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AULA 6 ÉTICA E RELAÇÕES INTERPESSOAIS Prof. Adriano Antonio Faria 2 INTRODUÇÃO Esta aula retoma o estudo sobre a ética e as relações interpessoais, apresentando o contexto do aético e do antiético nas relações humanas, assuntos que precedem noções atinentes ao impacto sociológico e político da ética, e quanto à sua importância de olhar e praticar a ética para o futuro, em âmbito social, pessoal e empresarial. TEMA 1 – ÉTICA X ANTIÉTICO Este tema aborda a dualidade ética x antiética. Conforme já definido e apresentado em aulas anteriores, a ética possui uma dimensão crítica e propositiva, porque não é considerada como algo pronto, acabado, mas em permanente construção, presente nas relações humanas existentes. Enquanto a ética se atualiza, passa por contradições, devendo ser questionada e criticada, e, com tudo isso, propositiva (Guareschi, 2008). A definição de aético é dada via consulta na página web do Dicionário Informal e resulta em diferentes registros: “O sufixo A exprime negação. Logo, aética significa não - ético, anti - ético, uma pessoa que não age de acordo com uma boa conduta”; “É a ausência da ética. Aplicável a pessoas que não possuem discernimento do que é a ética” (Dicionário Informal, 2022). O Dicionário Online de Português define: “Significado de Anético: adjetivo. Que se opõe à ética; contrário à moral: ao ético opõe-se o anético. Etimologia (origem da palavra anético). A(n) + do grego ético.” (Dicionário Online de Português, 2022). 1.1 Fundamentos da ética As impressões iniciais que envolvem a ética trazem a referência à obra e criação de Deus, para a ordem perfeita do cosmos e quanto à força harmonizadora do homem consigo mesmo e com a natureza em geral. A vida do homem, de forma racional, tem suas ações no dever – a ética –, que na filosofia estoica é uma ética do dever e noção de dever, em conformidade ou conveniência da ação humana à ordem racional, formando, originalmente nos estoicos, a noção fundamental de ética (Abbagnano, 1994). Dos registros de Ferrater Mora (1998, p. 594), a origem do termo ética, que significa costume, é definida como: 3 A doutrina dos costumes, especialmente em direções empiristas. A distinção aristotélica entre as virtudes éticas, e virtudes dianoética, indica que o termo 'ético' é originalmente tomado apenas no sentido ‘adjetivo’: trata-se de saber se uma ação, uma qualidade, uma ‘virtude’ ou um modo de ser são ou não são ético. (Ferrater Mora, 1998, p. 594) Dos fundamentos da ética, Aristóteles via nas virtudes éticas: Aquelas que se desdobram na prática e que visam atingir um fim. [...] as primeiras pertencem as virtudes que servem para cumprir a ordem da vida do Estado —justiça, amizade, coragem, etc.— e têm sua origem direta em costumes e hábitos, pelo que podem ser chamadas de virtudes de hábito ou tendência. (Ferrater Mora, 1998, p. 594) Quanto às virtudes denominadas de intelectuais, estas pertencem às virtudes fundamentais, os princípios da ética, como as virtudes da inteligência ou da razão: a sabedoria e a prudência (figura 1). Figura 1 – Representação da ética e conduta humana em diferentes aspectos Crédito: Klyaksun/Shutterstock. Aristóteles também defendeu o paradigma da lei natural, a natureza, pela qual foi possível estruturar uma ética universal, direcionada a todos os povos e em todas as épocas, dissociando uma ética de costumes ou instituições de determinados povos ou nações (Guareschi, 2008). Por causa dessa interpretação, duas novas vertentes para interpretar a ética foram criadas pelos filósofos: “uma pré-moderna, religiosa, inspirada em 4 Tomás de Aquino, centrada na ideia de um Criador e numa ordem imutável estabelecida por Deus; outra moderna, secular, inspirada nos escritos de Grotius e John Locke, fiel à mentalidade do mundo moderno [...] e na defesa dos “direitos humanos” (Guareschi, 2008, p. 20). Na evolução subsequente do significado da palavra, o ético foi cada vez mais identificado com o moral, e a ética passou a significar propriamente a ciência que lida com objetos morais em todas as suas formas, a filosofia moral (Ferrater Mora, 1998). 