL et al. Learning proces- sing in the basal ganglia: A mosaic of broken mirrors. Behavioural Brain Research, 4. Da Cunha C. Gomes A. Blaha CD. The role of the basal ganglia in motivated behavior. Reviews in Neurosciences, 5. DeLong MR, Wichmann T. Circuits and circuit disorders of the basal ganglia. Archives of 2007; 6. Di Filippo M. Picconi B, Tantucci M, Ghiglieri V, Bagetta Sgobio C et al. Short-term and long-term plas- ticity at synapses: for learning and Behavioural Brain 2009; 7. Frank Scheres A, Sherman SJ. Understanding decision-making deficits in neurological conditions: insights from models of natural action selection. Philos Trans R Soc Lond Ser Graybiel AM. Habits, rituals, and the evaluative brain. Annu Rev Neurosci, 9. Maia TV, Cooney RE, Peterson BS. Development and 20. 10. Matsumoto M, Hikosaka O. Two types of dopamine neuron distinctly convey positive and negative motiva- tional signals. Nature, 2009: 11. Schultz W. Behavioral dopamine signals. Trends Neurosci, 2007; 12. Starr PA, Kang GA, S. Shimamoto Turner RS. neuronal discharge in Huntington's disease: Support for selective loss of striatal cells originating the indirect pathway. Experimental Neurology, 2008; 13. Walker FO. Huntington's disease. Lancet, 2007;CAPÍTULO ESQUIZOFRENIA Marcus Lira Brandão Dal-Col32 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS A esquizofrenia transtorno do pensamento em que o paciente perde o da reali- dade é resultado de uma interação única entre fatores genéticos, biológicos, psicológicos e sociológicos. A esquizofrenia constitui-se na mais frequente das psicoses. Cerca de 1% da população em geral sofre dessa psicose, ou seja, apresenta graves transtornos do pensamento, como delirios de perseguição e perda das conexões lógicas de ideias, da percepção, principalmente alucinações auditivas, emoções embotadas ou incongruentes com a situação ambiental, excessiva timidez, isolamento social e mesmo alterações da motricidade, como agitação ou, ao contrário, imobilidade. com maior propensão à psicose são hiperreativos a estressores considerados fracos ou moderados pela média da população. Alterações genéticas podem atuar de modo sinérgico com fatores de risco ambientais na produção das respostas afetivas e psicóticas exageradas associadas a esses estressores relativamente comuns na vida Ao lado disso, traumas e even- tos estressantes severos na infância podem estar subjacentes à sensibilização comporta- mental que propicia o aparecimento da esquizofrenia na adolescência ou na fase adulta. Conceituação e classificação No início do século XX, o neuropsiquiatra alemão Emil Kraepelin associou, pela pri- meira vez, essa entidade nosológica com a progressiva deterioração da capacidade mental. Esse distúrbio associado à perturbação do à incapacidade de pla- nejamento, ao embotamento emocional e à perda do juízo crítico seriam subjacentes às manifestações clínicas da que, em face de seu na juventude, bem como seu curso progressivo, Kraepelin denominou precoce. Alguns anos mais tarde, já na segunda década do século XX, o psiquiatra Eugen Bleuler detalhou os acen- tuados prejuízos de várias funções psicológicas que se verificavam nos surtos agudos da demência precoce, principalmente a dissociação dos aspectos cognitivos e afetivos dos pacientes com essa doença. Esses transtornos levaram-no a rebatizar a condição com o nome esquizofrenia, que significa mente fendida, o qual vem sendo adotado desde essa época. A posição de Bleuler diferia fundamentalmente da visão de Kraepelin uma vez que ele acreditava que a esquizofrenia não devia ser considerada uma doença com início precoce e terminal. Ele preconizava que os pacientes com esquizofrenia apre- sentavam pelo menos quatro sintomas primários ao lado de outros secundários. Bleuler desenvolveu o diagnóstico dos quatro "As" da esquizofrenia: ambivalência, associações enfraquecidas, alterações afetivas e As alucinações e os delirios constituiriam sintomas secundários. A carreira de Bleuler desenvolveu-se no mesmo da de Freud, e ambos destacaram as relações de trabalho como importantes deteminantes no desenvolvimento da doença. A classificação da Associação Americana de Psiquiatria (APA), conhecida como DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), leva em conta tanto as manifestações das fases ativas quanto o decurso crônico com progressiva deterioração mental como critérios para definir a esquizofrenia. DSM-IV define como características