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Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com Nutrição e comportamento L. Ribeiro Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com Copyright © 2020 de Lucas Ferreira Ribeiro. Todos os direitos reservados. Este livro ou qualquer parte dele não pode ser reproduzido ou usado de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor ou editor, exceto pelo uso de citações breves em uma resenha da obra. Segunda edição, 2020. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com Deixe-me adivinhar: você estuda nutrição todos os dias, sabe que entender o comportamento humano é essencial para o trabalho do nutricionista, porém não consegue encontrar bons materiais e referências sobre o assunto. Acertei? Se sim, foi porque o mesmo aconteceu comigo durante a graduação. Sentia que faltava algo no ensino tradicional e, ao mesmo tempo, não enxergava ciência nos livros disponíveis sobre comportamento alimentar. Foi exatamente esta lacuna no conhecimento que me levou ao caminho das neurociências e comportamento, viajando de Skinner a Kandel, pude entender que o comportamento alimentar é muito mais complexo e grandioso do que aparenta. Agora, escrevo este livro para te guiar na mesma jornada. Bem-vindo a bordo. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 6 Sumário I. INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR ... 10 O que é nutrição comportamental? ................................................. 11 A doutrina comportamental ............................................................ 11 A nutrição comportamental como ferramenta ............................. 14 Limitações ........................................................................................... 15 Aplicabilidade ..................................................................................... 17 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR .................... 18 Perspectiva evolutiva ........................................................................ 19 Regulação do consumo alimentar ................................................... 21 Regulação homeostática ................................................................... 22 Regulação hedônica ........................................................................... 24 Controle inibitório ............................................................................. 32 III. APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS ............... 35 Adaptação hedônica........................................................................... 36 Aprendizado ........................................................................................ 38 Erro preditivo ...................................................................................... 41 Antecipação e recompensa ............................................................... 47 IV. PISTAS ............................................................................. 52 Ambiente e alimentação ................................................................... 53 Diário alimentar ................................................................................. 54 Pistas e controle homeostático ........................................................ 58 V. PERCEPÇÃO ...................................................................... 61 Frustração e desistência .................................................................... 62 Comportamento compensatório ..................................................... 64 Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 7 VI. DESVIO HEDÔNICO PLANEJADO ................................. 67 Inibição e objetivos de longo prazo .................................................. 68 Desvio hedônico planejado ............................................................... 70 O doce no pós-treino .......................................................................... 71 VII. FUNÇÕES EXECUTIVAS ............................................... 73 Entendendo as funções executivas ................................................. 74 O cérebro .............................................................................................. 77 O papel do estresse ............................................................................. 79 Aprendizado e estresse ...................................................................... 82 VIII. COMPORTAMENTO E CICLO CIRCADIANO .............. 84 Tempo e metabolismo ....................................................................... 85 Relógios do corpo ................................................................................ 86 Sinais externos .................................................................................... 87 Disrupção circadiana ......................................................................... 88 Ciclo circadiano e metabolismo ....................................................... 88 Ciclo circadiano e regulação homeostática .................................... 89 Ciclo circadiano e regulação hedônica ............................................ 90 Acertando o relógio ............................................................................ 92 Aplicação.............................................................................................. 93 IX. EXERCÍCIO E COMPORTAMENTO ALIMENTAR ......... 94 Mudança de hábitos e emagrecimento ........................................... 95 Exercício e apetite .............................................................................. 96 Efeitos agudos ..................................................................................... 97 Efeitos crônicos na regulação homeostática ................................. 99 Efeitos crônicos na regulação hedônica .......................................101 X. INTUIÇÃO NA ALIMENTAÇÃO .................................... 106 Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 8 Regulação do consumo .................................................................... 107 Fome emocional ............................................................................... 109 Aprendizado ...................................................................................... 109 A obesidade ....................................................................................... 111 Intuição .............................................................................................. 112 Aplicação ........................................................................................... 113 XI. RESTRIÇÃO E COMPULSÃO......................................... 115 Episódio de descontrole alimentar ................................................ 116 Compulsão pelo DSM ....................................................................... 117 O papel da restrição .......................................................................... 120 XII. LINHA DE PRODUÇÃO DE COMPORTAMENTOS ..... 121 Pistas via wi-fi ................................................................................... 122 É fit ...................................................................................................... 124 XIII. REFERÊNCIAS ............................................................ 127 Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 9 Aos meus pais e exemplos de vida, Luiz e Juliana, e à mulher da minha vida, Talita. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegidopor E duzz.com 10 I. INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR I . INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 11 O QUE É NUTRIÇÃO COMPORTAMENTAL? Comportamento é o conjunto de respostas desencadeadas em um indivíduo em reação aos estímulos de um ambiente complexo e dinâmico. A nutrição comportamental é a área de estudo que busca entender a interação entre estes estímulos e o consumo alimentar, aplicando este conhecimento na prática clínica. A DOUTRINA COMPORTAMENTAL A enorme maioria do material disponível hoje sobre nutrição comportamental divide a nutrição em comportamental e tradicional, de maneira que a abordagem tradicional seria ultrapassada e obsoleta, e a comportamental, uma abordagem atualizada, que veio substituir a antiga. Os autores dos materiais que defendem a nutrição comportamental como abordagem absoluta, usualmente abusam da percepção pessoal sobre assuntos científicos complexos, muitas vezes extrapolando evidências e exagerando conceitos. Ao tratar o comportamento como um assunto raso, surgem afirmações e conceitos como: dietas engordam, dietas não funcionam e restrição gera compulsão. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 12 I. INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR Estas afirmações podem ser verdadeiras apenas quando ocorre um erro por parte do nutricionista, que acarreta, principalmente, na perda da adesão do paciente. A afirmação de que dietas engordam se refere ao reganho de peso após um processo de emagrecimento, popularmente conhecido como efeito sanfona, cujos mecanismos fisiológicos foram demonstrados com maestria nos estudos derivados do programa The Biggest Loser, como Fothergill et al. (2016). Esse efeito acontece principalmente quando a perda de peso se dá em um processo não sustentável no longo prazo, caracterizando um erro do nutricionista, que prioriza intervenções agressivas em detrimento da educação e empoderamento do paciente em relação às escolhas alimentares. A frase dietas não funcionam se baseia na mesma premissa. A frase restrição gera compulsão também não é, necessariamente, verdadeira, visto que apenas a restrição calórica mal planejada e executada tem a capacidade de ocasionar episódios de descontrole alimentar, e isso em indivíduos pré dispostos. É papel do nutricionista identificar estes casos e implementar outras medidas terapêuticas. A compulsão alimentar propriamente dita é caracterizada por comportamentos específicos, que serão abordadas mais à frente, no capítulo XI. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 13 Visto isso, a grande maioria dos casos descritos como compulsão alimentar, não o são, e embora a restrição possa desencadear um episódio compulsivo em indivíduos pré dispostos, este é um comportamento que pode acontecer independente desta, e requer tratamento psiquiátrico, muitas vezes com intervenção farmacológica. A revisão de Da Luz et al. (2015) nos mostra ainda que, mesmo uma restrição calórica severa, é neutra ou benéfica para indivíduos com diagnóstico de compulsão alimentar, reduzindo, na maioria dos casos, o número de episódios e a quantidade de alimento ingerida por episódio. Assim, é compreensível que a frase restrição gera compulsão seja aceita por muitos profissionais como verdadeira, mas conceitualmente está errada, uma vez que a restrição, mesmo em indivíduos pré dispostos, não gera o quadro de compulsão, apenas pode desencadear episódios. Existe também o conceito do comer intuitivo, tratado no capítulo X, onde, através da educação e conscientização, o indivíduo com obesidade conseguiria se guiar apenas pelos mecanismos de fome e saciedade, perdendo peso e melhorando a saúde geral sem a necessidade de qualquer ferramenta de restrição do consumo alimentar. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 14 I. INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR Essa abordagem desconsidera que indivíduos com obesidade tem disfunções no controle tanto homeostático (fisiológico; neuroendócrino) como hedônico (relacionado ao prazer ou recompensa do alimento) do apetite. Esses mecanismos e suas disfunções serão tratados com profundidade nos próximos capítulos. A NUTRIÇÃO COMPORTAMENTAL COMO FERRAMENTA A alimentação per se, é um comportamento que envolve fatores biopsicossociais, assim, toda e qualquer alteração na alimentação é, por definição, uma mudança no comportamento. Dessa maneira, é mais sensato considerar as mudanças comportamentais como ferramentas à disposição do nutricionista para auxiliar o paciente a cumprir metas e alcançar objetivos, e não como uma doutrina única e soberana. As ferramentas para mudança de comportamentos não só podem, como devem, ser utilizadas por qualquer nutricionista, com qualquer público, sozinhas ou em conjunto com os diversos tipos de abordagem. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 15 Tais ferramentas possibilitam o estabelecimento de hábitos duradouros, e são essenciais para a adesão do indivíduo ao planejamento alimentar. A Fig.1 ilustra as possíveis abordagens do nutricionista, organizadas pelo nível de controle do profissional sobre o consumo alimentar do paciente. LIMITAÇÕES O papel da nutrição comportamental, não é, de maneira alguma, resolver ou tratar transtornos psiquiátricos. Nestes casos a nutrição atua apenas como coadjuvante. Mesmo os transtornos psiquiátricos que envolvem alimentação, como a anorexia e bulimia, são tratados principalmente pela psicologia e psiquiatria. O papel do nutricionista é entender as demandas nutricionais de cada paciente (evitar síndromes de realimentação, verificar a função renal de pacientes que fazem o uso de diuréticos, induzir um superavit calórico adequado) e lidar com os possíveis colaterais dos fármacos utilizados no tratamento, nesse sentido, recomendo a leitura de Claudino et al. (2005). Além disso, cabe ao profissional exercer empatia, compreensão e não julgamento, mas isso não é condita exclusiva para o tratamento de transtornos alimentares. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 16 I. INTRODUÇÃO AO COMPORTAMENTO ALIMENTAR Fig. 1 Diferentes níveis de controle do nutricionista sobre o consumo alimentar do paciente. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 17 APLICABILIDADE O comportamento normalmente acontece em padrões, onde uma série de eventos se sucede em ordem definida sempre que o indivíduo é apresentado de uma situação específica. Chamamos esta resposta sequencial de padrão. Se um indivíduo hipotético fica triste (situação), ele pega uma barra de chocolate, vai para o quarto, escolhe uma série no Netflix, e come descontroladamente (sequência de eventos em ordem definida). Entender a interação entre comportamento e consumo alimentar permite que o nutricionista identifique e altere padrões comportamentais deletérios, modulando a quantidade, frequência, qualidade e percepção subjetiva acerca dos alimentos consumidos, através da formação de novos hábitos. Neste material, busco esclarecer a interação nutrição- comportamento, com embasamento nas neurociências, abordando ferramentas que podem ser utilizadas pelo nutricionista para melhorar os resultados do paciente. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 18 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR I I . REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR Licenciado para- E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 19 PERSPECTIVA EVOLUTIVA Em períodos anteriores à extensiva modificação do ambiente pela espécie humana, é pouco provável que existisse alguma população de indivíduos obesos, pois naquela época o ambiente era extremamente agressivo, e a escassez de alimento era uma situação muito mais comum que o excesso dele. Essa escassez constante de alimentos fez com que os indivíduos fossem selecionados e condicionados a apresentar respostas muito fortes aos estímulos orexígenos (que estimulam a alimentação), como a ausência de conteúdo gástrico, baixo percentual de gordura ou aumento do gasto energético, assim, qualquer sinalização de fome desencadeava uma resposta muito forte do indivíduo, que culminava na busca por alimento. Ademais, indivíduos com massa corporal demasiadamente aumentada ou diminuída eram prejudicados tanto no papel de predador, como de presa, o que favorecia a seleção de indivíduos com tendência à eutrofia, conforme abordado na Fig.2. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 20 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR Fig. 2 Probabilidade de sobrevivência do homem pré-histórico em relação ao peso corporal. Nas condições descritas, tanto indivíduos com tendência à obesidade, quanto indivíduos resistentes ao ganho de peso, permaneciam com composição corporal próxima à eutrofia. Isso sugere a existência de algum tipo de regulação do consumo alimentar que evite o consumo excessivo ou insuficiente de calorias. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 21 Desde esse período, a espécie humana evoluiu pouco ou nada em relação ao metabolismo energético, enquanto o ambiente evoluiu muito. Agora, um organismo moldado para viver em escassez de alimentos está inserido em um ambiente de abundância. A somatória de uma grande oferta de alimentos e uma resposta muito forte aos estímulos orexígenos, resulta na prevalência crescente de obesidade que observamos no contexto atual. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR A alimentação é um evento intermitente, governado por estímulos antagônicos orexígenos (que estimulam a alimentação ou busca por alimento) e anorexígenos (que inibem a alimentação ou busca por alimento). Quando esses estímulos se alternam de maneira adequada, a ingestão de calorias é similar ao gasto energético, evitando o ganho ou perda de peso expressivos. Dois tipos de mecanismos garantem a alternância adequada dos períodos de alimentação e jejum, são eles os mecanismos homeostáticos (quando o consumo é regulado pelo gasto energético e estoques corporais) e hedônicos (quando o consumo é regulado por fatores independentes da Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 22 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR homeostasia energética; relacionados principalmente ao prazer gerado e características subjetivas do consumo). O fato de que, quando expostos ao mesmo ambiente, alguns indivíduos desenvolvam obesidade e outros não, sugere a existência de características, homeostáticas ou hedônicas, que propiciam a hiperfagia em alguns indivíduos e não em outros. REGULAÇÃO HOMEOSTÁTICA A homeostasia é o estado de equilíbrio de um dado organismo, neste caso, o equilíbrio energético. Um indivíduo está em homeostase energética quando o gasto calórico total se iguala ao consumo. A regulação homeostática é mediada por mecanismos de curto e longo prazo. Como o foco desta obra é o controle hedônico da alimentação, não me aprofundarei nos mecanismos homeostáticos específicos, deixo apenas uma breve explicação para melhor compreensão. O estiramento da parede do estômago (com a ingestão de uma refeição volumosa) é capaz de enviar impulsos