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AULA 3 ÉTICA E RELAÇÕES INTERPESSOAIS Prof. Adriano Faria 2 INTRODUÇÃO Esta aula sobre ética abrange como temas o comportamento, a ética e o desenvolvimento comportamental, bem como a socialização, a evolução, a cultura ética e os padrões éticos. Trata-se de temas relacionados à ética, considerando-a como fator fundamental intrínseco ao comportamento humano no processo de socialização, conforme lecionou Braga (2006), que vinculou o comportamento do indivíduo em sua vida social quanto aos aspectos econômico, político e artístico aos sistemas de valores concernentes aos princípios morais e religiosos, orientadores da ética e da moral, desde a sociedade tradicional. TEMA 1 – COMPORTAMENTO Para escrever sobre o comportamento, reportamo-nos aos escritos de Giusti (2007), quanto à referência que se faz à ética como elemento presente na convivência humana e promotora da consciência com respeito aos limites a serem observados para que a experiência da moderação seja possível ao indivíduo. Afirmando que esta consciência permaneceu ao longo do tempo, embora se registre uma evolução na consciência moral, a constância na constituição da ética se verifica na “convicção de que a convivência humana requer uma consciência e internalização de certos limites, que devem ser expressos em um código de conduta regulamentar” (Giusti, 2007, p. 14). A transição da sociedade tradicional para a modernidade trouxe consigo os métodos científicos de investigação, deixando para trás as explicações religiosas da vida social. Vê-se o momento da racionalidade moderna, muito mais voltada à eficácia dos meios para alcançar os fins, o que caracteriza a ética política como sistema racional e impessoal (Braga, 2006). A versão mais moderna de comportamento humano indica o núcleo do comportamento social e moral, pautado no altruísmo e no senso de justiça, mostrando que, ao agir com comportamento altruísta, o sujeito sofre desvantagens em custos imediatos para a sua sobrevivência, visando beneficiar e favorecer o interesse do outro, seja este outro um filho, parente ou mesmo grupos maiores. 3 O senso de justiça possibilita a avaliação de cada situação altruística e a reciprocidade em relação ao gasto daquele que recebe, mostrando ambas as características de comportamento social e moral (Oliveira, 2012). 1.1 Constituição do comportamento O crescimento humano, que compreende as fases da infância até a idade adulta, ocorre paralelo às leis naturais, ainda que permeado por diferentes direções no crescimento, e nada assegura automaticamente a maturidade emocional ou intelectual do indivíduo, tampouco a dependência física representa a imaturidade intelectual ou emocional. O amadurecimento do indivíduo segue etapas nas quais atribui o conceito paradigmático ao outro: “Você tem de tomar conta de mim. Você fez a coisa certa. Você não fez a coisa certa. A culpa é toda sua” (Covey, 2014, p. 27). Quanto ao paradigma do eu, que denota a autonomia e independência de si, aplica: “Eu sei fazer. Eu sou responsável. Eu tenho certeza. Eu sei escolher”, enquanto que há ainda o paradigma do nós, que revela a interdependência e o contexto ético das relações sociais: Nós podemos fazer isso. Nós podemos cooperar. Nós vamos unir nossos talentos e habilidades para juntos criarmos algo maior. [...] As pessoas interdependentes combinam seus próprios esforços com os esforços dos outros para conseguir um resultado muito melhor. (Covey, 2014, p. 27, grifo nosso) A função da ética, utilizada como juízo, tem como propósito modificar sentimentos e comportamentos para harmonizar as ações das pessoas que vivem em uma comunidade. Assim, próximo ao comportamento pessoal e moral há outro comportamento típico do homem: o comportamento social. O fato moral, portanto, não pode ser reduzido a um fato social, mas é seu oposto, porque este fato social é também exclusivamente humano (Aranguren, 1997). 