essenciais da esquizofrenia a presença de sintomas psicóticos alucinações, dissociação do pensamento, comportamento afetividade embotada) durante a fase ativa da doença, além de descuido nas relações de trabalho, nas relações sociais e nos cuidados pessoais, e duração de pelo menos 6 meses. É essencial, também, descartar o envolvimento de qualquer fator orgânico, bem como fazer o diagnóstico diferencial com transtorno do humor associado a sintomas psicóticos ou a transtorno esquizoafetivo. Este último tem menor duração, história familiar e evolução diferentes. Conforme o de um ou de outro sintoma, a esquizofrenia é subdividida em diferentes tipos. A seguir, faz-se breve descrição dosESQUIZOFRENIA 33 subtipos mais comumente encontrados na Para uma classificação mais deta- Ihada o leitor deve consultar o DSM-IV. critério diagnóstico do DSM-V, publicado em 2013, não identifica subtipos de esquizofrenia na crença de que o sintoma predominante no momento da avaliação tomado como base para a classificação diagnóstica pode ser alterado com o decorrer do tempo. A título de informação adicional a classificação da esquizofrenia do DSM-IV está indicada abaixo para auxiliar em pesquisas futuras. Desorganizada: anteriormente chamada hebefrênica, caracteriza-se por incoerên- cia, desagregação do pensamento e da conduta, afeto incongruente ou embotado. Paranoide: marcada por delirios, frequentemente de natureza persecutória, e alucinações auditivas. As características associadas são violência e alterações das interações pessoais. predominam alterações na psicomotricidade: estupor, rigidez, ex- citação, negativismo e posturas bizarras. As características associadas são: estereotipias, maneirismos, mutismo e flexibilidade cérea. Residual: história de episódio esquizofrênico. Estão presentes sinais negativos da doença: isolamento social, comportamento excêntrico, inadequação afetiva, pensamento ilógico. Indiferenciada: com sintomas que não podem ser classificados nas categorias an- teriores, ou quando preenchem, simultaneamente, os critérios para mais de um tipo. Diagnóstico Em uma tentativa de simplificar o diagnóstico da esquizofrenia Crow (1980) sugeriu a subdivisão dos sintomas da esquizofrenia em positivos (Tipo e negativos (Tipo A esquizofrenia tipo é caracterizada por sintomas floridos que incluem as alucinações, delirios, fala bizarra e desorganizada e desorganização do comportamento. Em geral estes pacientes apresentam agudo da doença, não há alterações estruturais e prevalecem as alterações neuroquímicas, caracterizadas por hiperatividade dopaminér- gica que é revertida pelos neurolépticos. Com a remissão da doença, a reinserção social é em geral muito boa. tipo é uma psicose orgânica do tipo isto é, com cognitivo persistente, pobreza da linguagem, embotamento afetivo e isolamento social. Apresenta curso progressivo e manifesta-se por sintomas negativos e é resistente aos medicamentos antipsicóticos (Tabela 2.1). Embora a dicotomia sintomas positivos/negativos tenha alcançado amplo reco- clínico, relatos recentes não consideram essa divisão apropriada. Estudos com análise fatorial indicam que há três, ao invés de duas, dimensões ou categorias de sintomas da esquizofrenia. A primeira dimensão inclui os sintomas psicóticos, como alucinações e A segunda consiste na desorganização mental e comportamental que compreende os distúrbios do pensamento, comportamentos bizarros e alterações afetivas. A terceira dimensão os sintomas negativos, já assinalados. Sem dúvida, tem sido observado que cognitivos tanto no quadro com predominância de distúrbios do pensamento quanto na condição em que predominam os sintomas negativos. Entretanto, um estudo com PET revelou que os déficits cogniti- vos de uma ou outra dimensão estavam associados a alterações do fluxo sanguíneo em diferentes regiões do córtex pré-frontal. Além disso, os déficits neuropsicológicos dos pacientes que apresentavam primariamente delirios e alucinações estavam associados com alterações de fluxo no lobo temporal medial. Em razão disso, fugindo um pouco da abordagem tradicional da sintomatologia da esquizofrenia neste reservamos um34 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS TABELA 2.1 Tipos de esquizofrenia segundo a prevalência de sintomas positivos e negativos TIPOS DE ESQUIZOFRENIA FATORES TIPO TIPO Contribuição genética Importante Minima Sintomatologia Sintomas positivos Sintomas negativos EEG Normal Alterado Normal