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Autores: Prof. Mário Junqueira Prof. Jose Humberto Ataulo Nunes Colaboradores: Profa. Angela Pizzo Prof. Adalberto Oliveira da Silva Gestão Estratégica da Qualidade e de Processos Professores conteudistas: Mário Junqueira / Jose Humberto Ataulo Nunes Mário Junqueira Doutorando (2018) e mestre (2014) em Ciências Sociais, com concentração de pesquisa em Antropologia, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, MBA em Governança de Tecnologia da Informação pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT/USP (2007), bacharel em Sistemas de Informação (2006), Tecnólogo em Sistemas para Internet (2004) e Eletrotécnico pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – CEFET/RJ (1983). Diretor vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Barueri (2004-2009), participou como examinador sênior no Processo de Avaliação do Prêmio de Competitividade para Micro e Pequenas Empresas 2009 (MPE Brasil) e como examinador do Prêmio Paulista de Qualidade da Gestão 2010 (PPQG). Atualmente, é professor de cursos de pós-graduação, graduação e gestão da Universidade Paulista (Unip), conselheiro da Câmara de Comércio, Indústria e Serviço de Barueri, diretor do Instituto de Serviços Educacionais do Estado de São Paulo (ISESP) e da Adhapta Assessoria em Recursos Humanos Ltda. Exerce, ainda, a função de presidente do Instituto da Qualidade e Sustentabilidade (IQS) da região metropolitana de São Paulo. Jose Humberto Ataulo Nunes Nascido em São Paulo, é economista formado na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e possui mestrado e doutorado em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), com pesquisas na área de Integração e Comércio Internacional. É professor titular dos cursos de Direito, Administração de Empresas e Gestão Financeira da Universidade Paulista (UNIP), lecionando disciplinas do núcleo de Economia, Finanças e Comércio Internacional. Foi coordenador pedagógico do curso técnico de Logística do Pronatec (UNIP). Atuou profissionalmente, por 22 anos, na área de Administração Industrial em grandes empresas industriais, como Basf, Akzo Nobel e Cromos Tintas, exercendo posições de liderança nas áreas de PCP, Logística, Produção e Planejamento de Materiais. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) J95g Junqueira, Mário. Gestão Estratégica da Qualidade e de Processos. / Mário Junqueira, Jose Humberto Ataulo Nunes. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 204 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Qualidade. 2. Estrutura. 3 Processos. I. Nunes, Jose Humberto Ataulo. II. Título. CDU 658.56 U515.42 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Talita Lo Ré Ana Fazzio Sumário Gestão Estratégica da Qualidade e de Processos APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 QUALIDADE E CULTURA ORGANIZACIONAL......................................................................................... 13 1.1 Cultura organizacional e a gestão da qualidade em tempos de crise ............................ 13 1.1.1 A qualidade em um período de crise e grandes mudanças ................................................... 17 1.1.2 Quais estratégias as empresas devem adotar para sobreviver e vencer em tempos de crise? ................................................................................................................................................................. 19 1.1.3 Uma perspectiva da qualidade além da crise .............................................................................. 20 1.2 Implicações gerenciais das múltiplas concepções da qualidade ...................................... 20 1.2.1 A dinâmica do conceito da qualidade e suas implicações gerenciais ............................... 21 1.2.2 As concepções da qualidade na visão popular ........................................................................... 23 1.2.3 A visão popular da qualidade e suas consequências na Gestão da Qualidade ............. 24 1.2.4 Falhas críticas nas ações que compõem a Gestão da Qualidade ........................................ 28 1.2.5 Assim como não se muda uma cultura de uma hora para outra, também não o fazemos com conceitos de domínio público ...................................................................................... 29 1.2.6 Um conceito estratégico para qualidade ...................................................................................... 37 1.2.7 A qualidade e o consumidor: a dinâmica da percepção de quem toma a decisão de compra ............................................................................................................................................................. 42 2 AÇÕES GERENCIAIS DECORRENTES DA CONCEPÇÃO DA QUALIDADE ..................................... 46 2.1 Ações gerenciais na Gestão da Qualidade e as relações conceituais .............................. 46 2.2 Qualidade total: ampliando o conceito de qualidade para dar suporte às ações ........... 49 2.3 Falando em adequação ao uso ....................................................................................................... 50 2.4 Da análise de mercado à estratégia da gestão da qualidade ............................................. 54 2.5 Ações gerenciais e o papel da alta direção ................................................................................ 56 2.6 As ações voltadas à melhoria no processo da Gestão da Qualidade Total ................... 57 2.7 Um modelo para as ações gerenciais da qualidade total .................................................... 63 Unidade II 3 QUALIDADE E ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS........................................................................................ 69 3.1 O conceito de qualidade e seus focos estratégicos ................................................................ 69 3.1.1 As razões do consumo: uma abordagem antropológica para fundamentar a visão estratégica da “adequação ao uso” ................................................................................................. 71 3.1.2 A dinâmica da estratégia a partir das transformações nas razões do consumo .......... 73 3.1.3 A percepção da qualidade do processo como fator de decisão de compra ................... 77 3.1.4 A percepção da qualidade do produto como fator de decisão de compra ..................... 79 3.1.5 O valor como fator de percepção da qualidade e decisão de compra .............................. 81 3.1.6 A imagem e a marca: uma abordagemtranscendental da qualidade .............................. 83 3.1.7 A visão do usuário como principal abordagem relacionada à adequação ao uso ....... 87 4 A QUALIDADE DO PROJETO AO PRODUTO ............................................................................................ 88 4.1 Entendendo a gestão de projetos como base estruturante da qualidade total ......... 90 4.2 Os problemas de qualidade e as consequências de deficiências no planejamento .......... 94 4.3 A transformação do projeto em produto no contexto da qualidade de conformação ........................................................................................................................................... 95 4.4 A relação da qualidade final do produto e do projeto com a qualidade de conformação ........................................................................................................................................... 97 Unidade III 5 PLANEJAMENTO E GESTÃO DA QUALIDADE .......................................................................................103 5.1 Planejamento da qualidade ...........................................................................................................103 5.1.1 Conceituação de planejamento e planejamento da qualidade .........................................103 5.1.2 Formas e razões para planejar a qualidade ................................................................................105 5.1.3 As relações das ações planejadas com os processos organizacionais .............................106 5.1.4 O desdobramento do custo da qualidade no processo de Planejamento .....................107 5.2 Os métodos da gestão da qualidade ..........................................................................................108 5.2.1 A estrutura do processo de gestão da qualidade ....................................................................108 5.2.2 A diversidade de conceitos e o método gerencial da qualidade .......................................109 5.2.3 A visão estratégica e os métodos da Gestão da Qualidade ................................................. 110 5.2.4 O agente de decisão e a coordenação na Gestão da Qualidade ....................................... 113 5.3 A gestão de pessoas na produção e no suporte à gestão da qualidade ......................116 5.3.1 A Gestão de Pessoas na produção da qualidade ...................................................................... 117 5.3.2 Muitas empresas falham quando resolvem fazer mudanças voltadas para a qualidade por decreto .................................................................................................................................... 