1.2 O comportamento moral Abordando o comportamento moral da pessoa, as ações devem ser regidas pela ética, “definida como a parte da filosofia que trata dos atos morais, entendendo por atos morais aqueles medidos ou regulados pela regula morum (Aranguren, 1997, p. 161). Sob esta compreensão, o objeto material da ética se caracteriza como o actus humani, opondo-se ao actus hominis, ou seja, atos livres e deliberados, realizados perfeita ou imperfeitamente, tendo como objeto 4 formal esses mesmos atos, considerados sob a razão formal de sua ordenação pela regula morum, confirmando que o objeto formal é constituído por atos humanos executados pelo homem, bem como regulados ou ordenados por ele (Aranguren, 1997). Abreu (2020, p. 20) sugere a prática de comportamentos que possam amenizar as dificuldades cotidianas enfrentadas pelas pessoas: No comportamento social, o sorriso define sua simpatia, reduz e disfarça o medo. Desconstrói a ansiedade, ameniza a negatividade e passa confiança. Sorrir pode ser um bom mediador de conflitos e uma porta de entrada para que você seja uma pessoa interessante. O mesmo autor relaciona a capacidade de inteligência do indivíduo ao resultado obtido de seu comportamento físico e verbal, vinculado à razão que determina respostas e consequências acertadas por ele diante da sociedade (Abreu, 2020). TEMA 2 – ÉTICA E DESENVOLVIMENTO COMPORTAMENTAL Este tema leva em conta a ligação entre a ética e o desenvolvimento comportamental do indivíduo em suas relações sociais. De acordo com Braga (2006), desde o surgimento das leis no mundo, a ética tem sido atribuída às condutas humanas, em valores como fidelidade, confiança, lealdade e reciprocidade de ação, ou seja, o comportamento adequado que se tem e que se espera também do outro, indispensável para a convivência. De acordo com as pontuações de Kirsch (1996, p. 26), os questionamentos sobre a ética e as normas de comportamento social racionalmente fundadas confirmam uma função adaptativa “de garantir de modo mais satisfatório a sobrevivência e a satisfação dos seres humanos e, afinal a sua adequação adaptativa”. Assim, caso a pessoa não possua uma concepção ética, ainda que tenha um comportamento ou modo de viver que mereça a qualificação de ética, de fato, isso revela que todas as pessoas em todas as sociedades participam da dimensão prática ou vital da ética, mostrando que, na ética, todas as pessoas podem ser competentes, ou seja, a concepção ética se encontra implícita ao desenvolvimento do comportamento do indivíduo (Giusti, 2007). 5 2.1 Características do comportamento ético A vinculação entre a ética e o desenvolvimento comportamental mostra que o primeiro termo esclarece a forma de viver da pessoa em uma sociedade, mediante o sistema de crenças que possui e agindo com a sua reflexão consciente, ou seja, o modo como se comporta e a eficácia dessa conduta na prática. Já o comportamento significa ou não a ética, qualificando, portanto, não a concepção das coisas, mas a vida prática, o que nos leva a concluir que a ética pode estar presente na consciência e no modo de viver do indivíduo (Giusti, 2007). Aristóteles (1991) escrevera sobre o comportamento que decorre da virtude, afirmando que os atos praticados pelo homem em suas relações com os outros o torna justo ou injusto, dependendo daquilo que pratica em situação de medo, perigo ou de ousadia, podendo se tornar valente ou covarde. Igual condição é observada em casos nos quais estão presentes o apetite e a emoção da ira, pois “uns se tornam temperantes e calmos, outros intemperantes e irascíveis, portando-se de um modo ou de outro em igualdade de circunstâncias. Numa palavra: as diferenças de caráter nascem de atividades semelhantes” (Aristóteles, 1991, p. 30). Cuidar do que se faz é importante na avaliação da qualidade das próprias ações, porque a diferença será visível. O termo ética, portanto,tem sido utilizado em associação com comportamento humano, assim como também na concepção da teoria e da conduta ética. Sob esta interpretação, no caso das concepções é claro que dizemos que elas são ‘éticas’ ainda que possam diferir entre si; no caso dos comportamentos parece que o que queremos dizer é que são ‘bons comportamentos’. Sem tentar corrigir esse uso cotidiano, o que vimos agora é que a ética, ao invés de se restringir a qualificar uma categoria de comportamentos, o que ela compreende é antes todo o conjunto das ações humanas, boas e condenáveis, ou, mais exatamente, que se refere ao padrão que usamos para diferenciá-los. No sentido mais técnico da palavra, ‘ética’ é o critério que usamos para estabelecer uma hierarquia de valor entre nossas ações. (Giusti, 2007, p. 17) De acordo com Covey (2014), as influências que marcam a vida das pessoas geralmente são oriundas da família, da escola, da religião, do ambiente de trabalho, de amigos e colegas, além dos paradigmas sociais que, em conjunto, caracterizam a ética da personalidade do indivíduo. 