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TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM Unidade 2 Principais Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial ALESSANDRA FERREIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria FRANCIANE HEIDEN RIOS 4 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 A U TO RI A Franciane Heiden Rios Sou formada em Pedagogia, mestre em Educação, especialista em Educação Especial e Inclusiva e Tecnologias Educacionais. Estou na área da educação desde o início da minha vida profissional, cursei magistério, ingressei como estagiária, e da escola nunca mais saí. Esse espaço rico de aprendizagens humanas me oportunizou pensar sobre diversas questões e perceber as pessoas em suas diferentes necessidades. Durante dez anos, fui servidora concursada, professora do município de São José dos Pinhais. Também atuei como educadora pela Prefeitura Municipal de Curitiba e, atualmente, sou supervisora do curso de Pedagogia da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP) e diretora pedagógica da CuriosaIdade, instituição que atua em parceria com redes de ensino para desenvolvimento de boas práticas educativas tendo como subsídio a perspectiva do Desenho Universal para a Aprendizagem. Acredito no princípio básico da inclusão e no respeito pela diversidade, portanto, escrever, palestrar, capacitar ou qualquer outra ação ou prática profissional relacionada a esse tema são hoje meu foco de atuação. Desejo que tenhamos juntos um caminho rico de aprendizagens significativas, que o material aqui proposto em suas ideias, reflexões e discussões permita a você um olhar sensível à diversidade no que tange aos distúrbios e transtornos de aprendizagens 5TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 ÍC O N ES Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO Para o início do desenvolvimento de uma nova competência. DEFINIÇÃO Houver necessidade de apresentar um novo conceito. NOTA Quando necessárias observações ou complementações para o seu conhecimento. IMPORTANTE As observações escritas tiveram que ser priorizadas para você. EXPLICANDO MELHOR Algo precisa ser melhor explicado ou detalhado. VOCÊ SABIA? Curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias. SAIBA MAIS Textos, referências bibliográficas e links para aprofundamento do seu conhecimento. ACESSE Se for preciso acessar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast. REFLITA Se houver a necessidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido. RESUMINDO Quando for preciso fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens. ATIVIDADES Quando alguma atividade de autoaprendizagem for aplicada. TESTANDO Quando uma competência for concluída e questões forem explicadas. 6 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Transtornos e distúrbios relacionados à aprendizagem ....... 9 Transtorno e distúrbio: primeiras implicações ............................................ 10 Transtornos do neurodesenvolvimento ......................................... 12 Transtornos disruptivos, do controle dos impulsos e da conduta .................................................................................................17 Transtorno do espectro autista (TEA).................................... 21 Contextualização do Transtorno do Espectro Autista ................................ 22 Conceito e características do Transtorno do Espectro Autista (TEA) ....... 23 TDAH e TOD .............................................................................. 33 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH): contexto ....... 33 Conceito e características..................................................................37 Implicações na aprendizagem ..........................................................40 Transtorno de Oposição Desafiante (TOD): conceito e características ... 43 Transtornos específicos da aprendizagem ........................... 47 Identificação do transtorno específico da aprendizagem .......................... 47 Dislexia ..................................................................................................51 Disgrafia ................................................................................................53 Discalculia .............................................................................................54 SU M Á RI O 7TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 A PR ES EN TA ÇÃ O Você já deve ter visto em jornais ou em outros meios de comunicação matérias sobre os desafios relacionados à aprendizagem. Em muitas dessas matérias, é recorrente a reclamação dos professores acerca dos estudantes indisciplinados, que não respeitam regras, que não “estão nem aí” para a escola e para o que ela tem a oferecer. Mas no que isso se relaciona com nossa disciplina? Muitas dessas reclamações indicam que há “algo a mais” no espaço da escola e que essa instituição não sabe como lidar com a demanda que emerge. Nesse “algo a mais” provavelmente estão estudantes com transtornos diversos, que resultam em déficits de aprendizagem e em comportamentos atípicos, que, por desconhecimento, estão sendo encarados como os “vilões” nessa história. Diante disso, sua principal responsabilidade é compreender esses transtornos e suas características, percebendo como eles se manifestam para, a partir daí, estar capacitado a mudar essa realidade, na qual não existem “maus” e “bons”, e, sim, diversos, cada qual com uma demanda e com uma condição. Ainda, com o conhecimento em mãos, você poderá socializá-lo, o que é fundamental para evitar a segregação desses indivíduos que têm algum transtorno e, portanto, possuem dificuldades nas interações necessárias. Afinal, eles não escolheram essa condição, as crianças muitas vezes nem compreendem essa condição. Assim, não é justo culpabilizá-las por um clima escolar não adequado. Como profissionais e adultos esclarecidos dessa relação, cabe a nós buscarmos estratégias para fazer a diferença. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva, você vai mergulhar neste universo! 8 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 O BJ ET IV O S Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Identificar e classificar os transtornos e distúrbios da aprendizagem. 2. Diagnosticar as características e especificidades do Transtorno do Espectro Autista (TEA). 3. Reconhecer e identificar as características e especificidades do Transtorno do Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH) e Transtorno de Oposição Desafiante (TOD). 4. Identificar os sintomas do Transtorno Específico da Aprendizagem, especificamente, a dislexia, a disgrafia e a discalculia. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! 9TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Transtornos e distúrbios relacionados à aprendizagem OBJETIVO Ao término deste capítulo, você será capaz de identificar e reconhecer os principais transtornos do neurodesenvolvimento e, especificamente, compreender a diferença destes em relação aos transtornos disruptivos, do controle dos impulsos e da conduta, iniciando a trajetória formativa para compreender os transtornos de maior recorrência/ incidência no que se relaciona à aprendizagem. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que tentarem discutir assuntos relacionados aos transtornos sem conhecer essas especificidades gerais poderão confundir indicativos, características e evidências, comprometendo a aprendizagem e o trabalho com o estudante. