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AULA 1 ÉTICA E RELAÇÕES INTERPESSOAIS Prof. Adriano Faria 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, trazemos a ética como disciplina nas relações interpessoais. Para apresentarmos este contexto, escolhemos cinco temas relacionados à ética, iniciando com a sua definição e conceito ao longo de sua história, incluindo o aporte à moral e o seu entendimento no desenvolvimento da humanidade, bem como a interpretação da ética na atualidade e junto ao mundo empresarial. TEMA 1 – ÉTICA – SUA DESCRIÇÃO Neste tema, apresentamos o conceito de ética, com reflexões sobre esse termo iniciado na Grécia Antiga pelos filósofos e pensadores mais citados, Sócrates, Platão e Aristóteles, os quais compreendiam que a conduta humana deveria ter base equilibrada a fim de prevenir a falta de ética. 1.1 O termo “ética” e a sua interpretação etimológica O termo “ética” se origina do conceito grego ethos como substantivo, ou como ethike, adjetivo, indicando a compreensão de costumes ou de estilo de vida. Na tradução de Cícero, ethos passou a ser mos, como termo latino, surgindo a palavra “moral”, que se caracteriza como tradução de ética, ou a mesma coisa, sendo atribuído a ambos os termos ética e moral o objeto de estudo e a crítica sobre esse objeto (Ferraz, 2014). A interpretação quanto à similaridade dos termos também foi aceita por Tugendhat (2003), quando o autor empregou os termos “ética” e “moral” como intercambiáveis, mesmo que autores contemporâneos tenham utilizado critérios para fazer a diferenciação entre ambos. Entretanto, na tradução do termo grego éthicos para o latim moralis, observamos que mores significa usos e costumes, e, em outra tradução, é lido como propriedade de caráter. Em sua primeira menção na história, Aristóteles colocou a questão central da ética em sua obra Ethica Nicomachea, afirmando que a investigação, a práxis e a decisão têm em comum a direção a um bem, e esse bem é o que todos anseiam, dando início à ética aristotélica com o estabelecimento da noção de felicidade, uma ética eudemonista (Ferraz, 2014). 3 É nessa ética que se instala a noção de felicidade, definida como uma certa “atividade da alma conforme a virtude perfeita, devemos considerar a natureza da virtude: pois talvez possamos compreender melhor, por esse meio, a natureza da felicidade” (Aristóteles, 1991, p. 14). A reflexão sobre a ética foi preocupação frequente na filosofia grega, pois o termo “ética” é também atribuído à sede de justiça, relacionada com o desejo do homem da realização do bem supremo, constituindo-se como uma das três dimensões da filosofia; as outras são a teoria e a sabedoria (Gonçalves, 2016). A práxis humana, portanto, é a ação ética, a atualização imanente de um processo que ocorre cotidianamente, e cria o primum notum, ou seja, a base da reflexão ética. Se visualizarmos o ethos como costume, ele pode ser explicado como o princípio e norma dos atos que formam o ethos como hábito, caracterizado em três momentos: costume, ação e hábito. Nesta sequência, a prática atua na mediação entre os momentos que constituem o ethos, como costume e hábito, “[...] num ir e vir que se descreve exatamente como círculo dialético: a universalidade abstrata do ethos como costume inscreve-se na particularidade da práxis como vontade subjetiva” (Vaz, 2000, p. 15). Essa circularidade do ethos pode ser melhor visualizada na figura 1. Figura 1 – Esquema da circularidade do ethos Aristóteles via em todas as atividades humanas o desejo de algum bem, destacando a felicidade, que não tem vinculação com prazeres e riquezas, mas observa o pensar, que caracteriza o homem e indica a felicidade como a atividade da alma, segundo a razão. Já os hedonistas entendem que o bem se encontra no prazer, de modo que uma análise na compreensão da ética na contemporaneidade coloca a civilização como hedonista, porque a felicidade é caracterizada pela aquisição de bens de consumo e quanto à incapacidade de tolerar desconforto ou enfrentamento de doenças e morte (Aranha, 1997). 