6 Os elementos deste conjunto vão se acumulando silenciosamente no inconsciente humano, formando quadros de referências, paradigmas e mapas, constituindo-se como fontes de atitudes e comportamentos, ou seja, do relacionamento com os outros, de modo que, “afastados deles, não podemos agir com integridade. Simplesmente não temos como manter a coerência se falamos e agimos em discordância com aquilo que vemos” (Covey, 2014, p. 13). 2.2 Vivendo com ética na sociedade Abreu (2020, p. 4) argumentou acerca da presença da ética na vida em sociedade, atribuindo aos primeiros filósofos a ideia da felicidade como um pensamento ético e uma forma de obter a felicidade como um resultado que alcance toda a sociedade. Para o autor, talvez a felicidade não passe de um momento rápido e fugaz da emoção ligado a uma sensação de equilíbrio, bem-estar e plenitude, mas, mesmo assim, o pensamento filosófico procurou formas para estabelecê-la com segurança. Na filosofia de Platão e de Aristóteles, a ideia de uma ordem natural, cosmológica ou metafísica permitia associar verdade, bondade e beleza, uma convicção que se manteve em sociedades e culturas com visão de mundo compacta e sistema de crenças de inspiração religiosa. A contemporaneidade, contudo, visualiza na ética a importância de compreender a realidade como um desafio à razão humana, na capacidade de “repensar o significado e a hierarquia dos valores da vida” (Giusti, 2007, p. 24). Na análise feita por Abreu (2020), os fundamentos que visaram estabelecer um comportamento moral aos homens possibilitaram também a instituição de controle social, via leis de diferentes fontes, avançando com o desenvolvimento dessas ideias ao longo do tempo, com adaptação para a contemporaneidade. Assim, compreende-se que foram poucas as mentes criativas que modificaram totalmente a forma de pensamento, a sociedade, o mundo e a humanidade. São as mentes criativas que possibilitam as mudanças. [...] poucas mentes criativas que atuaram para modificar o todo, enquanto a maioria apenas se adaptava à mudança resultante de sua criatividade. (Abreu, 2020, p. 4) 7 Considerando a necessidade de compreender os problemas éticos com os quais nos deparamos, Tubino (2007, p. 10) entende que a forma ideal inclui uma abordagem desde os seus fundamentos. O autor acredita que o desenvolvimento da sociedade depende de como saber abordar e resolver a questão ética, pois debalde as diferenças culturais e afiliações filosóficas, políticas ou religiosas, os desafios éticos dizem respeito a todos nós como pessoas. E [...] porque o mundo contemporâneo levanta paradoxos e dilemas éticos diários que nos fazem ver com certeza nossa precariedade humana e nossa necessidade de superá-la. TEMA 3 – SOCIALIZAÇÃO Este tema pretende apresentar conceitos e direcionamentos para a formação das interações sociais vivenciadas pelas pessoas no ambiente, pois em todas as sociedades humanas está presente a sociabilidade, sendo a ética um fenômeno natural indissociável desta condição, um fator da evolução do homem (Kirsch, 1996). 3.1 O contexto social A vivência humana em sociedade tem fundamento na ética e nos conceitos de moralidade, observando que os filósofos clássicos estudaram as questões éticas e buscaram no pensamento ético a forma de obter a felicidade como um resultado comum a toda a sociedade (Abreu, 2020). O homem, como elemento da natureza, se caracteriza como um ser vivo em evolução e submetido à lei geral do universo, sujeito à ética no sentido de seu comportamento social, porque a ética é essencial à vida humana. A conduta humana, a sociedade, a cultura e a ética são resultados da elaboração do homem, com os meios disponíveis ou criados como alternativa