Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
119 IN T R O D U Ç Ã O O s term o s “d o ença” e “enferm id ad e” são usad o s p o r antro p ó lo go s m éd ico s p ara descrever as diferentes perspectivas da saúde debilitada por parte de m édicos e seus p acientes. A d istinção analítica entre o s d o is term o s já fo i em p reend id a p o r vário s auto res (Fo x 1968; Fab rega 1973, 1975; E isenb erg 1977; C assell 1978; K leinm an e t a l. 1978; K leinm an 1980); aind a sim , eles não são entid ad es sep arad as, m as co nceito s o u m o d elo s exp licativo s q ue, em certa m ed id a, se so b rep õ em . C o m o E isenb erg no to u, tais m o d elo s são fo rm as d e co nstruir a realid ad e, d e im p o r sentid o so b re o cao s d o m und o feno m eno ló gico . N o caso d a saúd e d eb ilitad a, o s m o d elo s explicativos que os pacientes usam para explicar o que aconteceu e que determ inam seu co m p o rtam ento talvez tenham p o uca relação co m aq ueles d a p ro fissão m éd ica (S no w e Jo hnso n 1977; H elm an 1978, 1980; K leinm an e t a l. 1978; S no w e t a l. 1978; B laxter e P aterso n 1980); isto talvez guard e im p o rtantes im p licaçõ es clínicas. D O E N Ç A (D IS E A S E ) N o paradigm a científico da m edicina m oderna, doença se refere às anorm alidades da estrutura e função dos órgãos e sistem as corporais (Eisenberg 1977). D oenças são as cham adas entidades patológicas que com põem o m odelo m édico de saúde debilitada, co m o d iab etes e tub erculo se, e q ue p o d em ser esp ecificam ente id entificad as e descritas pela referência a certa evidência biológica, quím ica ou outra. D e certa form a, d o enças são vistas co m o “co isas” ab stratas o u entid ad es ind ep end entes q ue têm propriedades específicas e um a identidade recorrente em qualquer configuração em q ue p o ssam ap arecer. Isto é, assum e-se q ue elas sejam universais em sua fo rm a, p ro gresso e co nteúd o . A etio lo gia, sinto m as e sinais, histó ria natural, tratam ento e Doença versus Enferm idade na Clínica Geral 1 C ecil G . H elm an C línico G eral, Stanm ore, M iddlesex, pesquisador assistente honorário em Antropologia, U niversidade de C ollege, Londres C am pos 10(1):119-128, 2009. 120 C ecil G . H elm an TRADUÇÃO p ro gnó stico são co nsid erad o s co m o sim ilares em q ualq uer ind ivíd uo , cultura o u grup o em q ue o co rram (Fab rega 1973; E isenb erg 1977; C assell 1978; K leinm an 1980). A universalid ad e d a fo rm a d e um a d o ença está relacio nad a com as definições do m odelo m édico de saúde e norm alidade. Em m uitos casos, assum e-se que a norm alidade pode ser d efinid a p ela referência a certo s p arâm etro s físico s e b io q uím ico s, co m o altura, p eso , nível d e hem o glo b ina, co ntagem sanguínea, nível d e eletró lito s e ho rm ô nio s, p ressão sanguínea, ritm o card íaco e assim p o r d iante. P ara cad a m ed id a, há um a faixa num érica d entro d a q ual o ind ivíd uo é saud ável e no rm al. D o ença é freq uentem ente vista co m o um d esvio d estes valo res no rm ais e aco m p anhad a p o r ano rm alid ad es na estrutura o u função d o s ó rgão s o u sistem as co rp o rais. A sp ecto s d a p erso nalid ad e, co m o a inteligência, tam b ém p o d em ser q uantificad o s d entro d e um a faixa num érica d e no rm alid ad e, co m o o s testes d e Q I. P o r exem p lo , o m o d elo d e d o ença p ressup õ e q ue a d iab etes em um p aciente d e M anchester é a m esm a d iab etes em um ho m em d e um a trib o d a N o va G uiné. E nq uanto seus níveis d e glico se no sangue p o d em ser id êntico s, o significad o d e d o ença p ara o s p acientes e as estratégias q ue eles ad o tam p ara lid ar co m ela p o d em ser m