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Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX • Crise convulsiva é uma alteração aguda e transitória da função cortical cerebral caracterizada por descargas neuronais anômalas, excessivas e sincronizadas. Dependendo da localização e extensão do processo, um amplo espectro de manifestações clínicas pode ocorrer, desde os típicos abalos musculares até experiências sensoriais ou psíquicas subjetivas. • Epilepsia é um termo genérico (e não uma doença específica) que se refere ao fenótipo de crises convulsivas recorrentes e espontâneas, isto é, não necessariamente provocadas por algum fator reversível ou evitável. Por definição, é preciso que tenha havido duas ou mais crises convulsivas espontâneas (num intervalo > 24h) para se estabelecer o diagnóstico de epilepsia. • Estado de mal epiléptico: O estado de mal epiléptico é definido arbitrariamente como convulsões que continuam por mais de 30 minutos, sem cessar de forma espontânea, ou que recorrem frequentemente, de modo que a consciência plena não é restaurada entre os episódios sucessivos. O estado de mal epiléptico é uma emergência médica, pois pode levar a dano cerebral permanente decorrente de hiperpirexia, colapso circulatório ou lesão neuronal citotóxica, caso não seja tratado. Com frequência é possível identificar alguma condição neurológica crônica de base que justifique o quadro de epilepsia (ex.: lesões póstrauma, pós-AVE). Existem também formas sindrômicas distintivas, que apresentam características clínicas, patológicas e eletroencefalográficas peculiares: são as síndromes epilépticas, que geralmente se iniciam na infância e possuem etiologia genética. Numa parcela de indivíduos, nenhuma causa pode ser identificada (epilepsia idiopática). Estima-se que 5-10% das pessoas apresentará pelo menos uma crise convulsiva ao longo da vida. Na maioria das vezes, contudo, o fenômeno estará relacionado a um fator precipitante reversível (isto é, tais pessoas não necessariamente possuem epilepsia). A prevalência de epilepsia, por sua vez, gira em torno de 0,5% da população geral. A epilepsia, a doença neurológica grave mais comum, ocorre em todas as idades e se caracteriza por uma variedade de apresentações e etiologias. É definida como um distúrbio cerebral caracterizado por predisposição permanente de gerar crises epilépticas e por suas consequências neurobiológicas cognitivas, psicológicas e sociais. Esta definição, proposta pela Liga Internacional Contra a Epilepsia (International League against Epilepsy – ILAE) ressalta que a pessoa com epilepsia deve ser percebida e avaliada na sua totalidade. A partir dela, entende-se ainda que o tratamento na epilepsia vise não apenas o controle das crises, mas também todos os distúrbios delas decorrentes. Entende-se ainda que o tratamento deva respeitar as características de cada indivíduo. Do ponto de vista operacional define- se epilepsia como uma doença encefálica caracterizada por uma das condições seguintes: 1. Pelo menos duas crises não provocadas (ou reflexas) ocorrendo em intervalo superior a 24 horas. 2. Uma crise não provocada (ou reflexa) e uma probabilidade de crises subsequentes semelhante ao risco geral de recorrência (pelo menos de 60%) após duas crises não provocadas, ocorrendo nos próximos 10 anos. 3. Diagnóstico de uma síndrome epiléptica. Epilepsia é considerada resolvida para indivíduos que tiveram uma síndrome epiléptica idade-dependente mas agora passaram a idade vulnerável ou aqueles que permaneceram livres de crises por pelo menos 10 anos, sem medicações antiepilépticas pelos últimos 5 anos. Crise epiléptica é a ocorrência de sinais e/ou sintomas transitórios devidos a uma atividade neuronal anormal, excessiva e síncrona no cérebro. Quando um paciente apresenta crises epilépticas, o médico segue alguns passos críticos para realizar o diagnóstico. Antes de tentar classificar o tipo de crise, o médico deve determinar se o evento paroxístico é realmente uma crise epiléptica uma vez que múltiplos diagnósticos diferenciais são possíveis. Estes incluem síncopes convulsivas, parassonias, transtornos de movimento e outros eventos não-epilépticos. Esta etapa diagnóstica já deve ter sido estabelecida quando se inicia a classificação da epilepsia de um determinado paciente. Classificação dos tipos de crises epilépticas A nova Classificação das Crises Epilépticas da ILAE publicada em dois esquemas, um simplificado para uso por leigos e um expandido, para profissionais da área. A figura 1 retrata a classificação básica das crises epilépticas e a figura 2 a classificação expandida. As duas representam a mesma classificação, com a supressão das subcategorias para formar a versão básica. O uso de uma ou outra depende do nível de detalhes desejado. Variações sobre o tema de crises Epilepsias Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX epilépticas individuais podem ser acrescidas para tipos de crises focais de acordo com o grau de percepção. Estrutura da classificação O esquema da classificação é colunar, mas não hierárquico (significando que níveis podem ser ignorados), portanto as setas foram intencionalmente omitidas. Considera quatro grupos de crises epilépticas: A classificação de crises epilépticas começa com a determinação se as manifestações iniciais das crises são focais ou generalizadas. O início pode ser não observado ou ser obscuro; nesses casos a crise epiléptica é de início desconhecido. As palavras “focal “e “generalizado” no início do nome da crise significam crise de início focal ou generalizado. ➢ Crises focais Crises epilépticas focais são aquelas que se originam em redes neuronais limitadas a um hemisfério cerebral, as quais podem ser restritas ou distribuídas de forma mais ampla. Para crises focais, o grau de percepção opcionalmente pode ser incluído no tipo de crise. Percepção é apenas uma característica potencialmente importante da crise, mas a percepção tem importância prática suficiente para justificar seu uso como classificador de crise. Percepção preservada significa que a pessoa está consciente de si e do ambiente durante uma crise, mesmo que imóvel. • Perceptivas (com ou sem outros classificadores subsequentes): quando a percepção de si próprio e do meio ambiente é preservada e disperceptivas. Corresponde ao prévio termo “crise parcial simples”. • Com comprometimento da percepção: quando a percepção é comprometida. Uma crise com percepção comprometida (com ou sem outros classificadores) corresponde ao termo prévio “crise parcial complexa”. Percepção comprometida durante qualquer parte da crise torna a crise focal disperceptiva. Além disso, crises focais também são subagrupadas naquelas com sintomas e sinais motores e não motores no início da crise. Se ambos, sinais motores e não motores, estão presentes no início da crise, os sinais motores irão geralmente dominar, a menos que sintomas e sinais não motores (em geral sensoriais) sejam proeminentes. Crises focais perceptivas ou disperceptivas opcionalmente podem ser também caracterizadas por um dos sintomas listados de início motor ou não motor, refletindo o primeiro sinal ou sintoma mais proeminente da crise epiléptica, por exemplo, crise focal disperceptiva com automatismos. Crises epilépticas devem ser classificadas pela característica de início motor ou não motor proeminente mais precoce, exceto na crise focal com parada comportamental na qual a interrupção de atividade é a característica dominante durante toda a crise, e qualquer comprometimento significante da percepção durante o curso da crise leva a crise focal a ser classificada como tendo percepção comprometida. Quando uma crise focal única se apresenta com uma sequência de sinais e sintomas, então a crise epiléptica é nomeada pelo sinal ou sintoma inicial mais proeminente, refletindo a prática clínica usual de identificaro foco de início da crise ou rede envolvida. Por exemplo, uma crise começando com súbita incapacidade de compreender linguagem seguida por comprometimento da percepção e abalos clônicos no braço esquerdo poderia ser classificada como uma “crise focal disperceptiva (início não motor) cognitiva” (progredindo para abalos clônicos no braço esquerdo). Os termos entre parênteses são opcionais. O tipo de crise formal nesse exemplo é determinado pelo início não motor cognitivo e presença de comprometimento da percepção durante qualquer ponto da crise. Por que o termo crises focais substitui o termo crises parciais? Em 1981, os participantes da comissão rejeitaram designar como “focal” uma crise que poderia envolver um hemisfério inteiro, então preferiram o termo “parcial”. A terminologia de 1981 estava de alguma forma prevendo a ênfase moderna de circuitos neurais, mas “parcial” pode transmitir a ideia errônea de que se trata de uma parte da crise em vez da localização ou do sistema anatômico. O termo focal é mais compreensível em termos de localização do início da crise. Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX Por que crises perceptivas e disperceptivas e não crises com preservação e comprometimento da consciência? A Classificação de 1981 sugeriu uma diferenciação fundamental entre crises sem e com comprometimento da consciência (crises parciais simples e complexas). Esta diferenciação é fundamental, pois apresenta impacto significativo na vida do paciente. Estes termos foram retirados da presente classificação. A menção do termo crise parcial simples pode banalizar o impacto da crise a um paciente que não crê que as manifestações e consequências de suas crises sejam de forma alguma simples; por outro lado, a menção de que suas crises são parciais complexas pode significar a ele e seus familiares que esse tipo de crise é mais complicado ou difícil para entender (e tratar...) do que outros tipos de crises. Um classificador não treinado poderia considerar que, para mostrar comprometimento da consciência durante uma crise epiléptica, uma pessoa precisaria estar no solo, imóvel, não perceptiva e não reativa (ou seja, “desmaiada”). Consciência é um fenômeno complexo que envolve componentes subjetivos e objetivos com quatro elementos fundamentais: 1. a percepção de si próprio; 2. a percepção do ambiente; 3. a responsidade; 4. a memória. Cada um dos quais é variavelmente comprometido durante as crises epilépticas. A Comissão de Terminologia da ILAE resolveu utilizar o comprometimento ou não da percepção de si próprio e do meio como os componentes fundamentais da alteração que pode ocorrer durante crises focais, pois a responsividade nem sempre é avaliada durante as mesmas e a memória dos fatos ocorridos durante a crise é variavelmente afetada. Por que crises focais evoluindo para tonicoclônicas bilaterais? O tipo de crise “focal evoluindo para tonicoclônica bilateral” é um tipo especial de crise, que corresponde ao termo de 1981 “crise parcial com generalização secundária”. O termo “evoluindo para tonicoclônica bilateral” em vez de “secundariamente generalizada” foi usado para distinguir uma crise de início focal da crise de início generalizado. O termo “bilateral” é usado para padrões de propagação e “generalizado” para crises epilépticas que envolvem circuitos bilaterais desde o início. Novos tipos de crises focais Alguns tipos de crises que previamente eram descritos somente como crises generalizadas, agora aparecem também como crises de início focal, generalizado ou desconhecido. Novos tipos de crises focais incluem automatismos, autonômicas, de parada comportamental, cognitivas (com fenômenos cognitivos negativos, como, por exemplo, nas crises afásicas, ou positivos, como déjà vu, jamais vu, ilusões ou alucinações), emocionais, hipercinéticas, sensoriais e focais evoluindo para crises tonicoclônicas bilaterais. Crises atônicas, clônicas, espasmos epilépticos, mioclônicas e tônicas podem ter início focal ou generalizado. Esta diferenciação é muito importante, pois uma crise focal tônica ou mioclônica ou espasmos epilépticos focais podem ser a manifestação epiléptica de uma lesão estrutural localizada. Crise focal evoluindo para tonicoclônica bilateral é um novo tipo, renomeando “crise secundariamente generalizada”. ➢ Crises generalizadas Crises epilépticas generalizadas são aquelas que se originam em algum ponto de uma rede neuronal e rapidamente envolvem e se distribuem em redes neuronais bilaterais. Crises generalizadas são também subdivididas em crises motoras e não motoras (ausências). Há oito subtipos de crises generalizadas motoras e quatro subtipos de ausências como não motoras. A diferenciação destes subtipos de ausências é fundamental para o estabelecimento do diagnóstico sindrômico e do prognóstico. Manifestações generalizadas das crises podem ser assimétricas, tornando difícil a distinção de crises de início focal. A palavra “ausência” tem um significado comum, mas um olhar vago ou ausente não é sinônimo de crise de ausência, pois interrupção da atividade também ocorre em outros tipos de crises. A classificação de 2017 permite anexar um número limitado de qualificadores às crises de início desconhecido, a fim de melhor caracterizar a crise. Novos tipos de crises generalizadas Novos tipos de crises generalizadas incluem: ausências com mioclonias palpebrais, crises mioclono-atônicas, crises mioclono-tonicoclônicas. Crises com mioclonias palpebrais poderiam ser inseridas na categoria motora, mas como mioclonias palpebrais são mais significantes como características de crises de ausência, crises com mioclonias palpebrais foram inseridas na categoria não motora/ausência. Similarmente, crises de ausências mioclônicas potencialmente têm características tanto de ausências quanto de crises motoras e poderiam ser colocadas em qualquer grupo. Espasmos epilépticos são crises representadas nas categorias de início focal, generalizado e desconhecido e a distinção pode requerer registro de vídeo-EEG. O termo “epiléptico” está implícito para todos tipos de crise, mas foi explicitamente apontado nos espasmos epilépticos, em decorrência da ambiguidade da palavra “espasmo” em neurologia. ➢ Crises de início desconhecido Crises de início desconhecido por não terem sido integralmente testemunhadas, por exemplo, que seriam referidas pela simples palavra “não classificadas” na Classificação de 1981 podem agora receber características adicionais, incluindo motoras e não motoras. Um tipo de crise de início desconhecido pode posteriormente ser classificado tanto como de início focal quanto de início generalizado quando estiverem disponíveis exames complementares como EEG, neuroimagem ou testes genéticos. Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX Por que crises de início desconhecido? Clínicos comumente ouvem relatos sobre crises tonicoclônicas nas quais o início não foi presenciado. Talvez o paciente estivesse dormindo, sozinho ou os observadores estavam emocionalmente muito afetados pelas manifestações da crise para perceber a presença de características focais. Deveria haver uma oportunidade de classificar provisoriamente essa crise, mesmo na ausência de conhecimento sobre sua origem. A Classificação de 2017 permite descrições adicionais das crises de início desconhecido quando características-chave, como atividade tonicoclônica ou parada comportamental são observadas durante o curso da crise. ➢ Crises não classificáveis. Finalmente, pode ser impossível classificar uma crise epiléptica, tanto por informações incompletas como pela natureza incomum da crise; nesse caso deverá ser chamada de crise epiléptica não classificada. Categorização como não classificada deve ser feita somente em situações excepcionais quando o clínico está seguro deque o evento é uma crise epiléptica, mas não consegue prosseguir na classificação do evento. Regras para classificação de crises 1. Início: decida se a crise tem início focal ou generalizado, utilizando um intervalo de confiança de 80%. Caso contrário, o início é desconhecido. 2. Percepção: para crises focais, decida entre classificar a crise de acordo com o grau de alteração da percepção ou omita este item da classificação. Crises focais perceptivas correspondem as antigas crises parciais simples e crises focais com alteração da percepção correspondem a crises parciais complexas. 3. Alteração da percepção em qualquer momento durante a crise: uma crise focal é uma crise focal com alteração da percepção caso a percepção esteja alterada em qualquer momento durante a crise. 4. Início como determinante: classifique a crise focal de acordo com o primeiro sinal e sintoma proeminente. Não considere a parada comportamental transitória. 5. Parada comportamental: uma crise focal com parada comportamental deverá assim ser classificada quando a parada comportamental é a característica mais proeminente de toda crise. 6. Motor/não-motor: as crises focais com ou sem alteração da percepção podem ser adicionalmente sub-classificadas de acordo com as características motoras e não motoras. Alternativamente, as crises focais podem ser classificadas de acordo com as características motoras e não motoras, sem especificar a alteração da perceptividade (Ex: crise focal tônica). 7. Termos opcionais: termos como motoras e não motoras podem ser omitidos quando o tipo de crise é evidente (Ex. crise focal clônica). 8. Descritores adicionais: após classificar as crises de acordo com as manifestações iniciais, deve-se encorajar a adição de descritores de outros sinais e sintomas, quer sejam os descritores sugeridos ou um texto livre. Estes não alteram o tipo de crise. Exemplo: crises focais emocionais com atividade tônica em braço direito e hiperventilação. 9. Bilateral versus generalizado: utilize o termo “bilateral” para crises tônicoclônicas que se propagam para ambos os hemisférios e “generalizadas” para crises que aparentemente originam-se simultaneamente em ambos os hemisférios. 10. Ausência atípica: a ausência é atípica se tem um início e final graduais, mudanças marcadas no tônus ou EEG com descargas de ponta-onda lenta com frequência inferior a 3 por segundo. 11. Clônico versus mioclônico: clônico refere-se a abalos rítmicos sustentados e mioclônico a abalos irregulares, não sustentados. 