Déficit intelectual Pequeno Importante Resposta aos neurolépticos Boa Baixa Patologia Alterações estruturais do cérebro Alteração neuroquímica dos receptores DA ? AHV no líquor Aumentado EEG = TC = tomografia AHV = ácido espaço para discorrer sobre os estudos que vêm sendo conduzidos sobre as disfunções cognitivas da esquizofrenia ao lado de seus componentes atencionais e associados. Os déficits atencionais estão fundamentalmente associados a transtornos no processamento de informações, ao passo que as avaliações do desempenho em testes de memória mostram déficits que diferem claramente daqueles observados na QUADRO 2.1 Diagnóstico Sintomas positivos Alucinações: referem-se a sensações alteradas sobre eventos do meio ou percepções que não são por outras pessoas ao redor. Muitas formas de alucinações po- dem coexistir nos pacientes. Uma alucinação relativamente frequente é o relato de ouvir vozes (alucinações auditivas). Pode haver várias vozes falando com outras pessoas e com o paciente, em geral comentando seus pensamentos e As vozes podem até falar diferentes linguas em pacientes com habilidades Mesmo aqueles que nasceram surdos podem afirmar que ouviram a voz de suas A intensidade das alu- cinações ou a frequência das ocorrências variam amplamente de um paciente para outro. Correspondem a crenças errôneas sem qualquer inserção no meio em que A distinção entre um pensamento normal e um delirio está em que é absolutamente impossivel alterar o pensamento delirante, mesmo com clara evidência de sua descone- xão com o mundo real. Um paciente pode querer provar que dois mais dois são A ideia de perseguição é muito comum Outra crença comum é a de receber mensagens endereçadas especificamente a ele (delirio referencial). Alguns pacientes sentem-se investidos de uma missão religiosa (delirioESQUIZOFRENIA 35 Pensamento desorganizado: É ter certeza de que alguma desorganização mental é que realmente é observado e relatado corresponde mais à sua expressão comportamental, incluindo a produção da fala. Divagação fora do conteúdo da con- versa, intrusões bizarras, resposta a perguntas que não foram formuladas, construção tangencial das sentenças, frases totalmente incoerentes ou salada de palavras podem ser a expressão de uma atividade do pensamento desorganizado. Evidentemente, em conformidade com o enunciado acima, o delirio, a alucinação, o pensamento desorga- nizado e a fala só podem ser avaliados mediante conversa com o paciente. Em outras palavras, esses sintomas parecem associados ao processo de verbalização. Comportamento Reúne um amplo espectro de dificuldades que vão desde perturbação das atividades da vida diária, negligência com as refeições diárias até des- cuido com a higiene Sintomas negativos Há três sintomas negativos principais: embotamento afetivo, alogia e embota- mento afetivo se manifesta pela ausência de respostas a estímulos de conteúdo Pacientes contam que sentem experiências agradáveis ou desagradáveis, mas isso não transparece em seu tom de voz ou expressão Em outras eles perdem a capacidade de comunicar suas emoções. A alogia manifesta-se pela evasão lacônica ou respostas vazias, mesmo para perguntas precisas. A avolia corresponde à perda de inicia- tiva em atividades dirigidas a objetivos. Os significados de apatia e avolia se em certa extensão. Déficit atencional da atenção na esquizofrenia já é conhecido desde o início do século XX. Entretanto, sempre houve dificuldade em estabelecer uma relação entre que era de fato uma alteração nos mecanismos neurobiológicos da atenção e o que era uma intuição Na análise da neurobiologia da atenção são considerados três mecanismos já bem conhecidos: 1) atenção sustentada, 2) atenção comutada (para um novo objetivo); e 3) atenção seletiva. A seguir faz-se uma abordagem das alterações desses mecanismos na esquizofrenia com base em revisão feita por Sandner 1. Atenção sustentada: teste mais comum de atenção adotado é o teste de desempenho (TDC) que consiste na apresentação de vários cartões para seleção pelo individuo ao longo de uma tarefa repetitiva. No momento em que se detecta uma letra, um número ou uma imagem específica entre itens ir- pressiona-se uma tecla, A maioria dos estudos aponta uma alteração do desempenho de TDC nos pacientes Esse déficit de atenção foi correlacionado com alienação, sintomas negativos e comportamento desor- ganizado. tratamento com agentes antipsicóticos não altera esse déficit, o que leva à