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CYAN VS Gráfica VS Gráfica MAG VS Gráfica YEL VS Gráfica BLACK Escrito pelo renomado Conrad Phillip Kottak, pesquisador proeminente na área da antropologia, que realizou suas pesquisas, entre outros lugares, no Nordeste brasileiro, Um espelho para a humanidade traz uma introdução acessível à antropologia cultural, equilibrando a abordagem dos temas fundamentais da área com a apresentação do que há de novo no campo. Ricamente ilustrados por exemplos, os capítulos trazem os quadros “Antropologia hoje” e “Aplicando a antropologia à cultura popular”, que permitem ao leitor não apenas atualizar-se em relação aos desenvolvimentos da área como relacioná-la às vivências de seu dia a dia. Um espelho para a humanidade UMA INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA CULTURAL Conrad Phillip Kottak “Os pontos fortes de Kottak são a escrita lúcida, a capacidade de focar em ideias importantes e a seleção de exemplos interessantes.” RITA SAKITT, Suffolk County Community College “Aprecio o estilo de Kottak, a clareza com que escreve e a inclusão das defi nições de termos-chave. Os quadros de destaque, muito bem escolhidos, apresentam o nível adequado.” WILLIAM GRIFFIN, St. Charles Community College Acesse a Área do Professor em www.grupoa.com.br para baixar apresentações PowerPoint® em língua portuguesa. Acesse o link deste livro em www.grupoa.com.br para fazer um quiz (em português) e testar os conhecimentos adquiridos a partir da leitura do livro. U m e sp e lh o p a ra a h u m a n id a d e 8ª edição C o n ra d P h illip K o tta k www.grupoa.com.br ANTROPOLOGIA Um espelho para a humanidade UMA INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA CULTURAL A Penso Editora inicia suas publicações em Antropologia pelo clássico Um espelho para a humanidade, de Conrad Phillip Kottak, um dos mais reconhecidos professores de Antropologia dos Estados Unidos. O livro, escrito de forma acessível e ilustrado por diversos exemplos que remetem o leitor tanto a temas fundamentais como a seu próprio dia a dia, traz uma introdução a essa área do conhecimento. O professor Kottak fez trabalho de campo etnográfi co no Brasil (em Arembepe, Bahia), em Madagascar e nos Estados Unidos. Seu interesse geral são os processos pelos quais as culturas locais são incorporadas – e resistem à incorporação – a sistemas maiores. Esse interesse vincula seu trabalho anterior sobre ecologia e formação do Estado na África e em Madagascar com sua pesquisa mais recente sobre globalização, cultura nacional e internacional e meios de comunicação de massa. Em projetos mais recentes, Kottak e seus colegas pesquisaram o surgimento da consciência ecológica no Brasil e a participação popular no planejamento do desenvolvimento econômico no Nordeste do País. Para contatar diretamente o autor, escreva para: ckottak@bellsouth.net. www.grupoa.com.br 0800 703 3444 A Penso Editora é parte do Grupo A, uma empresa que engloba diversos selos editoriais e várias plataformas de distri- buição de conteúdo técnico, científi co e profi ssional, disponibilizando-o como, onde e quando você precisar. A Penso Editora é dedicada exclusivamente às Ciências Humanas e está gradativamen- te substituindo e ampliando a atuação da Artmed Editora no segmento. O Grupo A publica com exclusividade obras com o selo McGraw-Hill em língua portuguesa. R ecorte aq u i seu m arcad or d e p ág in a. U m e sp e lh o p a ra a h u m a n id a d e Conrad Phillip Kottak 8ª edição 42771 Um espelho para a Humanidade.indd 1 22/03/2013 09:00:58 K87e Kottak, Conrad Phillip Espelho para a humanidade [recurso eletrônico] : uma introdução concisa à antropologia cultural / Conrad Phillip Kottak ; tradução: Roberto Cataldo Costa ; revisão técnica: Carlos Caroso. – 8. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : AMGH, 2013. Editado também como livro impresso em 2013. ISBN 978-85-8055-191-4 1. Antropologia cultural – Humanidade. I. Título. CDU 572.026 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB10/2052 Iniciais_Eletronico.indd ii 27/02/2013 11:38:37 Um espelho para a humanidade 31 Também há razões lógicas para a uni- dade da antropologia norte-americana. Cada subcampo trata da variação no tempo e no espaço (i.e., em diferentes áreas geo- gráficas). Os antropólogos culturais e os ar- queólogos estudam (entre muitos outros temas) as mudanças na vida social e nos costumes. Os arqueólogos lançam mão de estudos de sociedades vivas para imaginar como poderia ter sido a vida no passado. Os bioantropólogos examinam mudanças evo- lutivas na forma física, por exemplo, altera- ções anatômicas que poderiam ter sido as- sociadas à origem do uso de ferramentas ou da linguagem. Os antropólogos linguistas podem reconstruir os fundamentos dos idiomas antigos estudando os modernos. Os subcampos influenciam uns aos outros à medida que antropólogos falam entre si, leem livros e revistas e se reúnem em organizações profissionais. A antropo- logia geral explora os conceitos básicos da biologia, da sociedade e da cultura huma- nas e considera suas inter-relações. Os an- tropólogos compartilham determinados pressupostos essenciais, dos quais talvez o mais fundamental seja a ideia de que as conclusões sólidas sobre a “natureza huma- na” não podem ser derivadas do estudo de uma única população, nação, sociedade ou tradição cultural, sendo essencial uma abordagem comparativa e intercultural. As forças culturais formam a biologia humana A perspectiva comparativa e biocultural da antropologia reconhece que as forças cultu- rais moldam constantemente a biologia hu- mana. (O termo “biocultural” se refere a inclusão e combinação das perspectivas biológica e cultural e a abordagens para co- mentar ou resolver um determinado pro- blema ou questão.) A cultura é uma força ambiental fundamental na determinação de como os corpos humanos crescem e se de- senvolvem. As tradições culturais promo- vem certas atividades e habilidades, desen- corajando outras, e estabelecem padrões de bem-estar e atratividade físicos. As ativida- des físicas, incluindo esportes, que são in- fluenciadas pela cultura, ajudam a moldar o corpo. Por exemplo, as meninas norte-ame- ricanas são estimuladas a praticar competi- ções que envolvem patinação artística, gi- nástica, atletismo, natação, mergulho e muitos outros esportes e, portanto, ter um bom desempenho nessas atividades; as bra- sileiras, ainda que se destaquem nos espor- tes coletivos, como basquete e vôlei, não se saem tão bem em esportes individuais, como as norte-americanas e canadenses. Por que as pessoas são estimuladas a se no- tabilizar como atletas em alguns países, mas não em outros? Por que as pessoas em al- guns países investem tanto tempo e esforço em esportes competitivos a ponto de que seus corpos se alterem significativamente como resultado disso? Em seus primórdios, a antropologia nos Es- tados Unidos estava preocupada sobretudo com a história e as culturas dos povos nati- vos norte-americanos. Ely S. Parker, ou Ha- -sa-no-an-da, foi um indígena Seneca que deu contribuições importantes ao início da antropologia. Parker também foi Comissário de Assuntos Indígenas dos Estados Unidos. sduarte Caixa de texto 32 Conrad Phillip Kottak Padrões culturais de atratividade e ade- quação influenciam a participação e o de- sempenho nos esportes. Os norte-america- nos correm ou nadam não apenas para com- petir, mas para se manter em forma e em boas condições físicas. Os padrões de beleza do Brasil tradicionalmente aceitaram mais gordura, em especial nas nádegas e nos qua- dris das mulheres. Os homens brasileiros têm obtido algum sucesso internacional na natação e em corridas, mas o Brasil raramen- te envia nadadoras ou corredoras às Olim- píadas. Uma das razões para as brasileiras evitarem a natação competitiva podem ser os efeitos que o esporte tem sobre a modela- ção do corpo. Anos de natação esculpem um físicodi- ferenciado: torso superior alargado, pescoço grosso e ombros e costas robustos. As nada- doras de sucesso tendem a ser grandes, fortes e volumosas. Os países que mais produzem atletas femininas da natação são Estados Uni- dos, Canadá, Austrália, Alemanha, os países escandinavos, a Holanda e a ex-União Sovié- tica, onde esse tipo de corpo não é tão estig- matizado como em países latinos. As nada- doras desenvolvem corpos rígidos, mas a cul- tura brasileira diz que as mulheres devem ser delicadas, com quadris e nádegas grandes, sem ombros largos. Muitas jovens nadadoras do Brasil optam por