uito d iferentes no s d o is caso s. O m o d elo d e d o ença não co nsegue lid ar co m tais fato res p esso ais, culturais e so ciais d a saúd e d eb ilitad a, q ue são m elho r p erceb id o s a p artir d a p ersp ectiva d a enferm id ad e. E N F E R M ID A D E (ILLN E S S ) C assell (1978) usa “enferm id ad e” co m o “o q ue o p aciente sente q uand o ele vai ao m éd ico ” e “d o ença” co m o “o q ue o p aciente tem ao vo ltar p ara casa d o co nsultó rio m éd ico . D o ença, então , é algo q ue um ó rgão tem ; enferm id ad e é algo q ue um ho m em tem ”. E nferm id ad e se refere à resp o sta sub jetiva d o p aciente ao fato d e não estar b em ; co m o ele e aq ueles ao seu red o r p erceb em a o rigem e o significad o d esse evento ; co m o isso afeta seu co m p o rtam ento o u relacio nam ento s co m o utras p esso as; e o s p asso s q ue ele to m a p ara rem ed iar essa situação (E isenb erg 1977; K leinm an e t a l. 1978, 1980). E nferm id ad e inclui não so m ente sua exp eriência d e saúd e d eb ilitad a, m as o significad o q ue ele co nfere àq uela exp eriência. E nferm id ad e, p o rtanto , é a p ersp ectiva d o p aciente so b re sua saúd e d eb ilitad a, a p ersp ectiva q ue é m uito d iferente d o m o d elo d e d o ença. E la d ep end e d e um núm ero d e fato res. Fo x (1968) no to u q ue: “as p articularid ad es e nuances d o significad o em o cio nal d e um a enferm id ad e p ara um ind ivíd uo e a natureza d e sua resp o sta afetiva ao seu estad o e sinto m as são p ro fund am ente influenciad o s p elo seu b a c k g ro u n d so cial e cultural, assim co m o p elo s seus traço s d e p erso nalid ad e”. A té m esm o resp o stas p ara sinto m as físico s, co m o a d o r, p o d em ser influenciad as p elo s fato res so ciais e culturais (Z b o ro w ski 1952); estes fato res p o d em , p o r sua vez, afetar a ap resentação d o s sinto m as e d o co m p o rtam ento d o p aciente e sua fam ília (G uttm acher e E linso n 1971; C hrism an 1977). M O D E LO S P O P U LA R E S D E E N F E R M ID A D E A s teorias populares sobre as causas da saúde debilitada são parte de m odelos conceituais m uito m ais am plos usados p ara exp licar a info rtúnio em geral (Fab rega 1973; H elm an 1980). E nferm id ad e é ap enas um a fo rm a esp ecializad a 121 TRADUÇÃO D o ença versus E nferm id ad e na clínica geral d e info rtúnio o u m á so rte d entro d esse m o d elo m aio r. A ssim , ela co m p artilha d as d im ensõ es p sico ló gicas, m o rais e so ciais asso ciad as co m o utras fo rm as d e ad versid ad e, esp ecialm ente ao resp o nd er à p ergunta: “P o r q ue isso aco nteceu co m igo ?”. D iante d e um ep isó d io d e saúd e d eb ilitad a, p acientes tentam exp licar o q ue aco nteceu, p o r q ue aco nteceu e d ecid ir o q ue fazer a esse resp eito . A fo rm a d a enferm id ad e e o co m p o rtam ento d o p aciente – e d aq ueles ao seu red o r – d ep end erão d as resp o stas d ad as às seis p erguntas seguintes: O q ue aco nteceu? P o r q ue aco nteceu? P o r q ue co m igo ? P o r q ue ago ra? O q ue aco nteceria se nad a fo sse feito a resp eito ? O q ue eu d everia fazer so b re isso – o u q uem eu d everia co nsultar em b usca d e ajud a? C o m o as p erguntas são resp o nd id as e o co m p o rtam ento q ue se segue co nstituem um “m o d elo p o p ular d e enferm id ad e”. N ão há som ente um m odelo popular, m as m uitos deles. D e certa form a, cada paciente tem seu próprio m odelo leigod e so frim ento e o q ue fazer so b re a m esm o , em b o ra um m o d elo p o p ular p articular p o ssa ser co m p artilhad o p o r um a fam ília, um a área o u um grand e grup o d e p esso as (S no w e Jo hnso n 1977; H elm an 1978). C hrism an (1977) e D ingw all (1977) ap