1.2 Comentando sobre ações antiéticas Silveira (2018, p. 9) questionou: “Por que pessoas comuns (ou simplesmente ‘pessoas boas’) muitas vezes agem de forma antiética e contrária a seus próprios valores?”. A abordagem deontológica da ética coloca a moralidade como uma ação baseada na aderência a princípios universais, e na impossibilidade de violação dos direitos fundamentais do ser humano, para qualquer finalidade que se proponha atingir. Interpretado assim, “os fins nunca justificam os meios e cada vida tem um valor inestimável em si” (Silveira, 2018, p. 10). Citando o filósofo Schopenhauer sobre a ética e a moral quando prejudicamos alguém e quanto ao cumprimento de promessas, observe no questionamento feito por Tugendhat (2003), se é imoral quando lesamos alguém e ele não percebe e, portanto, não sofre com isso: Acaso não lesamos a alguém, quando o logramos e ele não o percebe, e além disso, de fato não lhe sobrevém um prejuízo real? Em todo caso não, se bem-estar e prejuízo são compreendidos no sentido de ‘bem- estar e dor’; portanto, se é prejuízo só é concebido como sofrimento. Como é, por exemplo, quando eu passo alguém para trás sem que ele o perceba? Não pode satisfazer aí a informação, que ele haveria de sofrer se o soubesse. Isto, porém não é o decisivo. Por que então ele haveria de sofrer? Deve-se evidentemente dizer porque não se sentiria respeitado. Isto, pois, também é a razão, porque ainda é pior para o outro, quando ele se tem que imaginar: eu o passei para trás e ele não o percebeu. Neste caso, porém, sofre o outro, porque ele não tem sido respeitado, e isto quer dizer, porque tem sido lesado em seus direitos. Portanto, este sofrimento e o correspondente prejuízo já pressupõem a norma moral, e não a fundamentam. A norma de respeitar os outros tem um alcance maior do que não prejudicá-los e não lhes causar dor. (Tugendhat, 2003, p. 180) Na análise de Schopenhauer, o conceito de bom é irrelevante e o sentimento de enfoque não diz respeito ao elemento moral e nem de sentimento moral pelo ser humano, mas se caracteriza como um sentimento intrínseco que 5 determina o que deve ser visto como moral, naturalmente similar à compaixão, ainda que não seja obrigatório (Tugendhat, 2003). Srour (2013, p. 40), pontua sobre a razão ética para a reprodução da vida social, conferindo legitimidade ética, universal, às práticas inspiradas por ela, suplantando as contingências históricas, a mutabilidade dos padrões sociais e o relativismo social, de modo geral. Há, por outro lado, a racionalização antiética, que reduz a coesão social, conferindo legitimidade moral, específica “às práticas inspiradas por ele. Finca, assim, suas raízes em contextos históricos bem definidos e reflete os interesses particularistas dos agentes que se esforçam em justificar seus atos”. A elucidação dessas situações, qualquer uma delas, requer elaborar questionamentos acerca de quem ganha e de quem perde com o fato ou verificar se a ação praticada resulta de modo objetivo na geração de um bem particularista ou de um bem de ordem universal (Srour, 2013). TEMA 2 – IMPACTO SOCIOLÓGICO DA ÉTICA No Tema 2, com a junção entre a ética e o sociológico, define-se a Sociologia, segundo expõe Santos (1959, p. 24), como “A ciência ética que estuda as causas, a ordem, o processamento, e as múltiplas relações das formas sociais entre si e o contorno natural, com o intuito de apreender-lhes as invariantes e os fins que tendem ou a que podem ser conduzidas”. Rubin (2012, p. 27), citando Le Boterf (2003), define a ética como “uma procura, e o início do processo, estando sempre à frente de qualquer regime”, de modo que a ética é esperada