abandonar o esporte para manter o corpo “feminino” ideal. Quando você estava crescendo, qual era o esporte de que mais gostava: futebol, natação, futebol americano, beisebol, tênis, golfe ou algum outro (ou talvez nenhum)? Isso se dá em função de “quem você é” ou por causa das oportunidades que teve para praticar e participar nessa atividade especí- fica quando era criança? Quando você era pequeno, talvez os seus pais tenham lhe dito que tomar leite e comer legumes iriam aju- dá-lo a ficar “grande e forte”. Eles provavel- mente não reconheceram de forma imedia- ta o papel que a cultura cumpre na defini- ção de corpos, personalidades e saúde pessoal. Se a nutrição é importante para o crescimento, o mesmo se aplica às orienta- ções culturais. Qual é o comportamento adequado a meninos e meninas? Que tipo de trabalho os homens e as mulheres devem fazer? Onde as pessoas deveriam viver? Quais são os usos apropriados do seu tempo de lazer? Que papel deve cumprir a religião? Como as pessoas devem se relacionar com seus parentes, amigos e vizinhos? Embora nossos atributos genéticos proporcionem uma base para o nosso crescimento e desen- volvimento, a biologia humana é bastante plástica, isto é, maleável. A cultura é uma força ambiental que afeta o nosso desenvol- vimento, tanto quanto a nutrição, o calor, o frio e a altitude, e também orienta o nosso crescimento emocional e cognitivo, ajudan- do a determinar o tipo de personalidade que temos como adultos. O Brasil raramente envia nadadoras para as Olimpíadas. Uma exceção é Fabíola Molina, que competiu nas Olimpíadas de 2000 e 2008. Nessa foto, em maio de 2009, Fabíola dá um mergulho vencedor na final feminina dos 100 metros – nado costas, do Troféu Maria Lenk, no Rio de Janeiro. De que forma anos de na- tação competitiva podem afetar o fenótipo? Um espelho para a humanidade 33 AS SUBDISCIPLINAS DA ANTROPOLOGIA Antropologia cultural A antropologia cultural é o estudo da so- ciedade e da cultura humanas, o subcampo que descreve, analisa, interpreta e explica as semelhanças e diferenças sociais e culturais. Para estudar e interpretar a diversidade cul- tural, os antropólogos culturais realizam dois tipos de atividade: etnografia (com base no trabalho de campo) e etnologia (com base na comparação intercultural). A etnografia fornece uma descrição de deter- minada comunidade, sociedade ou cultura. Durante o trabalho de campo etnográfico, o etnógrafo reúne dados que organiza, des- creve, analisa e interpreta para construir e apresentar essa descrição, que pode se dar na forma de livro, artigo ou filme. Tradicio- nalmente, os etnógrafos têm morado em pequenas comunidades e estudado com- portamentos, crenças, costumes, vida so- cial, atividades econômicas, política e reli- gião locais (ver Wolcott, 2008). A perspectiva antropológica derivada do trabalho de campo etnográfico costuma ser bastante diferente da que deriva da eco- nomia ou da ciência política. Esses campos trabalham com organizações e políticas na- cionais e oficiais e, muitas vezes, com elites, mas os grupos que os antropólogos têm es- tudado costumam ser relativamente pobres e desprovidos de poder. Os etnógrafos ob- servam muitas práticas discriminatórias voltadas a essas pessoas, que enfrentam es- cassez de alimentos, deficiências alimenta- res e outros aspectos da pobreza. Os cientis- tas políticos tendem a estudar os programas que os planejadores nacionais desenvolvem, enquanto os antropólogos descobrem como esses programas funcionam em nível local. As culturas não são isoladas. Como observado por Franz Boas (1940/1966) há muitos anos, o contato entre tribos vizinhas sempre existiu e se estendeu sobre áreas enormes. “As populações humanas cons- troem suas culturas em interação umas com as outras, e não isoladamente” (Wolf, 1982, p. ix). Moradores de aldeias partici- pam cada vez mais de eventos regionais, na- cionais e mundiais. A exposição a forças ex- ternas se dá pelos meios de comunicação de massa, pela migração e pelo transporte mo- derno. A cidade e a nação cada vez mais in- vadem as comunidades locais com a chega- da de turistas, agentes de desenvolvimento, autoridades governamentais e religiosas e candidatos a cargos políticos. Essas ligações são componentes importantes de