hipótese de corresponder apenas a um traço da doença, traço esse tam- bém encontrado em um subgrupo de parentes com personalidade esquizoide. TDC tem sido diretamente adotado para estudar os substratos neuroanatômicos associados com a alteração da atenção em pacientes esquizofrênicos. Estudos morfológicos que empregam a morfometria baseada em voxel mostraram que a densidade da substância cinzenta do tálamo, giro angular e supramarginal, giros inferior e pós-central, todos do lado esquerdo, foi correlacionada com desem- penho de pacientes esquizofrênicos no TDC. Dois aspectos são particularmente36 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS interessantes nesses estudos: a participação do tálamo e a assimetria esquerda- direita. Resultados similares também foram obtidos com técnicas de imagem funcional. Tais estudos têm apontado o envolvimento de alterações do córtex temporal superior, do giro parietal superior e do cerebelo nesse tipo de atenção. A participação do córtex parietal nos faz lembrar que os pacientes com lesões desse córtex de associação negligenciam o lado oposto de seu corpo. Por isso, o córtex parietal é considerado uma estrutura essencial na consecução de alguns aspectos críticos da atenção. 2. Atenção comutada: A atenção é normalmente determinada por um mecanismo automático. Mas podemos decidir prestar atenção em um determinado aspecto do meio ambiente, mecanismo conhecido como top-down (cima-para-baixo). Esse controle é alterado voluntariamente para realçar o conteúdo da informa- ção que chega, da mesma forma que usamos uma lanterna para ver melhor o caminho à nossa frente. Na vida cotidiana, o controle voluntário top-down é pela forma de atenção chamada de bottom-up (baixo-para-cima) associada aos reflexos. Acredita-se que a atenção top-down está representada no córtex frontal ao passo que a bottom-up está representada no tronco cerebral colículo superior para informações visuais; colículo inferior para as informações auditivas etc. ponto principal está em saber de que maneira são estabelecidas as prioridades que determinam a execução de uma ou outra forma de atenção e como se dá a comutação de uma para a outra. No que se refere à atenção visual, estudos de correlação mostram que a capacidade de obter informações visuais do meio para identificar um determinado objeto, assim como a habilidade em selecionar visualmente um dado detalhe de uma imagem, está prejudicada em pacientes Em outras palavras, o controle da atenção ou os mecanismos top-down estão enfraquecidos nesses pacientes. De maneira inte- ressante, essas alterações nos mecanismos de controle top-down não permitem que com esse distúrbio mental tenham uma representação correta do meio em que vivem. Pacientes esquizofrênicos têm a atenção top-down da em razão da menor atividade de seu córtex De maneira interessante, esses pacientes apresentam maior atividade da reação de orientação reflexiva, provavelmente em razão da desinibição dos mecanismos de orientação reflexa do coliculo superior. Enquanto essa argumentação é usada para o caso parti- cular do processamento da informação visual, igual pode ser usado para as alterações da atenção auditiva em pacientes Nesse caso, são os filtros sensoriais da informação acústica que estão prejudicados em razão do enfraquecimento dos mecanismos corticais de controle sobre o colículo inferior onde a orientação reflexa aos estímulos auditivos estaria exa- cerbada nesse Isto pode estar subjacente aos processos de geração das alucinações auditivas prevalentes na esquizofrenia. 3. Atenção seletiva: Stroop observou que é nomear uma cor quando esta é usada na impressão gráfica do nome de outra cor. Os erros são frequentes e as latências em nomear a são grandes. Pacientes esquizofrênicos apresentam maior dificuldade que os individuos normais nesse teste. Além desse paradigma, outro teste é baseado no processamento de sinais auditivos. teste dicótico de audição consiste em apresentar silabas diferentes ao ouvido direito e ao es- querdo dos indivíduos. As silabas têm em comum a mesma vogal (ca, pa, sa, da). Como são diferentes para cada ouvido, os são instados a dizer que ouviram (condição não ou que puderam identificar comESQUIZOFRENIA 37 seu ouvido direito ou esquerdo (condição forçada direita ou esquerda). Isto testa a capacidade de privilegiar a fonte de um som de acordo com o lado em que foi apresentado, que é tipicamente um processo de controle top-down no siste- ma