119 5.3.3 Participação das pessoas e a parceria com fornecedores ....................................................121 5.3.4 O fortalecimento da Gestão da Qualidade por meio da consolidação de uma cultura da qualidade .......................................................................................................................................121 6 ESTRUTURAS ...................................................................................................................................................122 6.1 Estruturas organizacionais .............................................................................................................126 6.2 Estrutura organizacional tradicional ..........................................................................................126 6.3 Estrutura organizacional por processos ....................................................................................129 Unidade IV 7 GESTÃO DE PROCESSOS E GESTÃO DE PROJETOS ..........................................................................134 7.1 Processos: conceitos e aplicações ...............................................................................................134 7.1.1 Tipos de processos ............................................................................................................................... 137 7.1.2 Características dos processos .......................................................................................................... 139 7.1.3 Hierarquia dos processos .................................................................................................................. 143 7.1.4 Tecnologias de informação e processos ..................................................................................... 144 7.1.5 Gestão de processos e cadeia de valor ....................................................................................... 146 7.1.6 Avaliação e desempenho dos processos ..................................................................................... 158 7.2 Fundamentos em gestão de projetos .........................................................................................166 7.2.1 Elaboração de projeto de melhoria .............................................................................................. 168 7.2.2 Implantação de projetos de melhoria ......................................................................................... 169 7.2.3 Técnicas de apoio a projetos ........................................................................................................... 174 8 GESTÃO DA QUALIDADE EM PROCESSOS ...........................................................................................180 8.1 Normalização e gestão de processos .........................................................................................181 8.1.1 Classificação das normas internacionais ................................................................................... 182 8.1.2 Saúde e segurança ocupacional – ISO 45001 .......................................................................... 185 8.1.3 Responsabilidade social – SA 8000 .............................................................................................. 186 8.2 Sistemas de Gestão da Qualidade (SGQ) ..................................................................................187 8.2.1 A norma ISO 9001 ............................................................................................................................... 189 8.2.2 Sistema de gestão ambiental – ISO 14001 ............................................................................... 192 9 APRESENTAÇÃO Caro aluno, neste livro-texto estudaremos aspectos da cultura organizacional e sua relação com a gestão da qualidade em tempos de crise, abordando também as ações gerenciais decorrentes das concepções da qualidade. Desenvolveremos uma perspectiva da qualidade desde o pensamento e a elaboração do projeto até a obtenção e colocação do produto ou serviço no mercado. Pensar na qualidade como um fator crítico de sucesso para as organizações implica conhecer a importância e as características do seu planejamento, dos métodos de gestão da qualidade e das formas de sua operacionalização. Além dessas questões, abordaremos também a metrologia, que engloba os conceitos científicos das medições e de controle da qualidade, abrangendo todos os aspectos teóricos e práticos que asseguram a precisão exigida no processo produtivo. O conteúdo programático desta disciplina tem como principais objetivos: a ampliação da capacidade do aluno em relação à utilização das técnicas de gestão da qualidade; a consolidação da habilidade de planejar, implementar modelos de qualidade e tomar decisões com base em questões relativas à qualidade; à capacitação para a preparação de planos de qualidade; ao pleno desenvolvimento necessário para a melhoria dos processos de qualidade e a melhoria nas aplicações de ações voltadas a metrologia. Também objetiva fornecer conhecimentos sobre as modernas técnicas de organização das estruturas empresariais que se baseiam em gestão dos processos, nos quais as entidades mudam o foco da gestão de produtos para a gestão das necessidades dos clientes, competindo, em alto grau,em mercados cada vez mais abertos e globais. Esta disciplina tem a finalidade de fornecer conhecimentos para o desenvolvimento do aluno por meio de senso crítico, capacidade de contextualização, visão sistêmica dos processos organizacionais, orientação voltada para atender às expectativas dos clientes, competência de identificar problemas e soluções, orientação focada nos resultados por meio da visão dos processos e trabalho integrado e em equipe com desenvolvimento pessoal. A estrutura empresarial baseada na gestão dos processos permite às organizações uma ferramenta eficaz e inteligente de seus recursos humanos e materiais, conduzida por uma visão voltada às necessidades dos clientes e integrando as atividades empresariais com um todo eficiente e produtivo. A gestão dos processos é uma técnica focada nas carências dos clientes e por meio da qual estudaremos as modernas técnicas de modelagem de estruturas organizacionais, com a criação de indicadores de desempenho e técnicas de racionalização de processos, visando às inovações e melhorias que podem gerar resultados financeiros/operacionais mais satisfatórios. 10 INTRODUÇÃO Qualidade é uma palavra muito utilizada em nossa sociedade e também nas empresas, ao lado de termos como produtividade, sustentabilidade, competitividade, integração, desempenho, ética etc. Porém, observamos que existe pouco entendimento sobre seu significado, além de alguma confusão quanto ao seu uso. Sabemos que a confusão existe em função de uma subjetividade associada à qualidade, principalmente quando essa palavra é utilizada genericamente. As definições genéricas para qualidade encontradas em dicionários, como Michaelis (2017) e Aulete (2017), são “propriedade inerente a um objeto ou ser”, “grau de perfeição, de precisão ou de conformidade a certo padrão”, “atributo, condição natural, propriedade pela qual algo ou alguém se individualiza”. Considerando essas definições, destacamos três aspectos importantes: o primeiro relaciona qualidade a um atributo de coisas ou pessoas, o segundo, a uma forma de distinção ou diferenciação de coisas ou pessoas, e o terceiro coloca a qualidade como determinante da natureza de coisas ou pessoas. Portanto, qualidade é algo não identificável e observável objetivamente, pois o que é objetivamente identificável e observável são os atributos das coisas ou pessoas; depreende-se que a qualidade é resultante da percepção de uma ou mais características das coisas ou pessoas. Dessa forma, ética ou honestidade seriam qualidades de uma pessoa, assim como dirigibilidade seria a qualidade de um automóvel. Assim, a aplicação genérica do termo qualidade não deixa claro a qual aspecto o usuário do termo se refere. Como quando observamos a utilização das expressões: produto de qualidade, processo de qualidade, sistema de qualidade etc., o que pode levar à interpretação da utilização do termo como: produtividade, eficiência e eficácia. Contudo, segundo Toledo et al. (2013), o entendimento predominante nas últimas décadas, e que representa a tendência futura, é a conceituação de qualidade de produtos como a satisfação total dos clientes. Ou seja, essa definição contempla adequação ao uso, ao mesmo tempo que contempla conformidade com as especificações do produto. Os autores acrescentam que nas normas da série ISO 9000, historicamente, a qualidade é definida como um conjunto de características que integram uma entidade capaz de satisfazer as diferentes necessidades, sejam elas explícitas, sejam elas implícitas. A partir da versão do ano 2000 da série ISO 9000, como constatam Toledo et al. (2013), a qualidade passa a ser definida como o grau em que um conjunto de características inerentes satisfaz a requisitos. Os autores ainda colocam que o termo qualidade pode ser usado com adjetivos como má, boa ou excelente. Já inerente significa a existência de uma característica permanente, e requisito se refere a uma necessidade ou expectativa que é expressa, geralmente, de forma implícita ou obrigatória. Um qualificador pode ser usado para distinguir um tipo específico de requisito, como requisito do produto, requisito da gestão da qualidade, requisito do cliente. Um requisito especificado é um requisito declarado, por exemplo, em um documento. Os requisitos para Toledo et al. (2013) podem ser gerados pelas diferentes partes interessadas no produto. Complementando, eles acrescentam que classe se refere à categoria ou classificação atribuída a diferentes requisitos da qualidade para produtos, processos ou 11 sistemas que têm o mesmo uso funcional. Quando se estabelece um requisito da qualidade, a classe geralmente é especificada. A qualidade necessária e/ou planejada para um produto (bem ou serviço) é obtida por meio de práticas associadas ao que chamamos de Gestão Estratégica da Qualidade, sobre a qual trataremos em nosso livro-texto. De uma forma geral, os livros que abordam tal tema, apresentam a dificuldade de definir com precisão quais