para as exigências da sobrevivência, denominadas de alternativas utilitárias (Kirsch, 1996, p. 18). Oliveira (2012, p. 44), salienta um modelo ideal de comportamento em sociedade, com respostas diretas no aumento e regulação da cooperação, bem estar e capacidade de sobrevivência, qual seja, “as ações em benefício dos outros devem ser retribuídas com gratidão e benefícios proporcionais”. Ainda que de modo tímido, o comportamento moral em uma sociedade deverá observar que pessoas cujas ações seguem a moral, causam menos danos a 8 outros, sendo preferidas em uma sociedade, comparativamente àquelas que se comportam de maneira moralmente incorreta. Trata-se o aperfeiçoamento moral uma forma de aumentar as probabilidades de comportamento altruísta em uma sociedade e a cooperação entre os indivíduos, evitando promover prejuízos ou destruição dos outros (Oliveira, 2012). 3.2 O comportamento social, altruísmo e egoísmo Também porque se trata de comportamento ético, Kirsch (1996, p. 17) afirma que o comportamento social do indivíduo se movimenta com base no altruísmo, admitindo a caracterização da sociedade “na medida em que cada indivíduo consagra uma parte do seu tempo e das suas energias mais a tarefas de interesse coletivo do que a garantir a sua própria sobrevivência imediata”. Para compreender o altruísmo, buscamos os registros feitos por Dawkins (2007) de que o altruísmo é definido em termos biológicos com referência ao comportamento humano e não tem relação com motivações inerentes às ações: Uma entidade [...] é dita altruísta se ela se comporta de maneira a aumentar o bem-estar de outra entidade semelhante, às suas próprias custas. O comportamento egoísta tem exatamente o efeito contrário. ‘Bem-estar’ é definido como ‘possibilidades de sobrevivência’, mesmo se o efeito sobre a expectativa real de vida e de morte for tão pequeno que pareça desprezível. (Dawkins, 2007, p. 11) Já nos ensinamentos de Oliveira (2012, p. 38), o comportamento social e moral de um indivíduo tem sua origem nos genes humanos, considerados elementos fundamentais a este processo, porquanto o altruísmo, o senso de justiça, a compaixão, a culpa, a simpatia, a antipatia, a confiança, a desconfiança e todos os sentimentos morais que fazem os seres humanos sentirem-se especiais possuem, muito provavelmente, uma base genética inata. Nesta mesma linha de análise, o comportamento moral de um indivíduo é associado ao comportamento egoísta, que determina ao homem a realização de seus interesses particulares, considerados bons quando a finalidade inclui melhoria do seu bem-estar e da sua qualidade de vida. 9 Ocorre que, se este mesmo homem realizar os interesses e consequências boas para si, ainda que as consequências sejam prejudiciais a outrem, adquire a conotação do comportamento egoísta, quando os atos não se coadunam com princípios morais amplos, admitindo-se que “o interesse próprio deve ser limitado, moralmente, pelo prejuízo que possa vir a causar nos interesses dos outros” (Oliveira, 2012, p. 40).De acordo com os escritos de Sen (2007, p. 236), o comportamento egoísta supõe o interesse irracional do homem e uma visão eticamente relacionada da motivação. É preciso observar, contudo, que se o egoísmo não desempenhasse um papel significativo o suficiente em muitas decisões, de fato as transações econômicas normais terminariam se o egoísmo não desempenhasse um papel central em nossas escolhas. A questão mais importante, conforme Sen (2007, p. 237), consiste em identificar a existência de motivações plurais ou se é apenas o egoísmo que move o ser humano, porque compreende que a mistura de comportamento egoísta com comportamento não egoísta é uma das principais características de lealdade ao grupo, e essa mistura pode ser observada em uma ampla variedade de associações de grupo que vão desde relações familiares e comunidades a sindicatos [...]