4 1.2 Para compreendermos a ética A ética, no estudo da existência do ethos, é associada ao termo physis, ou seja, quando o primeiro se instala na razão profunda da physis como domínio da necessidade da natureza, articulando-se em hábitos ou virtudes, conforme o finalismo do logos ou da razão. O ethos designa a morada do homem, a casa do homem; o homem habita sobre a terra e tem aí um recesso seguro do ethos, como um abrigo protetor, conferindo à significação do ethos o costume, o estilo de vida e a ação (Vaz, 2000). Para que você compreenda a transição: O ethos, nesse caso, denota uma constância no agir que se contrapõe ao impulso do desejo (órexis). Essa constância do ethos como disposição permanente é a manifestação e como que o vinco profundo do ethos como costume, seu fortalecimento e o relevo dado às suas peculiaridades. O modo de agir (trópos) do indivíduo, expressão da sua personalidade ética, deverá traduzir, finalmente, a articulação entre o ethos como caráter e o ethos como hábito. (Vaz, 2000, p. 14) Assim, podemos compreender que a ética aristotélica corresponde ao entendimento de como o homem atua em sua morada, sendo ela, simbolicamente, a sua forma de viver, de costume, agindo para formar em si mesmo a própria natureza, o que o conduz ao objetivo da ética, que é a felicidade na vida, a eudaimonia, colocada como causa principal dos valores morais e finalidade da vida humana (Ferraz, 2014). Definido por Sánchez Vázquez (1969, p. 23), a ética “é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana, ou forma de comportamento dos homens”. O valor da ética como teoria se encontra naquilo que ela explica, e não em prescrever ou recomendar com o objetivo de ação em situações concretas. Interpretada como teoria, a ética é a ciência do comportamento moral dos homens na sociedade, ou seja, é a ciência de uma forma específica de conduta humana. Assim explicitada, a ética tem enfoque no setor da realidade humana, a qual se denomina moral, constituído esse setor como um objeto por um tipo específico de fatos ou ações do homem (Sánchez Vázquez, 1969). Por fim, “a ética, entretanto, não dá mais que um conhecimento aproximado do belo (tà kalá) e do justo (tà díkaia), o qual a política toma sob a sua responsabilidade visando o bem e se afasta da ciência de que depende” (Darbo-Peschanski, 2007, p. 35). 5 TEMA 2 – O QUE É A MORAL Este tema nos permite trazer esclarecimentos sobre a moral, que é intrinsecamente associada à ética, porém, permite questionar o que são os bons e os maus valores presentes nos relacionamentos entre as pessoas. A maneira pela qual vivemos possibilita a percepção da qualidade dos valores, maus ou bons, que podem trazer benefícios ou prejuízos ao ser humano, por isso o entendimento da ética como uma ciência com fundamentos em valores. A decisão do que é bom ou não para o ser humano tem vinculação com a forma de se ver o mundo, com a dimensão filosófica do entorno e do que o homem utiliza em sua compreensão (Silva et al., 2016). Considerando esse conceito com relação à vida de cada um, é possível escolher os valores mais importantes de modo a construir a moral individual, a ética pessoal, que permite determinar atitudes em sua qualidade e certeza, certas ou erradas, boas ou más (Silva et al., 2016). Sobre essa questão, Tugendhat (2003) destaca a distinção entre bom e ruim, afirmando a necessidade de melhor esclarecer o emprego: algo é bom se considerado um determinado objetivo, e pode ser bom ou mau para um indivíduo e para seu bem-estar, por exemplo. Entretanto, o termo “bom” pode ser empregado como absoluto, sem complementação, o que permite definir a palavra “moral”, porque o contrário – ruim – corresponde ao emprego de imoral. 