o ntam q ue tais m o d elo s fo lk – m esm o q ue b asead o s em p rem issas cientificam ente falsas – p o d em ter um a ló gica e co erência internas e d evem ser levad o s a sério p elo clínico p o r serem as fo rm as co m as q uais o p aciente tenta d ar sentid o e lid ar co m a sua saúd e d eb ilitad a no s term o s d e sua p ró p ria visão d a realid ad e. A s resp o stas às seis p erguntas d eterm inam co m o essa m á saúd e é interp retad a e co m o se lid a co m ela. P o r exem p lo : 1. O q u e a c o n te c e u ? “E u p eguei um a grip e”. Isso inclui no m ear a co nd ição o u lhe atrib uir um a id entid ad e d entro d o q uad ro leigo d e referências e aninhad o em seu p ró p rio vo cab ulário . M esm o q ue term o s em p restad o s d o m o d elo m éd ico (co m o “vírus”) sejam usad o s p elo s p acientes, p o d em ser co nceitualizad o s d e um a fo rm a d iferente (H elm an 1978). 2, 3 e 4. P o r q u e a c o n te c e u ? P o r q u e c o m ig o ? P o r q u e a g o ra ? “P o rq ue eu saí na chuva d ep o is d e um b anho q uente, q uand o eu estava m e sentind o p ara b aixo ”. Isto inco rp o ra teo rias leigas d e etio lo gia b asead as em crenças sobre a causação da enferm idade e a estrutura e funcionam ento do corpo hum ano. Fisher (1968) e S now e Johnson (1977) notaram que as crenças populares sobre o corpo podem ter pouca relação com aquelas da profissão m édica. C hrism an (1977) o b serva q uatro catego rias co m uns d e etio lo gia d entro d o m o d elo p o p ular d e enferm id ad e: In v a s ã o, co m o um “germ e”, “câncer”, “algum a co isa q ue eu co m i” o u a intrusão d e um o b jeto ; D e g e n e re s c ê n c ia, co m o “estar m o íd o ” o u acum ulação d e “to xinas”; M e c â n ic o, co m o “b lo q ueio ” d o trato gastro intestinal o u d as artérias; B a la n ç o, com o m anter “um a dieta apropriada”, “vitam inas suficientes”, “sono suficiente”, assim com o m anter a harm o nia na vid a e no s relacio nam ento s d o p aciente. 122 C ecil G . H elm an TRADUÇÃO E stas quatro categorias etiológicas tendem a se sobrepor. H á, usualm ente, um c o n tin u u m das crenças leigas, d esd e crenças m ais trad icio nais até aq uelas m ais científicas, d erivad as d o m o d elo m éd ico . 5. O q u e a c o n te c e ria s e n a d a fo s s e fe ito a re s p e ito ? “Poderá descer para m eu peito”. A qui, incluem -se crenças p o p ulares so b re o significad o , p ro gnó stico e p ro vável histó ria natural d a co nd ição . 6. O q u e d e v o fa z e r s o b re is s o – o u q u e m d e v o c o n s u lta r e m b u s c a d e a ju d a ? “T o m ar um a asp irina” o u “Ligar p ara o m éd ico ”. E ssa estratégia o u co m p o rtam ento d e saúd e d eco rre lo gicam ente d o m o d elo anterio r. C o m b ase nestas p rem issas, o s p acientes p o d em agir d e várias m aneiras: a) A u to m e d ic a ç ã o. V ários estudos m ostram que a m aior parte dos sintom as nunca são trazidos para qualquer instância m éd ica, m as são tratad o s p elo s p acientes, o u suas fam ílias, co nfo rm e seu p ró p rio m o d elo p o p ular d e enferm id ad e. Levitt (1976) estim o u q ue, na Inglaterra, cerca d e 75% d o s sinto m as são tratad o s p elo s p ró p rio s pacientes. M uito disso é feito pela autom edicação. Pacientes que se sentem m al frequentem ente recorrem a tônicos, “am argo s” o u asp irinas co m p rad as em farm ácias (C larid ge 1970); farm acêutico s são freq uentem ente co nsultad o s p ara um a am p la varied ad e d e co nd içõ es, d e q ueixas so b re a p ele até hem o rró id as (S harp e 1979). Jefferys e seus co legas (1960) e D unnell e C artw right (1972) d esco b riram q ue entre d o is terço s e três q uarto s d o s p acientes entrevistad o s tinham to m ad