auditivo. Normalmente há uma vantagem do ouvido direito na condição não forçada (em razão de a informação alcançar o hemisfério esquerdo onde estão localizados os substratos neurais da comunicação verbal), que é realçada na condição forçada-direita. Durante alucinações há uma reversão espontânea da preferência pelas apresentadas ao ouvido esquerdo. Tais observações indicam que uma melhora na identificação das silabas apresentadas ao ouvido esquerdo é um indicador das alucinações em curso, e que as alucinações inter- ferem com processamento natural de informações e, neste caso em particular, com a decodificação de fonemas. Déficit cognitivo Os déficits cognitivos são considerados características predominantes do distúrbio esquizofrênico. Com isso se torna importante também a identificação das habilidades cognitivas que se mantiveram preservadas na doença. A manifestação primária do déficit cognitivo tem sido um argumento usado em favor da ideia de que a esquizofrenia é uma doença do A determinação do curso temporal de cada déficit cognitivo ao longo da doença também tem sido objeto de pesquisa. Em geral, os déficits cognitivos se manifestam antes da ocorrência da primeira fase ativa e parece aumentar com a evolução da doença. prejuizo cognitivo observado em adultos tem sido propos- to como uma persistência da forma de pensamento infantil, uma decorrência da falta de maturação cognitiva durante o desenvolvimento. As alterações cognitivas da esquizo- frenia são consideradas endofenótipos relacionados à causa que com os sintomas da doença. A favor disso está o fato de que individuos com personalidade portanto com são considerados mais vulneráveis à doença. conceito de consciência engloba diferentes propriedades do cérebro, algumas das quais específicas dos homens. Com o uso de escalas específicas para dimensionar a ca- pacidade do indivíduo em avaliar a extensão de seu transtorno mental foi observado que a esquizofrenia é a doença com maior grau de perturbação da consciência. Acredita-se que os pacientes não têm plena consciência de sua interação com o meio, não têm controle sobre seus pensamentos ou do ambiente à sua volta. Este fato é conhecido desde as primeiras descrições da esquizofrenia. Os relatos afirmam que os pacientes são alienados do estado da doença, dos efeitos benéficos do tratamento e das consequências sociais de seu transtorno. Isto nos faz lembrar algumas sequelas de distúrbios neurológicos, como os acidentes vasculares ou os traumatismos cerebrais, quando os pacientes creem que a função perdida nunca existiu. De qualquer forma, o déficit cognitivo se reflete na dificuldade de o ter a real dimensão de sua inserção no meio em que vive. Um ponto de intersecção entre os processos cognitivos e a programação da ação pode ser representado por certos movimentos refinados que cursam com a participação do córtex frontal. o protótipo da abordagem experimental que analisa esses movimentos consiste em observar determinados movimentos rápidos dos olhos, fáceis de Em esquizofrênicos notam-se déficits nos chamados movimentos de exploração visual, que consistem em movimentos de perseguição do alvo e nos movimentos sacádicos. Estes testes têm um aspecto prático caracterizar um traço ou estado clínico particular da esquizofrenia e um objetivo teórico compreender a associação reciproca entre a sensação e a ação. Todos os distúrbios de movimento dos olhos mencionados foram38 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS propostos como marcadores do fenótipo da doença A existência de ou- tras perturbações motoras menores antes da ocorrência do primeiro episódio agudo da doença corrobora essa proposição e justifica especulações teóricas sobre os distúrbios desses movimentos funcionais na esquizofrenia. Uma breve descrição de alterações nesses movimentos dos olhos de interesse para esse tópico é feita a seguir: 1. Exploração visual: Disfunção da coordenação visuomotora em pacientes esqui- zofrênicos tem sido frequentemente relatada na literatura, bem como uma corre- lação entre diminuição da atividade exploratória visual associada a um funcional do córtex frontal e sintomas negativos da Nesse con- texto, prejuízos no reconhecimento de faces e na expressão de emoções também foram observados em estudos com pacientes enquanto olhavam fotografias de faces. A baixa capacidade de distinção do fluxo de informações visuais para os dois hemicórtices em esquizofrênicos expressa uma pobre co- nectividade funcional entre os hemisférios cerebrais. Outro ponto interessante desses estudos é que tais déficits exploratórios não são alterados pelo tratamento farmacológico. 