seriam os atributos da qualidade. No nosso caso, buscando um direcionamento para apresentar tecnicamente o conceito e viabilizar o entendimento quanto à criação de diferenciais competitivos para as organizações, iniciaremos apresentando a importância da perspectiva da cultura organizacional e sua relação com a gestão da qualidade em tempos de crise. Em seguida, abordaremos as implicações gerenciais das múltiplas concepções da qualidade, mostrando a importância da criação de um conceito estratégico para a qualidade com base na perspectiva do consumidor. As ações gerenciais estratégicas decorrentes da concepção da qualidade serão apresentadas depois, quando estabeleceremos a relação do conceito de qualidade com as concepções de processo, produto, valor, imagem da marca e visão do usuário. Os conceitos de qualidade e seus focos estratégicos serão abordados posteriormente, ao trabalhar o entendimento das razões do consumo partindo de uma abordagem antropológica. A qualidade do projeto ao produto, principalmente na perspectiva do engenheiro romeno Joseph Moses Juran (1904-2008) também será abordada. Ainda, apresentaremos os elementos necessários para a elaboração e implantação do planejamento da qualidade, tema que será complementado com os métodos da gestão da qualidade, e a relação entre gestão de pessoas e a produção da qualidade, passando pelas falhas que empresas cometem ao promover mudanças voltadas à qualidade, fazendo uma reflexão sobre a consolidação de uma cultura voltada para a qualidade. As organizações empresariais estão inseridas em mercados competitivos e disputados e precisam atuar com uma estrutura organizada e eficiente, voltada para as necessidades dos clientes e apresentando resultados econômicos e financeiros de forma sustentável. A utilização da gestão de processos permite uma organização eficaz das atividades e tarefas com uma gestão focada na eficiência e na produtividade. À vista disso, esta disciplina destaca a necessidade de atualização das estruturas administrativas, sob as quais as empresas estão organizadas, e utiliza o conceito de organização para caracterizar as empresas privadas, públicas, cooperativas, fundações e instituições sem fins lucrativos que produzam algum produto/serviço e que precisam criar uma estrutura organizacional, dentro das melhores práticas de gestão, em que líderes empresariais, investidores, acionistas, diretores, gestores, supervisores, analistas e auxiliares se organizem para a execução das tarefas específicas. A gestão de processos é uma nova abordagem da administração empresarial, com base em uma visão de criação de valor aos clientes, permite às organizações a redução dos custos operacionais, a otimização do trabalho coletivo e a conquista de resultados econômicos positivos para os interessados na entidade. 12 Processos fazem parte de todas as instituições empresariais, produtoras de bens e serviços, e ultrapassam os limites dos departamentos e das funções específicas a partir deuma visão que supera a ideia de qualidade focada em produtos e apenas para os clientes externos. 13 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS Unidade I 1 QUALIDADE E CULTURA ORGANIZACIONAL 1.1 Cultura organizacional e a gestão da qualidade em tempos de crise O sociólogo britânico Anthony Giddens, em seu livro Mundo em Descontrole (2000), aponta para sentimentos que muitos de nós experimentamos vivendo numa época de rápidas mudanças. O autor coloca que há razões fortes e objetivas para se acreditar que estamos atravessando um período importante de transição histórica. Para ele, as mudanças que nos afetam não estão confinadas a nenhuma área do globo, mas estendem-se por quase toda parte. Alinhado a Giddens, Paladini (2009) aponta que os últimos anos do primeiro decêndio do novo milênio ficarão marcados como um período de tensão e profundas mudanças. De fato, acrescenta o autor, uma simples análise de alguns indicadores mostra que, em períodos relativamente curtos, a situação geral do nosso País, e até mesmo do planeta, mudou de forma muito intensa, significativa e visível. Em uma perspectiva histórica, Giddens (2000) coloca que nossa época se desenvolveu sob o impacto de ciência, da tecnologia e do pensamento racional, que tiveram origem na Europa dos séculos XVII e XVIII. Segundo o autor, a cultura industrial ocidental foi moldada pelo Iluminismo, observando um preceito simples, mas obviamente muito poderoso: “quanto mais formos capazes de compreender racionalmente o mundo, e a nós mesmos, mais poderemos moldar a história para nossos próprios propósitos” (GIDDENS, 2000, p. 13). Observação O Iluminismo foi um movimento intelectual que teve origem na Europa do século XVIII, caracterizado por um importante desenvolvimento da Ciência e da Filosofia, com grande influência no contexto social, político e cultural. A necessidade de compreensão mencionada por Giddens (2000) pode ser percebida no pensamento de Paladini (2009) quando este esclarece que importantes sinais de mudanças em nossa época podem ser identificados, por exemplo, com a eleição de novos líderes mundiais. Muitos acreditavam que os Estados Unidos jamais elegeriam um negro para presidente e tinham Sarah Louise Palin como ilustre desconhecida. Em outras regiões, alguns partidos políticos consolidados foram destroçados por seguidas derrotas eleitorais, e outros, absolutamente desconhecidos, surgiram. Assim, acrescenta Paladini (2009), a Europa viu sumir líderes históricos, dando lugar a novas caras nos cenários de poder. 14 Unidade I Características que, segundo Giddens (2000), demonstram que estamos nos libertando de hábitos e preconceitos do passado a fim de controlar o futuro, pois o mundo em que nos encontramos hoje, em vez de estar cada vez mais sob o nosso comando, parece cada vez mais em descontrole. Além disso, o autor relembra fatores que, acreditava-se, tornariam a vida segura e previsível para nós (como o progresso da ciência e da tecnologia), mas acabaram tendo muitas vezes um efeito contrário. Giddens (2000) esclarece também que a mudança do clima global e os riscos que a acompanham, por exemplo, não são fenômenos naturais, mas resultam, provavelmente, de nossa intervenção no ambiente. A ciência e a tecnologia estão inevitavelmente envolvidas em nossas tentativas de fazer face a esses riscos, mas também contribuíram para criá-los. Com base no pensamento de Giddens (2000), observamos que estamos nos deparando com situações de risco que ninguém teve de enfrentar na história passada, situações entre as quais o aquecimento global é apenas um exemplo. Muitos desses riscos e incertezas nos afetam onde quer que vivamos, não importa quão privilegiados ou carentes sejamos. Eles estão diretamente relacionados à globalização, e esse pacote de mudanças reforça de forma acentuada a importância da nossa disciplina Gestão Estratégica da Qualidade. A ciência e a tecnologia, segundo Giddens (2000), tornaram-se, elas próprias, globalizadas. Calcula-se que o número de cientistas que trabalham no mundo seja maior hoje do que antes em toda história da ciência. Mas, para ele, a globalização tem também uma diversidade de outras dimensões: ela põe em jogo outras formas de risco e incerteza, especialmente aquelas envolvidas na economia eletrônica global, que tem a internet como um dos adventos mais recentemente desenvolvidos. O risco, para Giddens (2000), está estreitamente associado à inovação. Nem sempre, segundo ele, cabe minimizá-lo; a união ativa dos riscos financeiro e empresarial é a mesma força propulsora da economia globalizante que, em tempos de crise, encontra na perspectiva da gestão estratégica da qualidade uma importante base de manutenção e desenvolvimento dos níveis de competitividade das organizações. Saiba mais Sobre o tema da globalização e suas consequências, tem-se a seguir uma interessante obra para consulta: GIDDENS, A. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro: Record, 2000. Acrescentando ao pensamento de Giddens (2000) as transformações sociais, políticas e econômicas que estamos observando em nosso planeta, não nos resta dúvida de que vivenciamos tempos difíceis. Contudo, mesmo considerando a existência de uma crise global, precisamos fazer a nossa lição de casa analisando a situação em nosso País. 15 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS Observação Transformações sociais referem-se a alterações na ordem social (bem-estar e justiça sociais) de uma sociedade. As transformações sociais incluem mudanças na natureza, nas instituições, nos comportamentos e nas relações sociais. Para suportar as consequências da crise política, que, em efeito dominó, intensifica a crise econômica e por consequência afeta o social, as empresas se veem forçadas a rever planos de metas, inclusive de investimentos. Nesta fase os custos começam a ser revistos, especialmente os custos produtivos. É nesse momento também que muitas empresas começam a reduzir os custos com qualidade. Trata-se de uma prática equivocada se levarmos em consideração alguns pontos de vista, como os descritos a seguir: • Qualidade, de forma alguma, deve ser considerada um custo e, sim, um investimento, principalmente se considerarmos o custo do retrabalho ou até mesmo dos famigerados recalls, que chegam a custar milhões para as empresas. • Dependendo do seguimento de mercado, a redução de custo com qualidade pode causar riscos diretos e indiretos ao consumidor, como contaminação e acidentes que podem ser inclusive fatais (sabemos que até mortes foram provocadas em razão de reduções nos níveis de qualidade dos produtos e processos). No mês de abril de 2015, o jornal O Globo publicou uma matéria com a seguinte chamada: “GM reconhece, nos EUA, 80 mortes por defeito em miolo da ignição”. Além desse reconhecimento, a montadora americana recebeu ainda 289 reclamações por lesões de extrema gravidade; o defeito em questão causava o desligamento do veículo e, consequentemente, dos sistemas de segurança (como os air bags). Figura 1 – A chave pode sair da posição, principalmente se estiver com um chaveiro pesado Disponível em: https://bit.ly/3NptGTW. Acesso em: 3 jun. 2022. 