o algum a auto m ed icação , esp ecialm ente analgésico s, nas últim as sem anas antes d e suas entrevistas. O uso leigo d e m ed icam ento s auto p rescrito s – tanto rem éd io s m o d erno s q uanto trad icio nais – lo gicam ente aco m p anha as crenças d o s p acientes so b re a natureza d estes p rep arad o s e as co nd içõ es em q ue são úteis. b ) C o n s u lta c o m o u tro s. E xceto nas co nd içõ es m uito iso lad as, a enferm id ad e é um evento so cial. E la envo lve p esso as além d o p aciente, já q ue ela “p erturb a sua p articip ação naq uelas co letivid ad es d as q uais ele é m em b ro ” (D ingw all, 1977). E stas co letivid ad es incluem fam ília e red es d e am izad e, assim co m o o lo cal d e trab alho e o utras o rganizaçõ es. O p aciente q ue se ro tula co m o d o ente é cap az d e ad o tar o s ic k ro le 22, assim rem o ver-se tem p o rariam ente d e m uitas o b rigaçõ es d a vid a d iária. S e auto rro tular, no entanto , freq uentem ente não é suficiente p ara p erm itir q ue o p aciente ad o te o s ic k ro le e co lha seus b enefício s, esp ecialm ente q uand o p arece q ue a m aio ria d as p esso as está d o ente d e algum a fo rm a, a m aio r p arte d o tem p o . N o estud o d e D unnell e C artw right (1972), 91% d o s ad ulto s, em um a entrevista aleató ria, rep o rtaram q ue eles haviam tid o um o u m ais sinto m as ano rm ais nas d uas sem anas q ue p reced eram a entrevista. A m aio r p arte d estes sinto m as é tratad a p elo s p acientes – e p o r aq ueles ao seu red o r – em term o s d e suas crenças p o p ulares so b re a causação e tratam ento d as enferm id ad es. U m p aciente q ue se sente enferm o segue um a cad eia d e co nselho s e tratam ento s – d a auto m ed icação até a co nsulta, p rim eiro , à sua fam ília, d ep o is ao s seus am igo s, ao s vizinho s, ao farm acêutico lo cal e assim p o r d iante. O p o nto em q ue estas p esso as reco nhecem a saúd e d eb ilitad a d o p aciente e lhe co nfirm am o s ic k ro le varia co nfo rm e o s grup o s so ciais e culturais. A p ercep ção d a fam ília so b re a enferm id ad e, p o r exem p lo , p o d e ser d iferente d a d o paciente (D ingw all 1977; K leinm an e t a l. 1978), especialm ente no caso das desordens psicológicas (Laing 1967). A lém disso, o que é considerado com o um a enferm idade genuína (e, assim , dem andando tratam ento) em um a sociedade o u grup o cultural talvez não seja co nsid erad a co m o tal em o utras so cied ad es e grup o s (Fo x 1968). C erto s tip o s d e 123 TRADUÇÃO D o ença versus E nferm id ad e na clínica geral enferm id ad e, p o r exem p lo , um a infecção p o r um germ e, tend em a m o b ilizar um a co m unid ad e d ed icad a ao red o r d o p aciente – q ue é co nsid erad o livre d e culp a p o r sua co nd ição – q ue o utras, em q ue a culp a p ela enferm id ad e é atrib uíd a ao co m p o rtam ento irresp o nsável d o p aciente co m o , p o r exem p lo , o co nsum o excessivo d e álco o l o u “sair na chuva d ep o is d e um b anho q uente” (H elm an 1978). S o m ente q uand o o p aciente e aq ueles ao seu red o rse sentem incap azes p ara lid ar co m a enferm id ad e é q ue a trazem p ara um clínico geral, p ara ser co nvertid a em d o ença. O ferecer um a receita o u um atestad o m éd ico co nfirm a essa m ud ança d e p arad igm a e legitim a o p aciente no s ic k ro le. c) D e p o is d a c o n s u lta. C renças p o p ulares so b re a enferm id ad e afetam as atitud es e o co m p o rtam ento d o s p acientes ap ó s a co nsulta, esp ecialm ente a ad esão co m as instruçõ es d e seu m éd ico (S tim so n 1974; S tim so n e W eb b 1975; E ato n 1980). O s p acientes to m am d ecisõ es – so b re se vão to m ar a m ed icação p rescrita e tam