2. Movimentos de busca do alvo: Em oposição ao modelo anterior de movimento dos olhos, a perseguição lenta a um alvo é uma ação conduzida automatica- mente para manter a imagem de um determinado estímulo no centro da fóvea, quando este se move com velocidade e direção previsíveis. A questão central que ainda permanece em aberto é saber como esse movimento é controlado. Do ponto de vista neurobiológico, dois sistemas paralelos estão em jogo: os reflexos e a função top-down exercida pela área do córtex visual, situada no lobo occipital próximo do lobo temporal medial. Isto levanta, mais uma vez, a questão central associada a propriedades integrativas do encéfalo, parti- cularmente o controle top-down dos automatismos gerados no tronco cerebral. olho segue um alvo, mesmo que este seja omitido por um curto período de tempo, o que indica que movimento de busca inclui previsão e, em consequência, ne- cessita da atividade Para entender esses movimentos oculares de busca é preciso considerar que há uma diferença entre a posição do alvo e o eixo óptico dos olhos de forma que um sistema de busca do alvo sempre é acionado para corrigir esse "erro de Nos esquizofrênicos esses movimentos de busca são disfuncionais. A maioria dos estudos anatomofuncionais (usando imagem funcional em pacientes submetidos a tarefas de busca) tem mostrado que o funcionamento prejudicado do movimento de busca pode estar ligado a uma hiporreatividade do córtex frontal e a uma hiperatividade no hipocampo. A hipofrontalidade nesses pacientes está bem estabelecida e será discutida em mais detalhes adiante neste Por sua vez, o hipocampo tem um número de funções clássicas que podem estar relacionadas a esse Por exem- plo, ele faz uma comparação entre as informações previamente armazenadas e a realidade. Seu excesso de atividade pode revelar uma predição equivocada ou inadequada. Está também envolvido crucialmente na execução de referências espaciais, portanto sua ativação pode corresponder a uma tentativa de compen- sação para se ajustar a uma representação ruim da posição do A anorma- lidade dos movimentos dos olhos é um traço característico da esquizofrenia e independente de qualquer Na realidade, drogas antipsicóticas clás- sicas podem até piorar esse Dada a prevalência de anormalidades nos movimentos oculares de busca do alvo na esquizofrenia, esse teste chegou a ser proposto como preditivo do risco em desenvolver a esquizofrenia emESQUIZOFRENIA 39 3. Movimentos sacádicos dos olhos: Quando um alvo aparece de repente, a reação do indivíduo é deslocar o olhar para este com um movimento rápido ou sacádico dos olhos. Para o teste, o individuo tem de olhar em um ponto de fixação central. O estímulo sacádico eliciado pode aparecer à esquerda ou à direita em várias distâncias deste ponto de fixação. Os movimentos sacádicos são caracterizados pela sua relação de ocorrência, latência, velocidade e precisão, em que os pacientes esquizofrênicos apresentam alterações. Uma série de pressu- postos teóricos foi levantada, o que complementa as especulações iniciadas na seção anterior. Da mesma forma que os movimentos de perseguição ou busca do alvo, a orientação dos olhos para a produção dos movimentos sacádicos en- volve dois sistemas neurais: um automático e um top-down de controle volitivo. sistema automático é organizado no mesencéfalo, mas está sujeito aos meca- nismos de controle top-down organizados no córtex cerebral quando o controle automático pode ser pelo controle volitivo. Acredita-se que, além do envolvimento do córtex frontal e pré-frontal dorsolateral, há também um controle adicional feito pelos núcleos da base na produção desses movimentos. Tem-se observado que esses movimentos sacádicos não estão alterados apenas nos pacientes, mas também em seus familiares, o que abre a perspectiva de estudá-los partindo de uma abordagem genética. Déficits de memória comportamento dos indivíduos sofre constantes modificações em razão da neces- sidade de sua adaptação ao meio que se altera sistematicamente. perfil do indivíduo depende muito das experiências que ele viveu e vive. A medida que ele vai incorporando a seu repertório o que vivencia, ele vai se modificando como resultado das novas ex- periências. A chamada memória não declarativa que não requer