2.1 Definição de moral Aranha (1997, p. 96) definiua moral como “o conjunto de regras de condutas consideradas válidas para um grupo ou para uma pessoa”. Inerente a essa interpretação, são mencionados os valores, resultados da experiência humana em sua relação com o mundo e com os seus pares, indicando que a moral existe para que o homem viva melhor, com valores determinados pela cultura do contexto em que atua. Exemplos de costumes, culturas, valores e morais relacionados são registrados por Aranha no seguinte trecho acerca da diversidade de costumes: Para algumas tribos, é indispensável matar os velhos e as crianças que nascem com algum defeito, o que para nós pode parecer incrível crueldade. Na Idade Média era proibido dissecar cadáveres e, no entanto, as instituições de justiça tinham o direito de torturar seres vivos. Nosso costume de comer bife escandaliza o hindu, para quem a vaca é animal sagrado. Isso significa que os valores são em parte 6 herdados da cultura. [...] Ou seja, a moral existe para se viver melhor. Talvez essa afirmação cause espanto, se considerarmos que as regras morais são concebidas como condição de repressão humana, sendo, assim, geradoras de infelicidade. [...] O que nos interessa enfatizar, em um primeiro momento, é que os grupos humanos precisam de regras para viver bem. (Aranha, 1997, p. 96) A moral é entendida como um conjunto de normas e regras de ação destinadas a regular as relações dos indivíduos em uma comunidade social, o significado, função e validade das mesmas não podem deixar de variar historicamente nas diferentes sociedades. (Sánchez Vázquez, 1969, p. 37) Diante disso, é importante saber que, do mesmo modo que uma sociedade sucede a outra, a moral concreta e efetiva se sucede e desloca em relação às outras. Por isso, a moral, desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e a moral burguesa da sociedade moderna, constitui-se em sua historicidade, de como que a ética – ciência de moral – não pode ser concebida como algo imutável, mas deve ser considerada como um aspecto inerente à realidade humana, que se modifica com o tempo. Porque é a moral, historicamente, um modo de comportamento do ser humano, que se forma e se autoproduz gradativamente em seu plano de existência material, prática e em sua vida espiritual, que inclui, nessa última, a moral (Sánchez Vázquez, 1969). 2.2 Estudos contemporâneos sobre moral Dos escritos de Aristóteles (1991), considerando a função humana como uma atividade da alma, qualquer ação que o homem realizar será bem realizada se estiver em consonância com a excelência natural; com isso, o bem do homem se caracteriza como uma atividade da alma intrínseca à virtude. A virtude moral, por sua vez, é definida como [u]ma disposição adquirida da vontade, consistindo em um justo meio relativo a nós, que é determinado pela justa regra, tal como o determina o homem prudente [...]. A moralidade não está apenas na ordem do logos, mas também no páthos (paixão) e no éthos (os costumes, de onde vem a palavra ética). [...] a educação moral deve esforçar-se para introduzir de forma duradoura a razão nos costumes, por intermédio da afetividade, graças à constituição de hábitos [...] A virtude, mesmo se ela deve penetrar na parte irracional da alma, é racional no seu princípio, como atesta, na sua definição, a referência à ‘regra justa’. (Novaes, 2007, p. 9) 7 Ferraz (2014), lembrando os registros clássicos de discussão sobre moral, situa o entendimento de Platão ao afirmar que a justiça se constitui em virtude da alma, de modo que o homem justo e a alma justa viverão bem, deixando subjetiva a explicação do que é este bem, porque se o homem vive de forma correta moralmente, essa forma de vida se identifica com a felicidade. Recentemente, o estudo da moral foi denominado de epistemologia moral, paralelamente aos avanços de áreas da Psicologia cognitiva, psicologia evolutiva e Antropologia evolutiva. Surgiram, também, as ciências que estudam o ceticismo e o relativismo moral, permitindo que seja compreendido como surgem os conceitos morais e como os juízos morais que são construídos sobre esses conceitos são justificados. A questão é: o fim e os meios