. Segundo Kirsch (1996), a preferência familiar reside no âmbito do altruísmo e revela que essa conduta no interior de um grupo é acompanhada pelo egoísmo desse grupo comparativamente a outro, caracterizando um comportamento moral altruísta, com implicações e justificações éticas. TEMA 4 – EVOLUÇÃO E CULTURA ÉTICA Este tema tem como objetivo discorrer sobre a evolução e a cultura ética, uma disciplina surgida na Grécia com o propósito de examinar se o sistema de crenças de valores existentes em uma ou outra cultura era o melhor ou o mais desejável possível. Ethos é, então, um sistema de costumes, mas não no sentido de que poderia ser entendido com base em uma ciência social como a antropologia ou a sociologia; em uma visão plural de ethos, são relacionadas as culturas de direitos humanos, divisão de poderes e controle do poder político pelos cidadãos (Gamio, 2007). 10 Atualmente, o mundo vive uma crise ética, cujas origens podem ser creditadas à perda de referência e de valores e normas ocorrida no período moderno do século XVII, quando surgiram as sociedades complexas, com diversidade e pluralidade de crenças, valores, hábitos e práticas (Marcondes, 2007). Quando a ética filosófica se desvinculou da ética religiosa, a primeira experiência social de relatividade de valores e normas esclareceu que aquilo que é válido e considerado ético para alguns não o é para todos, oportunizando explorar uma questão que avulta ao longo do tempo, como objeto importante da reflexão filosófica (Marcondes, 2007). 4.1 A necessidade das normas éticas culturais As normas éticas são uma necessidade natural das sociedades humanas, conforme ensina o pensamento evolucionista, em paralelo a outras necessidades de regras e de justificações nacionais a essas regras, para que sejam aceitas e respeitadas. Além disso, mesmo sendo eficaz, uma regra não é suficiente para que a compreendamos e a seguimos, porque o homem possui o direito de saber se a regra que segue é legítima para o bem. Assim se faz o naturalismo evolucionista sobre a ética, porque além da necessidade de normas éticas, que atravessam as culturas humanas e a sua história, há também a necessidade de encontrar causas, pela necessidade de saber (Kirsch, 1996). A cultura ética está presente nas ações humanas desde as crenças primitivas, às vezes suspensa em um determinado plano para continuar em outro, construindo um pilar para a crença e propósito dos homens no mundo, e assim, também, das razões que o fazem ser o que é. Sócrates também procurou um fundamento para a ética, e, com isso queria definir os conceitos de bem e de mal para estabelecer racionalmente uma ética, evitar o predomínio da opinião ou dos desejos irracionais, das ‘paixões’ dos clássicos. É certamente nisto que o homem revela a sua maior força: ele continua a querer erguer-se acima da animalidade de que se sente impregnado, viabilizando novos meios para regular a sua conduta e desmistificando o que, nos seus comportamentos, crenças e juízos, é a expressão oculta da natureza nele presente. Prefere, portanto, o saber ao não saber, mesmo que esse saber possa arruinar os fundamentos que estabelecemos para as normas éticas. E somente nesta condição que poderemos julgar o que a natureza pretende através de nós (ou antes, porque a natureza nada quer, que processo natural está em curso através daquilo que queremos), e recusar, se necessário for, que isso seja um bem. ‘Trabalhemos, pois em bem pensar: eis o princípio da moral’, também dizia Pascal. (Kirsch, 1996, p. 26) 11 A ética tem despertado muito interesse em sua interpretação ao longo do tempo, e o surgimento de novas questões, especialmente no campo da bioética e da ecologia, têm trazido maior atenção para estudos de problemas éticos relacionados à vida humana, avisando a todos nós que devemos “reconhecer o mundo no qual habitamos como uma realidade vida, com a qual devemos nos relacionar eticamente” (Marcondes, 2007, p. 14). 