16 Unidade I • Empresas que atuam em determinado segmento de mercado são submetidas a uma avaliação de qualidade compulsória, na qual o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) é o responsável pela gestão dos Programas de Avaliação da Conformidade, no âmbito do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade (SBAC). A redução da qualidade, além do impacto nos produtos perante a percepção do consumidor, pode levar a multas e sanções pesadas, resultando em um prejuízo ainda maior. • Se, em época de crise, tomar a decisão pela redução de custo, a marca dos produtos e a imagem da empresa podem sofrer sérios desgastes perante seus consumidores. Pode ainda impactar na redução de qualidade do produto ou do serviço, aumentando, consequentemente,a probabilidade de essas empresas não conseguirem se recuperar a longo prazo. Poderíamos descrever uma vasta relação de desvantagens em reduzir a qualidade de produtos ou serviços. Sabemos que a racionalização dos processos produtivos e a redução estratégica e planejada dos custos devem ser objetivos permanentes nas organizações, porém, devemos desenvolver e aperfeiçoar continuamente métodos que traduzam uma gestão eficiente e eficaz da qualidade, pois o velho ditado sobre dar um passo para trás para depois dar dois para frente nem sempre funciona nos processos produtivos e de entrega de produtos ou serviços. Haja vista que, nesses casos, dar um passo para trás pode significar cair em uma armadilha que impossibilitará o retorno da empresa aos níveis satisfatórios de qualidade exigidos pelo mercado. Lembrete Como acabamos de ver, dado o contexto, muitas vezes as empresas se veem forçadas a rever planos, inclusive investimentos e custos. No entanto, apesar do que se poderia pensar inicialmente, reduzir os custos com qualidade não se mostra uma saída a ser seguida. Essa perspectiva reforça a visão de Paladini (2009), para quem qualidade sempre foi importante, porém parece mais essencial em épocas de crise. Talvez porque, segundo o autor, nos períodos de turbulência econômica, valores, procedimentos, políticas, estratégias, enfim, tudo o que sempre se fez, tudo em que sempre se acreditou, tudo o que sempre guiou as ações da organização começa a ser fortemente colocado à prova, sendo drasticamente questionado. Para Paladini (2009), a Gestão da Qualidade faz parte, com grande coerência, desse contexto. Considerando, inclusive, qualidade como uma opção a ser feita. Percebemos também que essa escolha é essencial no relacionamento da organização com o mercado, pois é nesse ambiente que são observados os efeitos, os sintomas e os sinais de crise. Para exemplificar, Paladini (2009) observa que a retração da demanda é um indicador característico do comportamento do mercado e que aponta a reação das faixas relevantes de consumidores à situação econômica vigente naquele momento. A relação da organização com cada faixa de mercado é uma questão característica da Gestão da Qualidade, ou seja, a qualidade define para quais consumidores o produto deve se ajustar melhor. 17 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS Para agravar a situação, observa o autor, diferentes setores da economia podem apresentar diferente posicionamentos em relação a esse cenário, como no caso do início de 2009, quando se notava aquecimento na demanda no segmento de prestação de serviços (comércio varejista, por exemplo), porém uma contração das vendas em setores industriais relacionados à exportação. Por uma outra perspectiva, realizando uma análise focada no processo produtivo, a energia gasta para eliminar defeitos ou reduzir desperdícios pode objetivar a melhoria do processo, produzindo importantes reduções de custos. O que define, por consequência, a determinação de preços mais atrativos, fator esse que pode ser considerado um diferencial competitivo relevante em épocas de crise. 1.1.1 A qualidade em um período de crise e grandes mudanças Cabe a seguinte pergunta nesse cenário de mudanças e de crise: qual a relevância da Gestão da Qualidade? Podemos responder a essa questão objetivamente, inclusive por uma perspectiva histórica: foi justamente em épocas de crise que a Gestão da Qualidade foi concebida e se desenvolveu. Tal dado pode ser constatado por levantamento bibliográfico relacionado ao assunto, caso da obra clássica do autor William Edwards Deming (1990), Qualidade: a Revolução da Administração. Deming foi estatístico, professor universitário, autor, palestrante e consultor com atuação internacional, sua obra levou a indústria japonesa a adotar novos princípios de administração, revolucionando sua qualidade e produtividade. A adoção dos 14 princípios administrativos de Deming também influenciou a indústria dos Estados Unidos. No Japão, como reconhecimento por sua contribuição à economia do país, a Associação Japonesa de Ciência e Engenharia (Juse) atribuiu o nome de Deming aos prêmios anuais para contribuições à qualidade e à confiabilidade de produtos; além disso, em 1960, o próprio imperador do Japão conferiu-lhe a Medalha da Segunda Ordem do Tesouro Sagrado. Deming ainda recebeu inúmeros outros prêmios, inclusive a Medalha Shewhart, da Sociedade Americana de Controle da Qualidade, em 1956. Ainda nos Estados Unidos, a divisão Metropolitana da Associação Americana de Estatística também instituiu, em 1980, o Prêmio Deming, conferido anualmente por melhoras obtidas em termos de qualidade e produtividade. E ainda, no ano de 1983, Deming foi eleito para a Academia Nacional de Engenharia, tendo sido agraciado com títulos de doutor honoris causa pela Universidade Estadual de Ohio, pela Universidade de Maryland, pelo Instituto Clarkson de Tecnologia e pela Universidade George Washington. Em sua referida obra, Deming (1990) nos faz examinar nossas crenças mais fundamentais, métodos, estilos de gerenciamento e, principalmente, nosso relacionamento com outras pessoas. Ele salienta que as pessoas são nossos recursos mais importantes, e, ao estimular sua cooperação sincera e eficiente, pode-se obter resultados extraordinários. Alguns dos 14 pontos de Deming foram uma surpresa por ser contrários, na época, ao que era praticado pela maioria das empresas ocidentais. Deming (1990) recomenda em sua obra que o trabalho duro tem que ser acoplado com determinação e consistência de objetivos. Isso também, segundo ele, não pode ser uma série de esforços isolados, sendo necessário o esforço conjunto e continuado da força de trabalho da gerência de toda a organização para melhoria da qualidade dos produtos e serviços oferecidos. 18 Unidade I O direcionamento de trabalho e o esforço na direção correta, acrescenta Deming (1990), é sem dúvida uma função básica da gerência. Os métodos e princípios oferecidos em sua obra devem começar a ser praticados desde o topo da organização, sendo, então, irradiados para toda a estrutura. Outro autor clássico, também de grande importância para a área de Gestão da Qualidade, é Joseph Moses Juran. Romeno, mudou-se para Minnesota, Estados Unidos, em 1912. Vindo de uma família judaica de origem humilde, Juran destaca-se na escola em razão de sua habilidade matemática. Em 1920, ingressa na Universidade de Minnesota e, cinco anos depois, forma-se em Engenharia Elétrica. Ele inicia sua carreira como gestor de qualidade na Western Electrical Company e, em 1926, é convidado a participar do Departamento de Inspeção Estatística da empresa, tornando-se responsável pela aplicação e disseminação das novas técnicas de controle estatístico de qualidade. Tal cargo levou-o a uma rápida ascensão na organização. Como chefe do departamento, publicou seu primeiro artigo sobre qualidade relacionada à engenharia mecânica em 1935. Transferido para a sede da empresa em Nova Iorque, como chefe de Engenharia Industrial, Juran, em visitas a outras companhias, ampliou sua visão a respeito de métodos de gestão de qualidade. De acordo com Juran (2004), a qualidade tornou-se um pré-requisito para o sucesso das empresas. Em suas obras ele cita a perda de participação de mercado, o fracasso de produtos e o desperdício como resultado do mau planejamento de qualidade. Segundo Paladini (2009), autores como Ishikawa (2009) e Feigenbaum (2008) também analisam o histórico da Gestão da Qualidade. O primeiro atendo-se ao tema das transformações externas às organizações, já o segundo preocupando-se mais com as atividades produtivas. Historicamente, a busca pela qualidade teve sua origem quando as empresas se viram pressionadas: a qualidade (ou o foco na qualidade) iniciou sua consolidação com a necessidade de decisão em momentos de pressão. Assim, nosso conhecimento a respeito desse tema (qualidade) surgiu com busca pelo desenvolvimento das exportações, quandoas empresas buscavam atender mercados internacionais e precisaram enfrentar a tensão relacionada a culturas diferentes, novos concorrentes e uma legislação distinta de acordo com a localidades de destino (inclusive posturas governamentais protecionistas). No caso brasileiro, o término da reserva de mercado nos anos 1990 criou internamente a pressão da concorrência externa, que até esse momento não existia. Em um piscar de olhos, o cenário econômico nacional, com empresas sob um sistema fiscal protecionista, muda e traz a necessidade de adequação com a chegada de concorrentes externos, de diferentes portes e segmentos de mercado. A qualidade como prioridade passa ser uma estratégia de sobrevivência. Os fatores críticos da história econômica brasileira acabam fortalecendo os processos de gestão da qualidade. Alguns exemplos podem ser dados: a própria globalização, a (já citada) abertura do mercado da década de 90, a redução do poder de compra das pessoas, o aumento da produção, do acesso à informação, e dos níveis de competitividade. Tal cenário pode ser melhor compreendido com as informações do quadro a seguir. 