de qualquer indivíduoou profissional, que deverá saber indagar a si mesmo e ser habilidoso na ponderação ética. Srour (2013, p. 5) define a ética como “Um saber científico que se enquadra no campo das Ciências Sociais. É uma disciplina teórica, um sistema conceitual, um corpo de conhecimentos que torna inteligíveis os fatos morais”, explicitados esses fatos morais como “fatos sociais que implicam escolhas que os agentes fazem entre o bem e o mal”. A Sociologia como ciência concreta examina o homem sob o conjunto das esferas da matéria e esquemas bionômicos, as leis, as questões do ambiente e a sociedade humana em todos os seus aspectos, ditados como fatores emergentes e predisponentes. As relações sociais são concretas, mantidas pelos homens em razão de sua necessidade e pela transmissão da própria vida; possuem base 6 biológica e psicológica, pelas interações psíquicas entre os seres humanos (Santos, 1959). 2.1 As diferentes apreensões da realidade ética Abeche, Caniato e Santos (2008) relatam estratégias contemporâneas para tornar todos iguais, a eliminação das diferenças, condição impeditiva da formação de indivíduos autônomos e independentes, que possam decidir de modo conscientes as suas ações, em um método que contribui para falsificar as relações entre as pessoas e entre essas e a natureza. Os autores creditam à indústria cultural um controle da sociedade, quando algumas mudanças importantes foram sendo aplicadas: Substituiu a guilhotina e a violência física por técnicas de controle social formadas dentro das ciências humanas e sociais, pela psicologia, psiquiatria e mais recentemente, pelos meios de comunicação de massa [...]. No lugar de usar a força física para fazer corpos indóceis padecerem em razão de não se ajustarem, o que ocorre é a internalização através de uma intimidação ideológica exercida pelos meios de comunicação de massa, que produzem uma certa forma de ser, de viver, de pensar e de sentir. A estratégia atual é constituir subjetividades, de forma que estas se enquadrem no modo de vida oferecido pelo social. O poder moderno se exerce na produção e na repressão. (Abeche; Caniato; Santos, 2008, p. 242) É a imposição da sociedade escópica, de uma existência vinculada à visibilidade que amplia a vigilância e o controle sobre cada indivíduo, mostrando valores de uma realidade ética que vigia o homem: “Não é mais possível sair de casa sem se deparar com os dizeres ‘sorria você está sendo filmado’. Verdade ou mentira, a frase faz existir um olhar invisível pousado no indivíduo. A instância desse olhar atribuído ao outro [...] tem como um dos seus atributos, vigiar e punir o indivíduo” (Abeche; Caniato; Santos, 2008, p. 243). 2.2 Uma ética fundada na evolução A ética tem seu alicerce clássico em teorias que definem as pessoas em sua racionalidade e reflexão plena de seus atos. As teses que confirmam essas teorias são a deontológica, cujo pressuposto é a moralidade baseada na aderência dos princípios universais e impossibilidade de violação desses; e a utilitarista, que julga uma ação em função de suas consequências, ambas as teses estudadas pela discussão normativa e a análise da conduta ética, que estabeleça previamente o que é ético o antiético (Silveira, 2018). 7 Trata-se da ética comportamental, portanto, e o conhecimento sobre a ética normativa, sobre o qual se expõe: Se o conhecimento sobre ética normativa fosse suficiente para melhorar a conduta das pessoas, então os indivíduos mais dedicados ao tema provavelmente agiriam de forma mais correta do que o restante da população. Curiosamente, contudo, há evidências de que nem mesmo os professores de ética tendem a se comportar sistematicamente melhor do que as outras pessoas, o que demonstra o efeito limitado da ética normativa em melhorar o comportamento humano para valer. (Silveira, 2018, p. 10) Abreu (2020, p. 24) seleciona, como causa principal dos males do