da ação são legítimos? As consequências são moralmente aceitáveis? Se somos seres sociáveis e precisamos conviver socialmente, precisamos de regras para o bem conviver e de justificativas para as ações e deliberações (Ferraz, 2014, p. 22-23). Acerca da moral e da instauração de regras para o bom convívio, Vaz (2000) refere os escritos de Nietzsche, intuindo sobre a função educadora do ethos e atribuindo à sociedade humana uma história terrível de crueldades, quando esta pretendeu educar o homem como um animal para o qual são feitas promessas de um ser de responsabilidade e de moral. A teoria nietzschiana da origem das noções morais através do longo curso histórico de uma educação, que não é senão a impiedosa e implacável tarefa de submissão da animalidade no homem, inspira, por sua vez, a tese, hoje vulgarizada, da origem da moral a partir da proibição e do interdito, acompanhados dos respectivos castigos e sanções. (Vaz, 2000, p. 27) Para Novaes (2007), a moral moderna exerce um fascínio pelo artifício, pela aparência e por respostas prometidas. Em uma síntese: Jean Starobinski – a denúncia das aparências é um lugar-comum de antiga retórica moral; Montaigne – difícil fugir do malefício do parecer; Rousseau – aparência e mal são quase sinônimos; Nietzsche – dialética da máscara ou da aparência; Merleau-Ponty – contradição operante; Valéry – a importância da obra do espírito. Assim, Teatro do mundo para Montaigne, dissimulação e máscara em Nietzsche, experiência do mundo em Merleau-Ponty, artifício, admiração, encenação, ilusões e fantasia para os contemporâneos, esses são os fundamentos da ética da aparência que não cessa de desafiar o humano. (Novaes, 2007, p. 13) 8 Este humano é o civilizado, que aceita ordem de potências e deveres, nascidos de costumes, opiniões e julgamentos: moral. TEMA 3 – HISTÓRIA DA HUMANIDADE Neste tema, buscamos relatar aspectos da história da humanidade, de modo sucinto, e também abordar a virtude e os valores humanos com base nos registros que são disponibilizados pela literatura. Harari (2015) apresenta na história da humanidade três revoluções, às quais atribui mudanças no curso da história: a Revolução Cognitiva, de 70 mil anos atrás; a Revolução Agrícola, de 12 mil anos atrás; e a Revolução Científica, que existe há 500 anos. Em obra de van Loon (2004), a evolução do mundo e do homem é escrita nas lutas de diferentes povos pela sobrevivência, iniciando com os primeiros ancestrais, o que nos remete ao homem pré-histórico. Depois, com a descrição sobre o Egito, o autor segue com os povos sumérios, hebreus, fenícios, indo- europeus e chega aos gregos, em suas cidades e filósofos. Com eles, a história mostra que os gregos não buscavam a grandeza como ideal de vida, mas a moderação em todas as coisas fazia parte da literatura e dos pequenos templos. Encontrou expressão nas roupas que os homens usavam e nos anéis e nas pulseiras de suas esposas. Seguiu as multidões que foram ao teatro e obrigou-os a censurar qualquer dramaturgo que ousasse pecar contra a lei férrea do bom gosto ou do bom senso. (van Loon, 2004, p. 39) O desenvolvimento econômico tem sido atribuído à Revolução Industrial e à colonização de territórios ultramarinos, sendo iniciativa da Grã-Bretanha, no final do século XVIII, e fora da Europa, pelos Estados Unidos, após a Guerra Civil Americana (Chalton, 2017). Ao final do século XIX e início do século XX, havia um otimismo de crescimento econômico no mundo, o qual foi dizimado pela realidade da Primeira Guerra Mundial. Quando saiu do âmbito dos exércitos e alcançou as populações, “a moral e as convenções de guerra foram abandonadas em favor de uma soturna luta pela sobrevivência”(Chalton, 2017, p. 44). Foi na década de 1920 que o crescimento econômico e cultural foi destaque nas cidades norte- americanas, pois a produção em massa alimentava o consumo crescente também de aparelhos domésticos e de veículos, predominando automóveis Ford (Marriott, 2015). 