sistemas regionais, nacionais e internacionais de po- lítica, economia e informações. Esses siste- mas maiores afetam mais e mais as pessoas e os lugares tradicionalmente estudados pela antropologia. O estudo desses vínculos e sistemas faz parte do tema da antropolo- gia moderna. A etnologia examina, interpreta, ana- lisa e compara os resultados da etnografia – os dados coletados em diferentes sociedades – e os usa para comparar, contrastar e fazer generalizações sobre a sociedade e a cultura. Olhando além do particular e vislumbran- do o mais geral, os etnólogos tentam identi- ficar e explicar as diferenças e similaridades culturais, testar hipóteses e construir teorias para melhorar nossa compreensão de como funcionam os sistemas sociais e culturais. A etnologia obtém seus dados para compara- ção não apenas da etnografia, mas também de outros subcampos, em especial da antro- pologia arqueológica, que reconstrói os sis- temas sociais do passado. (A Tabela 1.2 re- sume os principais contrastes entre etno- grafia e etnologia.) Antropologia arqueológica A antropologia arqueológica (dito de forma mais simples, “arqueologia”) recons- trói, descreve e interpreta o comportamen- to e os padrões culturais humanos por meio 34 Conrad Phillip Kottak de restos materiais. Em locais onde as pes- soas vivem ou viveram, os arqueólogos en- contram artefatos – itens materiais que os seres humanos produziram, usaram ou modificaram, como ferramentas, armas, acampamentos, construções e lixo. Os restos de vegetais e animais e o lixo antigo contam histórias sobre consumo e atividades. Os grãos selvagens e os domesti- cados têm características diferentes que permitem que os arqueólogos distingam entre coleta e cultivo. O exame de ossos de animais revela a idade dos animais abatidos e fornece outras informações úteis para de- terminar se as espécies eram selvagens ou domesticadas. Analisando esses dados, os arqueólogos respondem a várias perguntas sobre as anti- gas economias. O grupo obtinha sua carne da caça ou domesticava e criava animais, matando apenas os de certa idade e determi- nado sexo? Os alimentos vegetais vinham de plantas silvestres ou da semeadura, cuidado e colheita dos cultivos? Os moradores produ- ziam, comercializavam ou compravam de- terminados itens? As matérias-primas esta- vam disponíveis localmente? Se não, de onde vinham? A partir dessas informações, os ar- queólogos reconstroem os padrões de pro- dução, comércio e consumo. Os arqueólogos passaram muito tempo estudando fragmentos de cerâmica, pois são mais duráveis do que muitos ou- tros artefatos, como os têxteis e a madeira. A quantidade de fragmentos de cerâmica permite estimar tamanho e densidade da população. A descoberta de que os ceramis- tas usavam materiais que não estavam dis- poníveis localmente sugere sistemas de co- mércio. Semelhanças na fabricação e deco- ração em locais diferentes podem ser prova de conexões culturais. Grupos que tenham vasilhames semelhantes podem ter relações históricas e, talvez, compartilhem antepas-sados culturais, tenham negociado entre si ou pertençam ao mesmo sistema político. Muitos arqueólogos examinam a pa- leoecologia. A ecologia é o estudo das inter- -relações entre seres vivos em um ambiente. Juntos, organismos e ambiente constituem um ecossistema, uma configuração de flu- xos de energia e intercâmbios que segue de- terminados padrões. A ecologia humana es- tuda os ecossistemas que incluem pessoas, enfocando as formas como o uso humano “da natureza influencia a organização social e os valores culturais e por eles é influencia- do” (Bennett, 1969, p. 10-11). A paleoecolo- gia observa os ecossistemas do passado. Além de reconstruir padrões ecológi- cos, os arqueólogos podem inferir transfor- mações culturais, por exemplo, ao observar mudanças no tamanho e no tipo dos sítios e na distância entre eles. Uma cidade grande se desenvolve em uma região onde, alguns séculos antes, só existiam cidadezinhas, al- deias e vilarejos. O número de níveis de as- sentamento (cidade grande ou pequena, povoado, aldeia) em uma sociedade é uma medida da complexidade social. As cons- truções dão pistas sobre as características políticas e religiosas. Templos e pirâmides TABELA 1.2 Etnografia e etnologia – duas dimensões