mundo, pré-tecnológico, a falta de fé. Ele utiliza a argumentação de que desde o início da história humana os registros sobre a fé estão presentes, em pinturas, escritas e formas de culturas diversas. “A fé, o ato de acreditar foi um motor de desenvolvimento, uma alavanca. Seja a fé num ou mais deuses ou a fé num ou noutro conceito mais ou menos abstrato. A fé em acreditar em algo concreto, a fé que serve de norte, de patamar seguro [...] e impulsiona o mundo até os dias de hoje”. Entre as ações da tecnologia, boas e ruins, a limitação às informações incompletas e a lentidão no desenvolvimento da inteligência se associam à retirada dos instintos da fé, permitindo o questionamento: em que o homem vai acreditar, se o seu condicionamento reside em acreditar em uma força maior, e se perder a fé em Deus, em que irá acreditar? E, junto com a perda da fé e dos ídolos, a internet ajuda a perder a fé no outro, na honra e na palavra; mentir se tornou uma brincadeira, não se mede o caráter do indivíduo e o egoísmo é parte do instinto para ultrapassar barreiras no cotidiano. Olhamos pouco para o outro, mas somos rápidos no julgamento, pouco profundos e cruéis (Abreu, 2020). TEMA 3 – IMPACTO POLÍTICO DA ÉTICA No Tema 3, a política é o assunto de enfoque, quando associada à ética de Aristóteles e no tempo presente. O objetivo para a elaboração deste tema consiste em descrever a política e a ética, de modo geral, e sobre os contornos da ética na política atual. Para Silveira (2018, p. 12), “A ética pode ser vista como a relação que temos com o mundo. Ela representa os valores, princípios e normas de conduta que pautam nosso relacionamento com familiares, amigos, terceiros, sociedade e planeta”. Ações realizadas de forma ética são antecipadas pela compreensão dos 8 impactos e potenciais prejuízos que o indivíduo possa causar acerca de terceiros, intuindo na questão sobre o que é certo a fazer. 3.1 A ética e a política – visão filosófica Abbagnano (1994, p. 148), em seus estudos, propôs que a felicidade consiste em uma finalidade precípua da natureza humana, sobrepondo-se aos propósitos de obtenção de riquezas, saúde e satisfação pelos prazeres. A ideia é de que “deve haver um fim supremo, que é desejado por si mesmo, e não meramente como uma condição ou meio para um fim ulterior”. Se os outros fins são bens, este é o bem supremo, do qual dependem todos os outros. E Aristóteles não duvida que esse fim seja a felicidade. Nos estudos de Aristóteles, a ética via no indivíduo a busca pela felicidade, a Eudaimonia, como um modo de vida dedicado aos prazeres. Já os partidários da política consideravam a felicidade como a vida dedicada às honras. A finalidade da vida política, contudo, inclui a vida contemplativa, que seria uma vida dedicada ao conhecimento (Gonçalves, 2017). De fato: “A busca e determinação desse fim é o objeto primeiro e fundamental da ciência política, porque somente por referência a ela se pode determinar o que homens e mulheres devem aprender ou fazer” (Abbagnano, 1994, p. 148). Segundo os escritos de Aristóteles, sobre a felicidade e a política: Conhecer o que é bom para si e para a regência da pólis, isto é, a ‘norma’ do agir, considerando o que foi registrado, constitui o princípio básico regente da filosofia prática aristotélica. Sendo a Psýchê do homem dotada de razão (diánoia) e de um princípio irracional que a obedece, a ‘norma’ aparece como um télos que rege a parte da alma vinculada às afecções de prazeres e dores. Esse télos diz respeito às virtudes éticas e à justiça (diké), que para viabilizarem a realização ética do homem necessitam da participação do princípio calculativo (logistikón) da alma, cuja excelência constitui a Phrónêsis. As aretai Ethikaí (ou virtudes éticas) se distinguem das aretaí dianoetikái (ou virtudes intelectuais). (Gonçalves, 2017, p. 71) Aristóteles apresentou a virtude intelectiva, presente na alma racional, compostapela ciência, arte, prudência, sabedoria e inteligência. A prudência, como uma das virtudes intelectivas, se define como “a capacidade, juntamente com a razão, de agir adequadamente diante dos bens humanos”; já a inteligência se caracteriza como “a capacidade de compreender os primeiros princípios de todas as ciências, que justamente por serem princípios não fazem parte de uma mesma ciência” (Abbagnano, 1994, p. 150). 