19 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS Quadro 1 – Fatores históricos influenciadores dos processos de gestão da qualidade Fator Consequência Globalização A perspectiva da globalização, tanto com relação à disputa do mercado externo quanto com relação à defesa do mercado interno, se transforma em fator imprescindível a ser considerado para elaboração de estratégias competitivas. Mercado regional Os mercados regionais (novos e já existentes) passam a ter sua importância ampliada. Novo perfil do consumidor A queda do poder de compra deixa o consumidor mais seletivo e mais exigente. Acesso à informação A maior oferta de acesso à informação, principalmente com as mídias sociais, amplia os níveis de concorrência, deixando o mercado mais competitivo. Para as empresas, a sobrevivência está diretamente relacionada à capacidade de criar diferenciais competitivos. Ou seja, a qualidade passa a ser um pré-requisito para a sobrevivência, pois somente a partir da consolidação dos processos de gestão da qualidade é que a empresa passa a ter condições para produzir diferenciais, mantendo-se, assim, viva no mercado. Essa visão consolida o entendimento de que “crises e mudanças são cenários ideais para forçar a transição das organizações de posições meramente operacionais para a dimensão estratégica” (PALADINI, 2009, p. 6). 1.1.2 Quais estratégias as empresas devem adotar para sobreviver e vencer em tempos de crise? Nas crises historicamente registradas identificamos organizações que se mantiveram vivas. Contudo, sobreviver a crises pode significar uma simples continuidade nas operações das empresas sobreviventes; uma continuidade, porém, com sequelas estruturais e produtivas, ou, ainda, com taxa de crescimento após a crise. A análise de casos de sucesso pode nos auxiliar na construção de referenciais estratégicos, evitando, inclusive, erros cometidos por outros no passado. Com base nas indicações de Paladini (2009), apresentamos a seguir algumas ações estratégicas possíveis: • Destacar conceitos de qualidade para nortear a atuação da organização no mercado, sempre com a expectativa de que tais conceitos estejam alinhados à realidade de tempo e espaço. • Promover o espírito da qualidade com posturas gerenciais sintonizadas com os conceitos da qualidade selecionados. • Estruturar tecnicamente a gestão da qualidade, partindo do projeto do produto ou do serviço. • Elaborar o processo de produção da qualidade de forma planejada. • Estabelecer políticas de qualidade ajustadas à realidade dos cenários (interno e externo), criando uma estrutura que contribua com a viabilização de tais políticas, incluindo a formação de um grupo de profissionais devidamente selecionado para esse fim. 20 Unidade I 1.1.3 Uma perspectiva da qualidade além da crise Como vimos anteriormente, qualidade é um termo que passou a fazer parte do vocabulário das organizações, independentemente de segmento de mercado, porte e tipo de empresa (públicas, privadas ou mesmo do terceiro setor). A principal diferença que observamos entre a forma de abordar a qualidade no início do século XX e a atual é que pensar em qualidade hoje está diretamente relacionado a entender as necessidades e os desejos dos clientes. Independentemente do porte da empresa, identificamos programas de qualidade e de melhoria de processos na maioria dos setores econômicos. Temos hoje a consciência de que não adianta mais fazermos os melhores produtos e termos os processos produtivos de nossas empresas certificados como de excelente qualidade se todo o resultado da nossa produção (ou seja, os produtos e serviços) não atende as expectativas do consumidor, o foco principal de todos os processos organizacionais. Alinhados a essa visão, Marshall Junior et al. (2007) observam também que o nível de competitividade das empresas, considerando consequentemente o desempenho de seus produtos e serviços, se encontra cada vez mais nivelado, apresentando características muito próximas e, em alguns casos, até mesmo similares. Em virtude dessa situação, as organizações devem buscar um alinhamento estratégico de objetivos com seus colaboradores, considerando que a qualidade hoje está associada à percepção de excelência nos serviços. Quando falamos em serviços, estamos falando intrinsicamente de pessoas, considerando, assim, que o componente humano (com suas características próprias de qualidade) representa atualmente um importante diferencial no mercado. Dessa forma, o desenvolvimento de competências e habilidades, por meio de programas de treinamento, pode ser considerado um exemplo de diferencial competitivo para as organizações. 1.2 Implicações gerenciais das múltiplas concepções da qualidade Segundo Marshall Junior et al. (2007), a gestão de qualidade é um tema dinâmico, sendo sua evolução fruto da interação dos diversos fatores que compõem a estrutura organizacional e sua administração. Para os autores, alguns fatores estruturais e certas tendências apontam para ciclos de vida e perfis quantitativos com influência decisiva nos paradigmas vigentes, pois criam desafios e transformações multidisciplinares na gestão organizacional, causando impactos surpreendentes na gestão da qualidade. Afetam a estruturação, a abrangência, os conceitos e o portfólio de competências, conhecimentos, habilidades, ferramentas, técnicas e metodologias; expandem as fronteiras atuais e interligam áreas do saber e de especialização em um novo conceito da qualidade, diversificado e holístico. Qualidade, para Marshall Junior et al. (2007), é um conceito espontâneo e intrínseco a qualquer situação de uso de algo tangível, a relacionamentos envolvidos na prestação de um serviço ou a percepções associadas a produtos de natureza intelectual, artística, emocional e vivencial. Ainda do ponto de vista desses autores, estamos frequentemente avaliando e sendo avaliados no ato de gerarmos ou recebermos os elementos que compõem a interação e os atos de consumo presentes em nossa vida. 21 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS Conforme Marshall Junior et al. (2007, p. 20), como conceito, conhece-se a qualidade há milênios, no entanto, para eles, só recentemente ela surgiu como função da gerência. Haja vista que, originalmente, tal função era relativa e voltada para a inspeção; hoje, as atividades relacionadas à qualidade se ampliaram e são consideradas essenciais para o sucesso estratégico. De acordo com os autores, as organizações são levadas a uma percepção dinâmica e ampliada da qualidade, sinalizando a integração com diversas outras áreas do conhecimento humano em função do tipo de produto gerado e das expectativas, das exigências e da maturidade dos clientes e consumidores, em sintonia com os interesses mercadológicos estabelecidos. Logo, com a ampliação da abrangência da qualidade nas atividades organizacionais,pode-se também perceber novas responsabilidades que são agregadas à área, como qualidade ambiental e qualidade de vida, ética e valores, conceitos hoje imprescindíveis e objetos de regulamentações nacionais e internacionais e de normas diversas. Isso demonstra a crescente conscientização da sociedade, que impõe demandas e exerce pressões complementares (MARSHALL JUNIOR et al., 2007). A partir da visão de Marshall Junior et al. (2007), observamos que a Gestão da Qualidade, para iniciar o cumprimento dos seus propósitos, deparou-se com uma primeira importante decisão a ser tomada: a seleção adequada dos conceitos para definição de qualidade. Definindo os conceitos, iniciamos o entendimento das características gerais e da estratégia de atuação da Gestão da Qualidade. Ao estabelecermos tais princípios, passamos a visualizar nas organizações as possíveis diretrizes que vão nortear as ações voltadas à produção, à manutenção e ao aperfeiçoamento da qualidade, assim como o papel e a responsabilidade de cada parte da estrutura organizacional voltada a esse fim. Dada sua relevância e abrangência, tais princípios devem ter consistência e solidez, considerando que serão adotados por todos os setores e pessoas. Logo, identificamos que o critério da escolha dos conceitos possui uma forte relação com a cultura da organização, a qual, por consequência, resultará na determinação dos princípios definidores para as práticas da Gestão da Qualidade. Nesta unidade do nosso livro-texto, estruturamos os princípios que orientarão as ações estratégicas da Gestão da Qualidade. Na sequência, relacionaremos e analisaremos vários conceitos da qualidade que apoiam tais princípios, definindo as diretrizes das ações organizacionais voltadas para a qualidade. 1.2.1 A dinâmica do conceito da qualidade e suas implicações gerenciais Segundo Marshall Junior et al. (2007), especialmente nas duas últimas décadas do século XX, além do seu viés tradicionalmente técnico, a qualidade passou efetivamente a ser percebida como uma disciplina de cunho estratégico. Para os autores, os princípios da gestão da qualidade total (GQT), disseminados a partir de 1950, foram enfim assimilados pela agenda estratégica do negócio, e o mercado passou a valorizar quem a possuía e a punir as organizações hesitantes ou focadas apenas nos processos clássicos de controle da qualidade. As legislações de defesa do consumidor, acrescentam Marshall Junior et al. (2007), além de normas internacionais amplas e aplicáveis na cadeia de interação cliente-fornecedor, como a família ISO 9000, transformaram definitivamente o escopo da qualidade, consolidando-a em todos os aspectos dos negócios. 