12. Mioclonia palpebral: ausência com mioclonias palpebrais refere-se a abalos das pálpebras com desvio dos olhos para cima durante uma crise de ausência O esquema diagnóstico para classificação das epilepsias O esquema diagnóstico para a classificação das epilepsias oferece a possibilidade de diagnóstico em múltiplos níveis, dependendo da informação e dos recursos disponíveis. Nele, o primeiro passo (nível 1) consiste em estabelecer se um determinado evento paroxístico é uma crise epiléptica. Uma vez que este diagnóstico tenha sido estabelecido clinicamente (ou através de exames auxiliares, como EEG, vídeo-EEG ou ambos), o próximo passo será classificar o(s) tipo(s) de crise(s). Algumas vezes o diagnóstico precisará ser interrompido a este nível, pois em algumas situações, como quando estamos diante de uma primeira crise epiléptica, não será possível prosseguir para os próximos níveis. Na maioria das vezes, no entanto, será possível chegar ao nível 2, ou seja, tentar classificar a epilepsia com base no(s) tipo(s) de crise(s). No nível 2 as epilepsias deverão ser classificadas como focais, generalizadas, focais e generalizadas (quando ambos os tipos de crises estiverem presentes) ou desconhecidas (quando for impossível classificar as crises como focais ou generalizadas). No próximo passo (nível 3) vamos tentar estabelecer o diagnóstico de uma síndrome epiléptica. Uma síndrome epiléptica é um conjunto de características clínicas, eletroencefalográficas, imagenológicas e etiológicas. Este diagnóstico terá muita importância para o tratamento e o estabelecimento do prognóstico. Embora o esquema diagnóstico enfatize em todos os seus três níveis que é fundamental estabelecer a etiologia da epilepsia (no esquema diagnóstico à direita, na barra vertical, estão os seis grupos etiológicos), é o quarto nível (nível 4) Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX que define o diagnóstico da epilepsia e sua etiologia. Em algumas circunstâncias, mesmo sem o estabelecimento da síndrome epiléptica, é possível estabelecer o diagnóstico etiológico. Embora em todos os níveis nossa atenção deva estar voltada para o estabelecimento da etiologia da epilepsia, infelizmente, em vários deles, a etiologia não poderá ser estabelecida a despeito de todos os nossos esforços. Em outros casos, verificaremos mais de uma etiologia para uma mesma epilepsia. Assim, a epilepsia pode ter duas etiologias como, por exemplo, uma estrutural e outra genética, como é o caso da esclerose tuberosa. Nesta, ambas as etiologias acarretam implicações terapêuticas fundamentais como a ressecção da lesão estrutural, ou seja, de um túber, ou o uso de inibidores da mTOR (mammaliam-Target of Rapamycin – alvo da rapacimicina em mamíferos) no tratamento medicamentoso que promoverá uma interferência na via do distúrbio genético. Finalmente, encerrando o esquema diagnóstico, pacientes com epilepsia podem apresentar uma gama ampla de comorbidades (representadas na elipse à esquerda), as quais podem ser encontradas em qualquer forma das doenças epilépticas e também podem contribuir para o diagnóstico etiológico. Tipos de epilepsia Crises Focais Surgem a partir de redes neuronais restritas ou amplas, mas sempre dentro de um único hemisfério cerebral. Podem ou não ser acompanhadas de alteração da consciência. Vale ressaltar que os termos crise parcial simples (sem perda da consciência) e parcial complexa (com perda da consciência) não são mais utilizados! Agora, diz-se apenas se a crise focal foi ou não acompanhada de manifestações “discognitivas”. O Eletroencefalograma (EEG) pode ser normal no período intercrítico (entre as crises), ou apresentar ondas epileptiformes basais. Se o foco convulsivo estiver na porção medial do lobo temporal ou na porção inferior do lobo frontal, o EEG obtido no escalpo não “verá” qualquer alteração, nem mesmo durante a crise! Nestes casos, é preciso complementar o exame com eletrodos esfenoidais ou implantados cirurgicamente em regiões profundas do parênquima cerebral. Crises Focais Sem Sintomas Discognitivos As manifestações dependerão da região cortical afetada, estando a consciência preservada. Exemplo clássico é o do foco convulsivo localizado na área que controla os movimentos da mão no córtex motor primário. Neste caso, o paciente apresenta clônus (movimentos repetitivos de flexão/extensão) da mão contralateral. Como a área representativa da mão é adjacente à área da face no homúnculo de Penfield, a ampliação do foco convulsivo pode afetar também a face contralateral. Um EEG realizado neste momento detecta ondas epileptiformes restritas àquela região da convexidade cerebral. A expansão gradual (ao longo de segundos ou minutos) da atividade convulsiva, evidenciada por alterações motoras correspondentes, é conhecida como marcha jacksoniana. Utilizando o exemplo anterior, o paciente começa com clônus na mão esquerda que, progressivamente, passa a afetar também a face esquerda. Neste caso, o foco convulsivo está no córtex motor primário direito. Em geral, a atividade convulsiva é contida pela hiperativação reflexa de neurônios inibitórios no entorno do foco. Em todo o parênquima cerebral existe uma intricada rede de neurônios inibitórios que têm justamente essa função (“interneurônios”). Assim, tomandonovamente o exemplo anterior (crise focal motora), uma vez cessado o clônus sobrevém paralisia daquela região, a clássica paralisia de Todd (“pósictal”), que pode durar minutos ou horas, até que o reflexo inibitório se esgote. Quando o foco não consegue ser contido, tem-se o quadro conhecido como epilepsia parcial contínua. Crises convulsivas focais de caráter “não motor” (ex.: parestesias; alterações visuais, auditivas, psíquicas, autonômicas) são genericamente chamadas de auras. Crises Focais Com Sintomas Discognitivos As manifestações também dependem da região cortical afetada, mas o paciente perde a consciência. Tais manifestações aparecem antes, durante ou depois da perda de consciência. No modelo clássico, as crises focais com sintomas discognitivos se iniciam com uma aura (ex.: sensação de cheiro forte, como borracha queimada ou querosene), que geralmente é estereotípica para cada paciente. Em seguida vem uma súbita “parada comportamental”, sendo frequente que ocorram automatismos nesse momento (automatismos são movimentos que Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX fazemos sem precisar pensar, representando programas motores básicos armazenados em nosso cérebro, como piscar os olhos, mastigar, engolir, etc.). Cessada a crise, o paciente costuma “voltar” confuso, levando de minutos a horas para se recuperar. Amnésia anterógrada (a partir do início do evento) ou mesmo afasia (se o hemisfério afetado for o dominante) são comuns no período pós-ictal. Crises Focais Que Generalizam Aqui o paciente inicia com alguma manifestação focal (motora ou aura) que em seguida se transforma numa crise generalizada, habitualmente do tipo tônico- clônica. Não raro, na prática, é difícil caracterizar esta evolução, pois as manifestações focais iniciais podem ser sutis e de curta duração, passando despercebidas. Os circunstantes costumam valorizar apenas o quadro mais dramático de abalos musculares generalizados, e como o paciente costuma perder a consciência, ele pode não ser capaz de fornecer informações úteis. Na dúvida, a videoeletroencefalografia contínua pode ser de grande auxílio. É importantíssimo diferenciar esse tipo de crise da crise generalizada primária (aquela que já começa com acometimento simultâneo de ambos os hemisférios cerebrais) uma vez que as condutas diagnósticas e terapêuticas serão completamente diferentes para cada caso. Crises Generalizadas Apesar de serem definidas como crises que acometem ambos os hemisférios cerebrais simultaneamente, acredita-se que sempre haja um foco onde a atividade convulsiva começa. O que acontece nestes casos é a IMEDIATA disseminação da crise, sem dar tempo para a ocorrência de manifestações focais! Crises De Ausência Ausência “Típica” (Pequeno Mal). Caracterizada por episódios súbitos e breves (duração de segundos) de perda da consciência sem perda do tônus postural. A consciência retorna de maneira igualmente súbita, sem que haja manifestações pós-ictais. Muitas vezes nem o próprio paciente se dá conta de sua ocorrência! Trata-se de verdadeiros “lapsos” no funcionamento normal do indivíduo, ocorrendo dezenas a centenas de vezes ao longo do dia. Apesar da perda de consciência poder ser a única manifestação da crise de ausência típica, não é raro a presença de automatismos sutis durante o evento (ex.: piscar de olhos, mastigar, discreto clônus bilateral das mãos). As crises de ausência típica com frequência se associam a síndromes genéticas de epilepsia. Habitualmente se iniciam na infância (faixa etária entre 4-8 anos) e representam o principal tipo de crise em 15-20% das crianças epilépticas. No EEG, observa-se complexos “ponta-onda” de 3 Hz bilaterais e simétricos (isto é, em todas as derivações ao mesmo tempo), sobrepostos a um traçado de base NORMAL Esses complexos duram poucos segundos e podem ou não ser acompanhados de manifestações clínicas. A hiperventilação é um desencadeante previsível, e durante o EEG deve ser feita voluntariamente a fim de documentar um episódio. Nos quadros de pequeno mal isolado, o prognóstico é bom: a maioria dos pacientes melhora espontaneamente com o passar do tempo (raro após 20 anos de idade). Alguns pacientes, no entanto, desenvolvem outras formas de crise convulsiva, mantendo- se epilépticos pelo resto da vida. Ausência “Atípica” Difere da ausência típica pelo fato de os lapsos de consciência serem mais duradouros e não apresentarem início e fim tão súbitos, isto é, a crise evolui de forma gradual. Em geral há sinais motores mais grosseiros durante o evento. No EEG, observa-se complexos “ponta-onda” com frequência ≤ 2,5 Hz (atividade lenta), sobrepostos a um traçado de base ANORMAL As crises de ausência atípica aparecem no contexto de alterações estruturais difusas do cérebro, sendo comum a existência de franco retardo mental. Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX Crises Tônico-Clônicas É o tipo mais comum de crise convulsiva induzida por fatores desencadeantes (ex.: intoxicações, distúrbios metabólicos) e por este motivo é a mais encontrada na prática. Nos portadores de epilepsia, representa o tipo mais frequente de crise em cerca de 10% dos pacientes. As crises tônico-clônicas generalizadas (grande mal) começam com uma fase tônica (contração simultânea dos músculos esqueléticos do corpo, o que corresponde à despolarização exagerada e concomitante de todos os neurônios do córtex motor, nos dois hemisférios cerebrais). Diversos caracteres clássicos são explicados por este fenômeno, por exemplo: 1. grito ictal – contração dos músculos da expiração e da laringe, produzindo um som estridente; 2. mordedura dos lábios e/ou língua – contração súbita dos músculos da mastigação; 3. cianose – parada da ventilação pulmonar e acúmulo de saliva na orofaringe, bloqueando parcialmente a via aérea superior; 4. hiperatividade simpática – aumento de FC, PA, temperatura, midríase e sudorese. A fase tônica tem curta duração (10-20 segundos), sendo seguida pela fase clônica (períodos de relaxamento muscular sobrepostos à contração tônica de base, o que corresponde à ativação reflexa dos interneurônios inibitórios). O clônus diminui progressivamente, na medida em que o reflexo inibitório prepondera e acaba inibindo por completo a contração muscular, marcando o fim do “período ictal” (geralmente após cerca de um minuto). Neste momento o paciente encontra-se inconsciente, com paralisia flácida generalizada, sendo comum haver também relaxamento esfincteriano e consequente incontinência urinária e/ou fecal. A respiração retorna de forma ruidosa, devido ao já citado acúmulo de saliva na via aérea superior. A consciência é recuperada dentro de minutos ou horas (pacientes com doenças estruturais do cérebro demoram mais a se recuperar). Neste período é esperada a confusão mental pós-ictal. Queixas como cefaleia, mialgia e fadiga são comuns. A evolução da crise no EEG é a seguinte: na fase tônica surge um padrão generalizado de ondas rápidas de baixa voltagem, cuja amplitude aumenta progressivamente, até se transformar em polipontas de alta voltagem. A fase clônica começa quando as polipontas de alta voltagem passam a ser periodicamente interrompidas por ondas lentas, criando um padrão de “ponta-onda” cuja frequência vai diminuindo progressivamente, até predominar um traçado difusamente lentificado, que corresponde ao término da fase ictal. A atividade elétrica volta ao normal na medida em que o paciente recobra a consciência. Crises Tônicas E Crises Clônicas “Puras” São variantes da crise tônico-clônica generalizada em que predominam o componente tônico ou clônico, respectivamente, sem uma interpolação estereotipada de ambos. Crises Atônicas São caracterizadas por uma súbita e breve (1-2 segundos) perda do tônus postural,geralmente acompanhada de perda da consciência. A recuperação é igualmente rápida, sem manifestações pós-ictais. Na maioria das vezes nota-se apenas uma queda da cabeça (head drop), mas nas crises prolongadas ocorre queda da própria altura, com sério risco de traumatismo. O EEG revela um padrão difuso de complexos “pontaonda” imediatamente seguidos por ondas lentas, que correspondem à Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX perda do tônus muscular. Este tipo de crise também está muito associado com síndromes genéticas de epilepsia. Crises Mioclônicas Mioclonia é uma contração muscular involuntária súbita e breve, que envolve apenas uma parte do corpo ou o corpo inteiro (se parece com tomar um susto). Pode ocorrer de maneira fisiológica, por exemplo, quando estamos “pegando no sono”. Também pode ser causada por diversos fatores como distúrbios metabólicos e encefalopatias estruturais, sendo originada, nestes casos, por diferentes mecanismos. Diz-se que a mioclonia representa uma crise convulsiva quando sua ocorrência está sincronizada com surtos de atividade epileptiforme no EEG (complexos ponta-onda difusos). Em geral, as crises mioclônicas coexistem com outras formas de crise convulsiva em portadores de epilepsia, porém, é a forma predominante numa síndrome chamada epilepsia mioclônica juvenil. Espasmos Epilépticos Por terem mecanismo ainda incompreendido, não podem ser criteriosamente enquadrados no conceito de crise focal ou generalizada, sendo, portanto, considerados crises “não classificáveis” de acordo com os conhecimentos atuais. Clinicamente, os espasmos epilépticos se manifestam por movimentos súbitos de flexão ou extensão de grupamentos musculares proximais, afetando especialmente o tronco. No EEG observa-se hipsarritmia, um padrão caracterizado por um traçado de base caótico, com ondas pontiagudas multifocais e irregulares Durante o espasmo há supressão da atividade elétrica de base (ondas lentas gigantes), a chamada resposta eletrodecremental. Neste momento, a Eletroneuromiografia (ENMG) revela a presença de um padrão romboide de transmissão neuromuscular, o que ajuda a distinguir o espasmo epiléptico das crises tônicas e mioclônicas (cujo padrão na ENMG é normal). Trata-se de uma forma de crise convulsiva típica de crianças muito pequenas (< 1 ano de vida). Provavelmente decorre da imaturidade do SNC, pelo fato de os neurônios ainda não terem formado conexões intercelulares bem estabelecidas. Síndrome epiléptica O terceiro nível é o diagnóstico de uma Síndrome Epiléptica. Uma síndrome epiléptica se refere a um conjunto de características incluindo tipos de crises, EEG e características de imagem, que tendem a ocorrer juntas. Frequentemente tem características dependentes da idade tais como idade de início e remissão (quando aplicável), desencadeadores de crises, variação diurna e algumas vezes prognóstico. Ela também pode ter comorbidades distintas tais como disfunção intelectual e psiquiátrica e características eletroencefalográficas e em estudos de neuroimagem. Ela pode ter implicações etiológicas, prognósticas e terapêuticas. É importante notar que uma síndrome epiléptica não tem correlação um a um com o diagnóstico etiológico e tem um propósito diferente, como o de orientar o manejo clinico. Há várias síndromes bem reconhecidas como epilepsia ausência da infância, síndromes de West e de Dravet, embora deva ser assinalado que nunca houve uma classificação formal das síndromes epilépticas pela ILAE. Um website educacional da ILAE recentemente desenvolvido, epilepsydiagnosis.org, fornece uma fonte excelente para a compreensão dos parâmetros para diagnóstico, revisão de vídeos de tipos de crises e características EEG de várias síndromes estabelecidas, e tem sido recomendado como instrumento de ensinamento. Etiologias Desde o momento em que o paciente apresenta a primeira crise epiléptica, o clínico deve objetivar a determinação da etiologia de sua epilepsia. As primeiras investigações frequentemente envolvem neuroimagem, idealmente a RM quando disponível. Isto permite ao clínico decidir se há uma etiologia estrutural para a epilepsia do paciente. Pode ser classificada em mais de uma categoria etiológica; as etiologias não são hierárquicas e a importância dada ao grupo etiológico dependerá da circunstância. ➢ Etiologia estrutural Uma etiologia estrutural se refere a anormalidades visíveis em estudos de neuroimagem estrutural na qual a avalição eletroclínica em conjunção com os achados de imagem levam à um grau razoável de inferência de que a anormalidade da imagem é, provavelmente, a causa das crises do paciente. Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX Podem ser adquiridas como um acidente vascular cerebral, trauma e infecção, ou genéticas como várias malformações do desenvolvimento cortical. Apesar de existir uma base genética em tais malformações, é a alteração estrutural a responsável pela epilepsia desta pessoa. A identificação de lesões estruturais sutis requer estudos de RM apropriados utilizando protocolos específicos para epilepsia. Há associações bem reconhecidas entre as epilepsias com etiologia estrutural. Estas incluem o achado relativamente frequente de crises mesiais do lobo temporal com esclerose hipocampal. Outras associações incluem crises gelásticas com hamartoma hipotalâmico, síndrome de Rasmussen e Hemiconvulsão-hemiplegia-Epilepsia. O reconhecimento destas associações é importante para nos assegurarmos de que a imagem do paciente foi examinada de forma cautelosa buscando anormalidades estruturais específicas. Isto por sua vez enfatiza a necessidade de consideração para cirurgia de epilepsia caso o paciente não responda à terapia medicamentosa. A base subjacente à anormalidade estrutural pode ser genética, adquirida ou ambas. Por exemplo, a polimicrogiria pode ser secundária a mutações em genes como o GPR56, ou adquirida, secundária a infecção intrauterina pelo citomegalovírus. Causas estruturais adquiridas incluem a encefalopatia hipóxico-isquêmica, trauma, infecção e acidente vascular cerebral. Quando uma etiologia estrutural tem uma base genética bem estabelecida como o complexo da esclerose tuberosa, que é causada por mutações nos genes TSC1 e TSC2 que codificam a hamartina e a tuberina, respectivamente, ambos os termos etiológicos, estrutural e genética podem ser utilizados. ➢ Etiologia genética É aquela que o resultado direto de uma mutação genética conhecida ou presumida na qual as crises epilépticas constituem o sintoma central da doença. As epilepsias na quais a etiologia genética tem sido implicada são muito diversas e, na maioria dos casos, os genes responsáveis ainda não são conhecidos. Primeiramente, a inferência de uma etiologia genética pode ser baseada apenas em uma história familiar de um doença autossômica dominante. Por exemplo, na síndrome da Epilepsia Neonatal Benigna Familiar, a maioria das famílias tem mutações em um dos genes do canal de potássio, KCNQ2 ou KCNQ3. Inversamente, nos dias de hoje, na síndrome Epilepsia do Lobo Frontal Autossômica Dominante Noturna, a mutação subjacente é conhecida somente em uma pequena proporção de indivíduos. Em segundo lugar, uma etiologia genética pode ser sugerida pela pesquisa clínica em populações com a mesma síndrome como na Epilepsia Ausência da Infância e na Epilepsia Mioclônica Juvenil. Em terceiro, uma base molecular pode ter sido identificada, podendo implicar um único gene ou variações no número de cópias como efeito maior. Há um número crescente de pacientes com anormalidades genéticas conhecidas causando tanto epilepsias leves como graves. A genética molecular levou a identificação de mutações causadoras em um grande número de genes da epilepsia, mais frequentemente ocorrendo de novo, em 30% a 50% das crianças com encefalopatias epilépticase do desenvolvimento graves. O exemplo mais bem conhecido é o da síndrome de Dravet na qual mais de 80% dos pacientes têm uma mutação patogênica do gene SCN1A. É notável que uma etiologia monogênica possa causar um espectro de epilepsias indo desde formas leves até graves, tais como as mutações do SCN1A, associadas com a síndrome de Dravet e a Epilepsia Genética com Crises Febris Plus (GEFS+), e possa ter implicações no tratamento. A compreensão do espectro fenotípico associado a mutações de um gene específico é uma informação crítica, já que a descoberta de uma mutação em um gene específico pode não ser, por si só, capaz de predizer o prognóstico. A interpretação de sua significância necessita ser considerada no contexto da apresentação eletroclínica. Assim, até o presente momento, a maioria dos genes mostra heterogeneidade fenotípica e a maioria das síndromes revela heterogeneidade genética. Nas formas de epilepsia que seguem herança complexa, a qual implica que múltiplos genes com ou sem contribuição ambiental, podem ser identificadas variantes de susceptibilidade que contribuem para causar a doença mas são insuficientes, por si só, para causar epilepsia. Nesta situação, pode não haver história familiar de epilepsia pois outros membros da família podem não ter variantes dos genes de epilepsia suficientes para serem afetados. É importante ressaltar que genético não é sinônimo de hereditário. Um número crescente de mutações de novo está sendo identificado tanto em epilepsia leves como graves. Isto significa que o paciente tem uma mutação nova que surgiu nele ou nela, e que a mutação genética não foi herdada, e assim, é improvável que haja história familiar de crises. No entanto este paciente pode agora ter uma forma hereditária de epilepsia. Por exemplo, se um indivíduo tem uma mutação dominante de novo, sua prole terá 50% de chance de herdar a mutação. Isto não necessariamente significa que suas crianças terão epilepsia, já que a sua expressão dependerá da penetrância da mutação. Expandindo ainda mais estes conceitos, pacientes podem ser mosaicos para a mutação. Isso significa que eles apresentam duas populações de células, uma que contém a mutação e outra que tem o alelo tipo selvagem (normal). Mosaicismo pode impactar na gravidade de sua epilepsia, com taxas de mosaicismo mais baixas resultando em epilepsias de menor gravidade, como mostrado pelos estudos de SCN1A 53 . Uma etiologia genética não exclui uma contribuição ambiental. O fato de que fatores ambientais contribuem para a epilepsia é um conceito bem aceito; 16 por exemplo, vários Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX indivíduos com epilepsia são mais propensos a ter crises quando expostos a privação de sono, estrese e doenças. Uma etiologia genética se refere a uma variante patogênica (mutação) de efeito significante em causar a epilepsia do indivíduo. ➢ Etiologia infecciosa A etiologia mais comum em todo o mundo é a epilepsia que ocorre como resultado de uma infecção. O conceito de uma etiologia infecciosa é o de que as crises resultam diretamente de uma infecção conhecida na qual as crises epilépticas são os sintomas centrais da afecção. Uma etiologia infecciosa se refere a um paciente com epilepsia e não a crises ocorrendo no contexto de uma infecção aguda como meningite ou encefalite. Exemplos comuns em regiões específicas do mundo incluem neurocisticercose, tuberculose, HIV, malária cerebral, panencefalite esclerosante subaguda, toxoplasmose cerebral, e infecções congênitas como pelo Zika vírus e citomegalovírus. Estas infecções algumas vezes têm um correlato estrutural. Uma etiologia infecciosa carreia implicações de tratamento específico. Pode também referir-se ao desenvolvimento pós-infeccioso da epilepsia, tais como encefalites virais levando a crises após a infecção aguda. ➢ Etiologia metabólica Uma gama de distúrbios metabólicos estão associados a epilepsia. O conceito de uma epilepsia metabólica é que a epilepsia é o resultado direto de um distúrbio metabólico conhecido ou presumido no qual o sintoma central do distúrbio são as crises epilépticas. Causas metabólicas se referem a distúrbios metabólicos bem delineados com manifestações ou alterações bioquímicas em todo o corpo como a porfiria, a uremia, as aminoacidopatias ou as crises por dependência de piridoxina. Em vários casos, os distúrbios metabólicos terão um defeito genético. É provável que a grande maioria das epilepsias metabólicas terão uma base genética, mas algumas podem ser adquiridas tais como a deficiência cerebral de folato. A identificação de causas metabólicas específicas de epilepsia é extremamente importante devido as implicações terapêuticas específicas e a sua potencial prevenção de comprometimento intelectual. ➢ Etiologia imune O conceito de uma epilepsia imune é que ela resulta diretamente de um distúrbio imune no qual as crises são o sintoma central desta afecção. Uma gama de epilepsias imunes com apresentações características tanto em adultos como em crianças tem sido recentemente reconhecidas. Uma etiologia imune pode ser conceituada quando há evidência de uma inflamação imuno-mediada no sistema nervoso central. O diagnóstico destas encefalites imuno-mediadas está aumentando rapidamente, particularmente em decorrência do acesso maior a testagem de anticorpos. Exemplos incluem a encefalite anti-receptor NMDA e a encefalite anti-LGI1. Com a emergência destas entidades, este subgrupo etiológico mereceu uma categoria específica, particularmente devido as implicações terapêuticas com imunoterapias que visam estes alvos. ➢ Etiologia desconhecida O significado de desconhecida é que a causa destas epilepsias ainda não são conhecidas. Há vários pacientes com epilepsia para os quais as causas de suas crises ainda não são conhecidas. Nesta categoria não é possível fazer um diagnóstico específico além da semiologia eletroclínica básica tal como na epilepsia do lobo frontal. O grau de definição da etiologia vai depender da avaliação disponível para aquele paciente. Esta difere dependendo da instituição de saúde e do países e é desejável que melhore com o tempo em países menos desenvolvidos. Síndrome epiléptica é definida como um distúrbio epiléptico caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas que habitualmente ocorrem juntos. Esses sinais e sintomas podem ser clínicos (história clínica, tipos de crises, modos de ocorrência das crises e características neurológicas e psicológicas) ou detectados por exames complementares (eletroencefalograma (EEG), tomografia computadorizada (TC J e ressonância magnética [RM) do encéfalo). A proposta de Organização das Epilepsias de 2010, diferencia três grupos de epilepsias: • síndromes eletroclínicas; • entidades clínico-radiológicas ou constelações; • epilepsias não sindrômicas, que englobam as epilepsias atribuídas a diferentes etiologias estruturais ou metabólicas e as epilepsias de causas desconhecidas. Síndromes eletroclínicas são definidas como complexos que englobam características clínicas e sinais e sintomas que, juntos, definem um distúrbio epiléptico distinto, clinicamente reconhecível. Nelas, há fortes componentes genéticos relacionados ao desenvolvimento do sistema nervoso, e suas características eletroclínicas são relativamente homogêneas quanto a: apresentação, como idade de início e tipos de crises; evolução, como baixa frequência de crises e resposta satisfatória ao tratamento ou formas agressivas com graves comprometimentos neurológicos e involução no desenvolvimento; e Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX prognóstico, como formas autolimitadas relacionadas à idade ou manifestações duradouras, algumas vezes persistentes por toda a vida. Entidades clínico-radiológicas (ou constelações) são epilepsias que se distinguem das síndromes eletroclínicaspor se tratarem de formas de epilepsias com manifestações clínicas e eletrográficas multiformes, baseadas em lesões específicas. Nelas, o reconhecimento dessas características como uma entidade clínico-radiológica tem importância no tratamento, sobretudo o cirúrgico. Elas incluem a esclerose mesial do lobo temporal (com esclerose hipocampal), o hamartoma hipotalâmico com crises gelásticas, a síndrome da hemiconvulsão- hemiplegia-epilepsia (HHE) e a síndrome de Rasmussen. Contrariamente às síndromes eletrocllnicas, nesse grupo de distúrbios epilépticos, a idade de apresentação da epilepsia não é uma característica uniforme. Eles reúnem, entretanto, características suficientemente distintas para serem reconhecidos como entidades diagnósticas específicas. Se essas entidades clinicorradiológicas ou constelações serão ou não consideradas "síndromes eletroclínicas" agora ou no futuro é uma questão de menor importância. O fato é que elas precisam ser reconhecidas pelos clínicos visando à instituição do tratamento adequado para os pacientes com esses tipos de epilepsia. Síndromes eletroclínicas Epilepsias do período neonatal Crises neonatais benignas São crises clônicas, a maioria parciais, ou apneicas (mas nunca tônicas), que se repetem de forma reiterada ao redor do 5° dia de vida, sendo, por isso, denominadas "crises do 5° dia". Frequentemente configuram status epilepticus. Ocorre em neonatos normais e não apresentam substrato etiológico conhecido ou distúrbio metabólico concomitante. O EEG interictal pode mostrar um padrão típico denominado "teta pontiagudo alternante". Após o período neonatal, não há recorrência de crises e o desenvolvimento psicomotor não é afetado. Crises neonatais benignas familiares São distúrbios epilépticos raros, de herança dominante, que se manifestam com crises clônicas ou apneicas principalmente no 2° e 3° dias de vida, com achados EEG inespecíficos. A história e a investigação não revelam fatores etiológicos. Cerca de 14% desses pacientes desenvolverão epilepsia posteriormente. Trata-se de alteração genética localizada nos cromossomos 20 (20q13.3), na denominada EBNl, no cromossomo 8q24 (designada EBN2) ou em nenhum dos dois. Os genes foram identificados em 1998: KCNQ.2 (90o/o das famílias) e KCNQ.3; as mutações ocasionam perda da função de canais de potássio voltagem-dependentes, fundamentais na repolarização neuronal. Encefalopatia mioclônica precoce As principais características desta síndrome são: início antes dos 3 meses de idade, a princípio sob a forma de mioclonias fragmentares e depois com crises parciais Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX erráticas, mioclonias maciças ou espasmos tônicos. O EE G é caracterizado pelo padrão de surto-supressão, o qual pode evoluir para hipsarritrnia. O curso é grave, há interrupção do desenvolvimento neuropsicomotor e o lactente pode evoluir para óbito no 1° ano. Casos familiares são frequentes, dado sugestivo da influência de um ou vários erros inatos do metabolismo, mas não há padrão genético constante. Entre os erros do metabolismo, devem ser considerados, entre outros, a biperglicínemia não cetótica e a acidemia metilmalônica. Síndrome de Ohtahara Esta síndrome, descrita por Ohtahara, é definida como crises de início muito precoce, geralmente nos primeiros poucos meses de vida, e caracteriza-se por espasmos tônicos frequentes e padrão de surto-supressão no EEG, tanto em vigília como durante o sono. Podem ocorrer crises parciais. Crises mioclônicas são raras. Sua etiologia principal são malformações do desenvolvimento cortical, e o prognóstico é reservado com retardo grave no desenvolvimento psicomotor e intratabilidade das crises. Nos sobreviventes, há evolução frequente para síndrome de West aos 4 a 6 meses de idade. Epilepsias do lactente Crises febris Crises febris são relacionadas à idade e manifestam-se como crises convulsivas generalizadas associadas a doenças febris agudas. A maioria das crises febris é breve e não complicada (crises febris simples), mas algumas podem ser mais prolongadas e dimidiadas (crises febris complexas) e ser seguidas de sequelas neurológicas transitórias ou permanentes, como a síndrome de HHE. Há tendência para recorrência das crises febris em cerca de 1/3 dos afetados. As controvérsias relacionadas ao risco de desenvolvimento de epilepsia parecem ter sido resolvidas por algumas séries recentes com grande número de casos, que parecem estimar o risco em até 4%. A indicação para tratamento profilático prolongado com fármacos antiepilépticos (FAE) versus a recorrência de crises febris na maioria dos casos não se faz necessária. Essencialmente, essa condição é um distúrbio relativamente benigno da infância precoce. O termo epilepsia generalizada com crises febris plus (generalized epilepsy withfebrile seizures plus- GEFS+) define crises febris que, diferentemente das crises febris típicas, se iniciam mais cedo, antes dos 6 meses de idade, são múltiplas e se apresentam além da idade de 5 anos, remitindo ao redor de 11 anos. As crianças afetadas também têm crises não febris, geralmente generalizadas, crises tônico-clônicas generalizadas (TCG), ausências, mioclonias, crises atônicas ou mioclonoatônicas, além de crises parciais, as últimas presentes em menor número de pacientes. Síndrome de West Em geral, a síndrome de West consiste de uma tríade característica-espasmos infantis, interrupção do desenvolvimento neuropsicomotor e hipsarritmia, embora um desses elementos possa faltar. Os espasmos podem ser flexores, extensores e sutis ou sob forma de quedas da cabeça, embora, mais comumente, sejam mistos. O pico da idade de início é entre 4 e 7 meses e o início se dá sempre antes de 1 ano. Predomina em meninos e o prognóstico geralmente é ruim. A síndrome de West pode ser separada em dois grupos. O grupo sintomático, caracterizado pela ocorrência prévia de sinais de dano cerebral (retardo psicomotor, sinais neurológicos e radiológicos ou outros tipos de crises epilépticas) ou por uma etiologia conhecida. O grupo menor, idiopático, é caracterizado pela ausência de sinais prévios de dano cerebral e etiologia conhecida. O prognóstico é parcialmente dependente da terapia precoce com hormônio adrenoconicotrófico (ACTH) ou esteroides orais. Contudo, é relacionado, principalmente, ao caráter sintomático ou idiopático da síndrome. Quando tratados precocemente, alguns casos idiopáticos têm prognóstico favorável sem comprometimento psíquico ou desenvolvimento de epilepsia ulterior. Síndrome de lennox-gastaut (maior importância para prática clínica geral- medcurso) É definida pela tríade: (1) múltiplos tipos de crise convulsiva (tônicoclônica, tônica, atônica, ausência atípica); (2) EEG com descargas difusas do tipo “ponta-onda” < 3 Hz, associado a anormalidades do traçado de base; (3) alterações neuropsicomotoras, podendo incluir retardo mental. Possui diversas etiologias possíveis, como síndromes genéticas, anomalias do desenvolvimento cerebral, lesão hipóxicoisquêmica perinatal, trauma, infecções, entre outras. Representa, portanto, uma resposta inespecífica do cérebro à injúria difusa. Devido a sua associação com patologias estruturais graves, costuma ter péssimo prognóstico, além de má resposta ao tratamento anticonvulsivante. Manifesta-se em crianças entre 1 e 8 anos de idade, mas aparece principalmente em crianças em idade pré-escolar. Síndrome de Oravet (previamente conhecida como epilepsia mioclônica severa da infância) Suas características incluem história familiar de epilepsia ou crises febris e desenvolvimento normal antes do início das crises, que ocorre no 1° ano de vida sob a forma de crises generalizadas ou crises clônicas febris unilaterais, seguidas pelo aparecimento de mioclonias e, frequentemente, crises focais. Os EEG, inicialmentenormais, mostram descargas de espícula-onda e polispícula-onda generalizadas, fotossensibilidade precoce e anormalidades focais. O desenvolvimento neuropsicomotor é retardado a partir do 2° ano de vida, quando surgem ataxia, sinais piramidais e mioclonias interictais. Esse tipo de epilepsia é muito refratária a todas as formas de tratamento. A síndrome de Dravet pode representar o fenótipo mais grave no espectro da GEFS+,e mais de 80o/o dos casos são decorrentes de vários tipos de mutações genéticas no canal de sódio SCNlA. Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX Epilepsias da infância Epilepsia occipital precoce da infância (síndrome de Panaviotopoulos) A síndrome de Panayiotopoulos, com pico de idade de início entre 4 e 5 anos, é uma epilepsia idiopática autolimitada da infância caracterizada principalmente por crises autonômicas e status epilepticus autonômico, com duração de 30 minutos a 7 horas. Afeta crianças com desenvolvimento físico e neuropsicológico normal. O EEG mostra descargas occipitais ou em outras regiões. As manifestações autonômicas e o excelente prognóstico são os sintomas críticos cardinais desta síndrome. Epilepsia occipital da infância de início tardio (síndrome de Gastaut) Similar à epilepsia benigna da infância com pontas centrotemporais,as crises caracterizam-se por sintomas visuais (amaurose, fosfenos, ilusões ou alucinações) seguidos por manifestações hemiclônicas e automatismos. Em 25% dos casos, as crises são imediatamente seguidas por cefaleia migranosa. No EEG, há descargas de pontas-ondas rítmicas em áreas occipitais ou temporais posteriores, em um ou ambos os hemisférios cerebrais, predominantemente quando os olhos estão fechados. O prognóstico é mais reservado do que nas outras formas de epilepsia autolimitadas da infância. Epilepsia benigna da infância com pontas centrotemporais A epilepsia benigna da infância com pontas centrotemporais é uma sindrome de crises hemifaciais parciais motoras breves, simples, frequentemente associadas a sintomas somatossensitivos, que apresentam tendência a evoluir para crises TCG. Ambos os tipos de crises são frequentemente relacionados ao sono. O início ocorre entre 3 e 13 anos de idade (pico de 9 a 10 anos) e a recuperação ocorre antes de 15 a 16 anos de idade. Predisposição genética é frequente e predomina no sexo masculino. O EEG mostra descargas rombas centrotemporais de amplitude elevada, frequentemente seguidas de ondas lentas, que são ativadas pelo sono e tendem a se distribuir ora em um, ora em outro hemisfério cerebral. Epilepsia ausência do infância (picnolepsio) Ocorre em crianças normais na idade escolar (pico entre 6 e 7 anos) e apresenta forte predisposição genética. Mais frequente em meninas, é caracterizada por ausências muito frequentes (picnolepsia). O EEG mostra complexos de espícuJa- onda de projeção difusa, bilateral, síncrona e relativamente simétrica, em geral ritmados a 3 Hz, e atividade de base normal. Na adolescência, podem surgir crises TCG. Caso contrário, as ausências podem remitir, ou ainda, mais raramente, persistir como único tipo de crise. Epilepsias da adolescência/ idade adulta Neste grupo de epilepsias, estão as epilepsias generalizadas idiopáticas (EGI) ou genéticas que compreendem síndromes que não são causadas por uma doença ou lesão cerebral, sendo, muitas vezes, determinadas por fatores genéticos. Suas características fundamentais são crises que ocorrem durante a vigília, principalmente ao despertar, e que envolvem, em graus variados, amplas áreas de ambos os hemisférios cerebrais desde o início. São representadas por três síndromes: a epilepsia ausência juvenil, a epilepsia mioclônica juvenil e a epilepsia com crises TCG ao despertar. Epilepsia ausência juvenil As ausências da epilepsia ausência juvenil são as mesmas verificadas na epilepsia ausência da infância, embora ausências retropulsivas sejam menos comuns. Iniciada ao redor da puberdade, a frequência das crises também é menor do que na picnolepsia e as ausências são mais esporádicas, não ocorrendo todos os dias. A associação com crises TCG é frequente; este último tipo de crise precede as ausências mais frequentemente do que na epilepsia ausência da infância, e geralmente ocorrem ao despertar. Não é raro que os pacientes também apresentem mioclonias. A distribuição entre os sexos é igual e, no EEG, há complexos de espícula-onda ritmados a> 3 Hz. A resposta ao tratamento é excelente. Epilepsia mioclônica juvenil (síndrome de janz) (maior importância para prática clínica geral- medcurso) De etiologia desconhecida (provavelmente poligênica), em geral começa no início da adolescência (12-16 anos) e se caracteriza por mioclonias bilaterais isoladas ou repetitivas, em sincronia com alterações eletroencefalográficas correspondentes (complexos ponta-onda difusos). Os episódios são mais comuns pela manhã, ao despertar, e aumentam em frequência se houver privação de sono. A consciência pode ser mantida, se os ataques forem de curta duração. Boa parte dos pacientes também apresenta outras formas de crise convulsiva, como ausência (1/3 dos pacientes) e tônico-clônica generalizada. Não costuma evoluir para remissão espontânea, porém, responde de forma satisfatória ao tratamento anticonvulsivante. O principal diagnóstico diferencial da epilepsia mioclônica juvenil é a doença de Lafora, ou epilepsia mioclônica progressiva, condição autossômica recessiva que evolui com epilepsia de difícil controle, demência e óbito dentro de 2-10 anos após o início do quadro. O EEG mostra complexos poliponta-onda occipitais e traçado de base anômalo. A confirmação diagnóstica é feita através da biópsia de pele, que encontra corpúsculos de inclusão com material PAS+ nas células das glândulas sudoríparas. Epilepsia com crises TCG ao despertar A epilepsia com crises TCG ao despertar é uma síndrome geralmente iniciada na 2ª década da vida. As crises TCG ocorrem exclusivamente ou predominantemente (> 90% das vezes) logo após o despertar, sem relação com horário do dia, ou, em um segundo pico de ocorrência, em períodos de relaxamento no final da tarde. Outros tipos de crises incluem ausências e mioclonias, que podem ser precipitadas por Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX privação de sono e outros fatores externos. Predisposição genética é relativamente frequente. O EEG mostra padrão semelhante ao de outras EGI. Há correlação significativa com fotossensibilidade. Entidades clinicorradiológicas Por sua frequência e especificidade, entre as entidades clinicorradiológicas, devem ser consideradas: epilepsia por esclerose mesial temporal (esclerose hipocampal), síndrome HHE, hamartoma hipotalâmico e síndrome de Rasmussen. Epilepsia do lobo temporal mesial (maior importância para prática clínica geral- medcurso) É a principal causa de crise focal com alterações discognitivas. Apresenta uma lesão estrutural característica, evidenciada pela RM: esclerose do hipocampo (porção “mesial” do lobo temporal). O lobo temporal costuma ter seu volume globalmente reduzido. No EEG, observa-se pontas epileptiformes na porção anterior do lobo temporal, uni ou bilateralmente. Exames de imagem funcionais (ex.: PET-scan, SPECT) revelam hipometabolismo e hipoperfusão na área de esclerose. Responde mal aos fármacos anticonvulsivantes, porém pode ser CURADA por neurocirurgia, através da ressecção do foco das crises. A crise costuma ter um curso clínico estereotipado: inicialmente o paciente experimenta alguma forma de aura (crise focal não motora, p. ex.: desconforto epigástrico, sensação súbita e inexplicável de medo), para logo em seguida evoluir com parada comportamental, perda da consciência e amnésia anterógrada, podendo apresentar automatismos complexos nesse momento (ex.: expressão facial de emoções, correr, movimentode “pinçar” pequenos objetos com os dedos das mãos). Recobrada a consciência é comum haver desorientação pós-ictal. Se o foco estiver no lado dominante (geralmente o esquerdo), pode haver disfasia pós-ictal. Síndrome da hemiconvulsão-hemiplegia-epilepsia A síndrome de hemiconvulsão- hemiplegia (HH) é caracterizada por crises hemiclônicas prolongadas seguidas de hemiplegia, em geral permanente, associada a extensa atrofia do hemisfério envolvido. Anos depois, têm início crises focais do lobo temporal ou da área motora, configurando a epilepsia com hemiconvulsão e hemiplegia (HHE). O EBG mostra atenuação ealentecimento da atividade de base ipsilateral ao hemisfério lesado. Descargas epileptiformes são demonstradas no lado ipsilateral à lesão ou, dependendo da propagação para o hemisfério indene, do lado contralateral. Investigação Diagnóstica Todo paciente que dê entrada no DE com possível ou definida crise epiléptica