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então, vamos lá. Avante! Figura 1 – Dificuldade de aprendizagemFonte: Freepik 10 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Transtorno e distúrbio: primeiras implicações Compreender o que a literatura nos indica sobre a definição dos conceitos de transtornos e distúrbios é fundamental para avançarmos nas especificidades de cada manifestação. Nesse sentido, é essencial evidenciar que o viés comportamentalista, esse que ampara as discussões aqui propostas, considera “distúrbio” e “transtorno” como nomenclaturas equivalentes, apesar de, em aspectos neurológicos, existir diferenciação entre essas condições. NOTA Para efeito de esclarecimento, o termo “distúrbio”, conforme evidencia Fonseca (1995), está relacionado a um grupo de dificuldades específicas e pontuais, caracterizadas por uma disfunção neurológica, ou seja, há evidências de disfunção do sistema nervoso central no cérebro, o que resulta em desequilíbrio patológico em decorrência da alteração da ordem natural. Já o transtorno, conforme aponta Ciasca (2003, p. 53), consiste em um “conjunto de sinais sintomatológicos que provocam uma série de perturbações no aprender da criança, interferindo no processo de aquisição e manutenção de informação de uma forma acentuada”, ou seja, é uma perturbação de ordem psicológica e/ou mental. Tendo como suporte a literatura médica, é possível compreender um pouco melhor o que se entende por transtorno e por distúrbio. Ambos nos indicam uma “[...] alteração da normalidade, seja de natureza estrutural, funcional ou comportamental” (REZENDE, 2008, p. 281), porém, “transtorno” está mais próximo às alterações de personalidade e comportamento, e “distúrbio”, das alterações de natureza funcional e estrutural. 11TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Um exemplo dessa explicação é o caso de dois indivíduos autistas: o primeiro com dano cerebral, intercorrente de má formação, ou seja, apresenta distúrbio em aspectos cognitivos e, como comorbidade, encontra-se no Transtorno do Espectro Autista (TEA); já o segundo descarta qualquer disfunção na estrutura cerebral, mas em condição clínica também se encontra no espectro. É fato que nem todo transtorno e distúrbio são específicos da aprendizagem, entretanto, compreende-se o processo de aprender como complexo e multifacetado, no qual operam vários fatores e que o indivíduo biopsicossocial é ativo e precisa ser considerado. Nesse caso, faz-se necessário, para efeito de conhecimento geral, apontar que, conforme nos indica Perraudeau (2009), os transtornos de saúde, de sono, psicomotores e os ligados à depressão estão diretamente relacionados ao processo educacional. Isso reforça a necessidade de uma equipe multidisciplinar capaz de encaminhar e atender às demandas dos alunos de forma qualificada, auxiliando professores e pedagogos no processo de inclusão e de estratégias conjuntas para otimizar o processo de ensino-aprendizagem. Tendo como espaço de reflexão a escola e como relação o processo de ensino-aprendizagem, seguiremos a categorização e reflexão dos transtornos e dos distúrbios considerando aqueles que são mais recorrentes no espaço escolar e que alteram a condição docente, estruturados conforme a Figura 2. 12 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Figura 2 – Esquema de transtornos e de distúrbios Deficiências Intelectuais Transtornos da Comunicação Transtorno do Espectro Autista Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade Transtornos de neurodesenvolvimento Transtornos Específicos da Aprendizagem Transtorno de Oposição Desafiante Transtornos disruptivos, do controle de impulsos e da conduta Dislexia Disgrafia Discalculia Fonte: Elaborada pela autora (2019). Diante da organização proposta, avançamos para a compreensão de cada condição geral relacionada aos transtornos: transtornos de neurodesenvolvimento e transtornos disruptivos, do controle dos impulsos e da conduta, conceituando-os e diferenciando-os. Transtornos do neurodesenvolvimento Os transtornos de neurodesenvolvimento abarcam um grupo de condições relacionadas, que são evidentes desde o início do desenvolvimento do indivíduo. Apesar de serem percebidos com maior incidência no período escolar, no processo de anamnese se evidencia que, tipicamente, a manifestação é anterior à etapa da escolarização. VOCÊ SABIA? Anamnese é uma entrevista dirigida com itens estruturados e semiestruturados utilizados por diversas áreas, inclusive a psicopedagogia, para conhecer, organizar e registrar a história clínica, social e cultural do indivíduo. Tem como intenção subsidiar um perfil inicial para o trabalho a ser desenvolvido com o sujeito do processo, estabelecendo a aproximação e elencando características que auxiliem o profissional na proposição de seu plano de trabalho. 13TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Em relação ao desenvolvimento, resguardada a especificidade de cada condição, os transtornos de neurodesenvolvimento acarretam prejuízos ao funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional, variando o grau da limitação e a condição de sua manifestação. Entretanto, de acordo com o senso comum, existem generalizações que resultam na banalização dos transtornos e até em falsos diagnósticos que reforçam a ideia de que “toda condição diversa traz consigo uma super-habilidade”. É fato que no TEA é possível encontrarmos figuras de destaque, assim como em outros transtornos. Dessa explicação, vários exemplos tiveram destaque na mídia. Exemplo 1: Um falso exemplo de diagnóstico de TEA em decorrência de características de personalidade Fonte: Amado (2018). 14 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Exemplo 2: Cartaz e crítica do filme que retrata o monarca George VI, que, apesar de seu transtorno da fala (gagueira), demonstrou sua habilidade comunicativa no discurso retratado no longa- metragem. Fonte: Cláudio (2011). Esses recortes são exemplos de como um transtorno de desenvolvimento é percebido socialmente, está incorporado nos discursos das pessoas e, na verdade, impacta níveis e áreas diferentes de cada indivíduo, não havendo, portanto, uma condição niveladora para cada caso. Sabermos disso é muito importante. Afinal, nem todo autista é brilhante em alguma área, nem todo gago canta bem e, quase sempre, afirmações generalistas como essas servem apenas para prejudicar boas práticas relacionadas à diversidade e à 15TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 inclusão. Isso porque deslocam o centro da atenção pedagógica para habilidades e competências que os indivíduos podem não ter e para as quais não há comprovação alguma, negligenciando aquilo que é evidente e disponível para o trabalho pedagógico. Conforme a APA (American Psychiatric Association), o fato constatado é que: [...] os déficits de desenvolvimento variam desde limitações muito específicas na aprendizagem ou no controle de funções executivas até prejuízos globais em habilidades sociais ou inteligência. (APA, 2014, p. 81) Tendo como base o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), o quadro dos Transtornos do Neurodesenvolvimento é integrado pelas seguintes manifestações, que serão apresentadas e desenvolvidas em capítulos específicos no decorrer do material. Figura 3 – Manifestações do quadro de transtornos de neurodesenvolvimento Deficiências Intelectuais Transtornos de Desenvolvimento Intelectual Transtornos de Comunicação Transtorno do Espectro Autista Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade Transtornos Específicos de Aprendizage Fonte: Elaborada pela autora (2022). 16 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Para avançarmos com qualidade nas discussões e cumprirmos com os objetivos propostos a esse material, serão objetos de estudo em capítulos posteriores: • Transtorno do Espectro Autista. • Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.