b ém com o ela deve ser tom ada – com base no conhecim ento leigo derivado da fam ília, am igos, livros, m ídia, experiência p esso al e, em m eno r grau, d o clínico geral em si (S tim so n e W eb b 1975; E ato n 1980). S o m ente se o s tratam ento s p rescrito s fazem sentid o p ara o p aciente é q ue serão to m ad o s segund o a o rientação . P erceb er a não ad esão a p artir d a p ersp ectiva d as crenças p o p ulares d o p aciente so b re a enferm id ad e p o d e o ferecer in s ig h ts úteis so b re o p ro b lem a (S tim so n 1974). IM P LIC A Ç Õ E S C LÍN IC A S D A S C R E N Ç A S P O P U LA R E S : A LG U N S E X E M P LO S 1. B laxter e P aterso n (1980) estud aram as crenças e o s co m p o rtam ento s em saúd e d e d uas geraçõ es d e m ulheres d e classe trab alhad o ra em A b erd een (Inglaterra). E m m uito s caso s, as m ulheres tinham b aixas exp ectativas p ara sua p ró p ria saúd e, assim co m o p ara as d e suas fam ílias. A saúd e era d efinid a em um sentid o funcio nal, so cial, isto é, a hab ilid ad e d e co ntinuar a vid a d iária, ap esar d a exp eriência d e enferm id ad e. E las, p o rtanto , d efiniam -se co m o saud áveis, ap esar d a evid ência m éd ica em co ntrário , e isso o b viam ente afetava sua atitud e em relação à necessid ad e d e cuid ad o m éd ico . M uitas d as jo vens m ães igno ravam o u ad iavam p ro curar ajud a p ara suas crianças co m infecção crô nica d e o uvid o e o utras co nd içõ es q ue não causavam um d istúrb io d e função ; estas co nd içõ es eram tid as co m o co nectad as à saúd e geral d as crianças ao invés d e sinto m as d e um a enferm id ad e agud a tratável. P o r exem p lo , “[...] m as isso não é o q ue vo cê cham aria d e enferm id ad e – é só um a co isa q ue aco nteceu. E la tem p ro b lem as no s o uvid o s, m as isso está além d a q uestão d a saúd e”. 2. S no w e seus co legas (1978) estud aram crenças leigas so b re m enstruação e gravid ez entre m ulheres em um a clínica urb ana estad unid ense. M uitas d estas crenças p o d eriam ter um efeito ad verso so b re sua saúd e e no resultad o d e suas gestaçõ es. P o r exem p lo , 16% acred itavam q ue o feto não seria afetad o p o r um a d o ença venérea d a m ãe já q ue, d urante a gravid ez, “o útero fica fechad o e germ es não p o d em entrar”. E m o utro estud o so b re crenças m enstruais (S no w e Jo hnso n 1977), m uitas m ulheres acred itavam q ue elas só p o d eriam engravid ar antes, d urante o u lo go d ep o is d o p erío d o em q ue seus útero s “estivessem ab erto s”. E ntend ia-se q ue nenhum a 124 C ecil G . H elm an TRADUÇÃO co ntracep ção era exigid a no s o utro s m o m ento s d o m ês, já q ue, então , o útero estaria “firm em ente fechad o ” e o esp erm a não p o d eria entrar. 3. K leinm an e seus co legas (1978) co ntam o caso d e um a m ulher d e 60 ano s co m ed em a p ulm o nar ad m itid a no H o sp ital G eral d e M assachusetts (E stad o s U nid o s). Info rm ad a d e q ue tinha água em seus p ulm õ es, ela co m eço u a agir d e fo rm a b izarra, vo m itand o e urinand o co m freq uência em sua cam a. U m a co nsulta p siq uiátrica revelo u q ue a m ulher, filha e esp o sa d e b o m b eiro s hid ráulico s, tinha um a co ncep ção p o p ular d a anato m ia d o co rp o hum ano na q ual o p eito era co nectad o p o r cano s q ue levavam à b o ca e à uretra. E la vinha tentand o rem o ver a m aio r q uantid ad e p o ssível d e água d o s p ulm õ es p elo vô m ito e a freq uente m icção . D ep o is d e exp licaçõ es ap ro p riad as so b re a estrutura e a função d o co rp o , seu co m p o rtam ento p o uco usual term ino u im ed iatam ente. R E LA Ç Ã O E N T R E D O E N Ç A E E N F E R M ID A D E A m aior parte das doenças, em