deve imediatamente ser submetido a glicemia capilar. Se houver hipoglicemia, esta deve imediatamente ser corrigida (Algoritmos l e 2). As situações clínicas são extremamente variadas. Por exemplo: • Paciente epiléptico, em uso de anticonvulsivante e que parou de tomar por conta própria a medicação há alguns dias. Nesse caso, não há necessidade de exames complementares, apenas devendo ser prescrita a medicação de que o paciente faz uso (Tabela 4). • Algumas vezes, pacientes epilépticos em uso de uma ou mais medicações anticonvulsivantes, que chegam ao DE com uma nova crise, mas sem nenhuma nova manifestação, podem ser manejados de forma conservadora com aumento da dose da medicação. Outras vezes, pode ser necessária a dosagem sérica quando a medicação está em dose máxima (para ver se realmente há um nível terapêutico) ou se houver dúvidas da aderência (Tabela 4). • Em outro cenário completamente diferente, o paciente pode ser levado ao DE com crises reentrantes (estado epiléptico) e algum antecedente que indique uma grave doença sistêmica ou neurológica. Nesses casos, devem ser solicitados exames complementares. De uma maneira geral, exames complementares podem ser divididos em: 1. Avaliação de causas clínicas: hemograma, plaquetas, exames de coagulação, função renal, função hepática, glicemia, sódio, potássio, cálcio, magnésio, gasometria arterial, exame de urina, urocultura, hemoculturas etc. 2. Avaliação de intoxicações agudas: perfil toxicológico. 3. Dosagem sérica de antiepilépticos: útil em pacientes previamente epilépticos. 4. Avaliação de doença neurológica: tomografia ou ressonância. Se não houver uma causa plausível ou se houver suspeita de infecção do SNC, colher liquor (desde que não haja contraindicações). 5. Eletroencefalograma (ECG): exame que deve estar disponível no DE em caráter de urgência; pode ser crucial na definição de estado epiléptico não convulsivo em um paciente confuso ou rebaixado. O paciente deve ser mantido em observação até que sejam afastadas as causas acima. Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX Abordagem ao paciente com história de crise convulsiva A primeira pergunta a ser respondida é: foi o primeiro episódio ou o paciente já era sabidamente epiléptico? Primeiro Episódio Neste caso, temos três prioridades: (1) fazer diagnóstico diferencial com outros eventos paroxísticos (foi convulsão mesmo?); (2) identificar fatores precipitantes; (3) decidir se é necessário lançar mão de profilaxia com drogas antiepilépticas. A fim de esclarecer a natureza do evento é preciso coletar uma anamnese minuciosa, não apenas com o paciente, mas também com eventuais testemunhas. No período intercrítico tanto o exame físico quanto os exames complementares podem ser normais e, neste caso, o diagnóstico se baseia essencialmente na história clínica... Deve-se questionar o paciente sobre o que aconteceu antes, durante e após o evento! Nas crises tônico-clônicas generalizadas podem ou não haver sintomas premonitórios, por exemplo: auras, que como vimos são crise focais não motoras (neste caso, trata-se de crise focal com generalização secundária). Alguns pacientes com crises primariamente generalizadas referem queixas premonitórias inespecíficas que não podem ser caracterizadas como auras (pois aparecem horas ou dias antes da crise), como cefaleia, náuseas, entre outras. De qualquer modo, exceto nas crises focais sem sintomas discognitivos, em geral o paciente não se recorda do evento agudo e nem do período pós-ictal imediato, contudo, uma testemunha pode descrever com exatidão o que aconteceu. Deve-se inquirir a existência de fatores de risco e/ou fatores precipitantes. Por exemplo: crise febril na infância, epilepsia na família, história de trauma craniano, AVC, infecções do SNC e/ou neoplasia prévia. Nas crianças, avaliar se os marcos do desenvolvimento são adequados. Uso de drogas (prescritas ou ilícitas), privação de sono e doenças sistêmicas também devem ser pesquisados. O exame físico precisa ser abrangente, em busca de sinais de doenças infecciosas, cardiovasculares e/ou insuficiências orgânicas (renal, hepática). Todos os pacientes devem ser submetidos a exame neurológico completo. Uma bateria de testes laboratoriais para rastreio de alterações homeostáticas sistêmicas sempre deve ser solicitada após um primeiro episódio de crise convulsiva. Um exame de neuroimagem também é rotineiramente solicitado após um primeiro episódio de crise convulsiva, à procura de lesões que justifiquem o quadro! Exceção a essa regra se aplica aos casos de crises isoladas de ausência típica em crianças (condição benigna e não associada a anomalias anatômicas). O método de escolha é a Ressonância Nuclear Magnética (RM), de preferência com aparelhos de alta resolução (ex.: scanner de 3 tesla) que têm maior sensibilidade para a detecção de alterações na arquitetura cortical. A TC de crânio, por ser menos sensível, é reservada para os casos em que se suspeita de uma condição urgente (ex.: tumor, infecção) e a RM não se encontra prontamente disponível. Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX O Eletroencefalograma (EEG) não é feito de rotina, mas torna-se obrigatório quando se suspeita de epilepsia, isto é, quando o paciente tem duas ou mais crises convulsivas espontâneas. O objetivo é tentar caracterizar o padrão epiléptico, o que pode sugerir um diagnóstico específico. Se o exame for realizado durante o evento (EEG “ictal”), a demonstração de atividade elétrica anômala, excessiva e repetitiva/ritmada, com início e fim bem demarcados, confirma o diagnóstico de crise convulsiva. No entanto, é importante lembrar que um EEG normal, mesmo durante o evento, não necessariamente afasta o diagnóstico de crise convulsiva, pois o foco pode estar em regiões profundas do parênquima cerebral não “visualizáveis” por eletrodos colocados sobre o escalpo (somente eletrodos esfenoidais ou cirurgicamente implantados conseguiriam confirmar a atividade convulsiva nesse contexto). É importante perceber que crises generalizadas SEMPRE alteram o EEG convencional! Como as crises costumam ser infrequentes e imprevisíveis, pode-se lançar mão do EEG ambulatorial contínuo (≥ 24h), ou então internar o paciente num quarto especial onde é feita a videoeletroencefalografia contínua. Este último método é particularmente útil nos casos de diagnóstico duvidoso e no manejo da epilepsia de difícil controle. No período intercrítico o EEG também pode dar pistas... Mesmo na ausência de manifestações clínicas até 40% dos pacientes apresentam atividade epileptiforme basal (ex.: surtos de descargas neuronais anômalas, geralmente ondas pontiagudas). Se houver história sugestiva de crise convulsiva, tal achado se reveste de grande valor preditivo positivo. No entanto, é importante salientar que isso não é patognomônico de epilepsia (indivíduosnormais podem ter atividade epileptiforme transitória e assintomática), e em 60% dos epilépticos o EEG de base é absolutamente normal. Logo, o EEG interictal não afasta nem confirma o diagnóstico de epilepsia, apesar de poder corroborar a suspeita diagnóstica em casos selecionados. Outras finalidades do EEG no paciente epiléptico são: (1) auxiliar na escolha do tratamento anticonvulsivante, ao permitir a diferenciação entre crises focais x generalizadas; (2) estratificação prognóstica – um EEG interictal normal é sinal de bom prognóstico, ao contrário de um exame repleto de anomalias como “pano de fundo”. Enfim, a decisão de iniciar ou não Drogas Antiepilépticas (DAE) se baseia numa análise conjunta de todos os fatores que discutimos até aqui. Desse modo, num paciente que convulsiona devido a um distúrbio metabólico reversível e evitável (ex.: hipoglicemia), não há razão para se prescrever uma DAE. Por outro lado, no paciente com crises espontâneas ou lesões no parênquima cerebral, apresentando EEG “ictal” positivo, indubitavelmente uma DAE deverá ser prescrita. Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX Paciente sabidamente epiléptico Neste caso, temos duas prioridades: (1) identificar fatores precipitantes; (2) decidir se o tratamento atual está adequado. Maiores detalhes acerca do tratamento crônico serão vistos adiante. É importante salientar que quando existe um precipitante óbvio, como a má adesão ao tratamento anticonvulsivante (uma das principais causas de crise em indivíduos epilépticos), na ausência de outras suspeitas diagnósticas pode-se prescindir da realização de exames laboratoriais ou de imagem. Referências: FISHER, RS, et al. Operational classification of seizure types by the International League Against Epilepsy: Position Paper of the ILAE Commission for Classification and Terminology. Epilepsia. 2017. FISHER. RS, et al. Instruction manual for the ILAE 2017 operational classification of seizure types. Epilepsia. 2017. NETO, J. P. B. et al. Tratado de neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. 1.ed. São Paulo: Elsevier, 2019. Isadora Pedreira- Problema 04 Abertura. Módulo XX
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