o concurso da consciência para ser acessada, está preservada em pacientes esquizofrênicos. outro tipo de memória explicita ou declarativa que necessita dos mecanismos de consciência e de algum esforço mental para acessar as experiências passadas está comprometida nesses pacientes. Os tipos de memória estão discutidos em detalhes no Capítulo 8. A memória de curto prazo, também conhecida como memória de trabalho, é composta por pelo menos três componentes: um executivo central e dois circuitos de armazenamento subsidiários, o circuito fonológico e o circuito visuoespacial que armaze- nam, respectivamente, um número limitado de palavras e mapas espaciais. Os circuitos são alimentados por informações sensoriais, bem como por elementos da memória de longo prazo, o que abre a possibilidade de a memória de trabalho ser uma interface entre as experiências em curso e a representação que o indivíduo faz do mundo. A memória de longo prazo também é composta de vários componentes amplamente descritos nos livros-texto de Da mesma forma, há várias formas de memória implicita. A memória associativa se refere ao que é obtido pelo condicionamento, ou seja, estabele- cida pela associação automática entre eventos contingentes (condicionado associativo) ou entre eventos e ações (condicionamento instrumental). A aprendizagem não associa- tiva abrange um amplo espectro de entre os quais estão a habituação e a memória procedural. Executar uma nova atividade motora complexa (p. ex., como andar de bicicleta), depois de ter repetido várias vezes, caracteriza a memória procedural. Entender que aspectos desses tipos de memória são afetados ou não pela esquizofre- nia torna-se de grande importância para o entendimento da neurobiologia da doença. Como vimos anteriormente, formas implicitas de aprendizagem estão preservadas em40 NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS pacientes Sem dúvida, implicitas, como o condicionamento e o aprendizado procedural, estão preservadas nestes pacientes. Tal observação foi estendida para o aprendizado implícito de regras gramaticais relacionadas com a aquisi- ção da linguagem, empregando testes de gramática artificial. Abaixo destacamos esses processos 1. Alterações na memória de trabalho: Erros e respostas tardias ocorreram em tes- tes em que os dois circuitos (visuoespacial e fonológico) foram recrutados e nos testes em que o paciente tinha de relembrar uma série de itens ou na ordem inversa em que os aprendeu. Do ponto de vista teórico, o déficit consistiu em uma alteração do circuito fonológico e/ou em seu gerenciamento pelo sistema exe- cutivo central. Alterações do circuito visuoespacial também foram relatadas em pacientes e seus familiares. Esses déficits foram a uma diminuição da atividade do córtex pré-frontal e córtex parietal, sendo mais grave em pacientes com sintomas 2. Alterações na memória explicita: A codificação espontânea de informações durante sessões de aprendizagem é fraca nos esquizofrênicos. Esse menor grau de codificação é válido tanto para materiais verbais como não verbais, por exemplo, faces. Este déficit de memória tem fortes consequências sociais. As memórias de longo prazo são as mais afetadas. É possível que isso seja consequência da dificuldade desses pacientes de reter novas informações em sua memória de trabalho para construir fontes ou links contextuais, antes de armazená-las em sua memória de longo prazo. Isso poderia ser decorrência de uma redução da capacidade funcional de suas áreas pré-frontais e temporais. Os pacientes apresentam pouco conhecimento da causa dos eventos (fonte) e da coocorrência de outros eventos de menor porte durante a aprendizagem (contexto). Este fato representa uma deficiência em organizar a informação a ser memorizada. Há clara dificuldade em discriminar quem estava envolvido em um caso, o próprio um parente ou uma pessoa desconhecida. Eventos memorizados também podem ser rotulados usando-se recursos do contexto de aprendizagem, que é a essência do monitoramento da realidade, ou com base em um contexto gerado internamente, um processo conhecido como automoni- Esquizofrênicos manifestam incapacidade de estabelecer qualquer ligação de uma memória com outros eventos: por exemplo, quando, onde e em que circunstâncias algo Salienta-se que o déficit da fonte de monitoramento leva a uma explicação coerente do delirio. Delirio, ou até mes- mo alucinação, pode resultar de uma saliência anormal dos estímulos