9 Os avanços na indústria aeronáutica e na construção civil, o surgimento do rádio e do cinema, a popularização do jazz, tudo contribuía para um sentimento geral de modernidade. Essa era de prosperidade terminou abruptamente com a Quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, que sinalizou o início da Grande Depressão. Os bancos norte-americanos foram obrigados a recolher seus depósitos na Europa e a aumentar suas tarifas. Todos os países foram afetados duramente e o comércio internacional despencou. (Marriott, 2015, p. 126) O surgimento da democracia, na década de 1930, foi seguida pela promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que concedeu direitos às crianças de não realizarem o trabalho infantil e alcançou outros setores da sociedade por meio de uma revolução social, quando nações criaram mecanismos para que a população recebesse ajuda do Estado, um sistema de bem-estar igualmente disponível a todos (Chalton, 2017). 3.1 Valores e virtudes do homem Na evolução do mundo, o homem tem atuado como criador e transformador, chamado constantemente a inovar, sem medo de caminhar por trechos desconhecidos e nem de abrir novas alternativas para a humanidade. A solidariedade e a política são inatas ao homem, que busca criar ou afirmar seus vínculos com as outras pessoas e com o ambiente. É natural para si a paz e a violência, o amor e o ódio, mas busca participar sempre disposto ao compromisso. “A visão e a projeção de sua vida são transcendentes e universais, ultrapassando o quadro de si mesmo, de sua família e de sua pátria para abarcar as dimensões da humanidade e do Universo” (Díaz, 1994, p. 13). Dos escritos de Aristóteles (1991), já havia a indicação sobre a virtude humana, porque humano era o bem e humana a felicidade buscada. Esta virtude humana é, portanto, não a do corpo, mas da alma, e felicidade chamada de atividade da alma. A virtude também é apontada em diferentes espécies: A virtude também se divide em espécies de acordo com esta diferença, porquanto dizemos que algumas virtudes são intelectuais e outras morais; entre as primeiras temos a sabedoria filosófica, a compreensão, a sabedoria prática; e entre as segundas, por exemplo, a liberalidade e a temperança. Com efeito, ao falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que possui entendimento, mas que é calmo ou temperante. No entanto, louvamos também o sábio, referindo-nos ao hábito; e aos hábitos dignos de louvor chamamos virtudes (Aristóteles, 1991, p. 28-29) Dentre as virtudes consideradas ideais ao ser humano, adaptado de Díaz (1994), relacionamos as seguintes: 10 respeito: não violar a dignidade dos outros com palavras, atitudes, atos; tolerância: todos temos falhas e limitações; aceitação: somos diferentes, pensamos diferente; não rejeitar o outro porque ele é diferente; amabilidade: ser amigável e sorrir; ter compaixão; querer e se deixar ser amado, não viver cheio de ódio ou ressentimento; perdoar: todos cometemos erros e às vezes cometemos injustiças, mas todos merecemos uma segunda chance; compreender: tentar se colocar no mundo e nas circunstâncias das pessoas; se colocar no lugar delas; servir: oferecer ajuda sem esperar que lhe peçam e sem buscar recompensa ou reconhecimento; justiça: nunca atropelar ou prejudicar os direitos de terceiros; dar a cada um o que seu, o que ele merece; sinceridade: evitar hipocrisia e conversa fiada; não viver em uma fachada e simulação; positividade: ver o que há de bom nos outros e no mundo ao redor; não se lamentar tanto. (Díaz, 1994, p. 90- 91) Finalizando este tema, destacamos que a face social e familiar contempla as relações entre as pessoas e grupos com o ambiente, tendo seu início na família, país, universidade, amigos e vizinhança. Ao homem, é necessário que busque enriquecer os seus relacionamentos sociais, pois da qualidade de tais relações sociais surge o enriquecimento mútuo que promove uma sociedade humanamente enriquecida. Por natureza, somos sociais. Isolamento, egoísmo e conflito destroem