bora não todas, é acom panhada de enferm idades, isto é, por um a reação psicológica, so cial e cultural ao p ro cesso d e d o ença. C o m o m encio nad o , essa reação p o d e variar entre ind ivíd uo s, grup o s e unid ad es culturais. M em b ro s d e co m unid ad es étnicas m ino ritárias, p o r exem p lo , d iante d e ep isó d io s sim ilares d e d o ença p o d em variar m arcad am ente so b re o s sinto m as d o s q uais se q ueixam e em co m o estes últim o s são co m unicad o s p ara o utras p esso as (Z b o ro w ski 1980; M acC o rm ack 1980). C o m o K leinm an (1980) ressalta, p o d e haver um a relação circular entre enferm id ad e e d o ença. P o r exem p lo , em um a neurose crônica de ansiedade, um episódio de ansiedade aguda pode se m anifestar por um a taquicardia (o p ro cesso d e d o ença). A p ercep ção d o p aciente d este sinto m a físico e d e seu significad o é p arte d e sua exp eriência d e enferm id ad e – neste caso , um a sensação d e excesso d e ansied ad e em relação ao sinto m a. Isto p o d e, p o r sua vez, p ro vo car m ais taq uicard ia, m ais ansied ad e e assim p o r d iante. E sta retro alim entação p o sitiva, co m um círculo vicioso e ascendente de doença e enferm idade, é frequentem ente notada em outros casos de excesso de ansiedade, co m o asm a, hip erventilação e o utras q ueixas p sico sso m áticas. A doença pode acontecer na ausência da enferm idade. E m condições agudas severas, com o traum a m assivo o u infecção esm agad o ra, p o d e não haver tem p o p ara m o d elar a d o ença d entro d a exp eriência d e enferm id ad e (K leinm an 1980). E m alguns caso s, co m o a hip ertensão assinto m ática o u um carcino m a cervical inicial, p acientes p o d em ser info rm ad o s d e q ue têm um a d o ença, em b o ra eles não a sintam . C o m o resultad o , eles p o d em não ver a necessid ad e d e tratam ento m éd ico . P acientes q ue têm um a d o ença assinto m ática, m as não um a enferm id ad e, talvez p o ssam , p o rtanto , relutar em co nsultar seu clínico geral p ara um c h e c k -u p regular, rep etir p rescriçõ es, eco grafia cervical e assim p o r d iante. Isto p o d e ajud ar a exp licar o fenô m eno d a não ad esão às instruçõ es d e um m éd ico (S tim so n 1974). A enferm id ad e tam b ém p o d e aco ntecer na ausência d e um a d o ença (E isenb erg 1977; C assell 1978). H ip o co nd ria é um exem p lo , em b o ra este grup o co ntem p le um a am p la varied ad e d e sensaçõ es sub jetivas d e m al- 125 TRADUÇÃO D o ença versus E nferm id ad e na clínica geral estar q ue são , geralm ente, d e o rigem p sico ló gica e p ara o q ual nenhum a causa física p o d e ser enco ntrad a. U m clínico geral que enfatiza som ente o tratamento da doença, sem considerar a dim ensão da enferm idade, pode parecer ind iferente p ara um p aciente no q ual nenhum a d o ença física é enco ntrad a. Isto p o d e causar d esco ntentam ento p o r p arte d o p aciente e p o d e levar à não ad esão , à auto m ed icação o u à co nsulta d e p ro fissio nais não q ualificad o s, m as q ue estão m ais d isp o sto s p ara lid ar co m a enferm id ad e. A m aio r p arte d o s clínico s gerais, no entanto , tratará tanto d a enferm id ad e q uanto d a d o ença. É b o m lem b rar tam b ém q ue alguns tratam ento s m éd ico s, co m o m ed icam ento s e o p eraçõ es, p o d em causar enferm id ad es e, em alguns caso s, d o enças. D O E N Ç A E E N F E R M ID A D E N A C IR U R G IA N a Inglaterra, a p rincip al interface entre o s m o d elo s m éd ico s e leigo s p ara a saúd e d eb ilitad a é a co nsulta à clínica geral. E nq uanto o s p ró p rio s p acientes lid am co m a m aio r p arte d o s sinto m as, o clínico geral é o p rim eiro p o nto d e co