4.2 A compreensão da ética na contemporaneidade O surgimento da socialidade e das normas éticas de comportamento consiste em um processo intrínseco à história humana, uma história natural, segundo Kirsch, quanto a um fenômeno inerente ao próprio homem: isto não significa que a cultura e a ética não sejam senão epifenômenos da nossa constituição biológica, mas antes que no seu aparecimento e nas suas condições de possibilidade fazem intervir imperativos evolutivos indissociáveis das imposições biológicas. Permanecemos ligados à nossa história evolutiva, mesmo nas nossas culturas e nas nossas éticas. Quem quiser pensar atualmente a ética não pode ignorar este modo de colocar o problema. (Kirsch, 1996, p. 27) Já nos eventos contemporâneos, o nível elevado e o poder relacionado ao estatuto ou identidade social direcionam o sujeito na honra de determinadas normas associadas, as quais são denominadas de ética, e a depreciar como indigna e sem honra qualquer violação dessa ética (Barkow, 1996). Na maioria das vezes, o apelo à honra dessa ética imprime o dever a membros de grupos poderosos da sociedade no seguimento de princípios éticos, assegurando a essa sociedade uma certa influência sobre o seu comportamento. “Os médicos e os juristas têm códigos deontológicos e honra profissionais. Os antropólogos também as têm, pelo menos nas suas relações com os povos que estudam [...]” (Barkow, 1996, p. 93). Quando os dilemas e as situações de conflito se tornam avultadas e precisamos decidir sobre critérios e interpretações sobre o que é a ética, uma concepção moderna e razoável é pensada com sucesso: a transparência. “Um ato pode ser considerado ético sempre que seu autor for capaz de explicitar seus motivos e justificá-los, assumindo integralmente sua atitude” (Marcondes, 2007, p. 13). 12 É o princípio kantiano sempre presente nas discussões éticas, de agir de modo que a ação seja considerada lei universal, não fazendo ao outro aquilo que não desejamos para nós mesmos. TEMA 5 – PADRÕES ÉTICOS Este tema possibilita mostrar que padrões éticos podem ser adotados em determinadas circunstâncias nas relações sociais entre as pessoas; resta destacar que os comportamentos humanos deverão ser pautados no bom senso, sem exageros nos esforços, mas sem desleixo ou apatia. 5.1 O que pode ser apontado como um padrão ético Giusti (2007) menciona um padrão de referência normativo do comportamento social e pessoal, a vivência em uma sociedade justa construída para todos, o denominado Paradigma da Autonomia, citado por Kant e compreendido como o princípio central da interpretação da ética, como o princípio da liberdade individual, mas afirmado quando respeitada a liberdade do outro. Surgido juntamente com a Idade Moderna, em decorrência do sofrimento humano na Guerra das Religiões, de mortes, sangue e violência, o Paradigma da Ética da Autonomia visou promover uma limitação estrutural da ética para todos. Neste sentido, a definição dessa Autonomia assim registrou: Autonomia é a capacidadeque o indivíduo possui idealmente de pensar e decidir por si (para ‘dar a si mesmo a sua própria lei’, como indica a etimologia da palavra), mas fazê-lo escolhendo um quadro de referência (uma lei) que faça possível o exercício simultâneo da autonomia de todos, incluindo naturalmente a própria. Disto deriva o sentido mais geral da palavra justiça, que também dá nome ao Paradigma: uma sociedade justa para todos os seres humanos seria, com efeito, aquela que se rege em todas as suas instâncias pelo princípio da autonomia e que permite, portanto, que todos os indivíduos, seja qual for seu ethos, exercerão sua liberdade sem prejudicar a dos outros (Giusti, 2007, p. 34) Aristóteles (1991), em sua argumentação filosófica, indicou a predisposição do homem a orientar-se pela razão, com ênfase ou com desdém nesta escolha. Há, contudo, um padrão determinador dos estados medianos, os meios termos entre o excesso e a falta, concernentes à reta razão, o que é aconselhável manter: nem esforço demasiado, nem relaxar os esforços, mas manter o grau mediano, o que conduz à denominada reta razão. 13 Contemporaneamente, no entanto, a modernidade traz características destacadas nas definições e preferências privadas, abrangendo o campo ético e o campo econômico, mostrando o domínio do relativo em primeiro plano. Por ele, o indivíduo, do seu horizonte de vida privado, será, nas margens negativas da ação previstas na lei, quem decide qual é um fim digno de ser servido por ele, qual será a sua forma peculiar de ser feliz e quais os valores, critérios, decisões, ações e comportamentos, será apropriado aplicar os qualificadores ‘bom’ e ‘ruim’. Por sua vez, no nível das decisões econômicas, o dinheiro está aí para ser empregado no que cada pessoa preferir, para produzir