da antropologia cultural ETNOGRAFIA ETNOLOGIA Exige trabalho de campo para coletar dados Utiliza os dados coletados por uma série de pesquisadores Muitas vezes descritiva Normalmente sintética Específica de um grupo ou comunidade Comparativa/intercultural Um espelho para a humanidade 35 sugerem que uma antiga sociedade tinha uma estrutura de autoridade capaz de mo- bilizar o trabalho necessário para construir esses monumentos. A presença ou a ausên- cia de determinadas estruturas, como as pi- râmides do Egito e do México antigos, reve- la diferenças de funções entre os assenta- mentos. Por exemplo, algumas cidades eram lugares a que as pessoas iam para as- sistir a cerimônias, outras eram locais de se- pultamento e outras, ainda, comunidades agrícolas. Os arqueólogos também reconstroem os padrões de comportamento e estilos de vida do passado fazendo escavações, ou seja, cavando uma sucessão de níveis em um sítio. Em uma determinada área, ao longo do tempo, os assentamentos podem mudar de forma e propósito, assim como as conexões entre eles. As escavações podem documentar alterações em atividades eco- nômicas, sociais e políticas. Embora sejam mais conhecidos pelo estudo da pré-história, isto é, o período anterior à invenção da escrita, os arqueó- logos também estudam as culturas dos povos históricos e até mesmo dos que ainda vivem (ver Sabloff, 2008). Estudando na- vios afundados na costa da Flórida, arqueó- logos subaquáticos foram capazes de verifi- car as condições de vida nos navios que trouxeram ancestrais afro-americanos para o Novo Mundo, na condição de pessoas es- cravizadas. Em um projeto de pesquisa que iniciou em 1973, em Tucson, Arizona, o ar- queólogo William Rathje aprendeu sobre a vida contemporânea com o estudo do lixo moderno. O valor da “lixologia” (garbolo- gy), como Rathje a chama, é que ela fornece “evidências do que as pessoas faziam, e não do que elas acham que faziam, do que acham que deveriam ter feito ou do que o entrevistador acha que elas deveriam ter feito” (Harrison, Rathje e Hughes, 1994, p. Uma equipe de arqueólogos trabalha em Harappa, onde esteve uma antiga civilização do Vale do Indo, que remonta a aproximadamente 4.800 anos. 36 Conrad Phillip Kottak 108). O que as pessoas informam pode ser muito diferente do seu comportamento real, como revelado pela lixologia. Por exemplo, o lixólogos descobriram que os três bairros de Tucson que relataram o menor consumo de cerveja tinham, na ver- dade, o maior número de latas de cerveja descartadas por domicílio (Podolefsky e Brown, 1992, p. 100)! A lixologia de Rathje também mostrou ideias equivocadas sobre a quantidade de diferentes tipos de lixo que está em aterros sanitários: embora a maio- ria das pessoas considerasse as embalagens de fast-food e as fraldas descartáveis como os grandes problemas em termos de lixo, na verdade, elas eram relativamente insignifi- cantes em comparação com o papel, in- cluindo o papel reciclável, que não seria prejudicial ao meio ambiente (Rathje e Murphy, 2001). Antropologia biológica ou física O tema da antropologia biológica, ou físi- ca, é a diversidade biológica humana no tempo e no espaço. O foco na variação bio- lógica une cinco interesses especiais na an- tropologia biológica: 1. Evolução humana segundo a revela o registro fóssil (paleoantropologia). 2. Genética humana. 3. Crescimento e desenvolvimento hu- manos. 4. Plasticidade biológica humana (capaci- dade do corpo para mudar ao enfrentar estresse, como calor, frio e altitude). 5. A biologia, a evolução, o comporta- mento e a vida social de macacos, sí- mios e outros primatas não humanos. Esses interesses ligam a antropologia física a outros campos: biologia, zoologia, geologia, anatomia, fisiologia, medicina e saúde pública. A osteologia – o estudo dos ossos – ajuda os paleoantropólogos, que examinam crânios, dentes e ossos, a identi- ficar os ancestrais humanos e acompanhar as mudanças na anatomia ao longo do tempo. O paleontólogo é um cientista que estuda os fósseis. Um paleoantropólogo é uma espécie de paleontólogo que estuda o registro fóssil da evolução humana. Os pa- leoantropólogos muitas vezes trabalham em conjunto com os arqueólogos, que estu- dam artefatos, na reconstrução de aspectos biológicos e culturais