a humanidade. (Díaz, 1994, p. 21) TEMA 4 – A ÉTICA NA ATUALIDADE Para este tema, a versão moderna da ética é abordada com a descrição da visão de autores sobre as divisões desta, contemplando diferentes áreas e formas de comportamento, bem como a conduta humana e as tendências futuras da ética. Apresentada em três grandes ocorrências, a ética é mais presente nos estudos aristotélicos, da cultura grega de comportamento moral, não atribuída a todos; o segundo grande momento da ética é mencionado na Idade Média, com a Igreja Romana estabelecendo o comportamento recomendado à vida social do indivíduo; o terceiro momento corresponde à contemporaneidade, abordando um problema ético equivalente à experiência moral (Paim, 2003). A ética contemporânea é ínsita à filosofia contemporânea, essa iniciada ao final do século XVIII, marcado pela Revolução Francesa, e avançando pelos séculos XVIII, XIX e XX, com denominação de filosofia pós-moderna e contemplando pensadores que abordaram a ética. Dentre eles, Hegel, Feuerbach, Schopenhauer, Kierkegaard, Comte, Marx, Lukács, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Sartre, Russel, Wittgenstein, Adorno, Benjamin, Habermas, Foucault, Derrida, Popper e Bauman (Bezerra, 2021). 11 Bauman (2009), ao escrever sobre a ética moderna, sugeriu que: Não deixar de lado as preocupações morais modernas características, mas em rejeitar as formas modernas típicas de abordar os problemas morais; isto é, responder aos desafios morais com normas coercitivas na prática política, bem como a busca filosófica de absolutos, universais e suportes de teoria. Os grandes problemas éticos – direitos humanos, justiça social, equilíbrio entre cooperação pacífica e autoafirmação – não perderam sua validade; basta vê-los e abordá-los de uma nova maneira. (Bauman, 2009, p. X-XI) A ética filosófica do século XIX – fiel às tradições do moderno interesse por tudo o que é subjetivo – se esgota na análise da consciência moral e de suas ações. A preocupação com o conteúdo objetivo das demandas, mandatos e valores morais tem sido ignorada pela ética filosófica; “a pura ética do dever e obrigação moral, toda moralidade puramente imperativista [...] cometem o erro de negligenciar a plenitude da vida” (Hartmann, 2011, p. 51). 4.1 A conduta humana para a contemporaneidade Indispensável pensar que uma nova narrativa humana tem se apresentado nos meios de comunicação, criada no espaço virtual. Bauman e Donskis (2014, p. 11-12) comentam sobre o mal presente nas guerras e em ideologias totalitárias e revelado contemporaneamente na falta de reação ao sofrimento do outro, “quando nos recusamos a compreender os outros, quando somos insensíveis e evitamos o olhar ético silencioso”. A compreensão da ética como resultado dos processos naturais da evolução humana deve preconizar no homem a disposição baseada em reações afetivas, e os comportamentos éticos devem ter a sua origem em processos cerebrais, pois sendo a ética uma função natural do ser humano, deverá registrar avanços na maturidade do indivíduo, a exemplo de outras funções naturais. É assim que o desenvolvimento de competências morais na criança permite compreendê-la naquilo que mostra como disposição inata à ética e o que tem como aprendizado pelas regras próprias da cultura (Changeux, 1996). Citando o filósofo Hume, Paim (2003) descreve sobre os limites do dever de cada ser humano, precisando que se estabeleça um lado no qual se encontrem os verdadeiros interesses da humanidade. Se por acaso uma opinião errada a destrói, porque a aceitamos baseadosem falsas aparências, logo que uma experiência mais impetuosa e um raciocínio mais sadio nos dão uma nação mais justa dos negócios humanos, nós renegamos nosso primeiro sentimento e reajustamos as fronteiras do bem e do mal, segundo a moral. [...]