22 Unidade I Observação A norma ISO 9000 define os fundamentos utilizados como base para a família ISO 9000 e favorece entendimento dos componentes básicos do sistema de Gestão da Qualidade descrito nas normas ISO. A essência da abordagem estratégica da qualidade foi resumida de modo muito simples em um relatório da Sociedade Americana de Controle da Qualidade (MARSHALL JUNIOR et al., 2007), conforme exposto na sequência: • Não são os fornecedores do produto, mas aqueles para quem eles servem (clientes, usuários e aqueles que os influenciam ou representam), que têm a última palavra quanto a até que ponto um produto atende às suas necessidades e satisfaz suas expectativas. • A satisfação relaciona-se com o que a concorrência oferece. • A satisfação, relacionada com o que a concorrência oferece, é conseguida durante a vida útil do produto, e não apenas na ocasião da compra. • É preciso um conjunto de atributos para proporcionar o máximo de satisfação àqueles a quem o produto atende. Podemos, portanto, observar que, na prática, o conceito de qualidade sofre constantes mudanças e adequações. Sendo assim, a necessidade de as organizações se manterem atualizadas em relação a essa dinâmica torna-se explícita quando observamos a utilização de termos como concepção moderna da qualidade ou, ainda, qualidade em uma perspectiva contemporânea. Isso porque organizações e pessoas, ao longo do tempo e conforme a mudança de contexto, vão descartando conceitos de qualidade considerados obsoletos e inadequados. Vale lembrar que quanto maior o nível de competitividade de um segmento de mercado (indústria ou setor), maior será a atenção e a dependência em relação ao acompanhamento das variações do conceito de qualidade. Essa questão é reforçada por Deming (1990) ao descrever três faces da qualidade relacionadas às necessidades de decisão por parte da administração e do consumidor: - Decisão da administração sobre as especificações das características de qualidade (das peças, do produto final, do desempenho, dos serviços) a serem oferecidos hoje. - Decisão da administração sobre planejar ou não, com antecedência, um produto ou serviço para o futuro. - Julgamento do consumidor sobre o produto ou serviço oferecido pela empresa (DEMING, 1990, p. 124). 23 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS Segundo Paladini (2009), a dependência do conceito de qualidade em relação à contemporaneidade é um dos fatores que inquieta os atores dos setores produtivos, principalmente aqueles com maior perfil competitivo. Para o autor, a busca pela definição mais atual e adequada do conceito de qualidade demanda competência, persistência e flexibilidade constante, sem esquecer de um toque de agressividade e da busca permanente pela originalidade. Contudo, para Paladini (2009) existem duas situações em que se observa mais claramente a mudança do conceito de qualidade. A primeira refere-se à natureza do conceito. Podemos considerar, por exemplo, que: A variedade de cores já foi considerada como qualidade do produto “tinta”. Hoje, tonalidades específicas, diferenciadas, ainda que em menor número, podem ser mais adequadas ao gosto do mercado. A segunda situação envolve o alcance do conceito. Tempos atrás, bom preço e boa qualidade eram características mutuamente exclusivas de um produto. Algo do tipo: “o que é branco não presta”; “o que é bom é caro” (PALADINI, 2009, p. 11). Hoje, porém, sabemos que o preço se coloca como um fator de diferenciação do produto em relação à concorrência direta; sua definição estratégica acaba sendo baseada em uma perspectiva de aceitação pelo público consumidor. Em seguida, busca-se a adequação dos custos do processo produtivo, visando à manutenção da lucratividade. Sendo assim, o ideal de qualidade passou a abranger estratégias que interferem diretamente nos preços de venda e nos custos de produção tanto de produtos como de serviços. Segundo Paladini (2009), atualmente percebemos influências mais significativas relacionadas à visão da qualidade por parte do mercado consumidor, como: a busca de um produto (ou serviço) que seja visto como de maior conveniência pelo cliente; que produza a sensação de bem-estar e conforto; que venha a atender a expectativas, gostos e desejos do seu público-alvo. Ou seja, qualidade não significa mais a simples diferença que define o julgamento entre aquilo que serve e o que não serve. 1.2.2 As concepções da qualidade na visão popular A perspectiva da qualidade tomou conta do diálogo na vida cotidiana, o que acabou produzindo uma dinâmica de readequação permanente do conceito, tanto na base de sua constituição quanto na abrangência de sua aplicação. Observamos também que o grau de sua aplicação apresenta uma certa complexidade pelo fato de possuir simultaneamente duas dimensões: a técnica e a popular. E, conforme Paladini (2009), em decorrência do uso comum, fica claro que qualidade não é um termo empregado em contextos bem definidos, situações bem particularizadas ou momentos próprios; ao contrário disso, o autor entende que qualidade faz parte do dia a dia das pessoas e, por isso, é empregado nas mais diversas situações. O fato de ser de uso comum não implica uma questão prejudicial ao desenvolvimento técnico e estratégico de ações relacionadas à qualidade. Inclusive,torna-se importante o entendimento de que a 24 Unidade I dinâmica de popularização do uso do termo possui forte influência justamente das ações de marketing praticadas pelas empresas visando destacar diferenciais de produtos e serviços em um mercado altamente competitivo. Em consequência disso, a dificuldade, então, segundo Paladini (2009), baseia-se no fato de os conceitos usados para definir qualidade nem sempre serem corretos do ponto de vista técnico, estando, na verdade, frequentemente incorretos. Apesar da afirmação de Paladini, não podemos deixar de considerar que, por mais tecnicamente incorreto que o conceito popular de qualidade possa parecer, o fato é que é a partir de tal percepção (da qualidade) que o consumidor acaba definindo sua decisão de compra, e que, com o aumento considerável do nível de informação e esclarecimento dos clientes, temos também uma tendência de aproximação entre os conceitos popular e técnico de qualidade. Porém, tratando-se de um termo de domínio público, Paladini (2009) coloca que não há como impor condições de contorno para definir qualidade, por isso, é compreensível, segundo ele, que haja tanta imprecisão e ocorram tantos desvios na definição usual do conceito. Observação O comportamento do consumidor, considerado uma ciência aplicada que utiliza conhecimentos de economia, psicologia, sociologia, antropologia, estatística e outras disciplinas, está diretamente relacionado à percepção popular da qualidade (BLACKWELL, MINIARD e ENGEL, 2005, p. 22). 1.2.3 A visão popular da qualidade e suas consequências na Gestão da Qualidade Quando qualidade é definida sem um critério técnico, equívocos podem ocorrer e gerar consequências que devem ser monitoradas pela Gestão da Qualidade. Cabe à essa área entender que as diferentes formas que as pessoas utilizam para definir qualidade passam a ser referenciais considerados no desenvolvimento de estratégias visando atingir o mercado consumidor. Um entendimento equivocado de qualidade pode produzir consequências gerencias desastrosas para as organizações, impactando decisivamente nos níveis de competitividade. A seguir, com base em Paladini (2009), são apresentados alguns exemplos desses entendimentos equivocados. Para estruturar de forma a permitir uma visão comparativa ao leitor, os exemplos foram dispostos de acordo com os itens: visão popular da qualidade, consequência da visão popular e interpretação técnica da visão popular. Lembrete Vale repetir que a percepção de qualidade por parte do consumidor tem papel primordial na sua decisão de compra, por mais tecnicamente inadequada que ela possa parecer ao profissional da área. 25 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS Exemplo 1 • Visão popular da qualidade: a qualidade está nos produtos ou serviços que possuem preços altos. • Consequência da visão popular da qualidade: pode-se criar uma percepção de impossibilidade de lucratividade com produtos ou serviços destinados a uma classe com menor poder aquisitivo. Pode parecer não ser interessante investir na melhoria da qualidade desses produtos ou serviços, o que pode ter como consequência a perda de segmentos relevantes de consumidores. • Interpretação técnica da visão popular: a identificação da qualidade com produtos ou serviços de preços altos pode derivar da utilização e consequente constatação de tal utilização de insumos (matérias-primas) selecionados e aplicação de alta tecnologia na sua produção. Exemplo 2 • Visão popular da qualidade: a qualidade significa perfeição. • Consequência da visão popular da qualidade: o entendimento que a qualidade em determinado produto ou serviço atingiu a perfeição e, por consequência, nada mais precisa ser mudado. O conceito de qualidade, nesse caso, se mostra limitado e restrito. • Interpretação técnica da visão popular: a perfeição pode ser interpretada tecnicamente como ausência de defeitos no produto ou no serviço prestado. Exemplo 3 • Visão popular da qualidade: a qualidade é uma questão particular, cada indivíduo possui uma percepção exclusiva do conceito de qualidade. • Consequência da visão popular da qualidade: fica inviável a definição de uma estratégia abrangente para Gestão da Qualidade, considerando a falta de informações para classificar as