onde pareça que surgiram oportunidades para seu próprio benefício, para introduzi-lo nos circuitos comerciais, para especular financeiramente com ele ou na maioria dos casos, simplesmente para adquirir o artigo de consumo. (Águila, 2007, p. 221) Trata-se de uma relatividade que diz respeito à determinação privada daquilo que é considerado ético e sobre a questão da economia, permeada pelo senso comum apregoada pelas mídias e alcançando a todos, condição que determina a preferência legítima de cada um dos indivíduos, traduzindo-se na privacidade moderna pela qual a pessoa decide por si, em termos éticos e econômicos, comprometendo a sua vontade e ação, sem comprometer ninguém além de si mesmo nessa perspectiva (Águila, 2007). 5.2 Capacidade e liberdade humana de fazer escolhas Assim, entre o estímulo e a resposta, segundo propõe Covey (2014), está disponível a liberdade de escolha para o indivíduo. Essa liberdade abrange os dons que nos tornam humanos, dos outros animais. Além da autoconsciência, temos a imaginação – a capacidade de criarmos, na mente, imagens que transcendem a realidade presente no momento. Temos a moral, uma consciência profunda do que é certo ou errado, dos princípios que governam nosso comportamento, e a noção do grau em que nossos pensamentos e ações estão em harmonia com eles. Temos também a livre escolha – a capacidade de agir conforme manda a autoconsciência, livre de qualquer influência. (Covey, 2014, p. 38) O comportamento humano é o resultado de decisões tomadas, escolhas feitas, e não consequência das condições externas a si, porque o homem confere sentimentos aos valores, utiliza-se de iniciativa e responsabilidade para fazer as coisas acontecerem, de forma que o seu comportamento se confirma como produto de sua própria escolha consciente, baseada em valores, e não resultado de um condicionamento baseado em sentimentos (Covey, 2014). 14 Porque é o homem um ser dotado de razão, salienta Kirsch (1996), pode avaliar o sentido e o alcance das ações que pratica, responsabilizando-se ao dispor de uma vontade livre que oportuniza escolhas, por seus atos e por seu comportamento. Isso explica a substituição das relações naturais – força – pelas relações regulamentadas pela lei e ditadas pela razão que possui. O homem é capaz de livre escolha, mesmo uma liberdade iludida por diferentes razões, atribuídas às paixões tanto quanto às estruturas da sociedade, e mesmo ao inconsciente ou outros fatores (Kirsch, 1996). 15 REFERÊNCIAS ABREU, F. Filosofia do comportamento. Rio de Janeiro: MF Press Global, 2020. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1lgFGH4KWQ_9I72ooH2l2cKJFUL73OPEM/view >. Acesso em: 25 fev. 2022. ÁGUILA, L. del. Ética, economia y empresa. In: GIUSTI, M.; TUBINO, F. (Eds.). Debates de la ética contemporánea. Perú: Pontificia Universidad Católica del Perú, 2007. p. 213-228. ARANGUREN, J. L. L. ÉTICA. MADRID: EDITORIAL BIBLIOTECA NUEVA, 1997. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. BARKOW, J. H. Regras de conduta e conduta da evolução. In: CHANGEUX, J- P. (Org.). Fundamentos naturais da ética. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 83- 98. BRAGA, P. Ética, direito e administração pública. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2006. COVEY, S. R. Os 7 hábitos de pessoas altamente eficazes. Rio de Janeiro: Best Seller, 2014. DAWKINS, R. O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. GAMIO, G. Ética y política. In: GIUSTI, M.; TUBINO, F. (Eds.). Debates de la ética contemporánea. Perú: Pontificia Universidad Católica del Perú, 2007. p. 43-76. GIUSTI, M. Introdución: el sentido de lá ética. In: GIUSTI, M.; TUBINO, F. (Eds.). Debates de la ética contemporánea. Perú: Pontificia Universidad Católica del Perú, 2007. p. 13-42. KIRSCH, M. Introdução. In: CHANGEUX, J-P. (Org.). Fundamentos naturais da ética. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 11-27. MARCONDES, D. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2007. 16 OLIVEIRA, A. C. Aperfeiçoamento (enhancement) moral: considerações éticas. In: NAHRA, C.; OLIVEIRA, A. C. (Orgs.). Aperfeiçoamento moral (Moral Enhancement). 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