9 E, de acordo com o texto do próprio The Politics of Aristotle, book I, de fato: “A sociedade política existe por causa da virtude, e aqueles que mais contribuem para esse fim têm mais direito ao poder no Estado do que os ricos ou nobres. Mas se assim for, aqueles que fazem justiça em relação a uma forma particular de governo falam apenas de uma parte da justiça” (Aristóteles, 1885, p. 37). Essa pressuposição foi referida por Tugendhat (2003, p. 181), de que “Na ética política trata-se quase sempre de ter que ponderar entre os interesses de muitos; trata-se além disso de direitos, os quais novamente são pressupostos, ao se afirmar que alguém sofre quando estes não lhe são garantidos; assim, por exemplo, no direito à participação política”. 3.2 A ética na política contemporânea O âmbito das relações humanas e da política tem imergido nos julgamentos de forma moral, especialmente quanto às questões de relações humanas quando discussões remetem a sentimentos que pressupõem juízos morais, como o rancor, indignação, sentimentos de culpa e de vergonha. O domínio político possibilita o julgamento moral continuamente, porque abrange os conceitos de democracia e de direitos, além da justiça social, em nível nacional ou global (Tugendhat, 2003). Na verdade, aquele que rejeita a reivindicação de determinado conceito de justiça, invariavelmente acabará por contrapor-se a outro conceito de justiça, pois as relações de poder precisam de revestimento moral, conforme se observa no texto: Existe uma série de discussões políticas relativas aos direitos de grupos particulares ou marginalizados, as quais devem ser vistas como questões puramente morais: a questão acerca de uma lei de imigração limitada ou ilimitada, a questão do asilo, os direitos dos estrangeiros, a questão sobre se e em que medida nos deve ser permitida ou proibida a eutanásia e o aborto; os direitos dos deficientes; a questão de se também temos obrigações morais perante os animais, e quais. Acrescentam-se aqui as questões da ecologia e da nossa responsabilidade moral para com as gerações que nos sucederão. (Tugendhat, 2003, p. 12) Considerando a filosofia antiga, nenhuma virtude se realiza no indivíduo se ele não estiver inserido na sociedade, ou seja, na convivência do Estado, pois a origem da vida social não se basta por si, porque o indivíduo não pode sozinho prover as suas necessidades, e não alcança a virtude se não seguir a disciplina imposta pela lei e pela educação (Abbagnano, 1994). 10 O Estado, nesse sentido, se traduz como comunidade que leva em conta a existência humana e a existência material e espiritual feliz, destinada aos homens que podem participar da felicidade e de uma vida livremente escolhida (Abbagnano, 1994). TEMA 4 – EU E A ÉTICA DAQUI PARA A FRENTE! DICAS PESSOAIS Neste Tema 4, a ideia é apresentar a ética como uma diretriz a ser seguida em nossa vida. Os assuntos compreendem a ética e a moral sendo práticas cotidianas e a adoção do comportamento ético de modo contínuo. Guareschi (2008, p. 20) sugere a identificação dos estágios que configuram a consciência ética, denominando de paradigmas principais aqueles que fundamentam as exigências éticas ou os valores éticos, quais sejam, a lei natural e a lei positiva. A estes acrescenta um terceiro, não afirmando-o como um paradigma, mas como questionador dos antecessores, trazendo “novas considerações para a discussão da problemática da ética: a ética tomada como instância crítica”. 