da evolução humana. É comum serem encontrados fósseis e fer- ramentas juntos. Diferentes tipos de ferra- mentas fornecem informações sobre os há- bitos, os costumes e o estilo de vida dos hu- manos ancestrais que as usavam. Mais de um século atrás, Charles Dar- win percebeu que a variedade que existe em toda a população permite que alguns indi- víduos (com características privilegiadas) se saiam melhor do que outros na sobrevi- vência e na reprodução. A genética, que se desenvolveu mais tarde, ajuda a esclarecer Aplicando a antropologia à cultura popular INDIANA JONES Pensemos em qualquer um dos quatro filmes de Indiana Jones, dirigidos por Steven Spielberg. Os arqueó- logos costumam se queixar de que esses filmes distorcem a percepção pública de seu campo de trabalho, retratando-os como saqueadores gananciosos, aventureiros, amorais e não científicos. De que forma India- na Jones influenciou sua opinião sobre a arqueologia, se é que houve alguma influência? Falando em ter- mos mais gerais, as imagens dos arqueólogos na mídia fazem você ter uma opinião melhor ou pior do campo da arqueologia? Um espelho para a humanidade 37 as causas e a transmissão dessa variedade. No entanto, não são apenas os genes que causam a variedade. Durante a vida de qualquer indivíduo, o ambiente funciona junto com a hereditariedade para determi- nar as características biológicas. Por exem- plo, pessoas com tendência genética a ser altas serão menores se forem mal alimenta- das na infância. Assim, a antropologia bio- lógica também investiga a influência do ambiente sobre o corpo à medida que o in- divíduo cresce e amadurece. Entre os fato- res ambientais que influenciam o corpo em sua evolução estão altitude, nutrição, tem- peratura e doenças, bem como os fatores culturais, como os padrões de atratividade. A antropologia biológica (junto com a zoologia) também inclui a primatologia. Os primatas incluem os nossos parentes mais próximos: símios e macacos. Os primatólo- gos estudam a biologia, a evolução, o com- portamento e a vida social daqueles prima- tas, muitas vezes em seus próprios ambien- tes naturais. A primatologia auxilia a paleoantropologia, porque o comporta- mento dos primatas pode ajudar a explicar o início do comportamento humano e da natureza humana. Antropologia linguística Não sabemos (e é provável que nunca che- garemos a saber) quando nossos ancestraisadquiriram a capacidade de falar, embora os bioantropólogos tenham examinado a anatomia do rosto e do crânio para especu- lar sobre a origem da linguagem, e os pri- matólogos descrito os sistemas de comuni- cação de macacos e símios. Sabemos que existem línguas complexas e gramatical- mente bem desenvolvidas há milhares de anos. A antropologia linguística oferece mais um exemplo do interesse da antropo- logia na comparação, na mudança e na va- riação. A antropologia linguística estuda a língua em seu contexto social e cultural, no espaço e no tempo. Alguns antropólogos linguistas fazem inferências sobre as carac- terísticas universais da linguagem, ligadas, talvez, a uniformidades no cérebro huma- no; outros reconstroem línguas antigas comparando suas descendentes contempo- râneas e assim fazem descobertas sobre a história; outros, ainda, estudam as diferen- ças linguísticas para descobrir percepções variadas e padrões de pensamento em cul- turas diferentes. A linguística histórica considera a va- riação no tempo, como as mudanças em sons, gramática e vocabulário entre o inglês médio (falado desde aproximadamente 1050-1550 d.C.) e o inglês moderno. A so- ciolinguística investiga as relações entre va- riações sociais e linguísticas. Nenhuma lín- gua é um sistema homogêneo em que todos falam da mesma maneira. De que formas os diferentes falantes usam um determinado idioma? Como as características linguísticas se relacionam com os fatores sociais, in- cluindo as diferenças de classe e gênero (Tannen, 1990)? Uma das razões para a va- riação é a geografia, como acontece com os dialetos e sotaques regionais. A variação lin- guística também se expressa no bilinguismo dos grupos étnicos. Os antropólogos lin- guistas e culturais colaboram no estudo de ligações entre a língua e muitos outros as- pectos da cultura, por exemplo, a forma como as pessoas