. Mas 12 de onde provém a circunstância de que os homens sejam instados e estimulados a seguir aqueles comportamentos que estão associados à virtude? (Paim, 2003, p. 115-6) De fato, a simpatia leva o indivíduo a se identificar com o outro, porque o ser humano tem sentimentos de vergonha, dor e alegria por outra pessoa, ainda que determinadas reações não sejam percebidas, de modo geral. Trata-se de um sentimento que possibilita a criação de laços que se solidificam no âmbito social, levando o homem a adotar o comportamento virtuoso que a sociedade aprova (Paim, 2003). 4.2 Tendências futuras da ética A ética, nas modernas concepções, tem sido inserida para além da busca pela felicidade, segundo Aristóteles (1991, p. 9), identificada esta felicidade como honra, sendo esta, pois, “a finalidade da vida política”, embora seja subjacente à opinião de Sánchez Vázquez (1969) acerca da moral como conduta própria do homem como ser histórico, social e prático, responsável por transformar o mundo ao seu redor, porquanto é o comportamento moral a manifestação da natureza humana e mesmo a moral e suas alterações fundamentais são uma parte da história humana, inseparável da atividade prática – material e espiritual. É possível compreender a ética na ocupação de espaços sociais mais amplos, pela necessidade de levar a moralidade ao início do processo ético e que a responsabilidade moral seja enraizada desde o princípio na forma de ser do homem, sob o risco de não poder buscá-la mais tarde (Bauman, 2009). A ética assume lugar na Psicologia, na Pedagogia, na Política e na História, na Arte e na configuração artística como campo de orientação para o fenômeno moral; de outro lado, há a tendência de cursar caminhos errados na ética filosófica, que compreendem o egoísmo e o altruísmo. Com o egoísmo, “o forte subjuga os fracos, usa-os; sua palavra é lei; mas, porque eles o servem, ele tem que cuidar deles – para seu próprio interesse” (Hartman, 2011, p. 112). Já quanto ao altruísmo: A linguagem comum chama a ação de autossacrifício de ‘altruísta’. Ele quer estabelecer, com isso, uma oposição ao egoísmo: o objetivo não está em si mesmo, mas no de outrem. Ora, se a teoria diz que aqui, como em geral, o objetivo é sempre algo que me ‘satisfaça’, então pode-se objetar: o que me satisfaz aqui é a satisfação das outras pessoas. Chamamos precisamente esse tipo de autossatisfação de altruísta. 13 Esse tipo de satisfação não torna o bem-estar do outro um meio para o próprio prazer, mas antes alegra-se com o bem-estar do outro em prol do próprio bem-estar do outro. (Hartman, 2011, p. 114) Além dessas ciências mencionadas, a ética é relacionada à bioética (Changeux, 1996); à economia (Sen, 2009); à antropologia e à história (Sánchez Vázquez, 1996); geral e profissional (Nalini, 2020); direitos humanos (Calgaro; Biasoli; Erthal, 2016); direitos humanos e meio ambiente (Nodari; Calgaro; Síveres, 2017); da informação (Gomez; Cianconi, 2017), dentre outras áreas. TEMA 5 – ÉTICA E O MUNDO EMPRESARIAL A ética no mundo empresarial faz parte do presente tema sobre ética, considerando que essa ciência abrange outras ciências e modos de vida em conceitos modernos de ações e de comportamentos humanos. O comportamento ético nas organizações tem sido vinculado à responsabilidade social, uma ideia associada à ação empresarial e lucrativa, que pode incluir ou não ações filantrópicas com a comunidade. Nas ações gerenciais, as tomadas de decisão têm sido uma das principais habilidades desejadas, e a responsabilidade de um gerente deve priorizar a ética nas relações, devendo a ética ser “como um abrigo nas empresas, para ser utilizada como um norte, uma direção no meio organizacional” (Bedor, 2019, p. 98). 