nervosos para o cérebro, sinalizando grupamentos de neurônios produtores de POMC (pró-opiomelanocortina) e CART (transcrito regulado pela cocaína e anfetamina), conhecidos como neurotransmissores anorexígenos. Esse é um dos motivos Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 23 pelos quais, fazer uma refeição volumosa, interrompe a sensação de fome. Ficar com o estômago vazio tem o efeito contrário, uma vez que a ausência de conteúdo estomacal desencadeia a liberação de grelina, que age no cérebro, estimulando uma população de neurônios produtores de NPY (neuropeptídio Y) e AgRP (peptídeo relacionado ao gene agouti), gerando uma forte sinalização orexígena. Os dois exemplos supracitados acontecem de maneira aguda, intercalando os estados de alimentação e jejum várias vezes ao dia. Outros mecanismos, os chamados mecanismos de longo prazo, modulam a ingestão de alimentos através de processos mais crônicos. A leptina é um hormônio produzido no tecido adiposo de maneira dose dependente: quanto mais tecido adiposo, maior a produção do hormônio. A leptina atua no hipotálamo, diminuindo o consumo alimentar no longo prazo. Quando as concentrações de leptina estão diminuídas, o consumo é estimulado. Este mecanismo mantém o percentual de gordura dentro de uma faixa considerada saudável, nem muito baixa, nem muito alta. Aparentemente, indivíduos com obesidade desenvolvem resistência à ação da leptina, fazendo com que não haja Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 24 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR inibição do consumo alimentar mesmo em concentrações elevadas do hormônio. A leptina é um mecanismo de controle homeostático do consumo alimentar de longo prazo, justamente, pois a massa de tecido adiposo não se altera de maneira significativa em um período curto. Esses foram apenas alguns exemplos de mecanismos do controle homeostático. A regulação homeostática completa é extremante complexa, e é ilustrada pela Fig.3 retirada de Damiani et al. (2011). REGULAÇÃO HEDÔNICA A regulação hedônica é a modulação da frequência, quantidade ou qualidade da alimentação por fatores não homeostáticos. De maneira simplificada, os mecanismos hedônicos respondem ao prazer (ou desprazer) gerado pelo consumo de determinado alimento. Alguns alimentos possuem características que, por mecanismos hedônicos, tendem a estimular o próprio consumo. Dizemos que estes alimentos têm elevado valor de reforço. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 25 Fig. 3 Representação dos mecanismos envolvidos na regulação do consumo alimentar. Retirado de Damiani et al. (2011). Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 26 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR O “valor de reforço” ou “reforço dos alimentos” representa a capacidade daquele alimento de reforçar um comportamento, aumentar a probabilidade de o mesmo acontecer no futuro. O reforço recebe este nome, pois quando consumimos um alimento gerador de grande reforço, a probabilidade de consumirmos o mesmo alimento no futuro aumenta. Dizemos que o alimento reforçou aquele comportamento. Quando um alimento gera uma sensação desagradável, a probabilidade de consumo futuro diminui, neste caso, o alimento não gera reforço, mas punição. Alimentos hiperpalatáveis, com conteúdo elevado de calorias, açúcares, e gorduras saturadas tendem a gerar maior reforço. A capacidade reforçadora de um determinado alimento, entretanto, pode ser modulado por algumas variáveis, entre elas: Dessensibilização A medida em que somos expostos a um mesmo estímulo, a magnitude do estímulo diminui. A primeira barra de chocolate, por exemplo, tem maior valor de reforço do que a segunda e a terceira barras. O mesmo é válido para estímulosnegativos. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 27 Muitos indivíduos têm aversão à maioria dos vegetais ou alimentos com sabor mais amargo/azedo. Essa punição pode ser amenizada com a exposição repetida: começar ingerindo uma menor quantidade desses alimentos, misturados a outros, e gradualmente aumentar a quantidade, é uma estratégia válida para que o consumo de vegetais pare de ser percebido com um estímulo desprazeroso, por exemplo. Um excelente exemplo de dessensibilização a estímulos negativos, é o sabor amargo da cerveja: Quando iniciamos o consumo de álcool, o sabor da cerveja é desagradável e aversivo, mas como há incentivo social para o consumo, continuamos a expor o paladar ao amargor e, com o tempo, o sabor se torna neutro ou agradável. Quando consideramos alimentos com alto valor de reforço (mais palatáveis), a sensação prazerosa após a ingestão (recompensa) também diminui, mas neste caso, não ocorre uma diminuição do consumo. O fenômeno da dessensibilização (adaptação hedônica) e o motivo pelo qual o consumo de alimentos hiperpalatáveis não é inibido com a dessensibilização, serão tratados mais a frente, no tópico adaptação hedônica. Saciedade sensorial específica Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 28 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR Em uma refeição contendo vários alimentos, a dessensibilização abordada no tópico anterior vale para cada alimento de maneira separada. Considerando uma refeição com arroz, feijão e carne. Quanto mais comemos arroz, menor o estímulo para continuar comendo o arroz e maior o estímulo para comermos feijão e carne. O exemplo acima pode parecer bobo, mas a saciedade sensorial específica (SSE) ganha importância quando falamos da monotonia da dieta. A monotonia tratada aqui não é uma característica negativa, nem remete a uma dieta mal elaborada, mas é uma medida terapêutica que deve ser prescrita de acordo com as características do paciente. Indivíduos com problemas por comer de maneira descontrolada (exceder a quantidade prescrita no planejamento), podem se beneficiar de um menor número de substituições e menor número de alimentos por refeição. A adição de molhos às refeições também estimula o consumo. Isso costuma ser problemático principalmente nas refeições livres para indivíduos que tendem a comer exageradamente, mas pode ser usado de maneira benéfica para estimular o consumo de alimentos para os quais o indivíduo não apresenta tanta preferência (usar molhos variados para a salada, por exemplo). Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 29 Nem todos os pacientes se beneficiarão de uma dieta com variedade reduzida, e mesmo os que necessitam de tal medida, ainda devem ter alguma flexibilidade, visto que a rotina (disponibilidade de alimentos, irregularidade de horários, situações sociais) também não é completamente fixa. Uma dieta que se distancie da rotina do paciente tende a gerar menos adesão. Palatabilidade Algumas características são, de maneira geral, consideradas de maior reforço, como o sabor doce, crocância e maior quantidade de sódio e gorduras saturadas. Alimentos com grande presença destas características são chamados hiperpalatáveis. A inclusão de alimentos hiperpalatáveis no cardápio não tem, necessariamente, repercussão metabólica negativa (desde que haja demanda calórica para tal, e o consumo não represente uma grande parte das calorias diárias), mas pode desencadear episódios de hiperfagia em indivíduos propensos. Alguns indivíduos conseguem se limitar, por exemplo, aos 40 gramas de doces prescritos no planejamento, outros irão ingerir uma quantidade muito além da estipulada. Quando há um descontrole associado ao consumo de alimentos hiperpalatáveis, é prudente não os incluir no planejamento com frequência. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 30 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR Algumas vezes o descontrole acontece apenas com alimentos específicos (há descontrole com chocolate, mas não com bolo de cenoura, por exemplo). Neste caso a exclusão temporária faz sentido apenas para o alimento problemático. Fome A fome, obviamente, faz parte da regulação homeostática por estar relacionada a baixa disponibilidade de substrato energético ou elevada demanda, mas também participa da regulação hedônica. O estado de jejum prolongado é responsável pela inibição de áreas específicas do cérebro, que atuam no controle inibitório, que será tratado em tópico específico, mais à frente. Basicamente, estas áreas, como o córtex pré frontal, são responsáveis pela tomada de decisões que exijam a inibição uma vontade imediata em prol de um objetivo futuro maior (por exemplo, resistir à vontade de comer um doce agora, pois você sabe que está em um processo de emagrecimento). Quando estamos com fome e a atividade destas áreas cerebrais está diminuída, apresentamos tendência a tomar decisões que favoreçam o prazer imediato, assim, ir às compras com fome pode resultar na escolha de alimentos mais palatáveis e calóricos. O prejuízo à tomada de decisões também é um importante argumento a favor de dietas mais estruturadas, pois a maior Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 31 rigidez evita que o paciente precise tomar muitas decisões logo antes das refeições (período onde provavelmente haverá maior sensação de fome). Experiências passadas A regulação hedônica não está ligada apenas às propriedades sensoriais dos alimentos. Experiências no período logo após a ingestão (pós- ingestional) podem moldar o valor de reforço dos alimentos, conforme demonstrado no artigo de Saper et al. (2002), onde ratos que consumiram uma refeição com alto valor de reforço (hiperpalatável) adicionada de lítio (que gera sintomas de náusea e mal-estar) desenvolveram aversão àquela refeição no futuro, mesmo que o sabor outrora fosse apreciado. O sentimento de nostalgia ou lembranças agradáveis também podem estimular o consumo, e estes não dependem apenas do alimento per se, mas também da apresentação, ambiente de consumo, companhia, etc. Um indivíduo hipotético pode gostar de bolo de fubá, e gostar muito mais do bolo de fubá feito pela avó, servido em um ambiente específico e consumido com a companhia específica que remetam a uma situação experienciada com frequência na infância. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 32 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR Alimentos que evocam nostalgia costumam ter um grande valor sentimental para o paciente. Manter estes alimentos com certa frequência no planejamento tende a aumentar a adesão. CONTROLE INIBITÓRIO Os impulsos são respostas automáticas fortes, que se manifestam sempre que o indivíduo é exposto à determinada situação, como uma resposta automática. Exemplo destes impulsos e suas respostas automáticas são: quando alguém tem fome, tem vontade de buscar alimento e comer; quando alguém sente sono, tem vontade de deitar e dormir na mesma hora; quando alguém fica excitado, tem vontade de procurar um parceiro e transar. Embora sejam respostas automáticas, a satisfação incondicional destes impulsos não é possível por vários fatores: por gerar prejuízo a longo prazo, impedir a conquista de objetivos futuros, não serem socialmente aceitos, entre outros. Desta maneira, precisamos constantemente inibir estes impulsos, exercendo o chamado controle inibitório. Quando aplicado a alimentação, o controle inibitório entra como a capacidade de resistir a tentações alimentares, ou a capacidade de dizernão. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 33 Eu entendo que temos vontade de comer doces e alimentos gordurosos todos os dias e em todas as refeições, mas a satisfação incondicional desta vontade nos leva a prejuízos estéticos e à saúde. Muitas das escolhas que fazemos, envolvem a preferência temporal (roubei este termo da economia, mas acredito que também se aplique à nutrição), ou seja, a preferência por uma recompensa imediata menor ou uma recompensa tardia maior. Na economia, indivíduos poupadores (que se privam da recompensa imediata de comprar algo, para comprar algum bem de grande valor no futuro) são os que tem uma baixa preferência temporal, enquanto os gastadores, tem uma preferência temporal alta. Toda tarefa que precisa ser realizada de maneira repetida para que o indivíduo alcance um objetivo de longo prazo (preferência temporal baixa, como em uma dieta) exige um forte controle inibitório. Conforme o tópico anterior, a principal área do cérebro responsável pelo controle inibitório é o córtex pré frontal. Muitos fatores podem causar a diminuição do controle inibitório: além da fome, já citada, e o consumo de álcool, a inibição de um estímulo por um longo período tende a Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 34 II. REGULAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR aumentar o valor de reforço daquele estímulo, dificultando o controle inibitório. Se um indivíduo, por exemplo, decidir retirar todo e qualquer doce da alimentação, quão maior a duração da restrição, maior a vontade de comer doces. Para driblar a dificuldade do controle inibitório causada pelo mecanismo explicado no parágrafo anterior, podemos implementar as refeições livres, ou como prefiro chamar, desvios hedônicos planejados, tratados no capítulo VI, mais à frente. Podemos concluir que fazer dieta é difícil, pois o indivíduo precisa inibir constantemente a vontade de furar a dieta para alcançar o objetivo final. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 35 I I I . APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 36 III. APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS ADAPTAÇÃO HEDÔNICA A teoria da adaptação hedônica sugere que, apesar dos diversos fatores que podem influenciar o nível de felicidade ou satisfação de um indivíduo, ao longo da vida esse nível tende a se manter constante. Um indivíduo com um nível de felicidade x que passa por um evento gerador de felicidade/satisfação, como comprar um carro novo, tem um aumento agudo deste nível. Com o passar do tempo, o carro novo passa a ser algo normal, e o sujeito volta ao nível de felicidade basal x. O mesmo vale para a situação contrária, como o falecimento de um ente próximo, que gera uma tristeza momentânea, mas com o passar do tempo essa tristeza passa, e o nível de felicidade volta ao basal. Outro nome para essa teoria é hedonic treadmill, ou esteira hedônica, pois segundo a proposição, para que houvesse elevação duradoura do nível de felicidade de um indivíduo, ele precisaria estar em constante esforço, e caso parasse, o nível de felicidade voltaria ao basal, da mesma maneira que um indivíduo precisa se manter em movimento quando em uma esteira ergométrica. A Fig.4 ilustra a teoria. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 37 Fig. 4 Representação de estímulos bons e ruins, causando euforia ou miséria de maneira temporária, com retorno ao nível basal de felicidade após determinado período. O modelo acima mostra que um estímulo novo/desconhecido gera uma resposta forte em um primeiro momento, e o mesmo estímulo após repetido várias vezes, gera pouca ou nenhuma resposta (como no exemplo, andar com o carro novo pela primeira vez seria o estímulo novo/desconhecido, e andar com o carro novo pela centésima vez, o estímulo já conhecido/repetido). Em algum momento entre uma resposta forte e pouca ou nenhuma resposta houve um processo de aprendizado/adaptação. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 38 III. APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS APRENDIZADO Sempre fomos ensinados que a dopamina é um sinalizador de recompensa, relacionado principalmente ao prazer de comer. Romo et al. (1990) trouxeram outra visão à função da liberação dopaminérgica, principalmente no que diz respeito à alimentação. No experimento com macacos em ambiente controlado, os pesquisadores colocavam uma porção de alimento palatável (doce) em uma caixa. Os animais poderiam então puxar uma alavanca e comer o alimento. Na primeira vez em que os pesquisadores realizaram o procedimento, o macaco puxou a alavanca, pegou o alimento e ingeriu. No momento da ingestão houve uma grande resposta dopaminérgica (pico; maior liberação) como esquematizado na Fig.5. Neste contexto, podemos dizer que a dopamina se relaciona com a recompensa, pois coincide com o momento em que o gosto bom e sensação prazerosa foram vivenciados. Esse padrão de liberação aumentada de dopamina durante a ingestão do alimento se manteve durante as primeiras ocasiões de disponibilidade. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 39 Fig. 5 Figura adaptada de Schultz (1977), mostrando a resposta dopaminérgica de macacos expostos a uma recompensa alimentar. Depois de várias ocasiões de disponibilidade (várias repetições do mesmo procedimento), os pesquisadores notaram que não havia mais resposta dopaminérgica quando o alimento era ingerido, mas sim um pico de liberação dopaminérgica no momento em que o indivíduo acionava a alavanca, na Fig.6. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 40 III. APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS Fig. 6 Figura adaptada de Schultz (1977), mostrando a resposta dopaminérgica de macacos expostos a uma recompensa alimentar. Podemos perceber que no primeiro contato, o indivíduo não esperava receber recompensa alguma, e quando recebe, tem uma maior atividade dopaminérgica. A liberação de dopamina com o recebimento da recompensa inesperada ensina o indivíduo que acionar a alavanca desencadeia uma cascata de eventos que culmina em uma sensação boa. Nas próximas vezes que o indivíduo tiver a oportunidade de acionar a alavanca, terá uma atividade dopaminérgica aumentada antes mesmo de receber a recompensa. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 41 Podemos perceber então que a dopamina não é exatamente um sinalizador de recompensa ou prazer, mas um sinalizador de aprendizado e incentivo: quando o indivíduo já conhece o estímulo, a liberação aumentada de dopamina acontece sempre que este indivíduo vislumbra a possibilidade de receber o alimento, e este é o incentivo para que ele acione a alavanca. A este incentivo, damos o nome de antecipação. O processo de aprendizado acontece quando há uma diferença entre a predição (o que o animal espera que aconteça) e o resultado (o que realmente acontece). Chamamos este processo de erro preditivo. ERRO PREDITIVO Em um ambiente complexo, é favorável que os indivíduos consigam prever eventos futuros (como locais onde é provável que um predador esteja) para aumentar as chances de sobrevivência. Para isso, desenvolvemos a capacidade de nos basearmos em experiências passadas para prever situações futuras. O mecanismo pelo qual assimilamos uma relação de causa- consequência, que será utilizada para previsão de eventos futuros, dependedos acontecimentos explicados a seguir. Sempre que não estamos esperando (prevendo) uma recompensa, e ela acontece, há uma grande liberação de Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 42 III. APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS dopamina que ensina que a condição que antecedeu a recompensa é a responsável pela sensação boa. Quando o macaco aciona a alavanca e recebe o alimento (recompensa), ele associa o puxar da alavanca com a sensação boa vivenciada ao consumir o alimento. Depois de algumas repetições deste processo, a liberação da dopamina não vem mais durante a ingestão do alimento, mas ao puxar a alavanca (antecipação). Assim, podemos dizer que a dopamina não é a responsável pela recompensa ao se consumir um alimento palatável, pois isso só acontece quando você ainda não está habituado ao consumo. Uma vez que você já conhece o alimento e prevê que a sensação ao comer será boa, a dopamina é liberada em antecipação, e serve justamente para estimular o consumo. Mas o que acontece se o macaco ativar a alavanca e a recompensa não for oferecida? Nesta ocasião também ocorre o corre o que chamamos de erro preditivo: o indivíduo prevê uma sensação boa, mas esta sensação não acontece, e o resultado é a resposta dopaminérgica representada na Fig.7. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 43 Fig. 7 Figura adaptada de Schultz (1977), mostrando a resposta dopaminérgica de macacos expostos a uma recompensa alimentar. Quando a alavanca é acionada e não há recompensa, podemos observar uma supressão da atividade dopaminérgica. No caso de uma predição de recompensa não correspondida (erro preditivo) o indivíduo tem um sentimento negativo que poderia ser, por exemplo, tristeza ou frustração. Podemos concluir que quando há um estímulo bom, que acontece com certa frequência, o indivíduo fica condicionado a esta recompensa e tem um forte estímulo antecipatório. Uma vez condicionado, se a recompensa for oferecida, este indivíduo não fica mais eufórico, apenas mantém o nível de Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 44 III. APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS felicidade basal, e se a recompensa não for oferecida, há uma supressão da atividade dopaminérgica e o indivíduo vivencia uma experiência negativa. O estudo vai ao encontro da teoria da adaptação hedônica: um estímulo bom, quando acontece de maneira repetida, para de ser bom e se torna apenas normal ou neutro. Da mesma maneira que um estímulo bom, com o tempo se torna apenas um estímulo neutro, um estímulo ruim, com o tempo, também se torna apenas um estímulo neutro. Se os pesquisadores do estudo anterior parassem permanentemente de oferecer alimentos palatáveis a partir do acionamento da alavanca, dentro de algum tempo os animais não apresentariam mais a liberação antecipatória de dopamina. As conclusões tiradas do estudo podem ser aplicadas também ao comportamento alimentar de humanos quando trocamos, por exemplo, a recompensa por uma barra de chocolate, e a alavanca por uma cafeteria no caminho para o trabalho. O processo de aprendizado (ou condicionamento) aconteceria da seguinte maneira: 1. Na primeira vez que o indivíduo decidiu entrar na cafeteria e comer o chocolate, houve uma grande liberação de dopamina durante o consumo. 2. O indivíduo repetiu a prática por mais alguns dias. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 45 3. A liberação de dopamina agora acontece não mais no momento do consumo do chocolate, mas quando o indivíduo passa em frente à cafeteria. 4. O forte estímulo antecipatório faz com que ele entre e coma o chocolate todos os dias que passa em frente à cafeteria, mesmo sem a recompensa tão grande quanto antes. 5. Agora dizemos que esse indivíduo está condicionado, ou que ele criou um hábito. É exatamente por isso que é extremamente difícil mudar hábitos estabelecidos: A mudança não depende de força de vontade ou motivação subjetiva apenas, já que hábitos são fruto de uma sinalização neuronal que estimula sua propagação. Então, quando o nutricionista simplesmente recomenda ao paciente: “evite o consumo de doces”, é como se ele entrasse na jaula do macaco do estudo, e pedisse para o primata parar de acionar a alavanca. Mesmo que o macaco pudesse entender e concordar, na primeira oportunidade de acionar a alavanca, ele teria uma atividade dopaminérgica antecipatória, que o levaria a consumir o alimento independente da recomendação do nutricionista, ou não consumir o alimento e vivenciar uma Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 46 III. APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS experiência tida como negativa (pela diminuição da atividade dopaminérgica). Qualquer um dos possíveis desfechos dificulta a mudança de hábitos estabelecidos, assim, parece muito mais eficiente utilizarmos outra estratégia: retirar a alavanca, ou no caso dos humanos, as pistas ambientais. Se passar em frente à cafeteria faz com que o indivíduo entre e consuma o doce, sugira a mudança de caminho para que a pista ambiental (situação do ambiente que leva ao consumo do alimento) não esteja mais presente. Pistas ambientais comuns são: estabelecimentos de alimentação que ficam em caminhos percorridos diariamente, alta disponibilidade de hiperpalatáveis em casa ou no trabalho, e alimentos mantidos a vista ou em lugares de fácil acesso (gaveta do escritório, por exemplo; Wansink et al. (2006)). A identificação das pistas pelo nutricionista é a base para a mudança de hábitos. Mesmo com a eliminação das pistas, ainda haverá um erro de predição (aquela recompensa era esperada naquele horário e situação), e sobre isso, temos 2 pontos a serem considerados: • A eliminação de um hábito vai causar algum nível de desprazer, o erro de predição vai acontecer invariavelmente, mas com o passar do tempo o indivíduo passa a prever que não receberá a recompensa e isso para de ser considerado como desprazeroso. O tempo até que o Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 47 indivíduo não se sinta mais desconfortável em deixar de comer a barra de chocolate é variável entre indivíduos, mas acontece (de 18 a 254 dias no estudo de Lally et al. (2010)). • Inserir, no mesmo horário, outra situação que gere recompensa, mas que não seja tão deletéria quanto comer descontroladamente, facilita a eliminação do hábito. Ler um bom livro, ter interação social, assistir um filme ou fazer sexo, são exemplos de estímulos que também podem gerar recompensa e não causam os malefícios da alimentação descontrolada. A identificação e manejo das pistas ambientais serão tratadas mais à frente, no capítulo IV. ANTECIPAÇÃO E RECOMPENSA O fenômeno da antecipação é o principal estímulo hedônico para o consumo de alimentos. Quanto mais antecipação um alimento gera, maior o estímulo que o indivíduo tem para ingeri-lo, e mais esforço ele está disposto a empregar para que isto aconteça. Podemos considerar a antecipação como um estímulo pré-prandial. A recompensa se dá pela percepção favorável que o indivíduo tem durante e logo após a ingestão, sendo caracterizada com um fenômeno pós prandial. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 48 III. APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS Os dois fenômenos não ocorrem de maneira independente, uma vez que um alimento gerador de grande recompensa será um alimento que também tende a gerar grande antecipação (o indivíduo sabe que determinado alimento gerou uma resposta favorável da última vez que foiconsumido, e prevê que irá gerar a mesma resposta da próxima vez). O fato de que, em um ambiente obesogênico, alguns indivíduos se tornam obesos e outros se mantém eutróficos, sugere que a sinalização de antecipação e recompensa acontece de maneira distinta para pessoas com tendência ou resistência ao ganho de peso. Partindo desse pressuposto, foram propostas duas teorias para a susceptibilidade ou resistência dos indivíduos ao ganho excessivo de peso: A primeira teoria (modelo da recompensa excessiva) propõe que indivíduos suscetíveis, tem uma resposta de recompensa aumentada ao consumo de alimentos hiperpalatáveis, fato que geraria uma maior antecipação e aumentaria de maneira exagerada o consumo. Outra teoria (modelo da recompensa deficitária) prega justamente o contrário: indivíduos suscetíveis teriam uma resposta de recompensa diminuída em relação a indivíduos resistentes. Isso faria com que estes indivíduos, com recompensa diminuída, precisassem consumir uma maior Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 49 quantidade de alimento, de maneira mais frequente, para alcançar o mesmo nível de satisfação ou felicidade. As duas teorias se provaram válidas, com evidências mostrando que: a. Quando comparados a indivíduos eutróficos, os obesos têm uma menor resposta dopaminérgica à ingestão de alimentos palatáveis, e que nesta população, a ligação entre a dopamina e seu receptor parece ser mais fraca, contribuindo para o modelo da recompensa deficitária. b. Indivíduos obesos, quando apresentados de fotografias de alimentos hiperpalatáveis, tendem a apresentar maior atividade das áreas cerebrais ligadas à recompensa, em relação a indivíduos magros, corroborando com o modelo da recompensa excessiva. A partir das evidências acima, que favorecem ambas as teorias contrárias, Stice et al. (2012) propuseram o modelo da vulnerabilidade dinâmica. Esse modelo propõe que indivíduos com tendência à obesidade vivenciam uma recompensa aumentada ao consumo alimentar, principalmente de alimentos com alto conteúdo de açúcares e gorduras. A recompensa aumentada gera um aumento proporcional da busca por estes alimentos (antecipação), aumentando a quantidade e frequência de consumo, e levando ao ganho de peso e obesidade. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 50 III. APRENDIZADO E FORMAÇÃO DE HÁBITOS Com o passar do tempo, a ativação exagerada das vias neuronais do chamado sistema de recompensa, faz com que o indivíduo comece a se tornar resistente à estes estímulos, vivenciando uma recompensa cada vez menor, e agora, podendo aumentar o consumo na tentativa de alcançar o mesmo nível de satisfação de outrora. Mas se o indivíduo tem uma recompensa menor com o passar do tempo, por que não para de consumir o alimento, uma vez que isso não gera o mesmo prazer? Além do fenômeno da antecipação, descrito anteriormente, que propaga o hábito mesmo perante a diminuição da recompensa, a percepção de bem-estar gerada pelo consumo de alimentos hiperpalatáveis pode (e provavelmente vai) fazer com que o indivíduo comece a usar este alívio imediato induzido pela recompensa alimentar, para contrabalancear momentos de desconforto (como estresse, tristeza e frustração). Quando o uso do estímulo alimentar para combater situações desagradáveis é feito de maneira repetida, o indivíduo fica condicionado a responder da mesma maneira (alimentação descontrolada) a um estímulo estressor (estresse, tristeza, frustração). Esta relação fica bastante clara quando analisamos o consumo de chocolate no período perimenstrual de mulheres ocidentais. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 51 Apesar de se acreditar que a grande responsável pelo aumento do consumo de calorias, em especial de vindas do chocolate, no período próximo à menstruação sejam as variações hormonais, a literatura nos mostra que deveríamos culpar o condicionamento. Um maior consumo calórico, principalmente de chocolate, é observado em mulheres inseridas na cultura ocidental, principalmente com influência norte americana, mas não em mulheres com maior influência da cultura oriental. Isso mostra que, provavelmente, a aceitação e incentivo cultural (a sociedade não só considera normal, mas de certa forma espera que isto aconteça) faz com que a mulher use o aumento do consumo calórico e de chocolate para combater sentimentos desagradáveis causados pela variação hormonal. Com a repetição deste comportamento, a mulher se torna condicionada a exercer esta resposta (aumento do consumo) sempre que apresentada a este estímulo (período perimenstrual). Este modelo é abordado em Hormes et al. (2017). É papel do nutricionista desfazer esta relação entre alimentação e estímulos estressores quando isto se mostra problemático, e uma das ferramentas utilizadas para tal é a identificação e remoção de pistas. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 52 IV. PISTAS IV. PISTAS Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 53 AMBIENTE E ALIMENTAÇÃO Podemos entender por comportamento o conjunto de reações que um indivíduo apresenta aos estímulos de um ambiente complexo e dinâmico. Quando um estímulo ambiental desencadeia uma reação específica, chamamos este estímulo de pista ambiental. As pistas ambientais, na alimentação, são qualquer situação ou característica do ambiente que estimule ou iniba o consumo alimentar. Quando você escolhe continuar na cama em um dia chuvoso, o dia chuvoso é uma pista ambiental, e a escolha de permanecer dormindo é sua resposta. Outro exemplo muito comum é a relação entre tabagismo e consumo de café: sempre que o indivíduo vai fumar leva um copo de café. Fumar é a pista, e o café, a resposta. No capítulo III usei o exemplo do indivíduo que, todos os dias, passava em frente a uma cafeteria e entrava para comprar um chocolate. Considerando que passar em frente da cafeteria é a pista, e comer o chocolate a resposta do indivíduo, expliquei por que é tão difícil mudar este hábito, e que isto não depende apenas de força de vontade ou motivação, mas de uma modulação neuroendócrina que permita a eliminação de hábitos deletérios. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 54 IV. PISTAS Nem sempre a identificação das pistas ambientais é uma tarefa tão óbvia como nos casos hipotéticos acima, já que indivíduos vivem em ambientes extremamente complexos. Aqui, entra uma ferramenta importantíssima para o nutricionista, o diário alimentar. DIÁRIO ALIMENTAR O diário alimentar é uma das ferramentas utilizadas para inquérito alimentar, mas nesse caso, pode ter um papel muito mais importante. O diário consiste em um registro feito pelo paciente, contendo o alimento que foi consumido, juntamente com algumas outras informações sobre a refeição, como o local do consumo, companhia, duração e percepção do paciente sobre a refeição. As informações contidas em um diário podem variar, mas recomendo que, pelo menos, as supracitadas estejam inclusas, e, no caso de pacientes mais complicados, aconselho inserir um campo para que o paciente descreva como estava se sentindo (e o motivo) durante a refeição. O preenchimento do diário deve ser feito pelo paciente logo após cada refeição, e quão maior o número de dias registrados, mais fácil serão os próximos passos para a identificação das pistas. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 55 Por ser uma ferramenta que demanda certo tempopara o preenchimento, não recomendo que seja utilizada para todos os pacientes, apenas para os mais resistentes e com mais dificuldades na mudança de hábitos. Vários softwares de nutrição já oferecem ferramentas digitais para o preenchimento do diário (como o DietBox e o WebDiet, onde o paciente não precisa descrever cada refeição, podendo fazer um registro fotográfico). Uma vez que o paciente preencha o diário por um período considerável, fica mais fácil estabelecer uma relação entre episódios de descontrole alimentar e pistas ambientais. Você deve procurar por: • Descontrole acontecendo sempre no mesmo horário: Após um período prolongado (várias horas) de estresse ou tensão, pode haver uma hiperfagia compensatória. É comum que isso aconteça após o trabalho, no que chamo de síndrome das 6 da tarde. Como, neste caso, não podemos eliminar a pista (no caso o emprego do paciente) podemos fazer o uso de outras ferramentas, descritas mais à frente. • Descontrole acontecendo sempre no mesmo ambiente: Indivíduos que, por exemplo, têm o hábito de levar grandes quantidades de alimento para o quarto e comer de maneira descontrolada, podem se beneficiar de fazer as refeições em outro ambiente, e sempre seguindo um ritual pré-estabelecido (orientar o paciente a servir sempre porções pequenas, arrumar a mesa, se sentar, e comer sem Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 56 IV. PISTAS o uso de celular ou televisão) mesmo que não haja limitação da quantidade. • Situações recorrentes de estresse no trabalho ou faculdade: Nesse caso, o trabalho ou faculdade não são sempre agentes estressores, mas ocasiões específicas, como reuniões importantes ou provas, podem gerar um estímulo que resulte na hiperfagia. Uma vez que estas pistas sejam identificadas, a ocorrência destes eventos pode ser prevista e evitada, principalmente com o uso de ferramentas que explorem a interação entre regulação hedônica e homeostática, descritas a frente, no tópico de pistas e controle homeostático. • Descontrole envolvendo sempre o mesmo alimento: Alguns indivíduos podem apresentar resposta hiperfágica apenas ao consumo de alimentos específicos, e não a todos os alimentos hiperpalatáveis. Até que este paciente desenvolva controle inibitório suficiente (através da prática repetida; do seguimento da dieta por um período prolongado) para não apresentar uma resposta hiperfágica a este alimento, é prudente não o incluir na alimentação, mesmo em refeições livres. • Atividades feitas juntamente com a alimentação: A base do Mindfull eating é, justamente, dedicar atenção plena ao ato de comer. Embora com alguma romantização, a abordagem acerta em afirmar que atividades que demandam muita atenção, quando feitas durante a refeição, tendem a aumentar o consumo de calorias. As Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 57 atividades mais comuns a serem evitadas por pacientes com tendência ao consumo excessivo, são: assistir televisão, usar o celular e trabalhar/estudar no computador. Segundo Ellithorpe et al. (2019), usar o celular durante uma refeição aumenta o consumo calórico em cerca de 150 kcal. Além de modular a percepção sobre a quantidade ingerida, segundo Brunstromet al. (2006) o consumo de mídias durante a alimentação dificulta a atuação da saciedade sensorial específica, abordada no capítulo II, fazendo com que o indivíduo consuma mais do mesmo alimento. Uma vez que identificamos a pista que leva à hiperfagia, em alguns casos podemos eliminar a pista (se o caminho que leva ao trabalho passa pela cafeteria, e desencadeia o consumo de chocolate, fazer outro caminho eliminaria a pista), em outros, mais complicados, precisamos substituir a resposta, pois não poderíamos eliminar a pista (não podemos sugerir que o indivíduo se demita devido ao trabalho ser um estressor). Nos casos onde a eliminação da pista não é possível, precisamos alterar a resposta. Como já vimos no tópico de antecipação e recompensa, no capítulo III, esperar uma recompensa e não a receber, gera uma diminuição da atividade dopaminérgica, que é percebida pelo indivíduo como uma sensação desagradável. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 58 IV. PISTAS Sempre que falamos em mudança de hábitos este desprazer vai acontecer, em menor ou maior grau. Inserir outra atividade geradora de recompensa (prazerosa) no lugar do hábito deletério é mais eficiente do que apenas retirar a recompensa (apenas recomendar que o indivíduo não coma demais depois de um dia de trabalho estressante). Orientar o paciente a fazer algum exercício logo após o trabalho pode ser uma boa opção, não somente pela sensação boa ao completar o exercício (tanto pelo efeito das endorfinas, quanto pela percepção de capacidade/cumprimento de meta), mas também pelo efeito anorexígeno gerado pelo esforço físico. PISTAS E CONTROLE HOMEOSTÁTICO Os processos de regulação hedônica e homeostática não acontecem de maneira independente. Eventos que inibem a alimentação pela regulação homeostática (anorexígenos) podem diminuir a resposta de hiperfagia às pistas ambientais. Segue exemplo: Um indivíduo relata que sempre que vai a um aniversário de família, come exageradamente, e se sente frustrado por sair da dieta após o episódio. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 59 Não podemos simplesmente eliminar a pista e sugerir que o paciente se ausente de todas as situações sociais, e a substituição da resposta também é difícil, pois poderia exigir que o paciente levasse alimentos externos para a festa. Nesse caso, se o indivíduo fizer uma grande refeição antes de ir à festa, com quantidade elevada de proteínas, fibras e gorduras, o aumento da saciedade pela regulação homeostática, faz com que o indivíduo seja menos reativo à pista ambiental, e coma menos no aniversário. A mesma recomendação é válida para a situação tratada anteriormente, do indivíduo que tende a se alimentar descontroladamente em ocasiões de maior estresse, como provas importantes na faculdade: como estas situações podem ser previstas (normalmente ocasiões importantes são marcadas com antecedência) é interessante trabalhar com um consumo maior de fibras e proteínas, e maior fracionamento das refeições nestes dias, evitando a sensação de fome que inibe as áreas cerebrais relacionadas a tomada de decisões e aumenta a reposta hiperfágica do paciente às pistas ambientais (neste caso o estresse). Embora o estiramento vagal (estiramento das paredes do estômago que gera um estímulo ascendente via nervo vago, e inibe a alimentação) funcione como uma estratégia para inibir a alimentação excessiva como resposta a pistas ambientais, o nutricionista deve estimular que o indivíduo se controle mesmo sem estar com estômago cheio, pois não Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 60 IV. PISTAS devemos limitar o controle inibitório do paciente a um estímulo homeostático. Traduzindo: Não é bom que o paciente apenas se controle quando estiver com o estômago demasiadamente cheio. O indivíduo precisa se tornar responsável e consciente das próprias escolhas alimentares. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 61 V. PERCEPÇÃO Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 62 V. PERCEPÇÃO FRUSTRAÇÃO E DESISTÊNCIA O fato de o paciente tentar e se esforçar para alcançar um objetivo de longo prazo, implica na crença de que, em algum momento, irá alcançar. O objetivo estádentro das possibilidades. Quando o paciente, por algum motivo, foge da dieta prescrita, este pequeno erro, que teria pouca ou nenhuma importância para o objetivo final, pode ser percebido como um erro grande e irremediável, que passa a ideia de falta de capacidade do indivíduo. Pequenos erros sucessivos, que mesmo acontecendo com certa constância provavelmente causariam pouco prejuízo, podem alterar a percepção do indivíduo em relação ao objetivo, que passará a ser visto como algo inalcançável. Se não é mais possível alcançar o objetivo, o paciente abandona o planejamento e o nutricionista perde o cliente. Dois fatores principais alteram a percepção do paciente em relação a eventuais saídas da dieta, o primeiro deles são os desvios hedônicos planejados, tratados no próximo capítulo. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 63 Com a implementação dos desvios hedônicos planejados (ou refeições livres) as saídas da dieta param de ser percebidas como um erro grave, e passam a representar uma ferramenta à disposição do paciente para atingir o objetivo estipulado, justamente, pois agora acontecem de maneira programada, planejada. Outro fator é, talvez, a parte mais importante das consultas iniciais com qualquer paciente: Deixar claro que os processos de longo prazo modulados pela nutrição (como emagrecimento ou ganho de massa magra) não acontecem de maneira linear. Um indivíduo que sai de uma situação onde precisa exercer pouco controle inibitório (alimentação descontrolada) para uma situação onde precisa exercer muito controle inibitório (alimentação restrita), não vai desenvolver toda a disciplina necessária logo ao sair da consulta, então é normal e esperado que aconteçam alguns desvios até que o paciente trate a prescrição como rotina, e é papel do nutricionista deixar isso claro. Explicar para o paciente que ao longo do processo vão acontecer desvios, e que isso é algo que você já espera, evita a percepção de pequenos desvios como problemas enormes. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 64 V. PERCEPÇÃO Parte da importância dessa conversa inicial pode ser explicada pelo fenômeno do condicionamento. Se o indivíduo espera que a dieta corra de maneira perfeita, e isso não acontece, temos um erro preditivo, que causa desprazer e frustração. Várias tentativas que terminam em frustração, condicionam o indivíduo a relacionar qualquer dieta à frustração e desistência. Quando interagindo com um paciente com essas características (pouca motivação e/ou várias tentativas frustradas), queremos evitar frustrações e alterar a percepção sobre possíveis desvios. Para isso podemos: • Deixar claro que alguns desvios vão acontecer, e que isso é normal e esperado. • Planejar desvios, que serão vistos não como erros, mas como ferramentas para um objetivo. • Implementar mudanças graduais, que não exijam um grande aumento do controle inibitório em um curto espaço de tempo. • Não agir de maneira punitiva ou crítica quando o paciente relatar algum desvio. COMPORTAMENTO COMPENSATÓRIO Uma característica comum desenvolvida por indivíduos que saem da dieta com frequência, são os comportamentos compensatórios do consumo exagerado. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 65 Embora algumas horas a mais de exercício ou jejum possam realmente corrigir o saldo calórico, isso gera um condicionamento desfavorável do paciente. Em um planejamento, queremos que o paciente fique condicionado a seguir o prescrito, e não a fugir do prescrito. Quando ele come mais que o planejado em um dia, e menos que o planejado no próximo dia, o saldo calórico destes dois dias ainda se mantém adequado, mas em vez de sair da dieta apenas uma única vez, o paciente saiu duas vezes (no dia que consumiu a mais, e no dia que consumiu a menos). Como já vimos, a criação e consolidação do hábito se dá pela repetição, e se o indivíduo foge da dieta todos os dias, consumindo mais e menos calorias em períodos intercalados, não há formação de hábito e o indivíduo não consegue desenvolver controle inibitório. Isso não quer dizer que o nutricionista não posa prescrever medidas compensatórias. Manter o saldo calórico inalterado apesar de eventuais furos na dieta diminui o tempo para que o objetivo final seja alcançado, mas é interessante que esta compensação não seja feita por indivíduos que ainda são resistentes ao seguimento da dieta. Nestes pacientes, aprender a seguir um Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 66 V. PERCEPÇÃO planejamento é mais importante do que manter o saldo energético. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 67 VI. DESVIO HEDÔNICO PLANEJADO Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 68 VI. DESVIO HEDÔNICO PLANEJADO O dia do lixo ou refeição do lixo é uma prática muito comum no processo emagrecimento, mas poucos profissionais sabem explicar a importância e o funcionamento desses desvios da dieta além do senso comum. Antes de iniciar este capítulo, vamos estabelecer que os termos dia do lixo ou refeição do lixo serão substituídos por desvio hedônico planejado, e a importância dessa nomenclatura será explicada mais à frente. INIBIÇÃO E OBJETIVOS DE LONGO PRAZO Alguns comportamentos tendem a se manifestar sempre que passamos por situações específicas, e estes precisam ser constantemente inibidos, pois, a satisfação incondicional destes impulsos não é socialmente aceitável. De maneira mais prática, sempre que estamos com sono, sentimos vontade de deitar e dormir aonde quer que seja. O mesmo vale para a fome e excitação sexual. Satisfazer estes impulsos é prazeroso e inibi-los causa desprazer. O controle inibitório é justamente a capacidade de inibir estes impulsos e adotar outro comportamento (não automático) no lugar. Com o tempo, o novo comportamento assume o lugar Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 69 de resposta automática ao estímulo, e deixa de ser de desprazeroso. Como exemplo, temos: acordar cedo é algo que causa desprazer (justamente, pois o comportamento automático é continuar dormindo até que o sono seja extinto), mas um indivíduo que acorde no mesmo horário (cedo) por várias semanas, assume este comportamento como hábito e o desprazer acaba, sendo que, mesmo sem despertador, o indivíduo passa a acordar sempre no mesmo horário. Objetivos de longo prazo normalmente exigem algum nível de controle inibitório, como uma grande compra no futuro exige meses de economia, ou o processo de emagrecimento, que exige a privação de alimento quando se está com fome. Quando aplicamos este conceito à alimentação, temos alguns problemas: a oferta de alimentos é sempre alta, existe uma grande variedade de alimentos hiperpalatáveis, e para gerar resultados sólidos, a inibição precisa ser feita por muito tempo. Isso faz com que o impulso para se alimentar de forma exagerada seja muito forte, então o comportamento inibitório também precisa ser. Podemos abordar a inibição necessária para alcançar o objetivo no longo prazo de duas maneiras: contínua ou intermitente. Na abordagem contínua, a inibição seria mantida até que o objetivo seja alcançado, e na intermitente, haveria algumas Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 70 VI. DESVIO HEDÔNICO PLANEJADO situações onde o indivíduo poderia ceder aos impulsos. Um planejamento com algumas refeições livres e planejadas,é uma inibição intermitente. DESVIO HEDÔNICO PLANEJADO Inserir pequenos desvios planejados (situações onde você satisfaz os impulsos em vez de inibi-los) durante o longo processo de inibição, pode ajudar o indivíduo a atingir o objetivo de longo prazo. Trazendo esta frase para a nutrição, temos que: refeições livres feitas de maneira pontual podem facilitar o processo de emagrecimento. Quanto mais você inibe um estímulo de maneira definitiva, maior o valor hedônico da satisfação daquele impulso. Se você, como nutricionista, proíbe terminantemente que seu paciente coma qualquer alimento hiperpalatável, o estímulo para comer vai ser cada vez maior, até que a capacidade inibitória não será suficiente, e ele vai furar a dieta, o que nos leva ao próximo ponto. Quando um desvio hedônico acontece de maneira planejada, a percepção do indivíduo sobre o desvio é que este é apenas uma ferramenta para alcançar o objetivo estabelecido. No caso de um desvio não planejado, há a sensação de incapacidade e frustração, que afasta o objetivo final da realidade do indivíduo, gerando desistência. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 71 Quando os desvios são planejados, eles acontecem apenas após um período de inibição bem-sucedido, sendo percebidos também como recompensa pelo bom trabalho, diminuindo a conotação negativa sobre o período de inibição. Outro benefício é que mesmo a antecipação da satisfação de um impulso já é prazerosa, e saber que dentro de um período determinado, haverá uma refeição livre, tende a aumentar a motivação do indivíduo. Por esses motivos, prefiro chamar as refeições livres, de desvios hedônicos planejados. O DOCE NO PÓS-TREINO A inclusão de pequenos desvios hedônicos todos os dias também é uma prática comum entre praticantes de esportes, vide o famoso doce de leite pós-treino. A inclusão deste tipo de alimento em condições onde haja demanda metabólica, e quando o indivíduo não excede a quantidade prescrita, é uma prática adequada e não traz prejuízo, porém não é terapêutica. Eu explico. Toda alteração feita por um nutricionista na alimentação de um paciente precisa ser justificada: uma estratégia de low- Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 72 VI. DESVIO HEDÔNICO PLANEJADO carb, por exemplo, não deve ser prescrita para um paciente que não se beneficiará de um consumo reduzido de carboidratos, simplesmente, pois o nutricionista prefere esse tipo de dieta. O mesmo vale para a inclusão de doces. Se o paciente não tem o hábito de consumir doces diariamente, é possível elaborar uma refeição pós treino rica em carboidratos sem a inclusão destes. Em resumo, quando um nutricionista recomenda que um indivíduo coma doces todos os dias (repetição por um período sustentado) sendo que antes ele não o fazia, está forçando a criação e estabelecimento de um hábito, sem que isso tenha uma justificativa terapêutica. Pode ser que este indivíduo realmente seja muito ativo e nunca precise retirar ou diminuir a quantidade deste doce na dieta, mas também é possível que em alguma fase do planejamento, esta redução ou exclusão seja necessária. No segundo caso, já abordamos neste livro o processo de extinção de um hábito e os motivos neuroendócrinos pelos quais este processo é tão difícil. Infelizmente, alguns nutricionistas menos informados tendem a projetar suas preferências no cardápio dos pacientes, muitas vezes criando hábitos que podem se tornar problemáticos no futuro. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 73 VI I . FUNÇÕES EXECUTIVAS Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 74 VII. FUNÇÕES EXECUTIVAS ENTENDENDO AS FUNÇÕES EXECUTIVAS Funções executivas (FE) são o grupo de habilidades necessárias para que o indivíduo consiga, de maneira consciente e proposital, empenhar ações direcionadas a um determinado objetivo. Envolvem a regulação (modulação) de pensamentos, ações e emoções para que o objetivo seja satisfeito. Podemos dividir as FE em três grandes áreas, apresentadas a seguir: Memória de trabalho A memória de trabalho funcionaria como um cache1 do cérebro humano, onde informações importantes poderiam ser armazenadas por um curto período, no qual fossem úteis à resolução de algum problema. 1 Na área da computação, cache é um dispositivo de acesso rápido, interno a um sistema, que serve de intermediário entre um operador de um processo e o dispositivo de armazenamento ao qual esse operador acede. A principal vantagem na utilização de um cache consiste em evitar o acesso ao dispositivo de armazenamento - que pode ser demorado -, armazenando os dados em meios de acesso mais rápidos. O uso de memórias cache visa obter uma velocidade de acesso a memória próxima da velocidade de memórias mais rápidas Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 75 É possível, por exemplo, guardar um número de telefone por alguns segundos ou minutos até que ele seja necessário novamente. Esta memória de curto prazo, necessária e importante para a resolução de problemas e tomada de ações direcionadas a um objetivo, chamamos de memória de trabalho. Flexibilidade cognitiva Quando falamos em pensamento flexível, ou flexibilidade cognitiva, nos referimos à capacidade de enxergar situações por mais de um ponto de vista. Imagine um conjunto de cartas, sendo que parte delas é vermelha e parte é azul. Independentemente da cor, temos cartas com o desenho de um círculo e cartas com o desenho de um triangulo (existem 4 tipos de carta: triangulo azul, triangulo vermelho, círculo azul e círculo vermelho). Podemos pedir para um indivíduo separar as cartas por cor, com as vermelhas de um lado, e azuis de outro. Após um tempo, solicitamos para que o indivíduo comece a separar por figura, com os círculos de um lado e os triângulos de outro. A capacidade de mudar a abordagem ao mesmo problema é o que chamamos de flexibilidade cognitiva, e o teste das cartas é justamente utilizado para mensurar a flexibilidade cognitiva em crianças, o Flexible Item Selection Task. Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com 76 VII. FUNÇÕES EXECUTIVAS Crianças menores demoram a conseguir alterar a maneira como as cartas são separadas, uma vez que as funções executivas ainda não são plenamente desenvolvidas. Crianças mais velhas conseguem alterar com rapidez. Controle inibitório Algumas situações do ambiente evocam impulsos automáticos do indivíduo. Quando estamos no trânsito, por exemplo, e outro motorista executa uma manobra agressiva, arriscando uma colisão, para algumas pessoas o impulso, vontade, é de parar o carro e agredir fisicamente o outro condutor. Mesmo com essa vontade, na enorme maioria das vezes a agressão não acontece justamente, pois o indivíduo é capaz de inibir impulsos automáticos. Tal capacidade de inibição recebe o nome de controle inibitório. Além do exemplo citado, outras situações evocam respostas automáticas, como sono, fome e excitação sexual. O controle inibitório é importante, pois a insatisfação incondicional destes impulsos causaria prejuízo a integridade ou prejudicaria, de alguma maneira, a busca por objetivos de longo prazo. Das 3 grandes classes de habilidades componentes das FE, o controle inibitório é a mais importante para a nutrição, visto que, para qualquer que seja o objetivo do paciente, é Licenciado para - E ster de O liveira A raújo - 13434237755 - P rotegido por E duzz.com L. Ribeiro 77 necessário que ele exerça algum nível de controle inibitório
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