ntato p ara cerca d e 90% d aq ueles q ue d e fato p ro curam tratam ento m éd ico p ro fissio nal (Levitt 1976). N a co nsulta, m éd ico e p aciente d evem co nco rd ar co m a interp retação d o s sinto m as d o p aciente e co m o tratam ento a ser o ferecid o . A visão d o m éd ico so b re o p ro cesso d a d o ença d eve ser reco nciliad a co m a visão sub jetiva q ue o p aciente tem d e sua p ró p ria enferm id ad e e as co ntrad içõ es entre o s d o is m o d elo s d evem ser reso lvid as p elo p ro cesso d e nego ciação (S tim so n e W eb b 1975). T anto o d iagnó stico q uanto o tratam ento p rescrito d evem fazer sentid o no s term o s d o s m o d elo s leigo s d e enferm id ad e d o p aciente o u, então , não serão aceito s. P o r esta razão , clínico s gerais geralm ente usam co nceito s e vo cab ulário em p restad o s tanto d o m o d elo leigo q uanto d o m éd ico (E isenb erg 1977; H elm an 1978), a fim d e estab elecer “um co nsenso p ara o p ro p ó sito d a ação ” (Fab rega 1975). S em este co nsenso , p o d e-se resultar em um a relação m éd ico -p aciente m ed ío cre, na não ad esão e em p ro b lem as m éd ico -legais. C O N C LU S Õ E S O m o d elo d o ença/enferm id ad e d esenvo lvid o p o r antro p ó lo go s m éd ico s o ferece um a p ersp ectiva útil so b re o diagnóstico e o tratam ento da saúde debilitada na clínica geral e em fenôm enos com o a não adesão, a autom edicação e o d esco ntentam ento co m o cuid ad o m éd ico . P ara q ue o cuid ad o m éd ico seja m ais efetivo – e aceitável p ara o s p acientes –, clínico s gerais d evem tratar tanto a enferm id ad e q uanto a d o ença em seus p acientes. E tam b ém d evem estar atento s p ara co m o as p ersp ectivas d o s m o d elo s leigo s e m éd ico s d e saúd e d eb ilitad a se d iferenciam e d evem reco nhecer as im p licaçõ es clínicas d estas d iferenças. 126 C ecil G . H elm an TRADUÇÃO T R A D U Ç Ã O S o raya Fleischer (P ro fesso ra d o D ep artam ento d e A ntro p o lo gia d a U nB ) R E V IS Ã O A m and a Frenkle (grad uand a, U N B ) A G R A D E C IM E N T O S E u go staria d e reco nhecer o ap o io d a senho ra E . P ackter, b ib lio tecária, P ó s-G rad uand a d o C entro M éd ico , H o sp ital G eral E d gw are. N O TA S 1 © Journal of the R oyal C ollege of G eneral P ractitioners, 1981, 31: 5 4 8 -552. 2 N .T. O ptam os p or deixar o term o no original p orque, em b ora não cite neste artigo, é b astante p rovável que o autor se rem eta diretam ente à categoria sick role (p ap el do doente) tornad a clássica na sociologia m édica p or Talcott P arsons, no início d a décad a de 1950. 127 TRADUÇÃO D o ença versus E nferm id ad e na clínica geral R E F E R Ê N C IA S B IB LIO G R Á F IC A S B LA X T E R , M . & P A T E R S O N , E . 1980. A ttitu d e s to h e a lth a n d u s e o f h e a lth s e rv ic e s in tw o g e n e ra tio n s o f w o m e n in s o c ia l c la s s e s 4 a n d 5. R ep o rt to D H S S /S S R C Jo int W o rking P arty o n T ransm itted D ep rivatio n. U np ub lished . C A S S E LL, E . J. 1978. T h e H e a le r’s A rt: A N e w A p p ro a c h to th e D o c to r-P a tie n t R e la tio n s h ip. H arm o nd sw o rth: P enguin B o o ks. C H R IS M A N , N . J. 1977. “T he health seeking p ro cess: an ap p ro ach to the natural histo ry o f illness”. C u ltu re , M e d ic in e a n d P s y c h ia try 1: 351-377. C LA R ID G E , G . 1970. D ru g s a n d H u m a n B e h a v io u r. Lo nd o n: A llen Lane. D IN G W A LL, R . 1977. A s p e c ts o f Illn e s s. Lo nd o n: M artin R o b ertso n. D U N N E LL, K . & C A R T W R IG H T , A . 1972. M e d ic in e T a k e rs , P re s c rib e rs a n d H o a rd e rs. Lo nd o n: R o utled ge and K egan P aul. E A T O N , G . 