gerados internamente, ou da ruptura de um processo comparativo do mundo exterior com as predições do mundo interior, levando a uma disposição anormal para aceitar os eventos mentais alterados como reais. Em resumo, parece que os pacientes não fazem associações espontâneas entre suas memórias. Em estudos em que foram feitas análises do conteúdo da memória autobiográfica para descobrir qual de vida a memória autobiográfica de esquizofrênicos começou a se tornar confusa indicaram que correspondia ao período em que os sinais clínicos começaram a aparecer, logo na adolescência. Em alguns casos, admitiu-se que a deterioração progressiva da memorização começava antes do aparecimento visivel da doença, Alterações em processos atencionais, cognitivos e podem ocorrer de forma isolada ou combinada em pacientes esquizofrênicos, o que torna estudo da neurobiologia da esquizofrenia. A tentativa de compreender cada um desses processosESQUIZOFRENIA 41 em modelos animais específicos é uma tarefa É necessário encontrar respostas para questões básicas, como de que forma o cérebro reúne as informações para produzir uma representação consciente do mundo. É que uma abordagem filogenética da cognição seja necessária, uma vez que a alteração funcional pode estar associada a uma etapa filogenética acima das espécies comumente usadas nos mode- los, camundongos e Recentemente um novo campo das ciências cognitivas chamado cognição social tem buscado explicações específicas para o mau relacionamento de com outras Essa dificuldade de relacionamento foi inicialmente interpretada como mera consequência da perturbação de suas habilidades cognitivas pessoais. Atualmente, há uma tendência a admitir que o transtorno cognitivo desses pacientes re- presenta apenas parte de suas dificuldades sociais, e que a dificuldade de comunicação social também é resultado de uma disfunção cerebral específica. Epidemiologia Atualmente a esquizofrenia é a maior causa de hospitalização psiquiátrica. Em sua forma mais grave, quando seu diagnóstico apresenta maior grau de concordância entre psiquiatras, incide em cerca de 1% da população geral. Entretanto, formas mais brandas podem afetar de 3 a 5% da população. Mas nesses casos há muita variação nos crité- rios diagnósticos. Sua prevalência é 40% maior em homens que em mulheres, sendo a idade do pico de aparecimento para os homens entre 15 e 25 anos, e entre 25 e 35 anos para as mulheres. Estudos prospectivos têm apontado que moradores de áreas urba- nas e migrantes têm maior propensão para desenvolver a esquizofrenia. Indivíduos que apresentam déficits no ajustamento social ou problemas de leitura e linguagem na idade escolar também são mais propensos à doença. Os homens parecem mais aos sintomas negativos, característicos da forma crônica da doença, ao passo que as mulhe- res parecem ser mais aos sintomas positivos. prognóstico é mais favorável para os com os sintomas positivos que para a forma crônica da doença. Etiologia: fatores genéticos, epigenéticos e ambientais Vários estudos demonstram que fatores sociais e genéticos agem de forma conjunta no estabelecimento da doença. Evidências importantes nesse sentido foram obtidas em estudos epidemiológicos que analisaram a incidência de esquizofrenia em gêmeos mo- nozigóticos (material genético idêntico) e dizigóticos (compartilham a metade do material genético). Era de esperar que, se a doença fosse fundamentalmente de origem genética, os gêmeos monozigóticos apresentassem aproximadamente a mesma incidência da doença (processo conhecido como Assim, se a causa da esquizofrenia fosse devida apenas a anormalidades genéticas, a concordância seria de 100%. Os es- tudos, entretanto, indicaram que a concordância ocorre em cerca de 50% dos gêmeos monozigóticos e que a doença apresenta incidência de 10 a 15% nos gêmeos dizigóticos (a mesma dos parentes de primeiro grau). De qualquer forma, o de 50% no primeiro caso aponta para uma forte influência de fatores genéticos no aparecimento da doença. Muitos distúrbios neurológicos e psiquiátricos não são devidos a mutações em um único gene, mas envolvem alterações moleculares em múltiplos genes que controlam sua expressão. Recentes estudos demonstrado que mecanismos epigenéticos com- plexos que regulam de forma duradoura a atividade genética sem alterar o DNA têm efeitos de longa duração no sistema nervoso central. Esses mecanismos epigenéticos

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