5.1 Noções do surgimento da ética empresarial Presente nas apresentações, relatórios e projetos de empresas, a ética empresarial aparece nesse setor desde a década de 1970, delineada nos Estados Unidos. Ao longo do tempo, foram implantados Códigos de Conduta e Códigos de Ética relacionados às atividades de negócios e às regras que as orientam como aspectos importantes da responsabilidade corporativa, criando- se o conceito de Ética Organizacional (Humberg, 2008). O objeto da ética empresarial tem abordagem recente, saindo de um conjunto simples de teorias éticas e de algumas considerações gerais sobre a justiça do capitalismo e de alguns casos de negócios já prototípicos – a maioria deles infortúnios, escândalos e catástrofes que mostraram a face mais sombria e irresponsável do mundo dos negócios. A ética nos negócios era um assunto sem crédito em toda a filosofia ‘central’, sem um escopo conceitual próprio. [...] em um mundo filosófico cativado por ideias não mundanas e mundos meramente ‘possíveis’, a ética dos negócios estava muito interessada na moeda comum da troca cotidiana: 14 dinheiro. Mas a própria filosofia voltou-se para o ‘mundo real’ e a ética empresarial encontrou ou criou um lugar na junção entre ambos. (Salomon, 2004, p. 484) Com este despertar, a ética empresarial passou a ser aplicada como teoria da escolha social, com análise formal na ética empresarial e na interação e imersão de especialistas em ética empresarial no mundo eficaz dos executivos, sindicatos e pequenas empresas (Salomon, 2004). Nos ensinamentos de Sen (2009), a questão ética na economia já havia sido mencionada por Aristóteles, quando via na ética a possibilidade de uma visão ampla desta e da política. Ao longo do tempo, as teorias de Adam Smith se distanciaram da análise ética dos sentimentos e do comportamento e refletiram o desenvolvimento da economia moderna; em outras observações, a miséria, a necessidade de empatia e o papel do comportamento ético nas relações humanas, em especial nas normas de conduta, constantes nos escritos de Smith, foram abandonadas na medida em que caíram em desuso na economia. Sob essa argumentação: Uma vez que o comportamento real dos seres humanos é afetado por considerações éticas e influenciar a conduta humana é um aspecto central da ética, deve-se admitir que as concepções da economia do bem-estar têm algum impacto sobre o comportamento real e, em consequência, devem ser importantes para a economia logística moderna. (Sen, 2009, p. 7) A economia e a ética, entretanto, promoveram entre si uma distância significativa, compreendida como uma das principais deficiências da teoria econômica contemporânea, um empobrecimento que se relaciona de modo direto, “tendo como grave consequência a diminuição, alcance e relevância da própria economia do bem-estar” (Sen, 2009, p. 22). Ideias sobre política salarial que afetem o comportamento dos trabalhadores, por exemplo, influenciam o próprio problema de incentivo salarial introduzido na análise da economia. 5.2 O campo da ética empresarial De acordo com Humberg: [a] ética empresarial (ou organizacional, num sentido mais amplo) envolve a definição clara de posturas adotadas pela empresa e por seus colaboradores, a partir dos dirigentes e, embora baseada em conceitos morais, distingue-se destes pela sua característica mais utilitária. Trata-se de estabelecer os procedimentos para o dia a dia da empresa e não conceitos filósofos. (Humberg, 2006, p. 82, citado por Trindade, 2016, p. 99) 15 Em apontamentos sobre as investigações realizadas pela empresa sobre os benefícios imediatos, Trindade (2016) a considera uma empresa destrutiva, por que a ética assegura um bom negócio, enquanto associada e comunitária, e em sua prática envolve as pessoas eticamente responsáveis e as empresas, em um universo empresarial. O campoda ética aplicada atribui à ética empresarial uma posição diferenciada, presente no âmbito social empresarial há pouco tempo, considerando o entendimento de que a ética empresarial tem seu interesse no domínio do empreendimento humano, cujos praticantes não detêm o status profissional, mas é citada a avareza ou o lucro como único motivo para a vida empresarial (Salomon, 2004). 16 REFERÊNCIAS ARANHA, M. L. A. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1997. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. BAUMAN, Z.; DONSKIS, L. 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