avaliam parentesco e como percebem e classificam as cores. ANTROPOLOGIA E OUTROS CAMPOS ACADÊMICOS Como já mencionado, uma das principais diferenças entre a antropologia e os outros campos acadêmicos é o holismo, a mistura singular que a antropologia faz de perspec- tivas biológicas, sociais, culturais, linguís- ticas, históricas e contemporâneas. Para- doxalmente, embora diferencie a antropo- logia, essa amplitude é o que também a sduarte Caixa de texto Um espelho para a humanidade 277 fazem esse tipo de tarefa, incluindo o traba- lho com couro e outros produtos animais, e têm mais probabilidades do que a maioria japonesa de realizar trabalhos manuais (in- cluindo o trabalho agrícola) e de pertencer à classe mais baixa do país. Como outras minorias japonesas, eles também têm mais probabilidades de exercer criminalidade, prostituição, carreiras em entretenimento e esportes (De Vos et al., 1983). Assim como os negros nos Estados Unidos, os burakumins são estratificados por classe. Como certos empregos são reser- vados a eles, as pessoas que são bem-sucedi- das nessas profissões (p. ex., proprietários de fábricas de calçados) podem ser ricas. Os burakumins também encontram emprego como burocratas do governo, e os que fo- rem financeiramente bem-sucedidos po- dem escapar por um tempo de seu status es- tigmatizado viajando, inclusive ao exterior. A discriminação contra os buraku- mins é muito semelhante à que os negros experimentaram nos Estados Unidos: vi- vem com frequência em vilas e bairros com condições precárias de habitação e sanea- mento e têm acesso limitado a educação, empregos, confortos e serviços de saúde. Em resposta à mobilização política buraku- min, o Japão tem desmantelado a estrutura jurídica da discriminação contra eles e tra- balhado para melhorar as condições dos burakus. (A página http://blhrri.org/in- dex_e.htm é patrocinada pelo Instituto de Pesquisa em Libertação e Direitos Huma- nos dos Burakus e inclui as informações mais recentes sobre o movimento buraku de libertação.) Mas o Japão ainda precisa lançar programas de ação afirmativa ao es- tilo norte-americano para educação e em- prego, e a discriminação contra japoneses que não pertencem à maioria ainda é a regra nas empresas. Alguns empregadores dizem que a contratação de burakumins daria a sua empresa uma imagem impura e, portanto, criaria uma desvantagem na con- corrência (De Vos et al., 1983). Fenótipo e fluidez: raça no Brasil Há maneiras mais flexíveis e menos exclu- dentes de construir socialmente a raça do que as utilizadas nos Estados Unidos e no Japão. Junto com o resto da América Latina, o Brasil tem menos categorias excludentes, o que permite aos indivíduos mudar sua classificação racial. O país compartilha uma história de escravidão com os Estados Uni- dos, mas não há a regra da hipodescen- dência. Os brasileiros usam muito mais deno- minações raciais – mais de 500 já foram re- latadas (Harris, 1970) – do que norte-ame- ricanos ou japoneses. No Nordeste do Bra- sil, encontrei 40 termos raciais diferentes em uso em Arembepe, na época, uma aldeia de apenas 750 pessoas (ver Kottak, 2006). Por meio de seu sistema tradicional de clas- sificação, os brasileiros reconhecem e ten- tam descrever a variação física que existe em sua população. O sistema utilizado nos Estados Unidos, ao reconhecer apenas três ou quatro raças, não deixa que os norte- -americanos enxerguem uma faixa equiva- lente de contrastes físicos evidentes. O siste- ma que os brasileiros usam para construir raça social tem outras características espe- ciais. Nos Estados Unidos, a raça de uma pessoa é um status atribuído, que é definido automaticamente pela hipodescendência e, em geral, não muda. No Brasil, a identidade racial é mais flexível, sendo mais um status adquirido. A classificação racial brasileira presta atenção ao fenótipo, que se refere a traços evidentes de um organismo, sua “bio- logia manifesta” – fisiologia e anatomia, in- cluindo cor da pele, forma do cabelo, carac- terísticas faciais e cor dos olhos. O fenótipo e a denominação racial de um brasileiro po- dem mudar devido a fatores ambientais, como bronzeamento ou efeitos da umidade sobre o cabelo. Assim como as características físicas mudam (a luz solar altera a cor da pele, a