4.1 Compreendendo a ética e a moral nas ações Segundo Gonçalves (2017), há uma problemática na ética que norteia a discussão entre a posse e o uso do saber, e a posse e o respectivo emprego do saber, entendendo que isso condiciona duas realidades opostas: a não realização do agir ético, e a devida realização desse saber. É assim pelo fato de que: Já no que se trata à problemática ética essa distinção entre ‘a posse e o não uso do saber’ e ‘a posse e o respectivo emprego do saber’ condicionam duas realidades antagônicas: a ‘não realização do agir ético’ e a ‘devida realização desse saber’. Por serem antagônicas, se eliminam, isto é, não pode o agente ético em um determinado momento se comportar eticamente e em outro momento ‘manter a posse do seu saber’ e realizar algo contrário ao mesmo. ‘Possuir uma virtude não significa apenas realizar ações de maneira correta e segura e omitir ações contrárias; significa principalmente gostar de realizar as ações e abominar as contrárias. [...]. Em outras palavras, a ‘posse do saber ético’, seguida da sua ‘não realização’, condiciona ao agente o conceito de um incontinente (que não possui autodomínio), ao passo que o continente representa aquele que detém o saber ético e que sempre o põe em prática (sem deixar-se corromper pelos objetos com os quais se relacionam, de maneira mais específica, os intemperantes). (Gonçalves, 2017, p. 120) Com essa explanação, é possível pensarmos o julgamento como sendo moral uma ação boa ou a abstenção de uma ação má somente quando ocorre por 11 compaixão; poderá ser interpretada como uma ação moral quanto ao seu conteúdo aquelas que ocorrem por esse motivo (Tugendhat, 2003). Em ações éticas, eventos são avaliados com base em juízos de valor e nas questões antiéticas: “Por exemplo, hoje em dia, invadir vagas de estacionamento reservadas a portadores de deficiência ou de idosos é reputado como errado; impedir as ocorrências que levam ao fumo passivo é qualificado como bom [...]” (Srour, 2013, p. 5). 4.2 O agir eticamente todo o tempo Sánchez Vázquez (1969), comenta que o sujeito do comportamento moral é uma pessoa singular, e por mais fortes que sejam os seus ingredientes objetivos e coletivos, a decisão de qualquer ação corresponde somente a um indivíduo que atua de modo livre e consciente, assumindo a responsabilidade pessoal. Ao questionarmos qual a forma de comportamento de pessoas quando expostas a situações eticamente questionáveis, encontramos explicação nas argumentações de Silveira (2018) de que: A visão moderna sobre o tema – corroborada por inúmeros resultados nos campos da neurociência e da psicologia social aplicada – é a de que as pessoas se comportam eticamente quando são movidas não apenas pela razão, mas principalmente pela intuição, emoção e empatia. Segundo essas áreas, a moralidade se desenvolve como maneira de assegurar a cooperação em grandes grupos, uma característica humana considerada chave para nosso sucesso evolutivo [...]. Em muitos casos, é o desconforto fisiológico que sentimos [...] que impede que ajamos de forma desonesta. Logo, a emoção possui um papel-chave em restringir comportamentos antiéticos e não é possível discutir a questão da ética sob uma perspectiva estritamente racional. (Silveira, 2018, p. 12) Considerando que “A consciência individual é a esfera em que se operam as decisões de caráter moral, porém por encontrar-se condicionada socialmente não pode deixar de refletir uma situação social concreta” (Sánchez Vázquez, 1969, p. 71), diferentes indivíduos pertencentes ao mesmo grupo social reagem de um modo semelhante às dinâmicas da sociedade. As relações entre moral e o comportamento social, considerando a prática ética no cotidiano, possibilitam pontuar o que une e o que distingue as formas de comportamento ético: • da mesma forma que o direito e a moral é o comportamento social e cumpre a função de regular as relações com