• Transtornos específicos da aprendizagem. • Dislalia. • Disgrafia. • Discalculia. Na sequência, explicitaremos o conceito e as características dos transtornos disruptivos, do controle dos impulsos e da conduta. ACESSE Para conhecer os demais transtornos sem a necessidade de recorrer a uma literatura densa, como no caso do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), consulte a Tabela Periódica dos Transtornos Emocionais, elaborada pela Vittude (plataforma que aproxima pacientes e psicólogos). Acesse http://conteudo.vittude.com/e-book-tabela-periodica-de-transtornos-emocionais 17TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Transtornos disruptivos, do controle dos impulsos e da conduta Os transtornos disruptivos, do controle dos impulsos e da conduta incluem condições que envolvem problemas de autocontrole de emoções e de comportamentos. Falar sobre essa condição é importante, pois, diferentemente dos demais transtornos que também envolvem questões de regulação emocional e/ou comportamental, os transtornos disruptivos são: [...] exclusivos no sentido de que esses problemas se manifestam em comportamentos que violam os direitos dos outros (p. ex., agressão, destruição de propriedade) e/ou colocam o indivíduo em conflito significativo com normas sociais ou figuras de autoridade. (APA, 2014, p. 461) Portanto, sendo a escola um espaço de relações sociais, regrado e normatizado, no qual figuras de autoridade se fazem necessárias, torna-se comum a ocorrência da manifestação dos transtornos disruptivos, implicando situações problemáticas que interferem no clima escolar e, por consequência, nos processos de ensino e aprendizagem. 18 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 DEFINIÇÃO Os transtornos disruptivos, do controle de impulsos e da conduta são aqueles relacionados a problemas na regulação emocional e comportamental. Esses transtornos diferenciam-se entre si por meio da expressão, por exemplo: • No transtorno de conduta, os comportamentos são pouco controlados e podem resultar em sintomas comportamentais, como a agressividade ao ser repreendido. • No transtorno relacionado ao impulso, como o transtorno explosivo intermitente, as emoções são pouco controladas e a expressão delas é desproporcional à intercorrência geradora. Ou seja, por menor que seja o fato, o indivíduo pode ter rompantes de raiva inexplicáveis e muito além da situação ocorrida. Figura 4 – Raiva Fonte: Pixabay 19TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Retornando à aprendizagem, dentro dos diversos transtornos que essa categoria abarca, está o Transtorno de Oposição Desafiante, cada vez mais identificado nas relações escolares. Conforme avançaremos, veremos que se trata de um intermediário em questões de comportamento e emoções e vigora como grande desafio aos educadores. ACESSE No vídeo “Como detectar cedo o Transtorno de Aprendizagem?”, o neuropediatra Dr. Clay Brites, diretor da NeuroSaber, explica sobre características, manifestações e evidências que podem auxiliar a perceber e encaminhar de forma adequada crianças que apresentam algum transtorno de aprendizagem. Acesse https://www.youtube.com/watch?v=B_zTflUMihM 20 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que, no quadro geral dos transtornos, apesar de existirem vários tipos, optamos por trabalhar com os transtornos do neurodesenvolvimento e, especialmente, o Transtorno de Oposição Desafiante, que integra os transtornos disruptivos, do controle dos impulsos e da conduta. Essa é uma categorização inicial, que se faz necessária para justificar o motivo de muitos transtornos serem semelhantes em alguns aspectos, aproximando-se muito em características e manifestações. Ainda, reforçamos que o papel do pedagogo e do psicopedagogo não é o de assumir de forma individual a responsabilidade por diagnosticar transtornos e distúrbios de aprendizagem. Por se tratarem de patologias e distúrbios, o diagnóstico é dever do campo da medicina, apenas podendo ser realizado por neuropediatras e especialistas na área. O campo de estudo do psicopedagogo é a aprendizagem, seu diagnóstico no campo pedagógico é processual e contribui com elementos para que os demais profissionais possam ter recursos para amparar o diagnóstico de forma mais substancial e correta. 21TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Transtorno do espectro autista (TEA) OBJETIVO Ao término deste item, você será capaz de compreender e identificar as principais características relacionadas ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a sua relação com a aprendizagem. Sendo um dos transtornos com maior aumento de casos e que gera preocupação com o diagnóstico precoce, esses conhecimentos serão fundamentais para o exercício de sua profissão. As informações discutidas são atualizadas de acordo com o DSM-V, apresentando a nova categorização e denominação do espectro, aprendizagem que será diferencial em seu trabalho com estudantes na avaliação e promoção de aprendizagens significativas. As pessoas que tentarem qualquer interação ou mediação sem compreender as especificações do TEA podem apresentar informações erradas e gerar expectativas equivocadas em relação ao potencial, às habilidades e ao desenvolvimento dos estudantes, impactando significativamente a vida desses sujeitos. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então, vamos lá. Avante! 22 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Figura 5 – Símbolo do autismo Fonte: Freepik Contextualização do Transtorno do Espectro Autista Segundo dados do CDC dos Estados Unidos (Center of Diseases Control and Prevention), em cada 110 (cento e dez) pessoas, uma estaria no espectro autista. No Brasil, estima-se que, em variadas faixas etárias e diversos núcleos sociais, exista uma população que integre cerca de 2 (dois) milhões de pessoas no espectro. Em projeção, utilizando-se de países nos quais as fontes de registro e monitoramento de casos de TEA configuram-se mais efetivas, os dados apontam para uma matriz crescente nos Estados Unidos, com confirmações de 1 em cada 150 pessoas no período dos anos de 2000 a 2002, 1 em cada 68 pessoas no período de 2010 a 2012 e, por fim, 1 em cada 58 23TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 de 2013 a 2014. Com base nos dados apresentados, estima-se que, no Brasil, se tenha uma população de cerca de 2 (dois) milhões de pessoas no TEA. A proporção populacional em destaque ampliou as discussões acerca do TEA e, especificamente no Brasil, questões relacionadas ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento evidenciaram a necessidade de se discutir o diagnóstico precoce e em curso, bem como a necessidade de articulação entre as diferentes instituições sociais para essa ação, afinal, sendo um “transtorno persuasivo e permanente, não havendo cura [...]”, (ARAÚJO et al., 2019, p. 3), quanto mais cedo aconteçam os encaminhamentos necessários, melhores serão as condições de vida e prognóstico para as crianças que estejam no TEA. Conceito e características do Transtorno do Espectro Autista (TEA) Figura 6 – A criança que evita o contato Fonte: Freepik 24 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Para entendermos a especificação atual do TEA, teremos como fonte o DSM-V. Esse documento tem como objetivo estabelecer fontes, protocolos e informações que permitam diagnósticos mais confiáveis dos transtornos. Entretanto, enfatiza- se que, apesar do seu conteúdo ter se tornado referência para a prática clínica, seu texto necessita sempre da interpretação e do bom senso do profissional que o lê, sendoo DSM um guia prático, funcional e flexível para organizar informações que possam auxiliar o diagnóstico e a coleta de evidências. Reforça-se sempre que, por mais que seja pensado para a prática clínica, o DSM se propõe a vários contextos, sendo utilizado por diversas áreas, inclusive na educação, com a finalidade de refinar o olhar dos profissionais que atuam na diversidade e prezam por uma educação verdadeiramente inclusiva. Isso possibilita a esses profissionais conhecer de forma mais estruturada os sintomas, as características e os eventos relacionados às doenças e transtornos que habitam nos espaços escolares. Sobre o TEA, a versão de 2014 do DSM avança em dois sentidos. Primeiramente, por ampliar seu texto para as representações de questões de desenvolvimento relacionadas ao diagnóstico e, em seguida, por sedimentar uma nova abordagem e classificação em relação ao transtorno. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido como um transtorno do desenvolvimento neurológico que resulta em dificuldades de comunicação e interação social, bem como na presença de comportamentos ou interesses restritos ou repetitivos. Tais sintomas nucleares são recorrentes nos indivíduos diagnosticados no TEA em graduações variáveis, resultando na adoção do termo “espectro autista”, que engloba a 25TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 heterogeneidade de respostas aos estímulos, às habilidades mantidas e aos prejuízos evidenciados (HÖHER CAMARGO; BOSA, 2009; SCHWARTZMAN; ARAÚJO, 2011). DEFINIÇÃO O Transtorno do Espectro Autista se refere a um transtorno pervasivo e permanente, não havendo cura, ainda que a intervenção precoce possa alterar o prognóstico e suavizar os sintomas. Além disso, vale enfatizar que o impacto econômico na família e no país também será alterado pela intervenção precoce intensiva e baseada em evidência (ARAÚJO et al., 2019, p. 1). O DSM-V apresenta em seu texto a fusão de transtorno autista, transtorno de Asperger e transtorno global do desenvolvimento em uma categoria denominada Transtorno do Espectro Autista (TEA), por considerar que os sintomas desses transtornos representam um continuum único de prejuízos, com intensidades que vão de leve a grave nos domínios de comunicação social e de comportamentos restritivos e repetitivos em vez de constituir transtornos distintos. Essa mudança permite maior sensibilidade e especificidade no diagnóstico do TEA e melhor acompanhamento e tratamento dos prejuízos observados. Figura 7 – Sinais de alerta para o TEA 6 MESES EM QUALQUER IDADE: PERDEU HABILIDADES Poucas expressões faciais, baixo contato ocular, ausência de sorriso social e pouco engajamento sociocomunicativo. Não faz troca de turno comunicativa, não balbucia “mamã/papa”, não olha quando chamado, não olha para onde o adulto aponta, imitação pouca ou ausente. Ausência de balbucios, não apresenta gestos convencionais (abanar para dar tchau, por exemplo), não fala mamãe/ papai, ausência de atenção compartilhada. 9 MESES 12 MESES Fonte: Araújo et al. (2019, p. 3). 26 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) é possível relacionarmos os seguintes sinais como indicativos do TEA, caso estejam presentes antes dos 12 meses de idade (ARAÚJO et al. 2019, p. 2): • Perder habilidades já adquiridas, como balbucio ou gesto dêitico de alcançar, contato ocular ou sorriso social. • Não se voltar para sons, ruídos e vozes no ambiente. • Não apresentar sorriso social. • Apresentar baixo contato ocular e deficiência no olhar sustentado. • Apresentar baixa atenção à face humana (preferência por objetos). • Demonstrar maior interesse por objetos do que por pessoas. • Não seguir objetos e pessoas próximos em movimento. • Demonstrar incômodo incomum com sons altos. Figura 7 – Criança com abafador de ruídos para evitar incômodo com sons externos Fonte: Freepik 27TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 • Apresentar pouca ou nenhuma vocalização. • Não aceitar o toque. • Não responder ao nome. • Apresentar imitação pobre. • Apresentar baixa frequência de sorriso e reciprocidade social, bem como restrito engajamento social (pouca iniciativa e baixa disponibilidade de resposta). • Demonstrar interesses não usuais, como fixação em estímulos sensório-viso-motores. • Apresentar distúrbio de sono moderado ou grave. • Apresentar irritabilidade no colo e pouca responsividade no momento da amamentação. Sobre a definição do TEA, o DSM-V globalmente o aponta como “déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia [...]” (APA, 2014, p. 50), classificados por níveis, conforme o quadro a seguir. 28 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Quadro 1 – Níveis de gravidade do TEA NÍVEL DE GRAVIDADE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMPORTAMENTOS RESTRITIVOS E REPETITIVOS Nível 3 “Exigindo apoio muito substancial” Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal causam prejuízos graves de funcionamento; grande limitação em dar início a interações sociais e resposta mínima a aberturas sociais que partem de outros. Por exemplo, uma pessoa com fala inteligível de poucas palavras, que raramente inicia as interações e, quando o faz, tem abordagens incomuns apenas para satisfazer a necessidades e reage somente a abordagens sociais muito diretas. Inflexibilidade de comportamento, extrema dificuldade em lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/ repetitivos interferem acentuadamente no funcionamento em todas as esferas. Grande sofrimento/ dificuldade para mudar o foco ou as ações. Nível 2 “Exigindo apoio substancial” Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal; prejuízos sociais aparentes mesmo na presença de apoio; limitação em dar início a interações sociais e resposta reduzida ou anormal a aberturas sociais que partem de outros. Por exemplo, uma pessoa que fala frases simples, cuja interação se limita a interesses especiais reduzidos e que apresenta comunicação não verbal acentuadamente estranha. Inflexibilidade do comportamento, dificuldade de lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/repetitivos que aparecem com frequência suficiente para serem óbvios ao observador casual e interferem no funcionamento em uma variedade de contextos. Sofrimento e/ou dificuldade de mudar o foco ou as ações. Nível 1 “Exigindo apoio” Na ausência de apoio, déficits na comunicação social causam prejuízos notáveis; dificuldade para iniciar interações sociais e exemplos claros de respostas atípicas ou sem sucesso a aberturas sociais dos outros. Pode parecer apresentar interesse reduzido por interações sociais. Por exemplo, uma pessoa que consegue falar frases completas e envolver-se na comunicação, embora apresente falhas na conversação com os outros e cujas tentativas de fazer amizades são estranhas e comumente malsucedidas. Inflexibilidade de comportamento, causa interferência significativa no funcionamento em um ou mais contextos. Dificuldade em trocar de atividade. Problemas para organização e planejamento são obstáculos à independência. Fonte: APA (2014, p. 52). 29TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Sobre o diagnóstico precoce, o DSM-V aponta que os sintomas são passíveis de serem reconhecidos durante o segundo ano de vida, dos 12 aos 24 meses e, em casos mais graves, são perceptíveis antes dos 12 meses, sendo o padrão inicial marcado por manifestações como “[...] atrasos precoces do desenvolvimento ou quaisquer perdas de habilidades sociais ou linguísticas” (APA, 2014, p. 58). Relatos familiares respaldam essas percepções, conforme apontado no documento, pais ou cuidadores identificam “[...] deterioração gradualou relativamente rápida em comportamentos sociais ou nas habilidades linguísticas” (APA, 2014, p. 63) no período entre 12 e 24 meses de idade, sendo raros os casos de regressão do desenvolvimento que ocorrem após pelo menos 2 anos de desenvolvimento normal. Portanto, as características comportamentais do TEA são evidentes na primeira infância, principalmente no que se refere à falta de interesse em interações sociais no primeiro ano de vida, estagnação ou regressão no desenvolvimento com uma deterioração gradual ou relativamente rápida em comportamentos sociais ou uso da linguagem, habitualmente durante os dois primeiros anos de vida, sendo raras essas evidências em outros transtornos relacionados à infância. Como exemplos cotidianos desses apontamentos, podemos citar, de acordo com o DSM-V (APA, 2014): • Puxar as pessoas pela mão sem nenhuma tentativa de olhar para elas. • Carregar brinquedos, mas nunca brincar com eles. • Conhecer o alfabeto, mas não responder ao próprio nome. • Ingerir os mesmos alimentos. 