1980. “N o n-co m p liance”. In M ap es, R (ed .) P re s c rib in g P ra c tic e a n d D ru g U s a g e. Lo nd o n: C ro o m H elm , p p . 201-213. E IS E N B E R G , L. 1977. “D isease and illness: d istinctio ns b etw een p ro fessio nal and p o p ular id eas o f sickness”. C u ltu re , M e d ic in e a n d P s y c h ia try 1: 9-23. FA B R E G A , H . 1973. Illn e s s a n d S h a m a n is tic C u rin g in Z in a n c a n ta n : A n E th n o m e d ic a l A n a ly s is. S tanfo rd : S tanfo rd U niversity P ress. FA B R E G A , H . Jr. 1975. T he need fo r an ethno m ed ical science. S c ie n c e 189: 969-975. FIS H E R , S . 1968. “B o d y Im age” . In S ills, D . L (ed .) In te rn a tio n a l E n c y c lo p a e d ia o f th e S o c ia l S c ie n c e s . N ew Y o rk: Free P ress/M acM illan. V o l. 2, p p . 113-116 FO X , R . 1968. “Illness” . In S ills, D . L (ed .) In te rn a tio n a l E n c y c lo p a e d ia o f th e S o c ia l S c ie n c e s . N ew Y o rk: Free P ress/ M acM illan. V o l. 7, p p . 90-96. G U T T M A C H E R , S . & E LIN S O N , L. 1971. “E thno -religio us variatio ns in p ercep tio ns o f illness. T he use o f illness as an exp lanatio n o f d eviant b ehavio r”. S o c ia l S c ie n c e a n d M e d ic in e 5: 117-125. H E LM A N , C . G . 1978. “‘Feed a co ld , starve a fever’: fo lk m o d els o f infectio n in an E nglish sub urb an co m m unity, and their relatio n to m ed ical treatm ent”. C u ltu re , M e d ic in e a n d P s y c h ia try 2: 107-137. H E LM A N , C . G . 1980. “Lay and m ed ical attitud es to illness”. M IM S M a g a z in e 15: A p ril, 51-59. JE FFE R Y S , M ., B R O T H E R S T O N , J. H . F. & C A R T W R IG H T , A . 1960. “C o nsum p tio n o f m ed icines o n a w o rking-class estate”. B ritis h J o u rn a l o f P re v e n tiv e a n d S o c ia l M e d ic in e 14: 64-76. K LEIN M A N , A . 1980. P a tie n ts a n d H e a le rs in th e C o n te x t o f C u ltu re . A n E x p lo ra tio n o f th e B o rd e rla n d b e tw e e n A n th ro p o lo g y , M e d ic in e a n d P s y c h ia try. B erkeley: U niversity o f C alifo rnia P ress. K LE IN M A N , A ., E IS E N B E R G , L. & G O O D , B . 1978. “C ulture, illness and care: clinical lesso ns fro m anthro po lo gic and cro ss- cultural research”. A n n a ls o f In te rn a l M e d ic in e 88, 251-258. LA IN G , R . D . 1967. T h e P o litic s o f E x p e rie n c e a n d T h e B ird o f P a ra d is e. H arm o nd sw o rth: P enguin. LE V IT T , R . 1976. T h e R e o rg a n is e d N a tio n a l H e a lth S e rv ic e. Lo nd o n: C ro o m H elm . M A C C O R M A C K , C . P . 1980. “H ealth care p ro b lem s o f ethnic m ino rity gro up s”. M IM S M a g a z in e 15: July, 53-60. S H A R P E , D . N . 1979. “T he p attern o f o ver-the-co unter p rescrib ing”. M IM S M a g a z in e 15: S ep tem b er, 39-45. S N O W , L. F. & JO H N S O N , S . M . 1977. “M odern day m enstrual folklore: som e clinical im plications”. J o u rn a l o f th e A m e ric a n M e d ic a l A s s o c ia tio n 237: 2736-2739. 128 C ecil G . H elm an TRADUÇÃO S N O W , L. F., JO H N S O N , S . M . & M A Y H E W , H . E . 1978. “T he b ehavio ural im p licatio ns o f so m e o ld w ives’ tales”. O b s te tric s a n d G y n a e c o lo g y 51: 727-732. S T IM S O N , G . V . 1974. “O b eying d o cto r’s o rd ers: a view fro m the o ther sid e”. S o c ia l S c ie n c e a n d M e d ic in e 8: 97-104. S T IM S O N , G . V . & W E B B , B . 1975. G o in g to s e e th e D o c to r: T h e C o n s u lta tio n P ro c e s s in G e n e ra l P ra c tic e. Lo nd o n: R o utled ge and K egan P aul. Z B O R O W S K I, M . 1952. “C ultural co m p o nents in resp o nses to p ain”. J o u rn a l o f S o c ia l Is s u e s 8(4): 16-30.
Compartilhar