os indivíduos, contribuindocom as 12 formas de conduta normativa, e para assegurar a convivência social em uma dada ordem social; • as regras do comportamento social se apresentam como obrigatórias, e o seu cumprimento influencia de modo importante a opinião de outras pessoas; • a exemplo do que ocorre na moral, o comportamento social não dispõe de um mecanismo coercitivo que possa obrigar ao cumprimento, incluindo a vontade do indivíduo, suas regras ou normas; • as regras do comportamento social não exigem o reconhecimento, adesão íntima ou o cumprimento sincero por parte do indivíduo, constituindo-se como um tipo de comportamento formal e externo (Sánchez Vázquez, 1969). TEMA 5 – ÉTICA COMO ELEMENTO IMPRESCINDÍVEL DA MUDANÇA PESSOAL E EMPRESARIAL A seção do Tema 5 trata da questão ética no ambiente empresarial como uma performance humana, pessoal, que alcança as dimensões culturais e de negócios da empresa. Na sequência, são apresentados aspectos da ética empresarial e a proposta de ações pessoais constantes de ética no ambiente empresarial. Empresas que atuam no mercado atual colocam como objetivo principal o lucro a qualquer custo, e especialmente se puder ser conseguido com o prejuízo da concorrência e de clientes. As novas exigências do cidadão, contudo, primam pela ética no fornecimento de produtos, atuação com responsabilidade social, ambiental e positiva na comunidade em que se insere (Alencastro, 2016). 5.1 Aspectos da ética empresarial Srour (2013) destaca que a perda de respeito por parte de subordinados ou de cidadãos implica a perda consequente da faculdade de comandar, pelo déficit de legitimidade, para que as decisões daquele que desrespeitou sejam acatadas, caracterizando-se a necessidade de autoridade moral. Em um exemplo: Empresas que fraudam a boa-fé de seus clientes ou de seus usuários – como no caso das cooperativas de produtores de leite que acrescentaram soda cáustica e água oxigenada ao produto para 13 aumentar sua longevidade – correm o sério risco de ver debandar a clientela e de fechar as portas, porque deixam de possuir a licença social para operar. Isso nos leva ao objeto de estudo da Ética e, em particular, da Ética aplicada aos negócios. (Srour, 2013, p. 5) Assim, a ética empresarial (Fig. 2), ou a ética nos negócios, consiste no “comportamento da empresa entendida como lucrativa quando age de conformidade com os princípios morais e as regras do bem proceder aceitas pela coletividade”. Uma empresa ética cumpre com os seus compromissos e age de modo honesto com clientes, fornecedores e stakeholders, sendo esses compromissos a resposta às expectativas éticas da sociedade (Moreira, 1999, p. 28, citado por Alencastro, 2016, p. 28). Figura 2 – Ética empresarial – ilustração imagética Crédito: Funtap/Shutterstock. Há que se observar sempre a moral da parceria, que propõe as alianças entre os grupos respeitando a interdependência e pensando em um discurso fundado na análise situacional com enfoque nos padrões de conduta e centrados em interesses de médio e de longo prazos. Em uma postura que prevê “acordos de negócios que beneficiam todas as partes, a conjugação dos interesses empresariais com o compromisso de melhorar a qualidade de vida dos stakeholders e, ipso facto, com os interesses gerais das coletividades inclusivas (sociedade, humanidade e gerações futuras)” (Srour, 2013, p. 91). 