30 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 • Assistir muitas vezes ao mesmo filme. • Alinhar os objetos durante horas e sofrer bastante quando algum deles é movimentado. Figura 8 – Criança autista alinhando e organizando brinquedos Fonte: Freepik Ainda sobre questões precoces, o DSM-V aponta que o TEA não é um transtorno degenerativo, o que, portanto, indica um cenário favorável para a intervenção precoce, pois as aprendizagens e compensações serão contínuas e persistentes ao longo da vida, o que contribuirá para melhor qualidade de vida da criança havendo atendimento adequado, afinal: [...] os sintomas são frequentemente mais acentuados na primeira infância e nos primeiros anos da vida escolar, com ganhos no desenvolvimento sendo frequentes no fim da infância pelo menos em certas áreas (por exemplo, aumento no interesse por interações sociais). (APA, 2014, p. 69) 31TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Portanto, o DSM-V indica que, embora as crianças diagnosticadas no TEA apresentem dificuldades em comportamentos que regulam a interação social e a comunicação, com diferentes níveis de interesse na reciprocidade social e emocional, é fato que, cada qual em sua especificidade, todos possuem potencialidades, apesar das dificuldades centrais do espectro. A intervenção terapêutica, mais que minimizar os sintomas do TEA na visão de “homogeneizar comportamentos típicos”, estabelece recursos, ferramentas e caminhos para que as crianças possam melhor interagir, cada qual à sua maneira, respeitando sua condição individual. E, quanto mais cedo acontecer a intervenção, melhores oportunidades serão dadas às crianças. Essas indicações e apontamentos propostos no Manual são fundamentais para reforçar a importância da estimulação precoce em crianças em suspeita ou diagnosticadas no TEA, afinal, quanto mais cedo, mais se aproveita o período sensitivo oportunizado pelas janelas no cérebro da criança. De forma precoce e intensiva, o plano terapêutico é fundamental para a qualidade de vida e, por uma perspectiva inclusiva, o respeito à diversidade exige a compreensão de que a diferença não precisa ser “curada”, tampouco o comportamento do indivíduo deve ser pensado ou almejado pela perspectiva do que é “normal” apenas pelo fato de não ser recorrente em neurotípicos. Toda e qualquer intervenção ou proposta assistiva deverá ter como único objetivo a qualidade de vida da criança, o desenvolvimento de sua autonomia e de suas potencialidades. 32 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que utilizamos como referência o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) para falar sobre o Transtorno do Espectro Autista, afinal, é essa publicação que promove a mudança de perspectiva sobre essa condição e que permite melhor entendê-la como um espectro, que é variável em nível e em características. Ainda, foram apresentadas as características que indicam a presença do espectro, sendo a principal condição o atraso no desenvolvimento da linguagem com prejuízo na interação social. Por fim, esperamos que você tenha percebido que os indivíduos que estão no espectro são diversos: nem todos apresentam altas habilidades, agressividade acentuada, são não verbais ou não gostam de ser tocados. Cabe ao professor perceber e conhecer seu aluno, permitindo-lhe expressar suas potencialidades e necessidades. 33TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 TDAH e TOD OBJETIVO Ao término deste capítulo, você será capaz de identificar e compreender o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, conhecendo suas características e avançando para desconstruir a lógica de que “é moda, todos hoje têm TDAH”. Propomos apresentar o Transtorno de Oposição Desafiante (TOD), com o intuito de esclarecer e diferenciar esses dois transtornos que, muitas vezes, são confundidos e, por serem diferentes em sua origem, necessitam de encaminhamentos e abordagens distintas. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que se depararem com estudantes com TDAH e que não tiverem a devida instrução poderão prejudicar significativamente o desenvolvimento desses indivíduos, optando por práticas ineficazes e que, em vez de contribuir, podem até prejudicar e traumatizar. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então, vamos lá. Avante! Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH): contexto É comum aparecerem em algumas reportagens, em diversos canais de comunicação, crianças que “não param, atrapalham, parecem não ter limites” e que, “são tão mal- educadas que nada parece dar jeito”. Temos aquelas que parecem estar “no mundo da lua”, que veio para escola “mas parece que não chegou”. Transpondo essas condições para a aprendizagem, esses comportamentos são essenciais para o sucesso ou fracasso do processo. 34 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Entretanto, nesse universo de indivíduos que “perturbam a ordem” do contexto, temos desde crianças que, de fato, precisam de reguladores simples de comportamento, que apresentam questões de saúde e de rotina que podem ser trabalhadas, como o horário correto para dormir. Em outros casos, temos crianças que, apesar de todos os esforços nesse sentido por parte da família e dos demais adultos relacionados, ainda assim, persistem nessas características, reforçando que, apesar das mudanças e reestruturações ambientais, há algo intrínseco a elas que as faz agir, comportar- se e se relacionar dessa forma. Muitas dessas crianças podem ter Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade (TDAH), tema deste nosso tópico de estudo. As primeiras menções a crianças com características semelhantes ao quadro do TDAH datam do século XIX, principalmente na literatura infantil, sendo traduzida para a Língua Portuguesa em 1950, retratando as “crianças danadas”. Entre os títulos estão “João Felpudo” e “Juca e Chico”. 35TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Figura 9 – Capas dos livros de literatura infantil Fontes: Amazon ([s.d], on-line). Assim como a trajetória de todos os outros transtornos, com o TDAH não foi diferente. Sua identificação ocorreu em instituições psiquiátricas e, nesses casos, em situações inconcebíveis em tempos após a reforma psiquiátrica que aconteceu no Brasil em 2001, em vigor com a Lei Federal n.º 10.216. 36 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 SAIBA MAIS Indicamos a leitura da Lei Federal n.º 10.216, promulgada em 2001 após o Brasil ter se tornado signatário da Declaração de Caracas em 1990, que previa a reforma e reestruturaçãoda assistência psiquiátrica. Acesse Nessa trajetória, o que é importante para nossa aprendizagem e que precisamos compreender é que o TDAH não é algo recente. Enquanto princípio ético, torna-se obrigação dos profissionais desconstruir a ideia de que indivíduos com esse transtorno são assim porque “simplesmente não foram educados”, que é “moda”, e que toda criança “mal-educada ou avoada agora tem desculpa, pois, é TDAH”. O TDAH é algo real e, apesar de seu diagnóstico ser clínico e de não haver qualquer lesão cerebral, os estudos epidemiológicos realizados em diversos países comprovam que o TDAH não é secundário a fatores ambientais, ou seja, não está relacionado a falta de limites por parte dos pais ou a conflitos psicológicos. Segundo apontam Polanczyk et al. (2007), com dados de 2005, cerca de 5% da população infantil tem TDAH, fazendo com que seja indispensável a construção de conceitos e saberes relacionados a esse transtorno. 37TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Conceito e características É fundamental termos o conceito do TDAH bem esclarecido, para avançarmos em qualquer sondagem pedagógica. Para isso, destacamos sua característica essencial a seguir. DEFINIÇÃO Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou no desenvolvimento (APA, 2014). As primeiras características que precisam ser esclarecidas são: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Estas, que não devem ficar restritas ao senso comum. Afinal, ao tratarmos de um transtorno/déficit, alguns padrões devem ser assegurados. A desatenção tem evidência comportamental e se manifesta das seguintes formas: • Divagação em tarefas. • Falta de persistência. • Dificuldade de manter o foco. • Desorganização. Não pode ser confundida com falta de compreensão, seja pela dificuldade do desafio proposto, seja por causa da demanda. Nesses casos, poderá haver indicativo de outras questões cognitivas. 38 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Figura 10 – Dificuldade Fonte: Pixabay. Já a hiperatividade está relacionada à atividade motora excessiva. É aquela criança que se mexe a todo o momento, mesmo quando está concentrada, “batuca” objetos ou partes do corpo, ou conversa em excesso. Suas ações são a manifestação de inquietude extrema e a geração de esgotamento dos outros e de si na realização das atividades diárias. É importante estarmos atentos para não confundir o que é tido como normalidade da atividade infantil: expressão, oralidade, movimento e atividade, com as características do TDAH, pois, no caso do transtorno, é algo que se manifesta para além do aceitável, gerando prejuízos sociais. Diferentemente da hiperatividade, a impulsividade se refere ao “agir sem pensar”, e essas são as ações precipitadas e sem premeditação, com elevado potencial de dano ao indivíduo. Essa característica está relacionada ao imediatismo e à dificuldade de 39TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 postergar desejos e recompensas. A impulsividade se manifesta de várias formas, como sair correndo e atravessar a rua, até interrupções excessivas de conversas. Figura 11 – Conversa excessiva na sala de aula Fonte: Freepik 40 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 VOCÊ SABIA? Para conhecer mais sobre o TDAH, você pode contar com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), que é uma associação de pacientes sem fins lucrativos, fundada em 1999, com o objetivo de disseminar informações corretas, baseadas em pesquisas científicas, sobre o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). Além disso, essa instituição oferece suporte às pessoas com esse transtorno e a seus familiares por meio de grupos de apoio, atendimento telefônico e resposta a e-mails e postagens de conteúdos no site que é tido como referência nacional na web, com média de 200 mil visitas mensais. Acesse Outro indicativo fundamental para que de fato o TDAH seja considerado é o de que as manifestações do transtorno devem ocorrer em pelo menos dois ambientes distintos, mesmo que as formas e amplitudes sejam diferentes. Implicações na aprendizagem Em relação à aprendizagem, o TDAH resulta em: [...] desempenho escolar e sucesso acadêmico reduzido, rejeição social e, nos adultos, piores desempenhos, sucesso e assiduidade no campo profissional e a maior probabilidade de desemprego, além de altos níveis de conflito interpessoal. (APA, 2014, p. 69) 41TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Porém, a diferença entre “sucesso” e “fracasso” acadêmico está diretamente relacionada ao diagnóstico e ao acompanhamento multidisciplinar aos quais as crianças terão acesso. Questões relacionadas à autodeterminação precisarão ser ajustadas, e ao profissional da educação caberá o olhar sensível da compreensão de que não se trata de “preguiça”, “irresponsabilidade” ou “falta de cooperação”, mas de uma condição para a qual, assim como se constroem rampas para cadeirantes, será necessário construir acessos para que os estudantes com TDAH consigam cumprir com seus objetivos de aprendizagem. Figura 12 – Adequação de atividade Fonte: Elaborada pela autora (2019). Na Figura 12, observa-se uma atividade fracionada em etapas com recurso do desenho. Ao final, o estudante formalizou o registro do processo abstrato no caderno. 42 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Figura 13 – Atividade: etapa de recurso desenho Fonte: Elaborada pela autora (2019). Mais que modelos ou receitas mágicas, os estudantes com TDAH precisam de oportunidades e professores capacitados a atendê-los na mediação de sua aprendizagem. O primeiro passo é conhecer o transtorno e suas implicações, para depois abordar o Transtorno de Oposição Desafiante (TOD), que muitas vezes é confundido com o TDAH, porém, com especificações e necessidades singulares, tema do próximo subitem. 43TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Transtorno de Oposição Desafiante (TOD): conceito e características Esse transtorno, diferentemente do TDAH, não está categorizado como um transtorno do neurodesenvolvimento, mas como um transtorno disruptivo, do controle dos impulsos e da conduta, ou seja, está centralizado no controle emocional que se manifesta em comportamentos e condutas disformes. Tem como característica essencial o humor raivoso ou irritável frequente e persistente, e o comportamento questionador e desafiante ou de índole vingativa (APA, 2014). Essas manifestações podem acontecer em apenas um ambiente, frequentemente em casa. Dessa forma, precisamos estar atentos às seguintes condições para que se considere a possibilidade desse transtorno: • Comportamentos que causam prejuízos significativos em seu funcionamento social. • Ataques de raiva com incidência constante e regular. Figura 14 – Criança em ataque de raiva Fonte: Freepik 44 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 • Destruição de propriedades, objetos e ou similares, causando prejuízos significativos em vários aspectos. • Autopercepção da raiva e dos comportamentos como uma reação adequada às situações vividas. Dessa forma, observamos que os comportamentos sintomáticos fazem parte de um padrão de interação, sendo descartados do transtorno indivíduos reativos em eventos isolados. Assim, se pode compreender que o TOD está diretamente ligado a comportamentos desafiadores, agressivos, impulsivos, irresponsáveis, problemas com a necessidade de reconhecer seus erros e, geralmente, personalidade vingativa. Alguns sinais externos podem também ser identificados, caso do cometimento de crueldade com animais, crises de constantes de birra e raiva, quebra de pertences seus e de terceiros, desobediência, prática de pequenos roubos, atitudes incendiárias, entre outros comportamentosque podem ser confundidos com outros distúrbios e que são bastante perigosos para a própria criança. Em amostragem, o TOD aparece relacionado ao TDAH: crianças com TDAH têm maior probabilidade de apresentarem TOD, em condições que, articuladas, implicam um grande desafio para educadores e demais profissionais da área da aprendizagem. 45TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 SAIBA MAIS Para saber mais sobre o TOD, assista à entrevista cedida ao Programa Ver+ Londrina, em que a psicopedagoga Thayssa Brasil fala sobre a condição que altera o comportamento da criança e a torna mais irritada e indisciplinada. Acesse É fundamental que tenhamos a compreensão de que, independentemente do transtorno que discutimos até aqui, a ação para a aprendizagem não se faz sozinha. Para melhor acolher e potencializar processos e práticas, faz-se necessário que as crianças que estejam no TEA, que tenham TDAH ou TOD, recebam atendimento adequado multidisciplinar, de preferência integrado, no qual a escola e os professores sejam capacitados a lidarem com as situações relacionadas ao comportamento, para, assim, avançarem no processo de ensino, sendo capazes de minimizar qualquer prejuízo emocional, social, acadêmico e profissional do indivíduo. Nesse contexto, é de extrema importância que a criança com TOD seja acompanhada constantemente por psicólogos e terapeutas, como forma de auxiliá-la no desenvolvimento do seu autocontrole, além de ajudá-la a lidar com os seus traços desafiadores de personalidade. 46 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que o TDAH é uma condição que exige acompanhamento específico do estudante e que não se trata apenas de “mau comportamento” ou de determinado indivíduo ser mais ativo que os demais, e, sim, de algo que está relacionado ao dano social que a condição causa em sua vida e nas relações estabelecidas. Para que se considere essa possibilidade, é necessário que algumas características sejam persistentes e evidentes: não é um caso isolado com determinada pessoa, mas eventos que persistem apesar das mudanças ambientais e das adequações externas. Falamos também sobre o TOD, que é outro transtorno que se destaca e que, por vezes, pode ser confundido com o TDAH. No entanto, por serem diferentes em sua origem, é necessário haver acompanhamentos e intervenções diferentes sob o olhar atento daqueles que interagem com o estudante, sendo uma ação fundamental para orientar a investigação necessária. 47TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Transtornos específicos da aprendizagem OBJETIVO Ao término deste capítulo, você será capaz de entender o Transtorno Específico da Aprendizagem, ou dislexia, disgrafia e discalculia, conhecendo suas principais características e evidências para uma melhor abordagem pedagógica com estudantes com esses transtornos. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que desconhecem ou têm conhecimentos superficiais acerca dessas condições podem entender os déficits decorrentes do transtorno como dificuldades, o que prejudicaria o atendimento de que os estudantes necessitam e a possibilidade de seu pleno desenvolvimento. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então, vamos lá. Avante! Identificação do transtorno específico da aprendizagem Neste estudo, vamos discutir o Transtorno Específico da Aprendizagem e, apesar de termos seguido como referência o DSM-V, nele os termos “dislexia” e “discalculia” aparecerem como alternativos, por estes serem mais constantes no campo pedagógico. No entanto, optamos por utilizá-los no texto desde o início. Ao discutirmos o Transtorno Específico da Aprendizagem, falaremos especificamente da dislexia, da disgrafia e da discalculia. 48 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 DEFINIÇÃO Dislexia, disgrafia e discalculia são transtornos do neurodesenvolvimento e têm origem biológica. Suas anormalidades se apresentam no nível cognitivo, sendo associadas às manifestações comportamentais. Portanto, são provenientes de uma interação de fatores genéticos, epigenéticos e ambientais, que têm como resultado a alteração da capacidade do cérebro na percepção e/ou processamento de informações verbais ou não verbais com eficiência e precisão. Estão diretamente relacionados às habilidades acadêmicas, como leitura, escrita e raciocínio matemático. Em aspectos gerais, essas três condições impactam as atividades que precisam ser ensinadas e aprendidas de forma explícita e intencional, como ocorre na escola. Apesar de relacionado primeiramente à língua portuguesa e à matemática, o déficit de aprendizagem nessas áreas se reflete nas demais áreas do conhecimento, uma vez que a leitura e o raciocínio lógico são pré-requisitos em qualquer área. A partir dessas considerações gerais e tendo já discutido em oportunidades anteriores a diferenciação entre dificuldade e transtorno ou déficit, é preciso se atentar para qualquer dificuldade que persista por mais de 6 (seis) meses, em casos nos quais as habilidades acadêmicas estejam significativamente abaixo da média prevista para a relação idade/ano escolar. Além disso, caso já se tenha descartado a possibilidade de deficiência intelectual, de perda ou deficiência visual, auditiva, de outros transtornos do neurodesenvolvimento, como TEA e TDA/H, e de influência de fatores socioculturais, como a questão da língua materna (crianças estrangeiras), atribuições normativas 49TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 previstas no DSM-V (APA, 2014) que atendam qualquer um dos indicativos a seguir passam a ser encaradas como um Transtorno Específico da Aprendizagem. • Leitura de palavras de forma imprecisa ou lenta e com esforço (por exemplo, o indivíduo lê palavras isoladas em voz alta, de forma incorreta ou lenta e hesitante, frequentemente adivinha palavras, tem dificuldade de soletrá-las). • Dificuldade para compreender o sentido do que é lido (por exemplo, a pessoa pode ler o texto com precisão, mas não compreende a sequência, as relações, as inferências ou os sentidos mais profundos do que é lido). Figura 15 – Criança com dislexia Fonte: Freepik 50 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 • Dificuldades para escrita ortográfica (por exemplo, a pessoa pode adicionar, omitir ou substituir vogais e consoantes). • Dificuldades com a expressão escrita (por exemplo, a pessoa comete múltiplos erros de gramática ou pontuação nas frases; emprega organização inadequada de parágrafos e expressão escrita das ideias sem clareza). • Dificuldades para dominar o senso numérico, fatos numéricos ou cálculo (por exemplo, o indivíduo entende números, sua magnitude e relações de forma insatisfatória; conta com os dedos para adicionar números de um dígito em vez de lembrar o fato aritmético, como fazem os colegas; perde-se no meio de cálculos aritméticos e pode trocar as operações). • Dificuldades no raciocínio (por exemplo, a pessoa tem grave dificuldade em aplicar conceitos, fatos ou operações matemáticas para solucionar problemas quantitativos). É fundamental destacarmos que as especificidades desses transtornos em suas características podem se manifestar em níveis diferentes, conforme mostra o quadro a seguir. 51TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Quadro 2 – Níveis dos transtornos/déficits de aprendizagem LEVE MODERADO GRAVE Alguma dificuldade em aprender habilidades em um ou dois domínios acadêmicos, mas com gravidade suficientemente leve, que permita ao indivíduo ser capaz de compensar ou funcionar bem quando lhe são propiciadas adaptações ou serviços de apoioadequados, especialmente durante os anos escolares. Dificuldades acentuadas em aprender habilidades em um ou mais domínios acadêmicos, de modo que é improvável que o indivíduo se torne proficiente sem alguns intervalos de ensino intensivo e especializado durante os anos escolares. Algumas adaptações ou serviços de apoio por pelo menos parte do dia na escola, no trabalho ou em casa podem ser necessárias para completar as atividades de forma precisa e eficiente. Dificuldades graves em aprender habilidades, afetando vários domínios acadêmicos, de modo que é improvável que o indivíduo aprenda essas habilidades sem um ensino individualizado e especializado contínuo durante a maior parte dos anos escolares. Mesmo com um conjunto de adaptações ou serviços de apoio adequados em casa, na escola ou no trabalho, o indivíduo pode não ser capaz de completar