http://blhrri.org/in- sduarte Caixa de texto 278 Conrad Phillip Kottak Essas fotos, tiradas no Brasil pelo autor do livro em 2003 e 2004, dão apenas uma ideia do espectro da diversidade fenotípica encontrada entre os brasileiros contemporâneos. umidade afeta a forma do cabelo), o mesmo acontece com os termos raciais. Além disso, as diferenças raciais podem ser tão insigni- ficantes na estruturação de vida da comuni- Um espelho para a humanidade 279 dade que as pessoas podem esquecer os ter- mos que aplicaram a outras. Às vezes, até se esquecem dos que usaram para si próprias. Em Arembepe, costumava pedir à mesma pessoa, em dias diferentes, que me dissesse as raças das outras na aldeia (e a minha). Nos Estados Unidos, eu sempre sou “bran- co” ou “euro-americano”, mas, em Arembe- pe, recebi muitos termos, além de branco. Eu poderia ser claro, louro, sarará, mulato claro ou mulato. O termo racial usado para descrever a mim ou a qualquer outro variava de pessoa a pessoa, semana a semana, mesmo de um dia para outro. Meu melhor interlocutor de pesquisa, um homem de pele muito escura, mudava o termo que usava para si mesmo o tempo todo, de escuro a preto e a moreno escuro. Durante séculos, os Estados Unidos e o Brasil tiveram populações mistas, com ancestrais nativo-americanos, europeus, africanos e asiáticos. Embora as raças te- nham se misturado em ambos os países, as culturas brasileira e norte-americana cons- truíram os resultados de forma diferente. As razões históricas para esse contraste se en- contram sobretudo nas diferentes caracte- rísticas dos colonos dos dois países. Os pri- meiros colonos dos Estados Unidos, na maioria ingleses, vieram na condição de mulheres, homens e famílias; os coloniza- dores portuguesesno Brasil eram em sua maioria comerciantes e aventureiros do sexo masculino. Muitos deles se casavam com mulheres indígenas e reconheciam seus filhos de raça mista como seus herdei- ros. Tal como os seus equivalentes norte- -americanos, os donos de lavouras escravis- tas brasileiras tinham relações sexuais com suas escravas, mas os latifundiários brasilei- ros libertavam com mais frequência os fi- lhos que resultavam da relação, por razões demográficas e econômicas. (Às vezes eram seus filhos únicos.) Filhos livres de senhores portugueses e escravas africanas se torna- vam chefes e capatazes das lavouras e ocu- pavam muitas posições intermediárias na emergente economia brasileira. Eles não eram classificados como escravos, e sim au- torizados a participar de uma nova catego- ria intermediária. Não se desenvolveu qual- quer regra de hipodescendência no Brasil para garantir que brancos e negros perma- necessem separados (ver Degler, 1970; Har- ris, 1964). No sistema-mundo de hoje, o sistema brasileiro de classificação racial está mu- dando no contexto das políticas de identi- dade e dos movimentos internacionais de direitos. Assim como cada vez mais brasilei- ros reivindicam identidades indígenas (na- tivos brasileiros), um número crescente afirma sua negritude e sua participação au- toconsciente na diáspora africana. Particu- larmente em Estados do Nordeste, como a Bahia, onde a influência demográfica e cul- tural africana é forte, as universidades pú- blicas têm instituído programas de ação afirmativa destinados a povos indígenas e, sobretudo, aos negros. As identidades ra- ciais se firmam no contexto da mobilização internacional (p. ex., pan-africana e pan-in- dígena) e no acesso a recursos estratégicos com base na raça. GRUPOS ÉTNICOS, NAÇÕES E NACIONALIDADES O termo nação já foi sinônimo de tribo ou grupo étnico. Todos esses três termos têm sido usados para se referir a uma única cultura que compartilha idioma, religião, história, território, ancestralidade e pa- rentesco. Assim, pode-se falar alternada- mente de nação, tribo ou grupo étnico Seneca (indígena dos Estados Unidos). Hoje, nação passou a significar Estado – uma unidade política independente, cen- tralmente organizada, ou um governo. Nação e Estado se tornaram sinônimos. Combinados em Estado-nação, referem-se a uma entidade política autônoma, um país sduarte Caixa de texto Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Capa Iniciais Ficha Catalográfica
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