5.2 O desenvolvimento de todos com base na ética Há uma ideia pautada em um fundamento ético que internaliza determinada cultura ao ser integrada nos hábitos de uma comunidade, criando um código moral 14 ou uma ideologia que se fortalece nos costumes e passa a ser tomado como ética, abrangendo o código moral de respeito ao próximo (Belohlavek, 2006). Para Silveira (2018), diferentes metáforas ilustram o funcionamento da mente humana e o comportamento ético dos indivíduos. Há uma argumentação de que as pessoas que agem de modo desonesto tomam essa decisão após ponderar de forma racional os prós e os contras das decisões; na verdade, muitos comportamentos antiéticos são resultados de atitudes automáticas e irrefletidas, pois a ética é resultado de conscientização, reflexão e ponderação de impactos de nossos atos sobre terceiros. No formato atual de comportamento ético, a globalização das ações dos homens repercute de modo direto em toda a sociedade, e assim uma cultura logo se torna do mundo, e uma fundamentação ética tem efeitos multiplicadores na qualidade e na produtividade do trabalho humano, com os seguintes aspectos: sustenta a liderança sinergética; iguala pequenos e grandes, fortes e fracos; promove o valor do trabalho como fonte de riqueza e realização pessoal; promove o desenvolvimento de ciência e tecnologia; promove a justiça como igualdade de oportunidades; é a base necessária da sinergia grupal; nivela para cima; promove a justiça como igualdade de oportunidades; e é a base necessária da sinergia grupal (Belohlavek, 2006). Com respeito à ética empresarial, diferentes padrões culturais têm nas justificações morais conferidas pelas sociedades a multiplicidade de interpretações, sendo que a nenhuma é concedida a universalidade e tampouco a eternidade. “Porque os padrões morais fincam suas raízes na história, nos eventos singulares e em fluxo, donde seu caráter efêmero, transitório, provisório, passageiro, mutável” (Srour, 2013, p. 8). Outra questão atinente à ética empresarial, no entanto, diz respeito aos fatos morais: Mas como identificar os fatos morais? São fatos sociais que possuem algumas características próprias. Quais? Afetam objetivamente as pessoas para o bem ou para o mal, provocam efeitos positivos ou negativos sobre os agentes sociais, geram benefícios ou malefícios. Isso significa que muitos fatos sociais são eticamente neutros, objetos de estudo da Sociologia, não da Ética. Por exemplo, contatos sociais e atividades profissionais de rotina são eticamente neutros: participar de reuniões de trabalho, integrar um grupo de estudo, fazer uma excursão com parentes, tomar uns aperitivos com colegas, comprar ingressos no cinema, visitar amigos, definir com superiores quais tarefas devem ser cumpridas, conversar com vizinhos sobre trivialidades, torcer em coro pela seleção brasileira num estádio de futebol, assistir à televisão com a família, trocar amenidades com desconhecidos numa festa. (Srour, 2013, p. 8) 15 O agir moral por parte das organizações tem sido enfatizado pelas pressões exercidas pela sociedade quanto a restringir o consumo das chamadas empresas antiéticas, dando azo à ética do consumidor, com base em um comportamento contra as organizações pelas quais se sente lesado, como promoção de ações legais, boicotes e campanhas de difamação visando à proteção e retaliação (Alencastro, 2016). Em uma empresa, a corporação ética tem como meta o equilíbrio dos lucros e a ética de modo a recompensar os empregados quando se afastam de ações comprometedoras, incluindo os problemas éticos na educação, disposição de mentores e de orientação moral aos novos colaboradores (Alencastro, 2016). 16 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Historia de la filosofia Volumen 1: filosofia antigua, filosofia patrística, filosofia escolástica. Barcelona: Hora S.A., 1994. ABECHE, R. P. C.; CANIATO, A.; SANTOS L. H. É hora do espetáculo da perversidade: o aprisionamento da subjetividade dentro dos realities shows. In: PLONER, K. S. et al. (Org.). Ética e paradigmas na psicologia social. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. p. 236-52. ABREU, F. Filosofia do comportamento. Editora Independente, 2020. ALENCASTRO, M. S. C. Ética empresarial na prática: liderança, gestão e responsabilidade corporativa. 2. ed. Curitiba: InterSaberes, 2016. ARISTÓTELES. The Politics of Aristotle. 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