todas as atividades de forma eficiente. Fonte: Adaptado de APA (2014). Agora, já que apresentamos de forma geral os transtornos, avançaremos para cada um especificamente. Dislexia As dificuldades decorrentes desse transtorno são caracterizadas pela dificuldade de precisão e/ou fluência na leitura de palavras e baixa competência para decodificação e soletração. O déficit está centrado no processamento fonológico, resultando em: • Leitura imprecisa ou lenta, que demanda muito esforço. • Dificuldade na compreensão do sentido do que é lido. 52 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 • Consequente dificuldade na escrita com supressão de letras ou trocas. Figura 16 – Atividade de acompanhamento para criança com dislexia Fonte: Freepik Novamente, diagnosticado o transtorno, o trabalho pedagógico demandará adequação e flexibilização, principalmente no processo avaliativo. IMPORTANTE Todo o acompanhamento é multidisciplinar, e as melhores estratégias para ensinar e aprender, apesar de ser óbvio, são aquelas que surtem resultados. Apenas a prática e o conhecimento aprofundado do estudante, integrados ao olhar sensível e consciente do professor, é que poderão prover o que é necessário em termos metodológicos e instrumentais. 53TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Disgrafia A disgrafia está relacionada aos distúrbios da motricidade fina e da motricidade ampla, bem como aos distúrbios de coordenação viso-motora, deficiência da organização têmporo- espacial, lateralidade e direcionalidade (CINEL, 2003). Figura 17 – Exemplo de uma produção – Disgrafia Fonte: Elaborada pela autora (2018). Como podemos perceber na Figura 17, temos algumas características de destaque na escrita disgráfica: • Falta de precisão na ortografia. • Falta de precisão na gramática e na pontuação. • Falta de clareza ou organização da expressão escrita. 54 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Para Cinel (2003), esse aspecto da escrita se dá em decorrência de a mão que segura o lápis “não obedecer” ao trajeto estabelecido, resultando em inversão de letras e combinações silábicas ou inversão do sentido da escrita, sobrepondo frases. Nesse sentido, se pensarmos na prática pedagógica, é preciso que se reeduque o grafismo e, para isso, faz-se necessário: promover e qualificar o desenvolvimento psicomotor, treinar a postura, o controle corporal, a dissociação de movimentos e práticas que privilegiem a coordenação motora fina, lateralidade e coordenação viso-motora. Discalculia A discalculia é um transtorno polêmico, pois está relacionada à matemática e culturalmente essa área de conhecimento já é densa e complexa. Outros elementos “mascaram” o transtorno, como o déficit de formação dos professores dos anos iniciais para trabalhar com essa disciplina ou até estratégias tradicionais que não privilegiam a necessidade de aprendizagem dos estudantes. Figura 18 – Discalculia Fonte: Freepik 55TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Enfim, são inúmeros os fatores que fazem com que o diagnóstico possa ser encarado apenas como dificuldade corriqueira. Entretanto, a discalculia é um transtorno do neurodesenvolvimento que resulta em um distúrbio de aprendizagem específico das habilidades matemáticas devido a “um comprometimento funcional específico do sistema nervoso central que requer avaliação e tratamento especializado” (RIBEIRO; DOS SANTOS, 2011, p. 94). Como características, esse transtorno implica dificuldades nas relações pertinentes ao(à): • Senso numérico. • Memorização de fatos aritméticos. • Precisão ou fluência de cálculo. • Precisão no raciocínio matemático. ACESSE No programa “De Tudo um Pouco”, da Rede Super, a psicopedagoga Roneida Gontijo explica como identificar possíveis sintomas da discalculia. Ela ainda fala de alguns brinquedos e brincadeiras que podem ajudar a enfrentar o problema. Acesse A discalculia pode se manifestar de seis formas. São elas: verbal, practognóstica, léxica, gráfica, ideognóstica e operacional (KOSC, 1974 apud BERNARDI, 2006, p. 245). Cada especificação determina o foco em habilidades particulares. http://www.youtube.com/watch?v=hKXlPLMulvc 56 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Veja no quadro a seguir as características de cada tipologia. Quadro 3 – Esquema de tipos de discalculia Dificuldade na nomeação de quantidades, números, termos e símbolos. DISCALCULIA VERBAL Dificuldades para enumerar, comparar e manipular objetos reais ou imagens. DISCALCULIA PRACTOGNÓSTICA Dificuldade na leitura de símbolos matemáticos DISCALCULIA LÉXICA Dificuldade na compreensão de conceitos e na realização de operações mentais DISCALCULIA IDEOGNÓSTICA Dificuldade em executar operações e cálculos numéricos DISCALCULIA OPERACIONAL Fonte: Adaptado de Kosc (1974 apud BERNARDI, 2006). São variáveis as possibilidades de dificuldades relacionadas à discalculia, porém, é preciso relembrar que cada caso apenas será compreendido como transtorno se cumprir com os pré- requisitos indicados no início deste texto, contemplando as características específicas da área (dislexia, disgrafia ou discalculia). 57TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 Por fim, é fato que o transtorno específico da aprendizagem, se não acompanhado e tratado, resultará em consequências funcionais negativas ao longo da vida dos indivíduos, não apenas no desempenho acadêmico, ampliando as taxas de retenção e de evasão, mas também causando sofrimento psicológico e piora da saúde mental geral. Por mais que pedagogos, psicopedagogos, educadores, professores ou outros profissionais específicos não possam resolver essas questões sozinhos, é possível, por meio da formação adequada, amparar, acolher e encaminhar esses estudantes, prezando, no espaço escolar, por aquilo que lhes é de direito: atendimento educacional adequado com vistas à educação inclusiva. 58 TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que, segundo o DSM-V, o Transtorno de Aprendizagem é aquele que se manifesta no período escolar, pois é o déficit em aprender aquilo que é ensinado de forma explícita. Ao optarmos por dividi-lo em três derivações (dislexia, disgrafia e discalculia), esperamos que você tenha aprendido que: • Dislexia está relacionada à consciência fonológica, resultando em déficit significativo na leitura e na compreensão do que é lido. • Disgrafia está relacionada à motricidade fina, resultando em déficit significativo da produção escrita, ortografia e organização espacial. • Discalculia está relacionada à aprendizagem dos conceitos matemáticos, resultando em déficit significativo no pensamento lógico-matemático e na abstração de conceitos relacionados a essa área. Por fim, assimcomo em relação a todos os demais transtornos apresentados no material, esperamos que tenha concebido a essência do processo educacional inclusivo: conhecer os transtornos não para diagnosticar, mas para, a partir dessa instrumentalização, qualificar práticas para que os estudantes tenham a oportunidade de aprender e desenvolver 59TRANSTORNOS E DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM U ni da de 2 seu potencial, minimizando os danos relacionados à vida social, à condição emocional e à inserção profissional. AMADO, R. Como o autismo ajudou Messi a se tornar o melhor do mundo. Diário do Centro do Mundo, 2018. Disponível em: https:// www.diariodocentrodomundo.com.br/como-o-autismo-de-messi- o-ajudou-a-se-tornar-o-melhor-do-mundo/. Acesso em: 04 jan. 2023. AMAZON, [s.d.]. Disponível em: https://www.amazon.com.br. Acesso em: 04 jan. 2023. APA, American Psychiatric Association. Manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-V. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 848 p. 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