diversas visões de cada consumidor relacionadas a cada produto ou serviço. • Interpretação técnica da visão popular: a subjetividade na identificação dos aspectos da qualidade relacionada a cada consumidor evidencia uma constatação técnica sobre a particularidade de gosto, desejos, expectativas, exigências e visão de mundo. Exemplo 4 • Visão popular da qualidade: a qualidade significa um processo produtivo eficiente e eficaz. Está relacionada também à capacidade de produção de qualquer bem ou serviço com base em um projeto definido para tal. 26 Unidade I • Consequência da visão popular da qualidade: essa visão acaba limitando a perspectiva de qualidade, uma vez que se restringe ao processo produtivo, deixando em segundo plano a adequação do projeto e, consequentemente, do produto ao consumidor final. • Interpretação técnica da visão popular: a qualidade está relacionada a um projeto adequado às características do produto desejadas pelo consumidor. Ou seja, capacidade de fabricar, habilidades e competências para produzir. Exemplo 5 • Visão popular da qualidade: o entendimento de que qualidade nunca muda, ou, ainda, o pensamento de que produto de qualidade é aquele que dura para sempre. Trata-se de uma visão de certa forma ultrapassada, porém ainda defendida por leigos que utilizam como referência produtos que estão no mercado há muito tempo, como o refrigerante Coca-Cola, o queijo Catupiry etc. • Consequência da visão popular da qualidade: a percepção de que qualidade é um conceito vitalício, que não se altera, e que quando um produto atinge esse estágio jamais retrocederá, terá qualidade para sempre. Tal visão acaba desconsiderando um dos principais conceitos relacionados à Gestão da Qualidade, o de aperfeiçoamento contínuo. • Interpretação técnica da visão popular: a qualidade pode, de fato, parecer eterna. A sua percepção se mantém constante em relação a certos produtos ou serviços a partir do momento que conquistam uma confiança “emocional” do consumidor. Exemplo 6 • Visão popular da qualidade: o conceito de qualidade se aproxima de algo irreal e subjetivo, o que impossibilita uma definição concreta para o termo. • Consequência da visão popular da qualidade: a qualidade se torna um objetivo impossível de ser atingido em termos práticos, pois está distante da realidade, habitando apenas o imaginário das pessoas. Tal percepção tende a gerar um processo de acomodação tanto do mercado consumidor quanto dos agentes produtores da qualidade, por ambos considerarem qualidade como um objetivo apenas imaginário e, portanto, inatingível. • Interpretação técnica da visão popular: existe algo de fato no conceito de qualidade relacionado a uma abstração, pois nem sempre os clientes definem com objetividade suas preferências e suas necessidades. Exemplo 7 • Visão popular da qualidade: a qualidade relacionada a condições mínimas de operação. É um eletrodoméstico que, se simplesmente liga e começa a funcionar, é considerado como de boa qualidade. 27 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS • Consequência da visão popular da qualidade: quando um produto atende a pré-requisitos básicos, dentro de uma gama de expectativas, acaba criando algum nível de satisfação para o consumidor. • Interpretação técnica da visão popular: qualidade pode ser conceituada como padrões mínimos de funcionamento, principalmente para os casos de produtos com baixo grau de complexidade, como um copo de vidro. Exemplo 8 • Visão popular da qualidade: a qualidade pode significar ou estar relacionada à um departamento dentro da organização, o qual justamente é responsável pela Gestão da Qualidade. • Consequência da visão popular da qualidade:essa visão pode criar o pensamento de que só especialistas são responsáveis pela qualidade, cabendo apenas a eles cuidar da gestão da qualidade. • Interpretação técnica da visão popular: o conceito de qualidade pode ser identificado com as pessoas que gerenciam sua produção, por elas estarem relacionadas aos parâmetros e às ações de Gestão da Qualidade. Exemplo 9 • Visão popular da qualidade: a qualidade está relacionada a diversidade, ou seja, produtos com diversas formas, estilos, modelos etc. são considerados com qualidade. • Consequência da visão popular da qualidade: a qualidade é o mesmo que diversidade. Assim, o consumidor busca um portfólio de opções de características em cada produto e, com essas opções, o produto pode ser avaliado com qualidade. • Interpretação técnica da visão popular: de fato, observamos diversidade na definição de qualidade. Tal diversidade significa maiores possibilidades de atendimento a necessidades por parte dos consumidores. Exemplo 10 • Visão popular da qualidade: a qualidade pode significar luxo e sofisticação, e só é exigida por quem pode pagar por ostentação, esplendor ou suntuosidade. • Consequência da visão popular da qualidade: a lucratividade só vem de produtos que atendam segmentos de mercado com maior poder aquisitivo. • Interpretação técnica da visão popular: o fato de a qualidade ser relacionada à sofisticação demonstra que certo grau de requinte pode ser traduzido como diferenciação. 28 Unidade I Exemplo 11 • Visão popular da qualidade: a qualidade está relacionada a marcas que se destacam por serem reconhecidas pelo mercado. • Consequência da visão popular da qualidade: todo investimento em qualidade pode estar relacionado ao destaque da marca no mercado. Por consequência, as marcas tornam-se conhecidas consolidando-se pelo reconhecimento do consumidor. • Interpretação técnica da visão popular: quando a qualidade é relacionada a marcas reconhecidas no mercado, tecnicamente associamos qualidade a tal reconhecimento, pois sua consolidação significa superação de exigências impostas pelos consumidores. 1.2.4 Falhas críticas nas ações que compõem a Gestão da Qualidade Apresentarmos perspectivas julgadas tecnicamente equivocadas e, em seguida, associarmos a elas visões particulares de grupos de consumidores a respeito do entendimento do que é qualidade pode parecer contraditório. Porém, observamos que a imaginação do consumidor sobre o significado de qualidade não corresponde necessariamente a um equívoco, mas as consequências podem, sim, gerar falhas no processo de Gestão da Qualidade, as quais, por sua vez, podem interferir na produtividade e na lucratividade das organizações. As consequências relacionadas aos equívocos na interpretação da visão popular sobre qualidade, que se demonstram ofensoras do desempenho dos resultados esperados, devem ser tratadas e seus efeitos atenuados com a máxima brevidade possível. Para isso, torna-se inevitável um constante acompanhamento de tais ocorrências. Contudo, vale ressaltar que devemos evitar assumir dois extremos nos processos de Gestão da Qualidade. Nessa escala, de um lado colocamos a visão relacionada à priorização de um único conceito para definir qualidade (e, a partir daí, produzir ações voltadas à criação, à manutenção e à melhoria da qualidade); do outro lado da escala, colocamos o entendimento da inexpressividade do tema qualidade, por acreditar ser de baixa representatividade e de pouco impacto na criação de uma estratégia competitiva para organização. Os dois extremos dessa escala, quando considerados no processo de elaboração da estratégia organizacional (principalmente no que tange à política da qualidade), devem ser evitados, pois conduzem a falhas críticas nas ações que compõem a Gestão da Qualidade. Quando, por exemplo, a concepção da qualidade fica condicionada a apenas uma característica do produto ou serviço, por mais que tal característica represente de fato um diferencial competitivo, podemos julgar como limitado o entendimento de que o consumo desse produto ou serviço, por parte do mercado consumidor, se dá especificamente por essa razão. Um outro exemplo de equívoco na concepção da qualidade que pode comprometer o resultado da Gestão em uma organização acontece quando um produto se diferencia no mercado em função de uma determinada característica, e, pelo sucesso conquistado, a organização assume que, se todos os 29 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS seus produtos possuírem a mesma característica, o sucesso perante os consumidores estará garantido. Tal interpretação pode levar ao desenvolvimento de uma estratégia equivocada de concentração de investimentos na implantação da mesma característica no portfólio de produtos da organização. Podemos acrescentar também que a precariedade da percepção dos fatores considerados críticos para o consumidor para avaliar o produto ou serviço como de qualidade se mostra um equívoco estratégico por parte da organização. Isso porque a não atenção para elementos considerados pelo consumidor como diferenciais perceptivos da qualidade pode levar a uma redução na capacidade competitiva e, consequentemente, frustação em relação aos resultados esperados. Resta aqui um alerta de grande importância para todo o processo de Planejamento e Gestão da Qualidade, o qual se resume na constatação de que os prejuízos causados pelas visões equivocadas a respeito do conceito de qualidade resultam em falhas na gestão que podem ser irreparáveis. Vale lembrar aqui o pensamento de Theodore Levitt (1925-2006): Toda grande indústria foi, um dia, uma indústria em crescimento. Porém, algumas que estão hoje numa onda de entusiasmo de crescimento estão muito próximas da sombra do declínio. Outras, consideradas como indústrias de crescimento moderado, na verdade pararam de crescer. Em todos os casos, a razão pela qual o crescimento é ameaçado, desacelerado ou detido, não é a saturação do mercado. A razão é uma falha da administração (LEVITT, 1991, p. 147). 1.2.5 Assim como não se muda uma cultura de uma hora para outra, também não o fazemos com conceitos de domínio público Como vimos, a Gestão da Qualidade deve trilhar o seu caminho partindo de algumas constatações científicas. Uma delas refere-se ao entendimento de que o conceito de qualidade de domínio público é algo construído com o tempo e possui certa durabilidade. Esse entendimento pode ser melhor compreendido a partir da definição de cultura da antropologia, e, para tal nos basearemos no pensamento do antropólogo Clifford Geertz (1926-2006). Ao afirmar que “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” (GEERTZ, 2008, p. 4), o autor assume a cultura como sendo essas teias construídas ao longo da história, na qual estão inseridos valores, crenças e costumes, assim como o conceito popular de qualidade. Portanto, a mudança da estrutura constitutiva da cultura demandará tempo, e só o próprio homem poderá realizá-la. A partir de tal visão e entendendo que a percepção popular da qualidade faz parte das características culturais de uma sociedade, cabe, em primeira instância, desenvolvermos nossa capacidade de interpretação dessa visão e não simplesmente acreditarmos que com uma campanha de marketing, por mais eficiente que seja, promoveremos mudanças imediatas no conceito popular de qualidade. Deve-se fazer um alerta para não confundirmos possíveis resultados satisfatórios em campanhas de marketing com mudanças no conceito de qualidade conquistadas pela propaganda. A propaganda gera 30 Unidade I o impulso de compra, mas somente a experiência satisfatória, ou ainda, a superação das expectativas do consumidor, criadas a partir das campanhas promocionais de produtos e serviços, iniciam um processo de mudança conceitual popular de qualidade. Em sintonia com a visão antropológica de Geertz, o pensamento de Paladini (2009) coloca que não se mudam conceitos que são de domínio público de umahora para outra. Acrescenta ainda que essa falta de entendimento das concepções de qualidade acaba por gerar perdas de boas oportunidades para a empresa. Um exemplo seria o fato de muitas pessoas entenderem qualidade como a inexistência de defeitos no produto ou no serviço. Nesse caso, toma-se como estratégia de gestão da qualidade o empenho de esforços concentrados na melhoria dos processos produtivos, visando à eliminação de problemas causados pela má fabricação e associando a essa estratégia a oferta de produtos com maior prazo de garantia. Entender e aceitar que a percepção popular da qualidade não muda simplesmente com o passar do tempo significa também, conforme Paladini (2009), entender que boa parte dos consumidores atribui qualidade a algo que tende a nunca sofrer alteração, demostrando, assim, a relevância de a Gestão da Qualidade estabelecer prioridade a partes ou itens de produtos que historicamente são vistos como essenciais do ponto de vista prático ou emocional. Como exemplo, pode-se citar o Requeijão Catupiry, que, segundo o website do fabricante, teve seu processo de fabricação iniciado em 1911 pelo casal de imigrantes italianos Mário e Isaíra Silvestrini, na estância hidromineral de Lambari, em Minas Gerais. Em 1934, foi aberta no bairro da Barra Funda, em São Paulo, a primeira fábrica do requeijão, onde atualmente fica sua matriz. Embora Catupiry não seja um tipo de requeijão, em razão de sua popularidade a palavra passou a ser sinônimo de um requeijão muito cremoso e com pouca acidez, usado como complemento em variadas receitas da culinária brasileira, além de pizzas, pastéis e sobremesas. O site do fabricante ainda esclarece que, nas décadas de 20 a 80, a embalagem era uma caixinha redonda com tampa, feita artesanalmente, uma a uma, de uma folha fina de madeira. Já na década de 1990, a embalagem passou a ser de plástico, e apareceram as bisnagas e os baldes vendidos comumente às pizzarias. Atualmente, o Requeijão Catupiry, inventado em Minas Gerais e pioneiro no segmento, está presente em diversos países. Figura 2 – O requeijão Catupiry é uma marca presente em diversos países Disponível em: https://bit.ly/3mfxqvg. Acesso em 3 jun. 2022. 31 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS O caso do Requeijão Catupiry nos mostra que um produto aceito e avaliado pelo consumidor desde 1911 foi mantido pelo seu fabricante. Já sua embalagem sofreu mudanças para passar uma imagem de inovação e modernidade. Segundo Paladini (2009), a mudança de itens complementares pode constituir uma estratégia de fixação do produto no mercado. Como pudemos observar, a falta de entendimento das concepções populares da qualidade pode gerar como consequência o desperdício de oportunidades para a melhoria da rentabilidade das empresas. Acrescentamos a seguir mais alguns exemplos relevantes. Exemplo 1 O fato de um grupo de consumidores não conseguir definir com objetividade quais são seus reais interesses e necessidades pessoais. Cria-se a partir dessa constatação uma importante oportunidade para a Gestão da Qualidade produzir dispositivos que influenciem o mercado, potencializados (os dispositivos) por campanhas promocionais elaboradas com fins estratégicos para “alterar referências, criar necessidades, ampliar expectativas” (PALADINI, 2009, p. 20). O autor acrescenta que muitas pesquisas garantem que 85% dos consumidores escolhem o que vão comprar no ato da compra. Sendo assim, uma vitrine devidamente organizada pode gerar o impulso da compra de um produto além daquele que o consumidor iria comprar inicialmente. Obviamente, considerando também que esse ambiente favorável à concretização da venda demandará uma postura proativo do vendedor. Exemplo 2 Como segundo exemplo, partimos dos aspectos subjetivos da percepção da qualidade, os quais devem ser tratados no sentido de buscarmos a criação de meios que minimizem tal subjetividade na percepção e facilitem a decisão do cliente, como é o caso de fabricantes que, entendendo as expectativas imaginárias do consumidor, providenciam a inclusão de itens ou características objetivas em seus produtos ou serviços, dando, assim, um sentido mais concreto para ele, de forma a influenciar diretamente na sua decisão de compra. Exemplo 3 Assumindo uma perspectiva técnica, principalmente no que tange aos processos produtivos e operacionais dentro de uma visão mais abrangente, percebemos uma tendência de as organizações inserirem nas suas estruturas um departamento específico para tratar da Gestão da Qualidade. Longe, nesse caso, de entendermos que tal atitude venha a significar a ideia de que todas as ações relacionadas à qualidade possam estar concentradas exclusivamente nessa área, o pensamento estratégico da qualidade interpreta tal ação como a criação de um setor técnico que, com o domínio das informações e ferramentas da qualidade, assume o papel de difusor do espírito da qualidade para toda a organiza 32 Unidade I Exemplo 4 A capacidade de produção da organização influencia diretamente os resultados da qualidade. Sendo assim, os fatores que definem esse resultado devem ser objeto de atenção da Gestão da Qualidade. Por exemplo, um parque fabril com equipamentos atualizados e em perfeito estado de funcionamento, uma equipe profissional qualificada e em constante processo de atualização de conhecimento, ou, ainda, o foco na certificação de fornecedores (com o objetivo de garantir a qualidade na cadeia produtiva) e a busca permanente do aperfeiçoamento dos métodos e políticas de trabalho. A priorização desses fatores pode ser constatada quando empresas fabricantes indicam clientes já atendidos para serem consultados por clientes em potencial. Uma outra ação também pode ser constatada quando restaurantes separam suas cozinhas do ambiente de atendimento aos clientes por paredes de vidro transparente, permitindo, assim, que estes acompanhem o processo de preparação dos alimentos. Quando isso não é possível, pode-se manter uma placa, em caráter permanente, convidando os clientes a visitar sua cozinha (esta última ação, aliás, é uma determinação legal). Na contramão dessa visão estratégica, observamos que algumas empresas desconhecem ou simplesmente ignoram tais preceitos voltados à Gestão Estratégica da Qualidade, como o constatado por meio da matéria de Lenharo e Capitelli, no site do Estadão em 13 de fevereiro de 2011, o qual apresentava a chamada “Visite nossa cozinha: um convite pouco usado”, e como complemento: “Embora direito seja assegurado por legislação municipal, restaurantes veem como ‘extraterrestres’ consumidores que decidem fazer a vistoria”. A matéria ainda continha: É lei municipal: o cliente tem direito de visitar a cozinha dos restaurantes de São Paulo. Mas quem pede para dar uma olhada é visto como corpo estranho pelos funcionários dos estabelecimentos. Foi o que constatou a reportagem na semana passada, ao se identificar como consumidor em sete restaurantes e solicitar a inspeção nas instalações (LENHARO; CAPITELLI, 2011.). Exemplo 5 Observamos também que muitos consumidores associam qualidade com a variedade de opções para um produto ou serviço. Tal associação está relacionada à ideia de que, quando uma empresa estrategicamente acrescenta ao seu produto ou serviço uma gama maior de opções, ela amplia de imediato o número total de clientes atendidos (por ter suas necessidades e desejos atendidos na expansão de tais características). Como exemplo, podemos citar os refrigerantes que são oferecidos em diferentes versões, como é o caso da Coca-Cola com suas versões Zero, Light e Life, além da tradicional. 33 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE E DE PROCESSOS Figura 3 – Garrafas de Coca-Cola Disponível em: https://bit.ly/3GNu9MS. Acesso em: 3 jun. 2022. A) Sabão em pó B) Sabão líquido Figura 4 – Também podemos citar o caso dos fabricantes de sabão em pó que oferecem
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