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AULA 5 ÉTICA E RELAÇÕES INTERPESSOAIS Prof. Adriano Antonio Faria 2 INTRODUÇÃO Esta aula aborda a ética como assunto, delimitando temas relacionados ao ambiente natural de vivência, dissertando sobre o passado ético e adentrando nas mudanças que a ética tem trazido, quanto às transformações sociais, pessoais e do âmbito profissional, de forma geral. A ética, conforme dispôs Sáenz (1978, p. 21), “é uma ciência que estuda o normal do direito, o que deve ser feito, o comportamento que as pessoas devem ter, o que é correto em determinadas circunstâncias”, ou seja, uma ciência para a vida, para regular e dirigir a conduta prática do homem. TEMA 1 – AMBIENTE EM QUE VIVO O ambiente em que vivo é o Tema 1, sendo que a vivência da ética pode ser representada de diferentes formas, incluindo o contexto pessoal, social, familiar, político e de organização. Nesta última, a ética está presente em atitudes que o indivíduo poderá tomar ao se deparar com questões as quais não considera de cunho ético. No exemplo de Fernandes (2013), sobre a inadequação de valores e de atitudes em uma organização, pode revelar impacto negativo na motivação profissional: Pode-se constatar que o profissional tem fortes valores voltados à estabilidade e à segurança, enquanto a empresa preconiza (e pratica) o trabalho sob pressão; ou que ele valoriza trabalhos em equipe, e a empresa privilegia o indivíduo e suas conquistas; ou, num caso mais extremo, o indivíduo tem elevados padrões de ética pessoal e descobre que sua empresa está envolvida em atividades ilícitas. Não fazemos aqui um juízo de certo ou errado, mas o fato é que, quando há incompatibilidade em valores básicos (para o indivíduo e para a empresa), a melhor alternativa é romper a ligação: encerrar o contrato de trabalho e cada um buscar seu caminho. (Fernandes, 2013, p. 160) Lembrando as questões éticas aprendidas, as memórias da infância mostram que as histórias sempre tinham um final feliz, e que desde sempre o bem triunfa sobre o mal, existem bondade e justiça, valores e respeito, e que é importante uma vida na qual se seguem a moral e a ética. Ao crescermos, no entanto, a força dos ensinamentos cria expectativa de que os esforços pessoais serão recompensados, o que nem sempre acontece de fato (Abreu, 2016). Por isso, o estímulo para uma vivência na qualidade de se sentir bem é quanto à capacidade de cuidar de si mesmo, buscando aquilo que nos faz bem e sobre o qual temos controle porque: “Ao realizarmos algo que nos faz bem, isso 3 nos sustenta emocionalmente para seguir em frente, pois desenvolve força e virtude, ajudando-nos a desenvolver dignidade pessoal. Dessa forma, aumentamos nosso senso de coerência, dos sentimentos e dos afetos positivos” (Abreu, 2016, p. 49). É no estudo da ética e conforme se relaciona com demais ciências do mundo, que o homem compreende a necessidade de boa conduta em suas ações e práticas de caráter. A ética em si, mantém relação com outras ciências, dentre elas a Psicologia, uma ciência que também estuda os atos humanos, nos faz compreender os homens em sua estrutura interna. Com a Sociologia uma ciência que lida com os fatos, é útil para o estudo da ética, ao fornecer dados reais sobre o comportamento humano em diferentes momentos, e ainda com a ciência da Moral, conhecida atualmente como sinônimo da ética, e quanto a ciência do Direito, um conjunto de normas que regem a conduta humana, muito parecida com a ética (Sáenz, 1978). Ainda, relacionando a ética à Economia, apresenta grandes dificuldades para a sua distinção; com a Educação e as diferentes acepções; com a Metafísica e uma relação estreita com a ética; com a Teologia, pela semelhança; e, com a Religião, uma prática que ocorre entre o homem e Deus (Sáenz, 1978). 1.1 A ética moderna e os questionamentos pessoais Desde a antiguidade e na percepção moderna da ética as reflexões que fazemos pode direcionar a duas perguntas principais, segundo Pires (2006, p. 33), iniciando-se com aquela com enfoque na responsabilidade e possibilidade de culpa, que formula: “sou suficientemente bom?” Uma segunda questão se refere à possibilidade do mal em geral e a pergunta é: “O meu mundo é justo?” Explicando essa busca de resultados, Pires assim expôs: Tendo por base as condições de comunicação na sociedade moderna surgiu como principal questão de uma reflexão sobre a Ética o nexo entre a pergunta sobre a bondade do ‘eu’ e as condições culturais do nascimento da própria condição de um sujeito moral em geral. É este nexo que nos permite, hoje, perguntar pelas condições de um ‘desejo ético’. Esta forma moderna e contemporânea do questionamento ético representa a possibilidade do sujeito moral a partir da condição de possibilidade moral do seu próprio mundo. (Pires, 2006, p. 33) A ética moderna (Figura 1) considera as mudanças proporcionadas pelo período antigo, destacando o indivíduo diante do grupo social, o desenvolvimento das ciências e a divisão dos diversos elementos que compõem o mundo do dever- ser, quais sejam, a ética, a religião e o direito (Rosin, 2015). 4 Figura 1 – Visualização de elementos que compõem a ética moderna Crédito: Marco Rullkoetter/Shutterstock. O surgimento da ética moderna se coaduna com as revoluções: religiosas, de Lutero; científica, com Copérnico; filosófica, com Descartes. As novas ideias trouxeram um novo pensamento na era moderna, na qual reinou o racionalismo cartesiano, defendendo a razão como caminho para a verdade. “O contrário do que temos visto até agora, em que a fé é o poder, a partir desse momento o poder é exclusivo da razão de discernir, distinguir e comparar. Há nesse momento um completo cenário de mudanças […] e uma também nova classe social, a burguesia” (Rosin, 2015, p. 16). Sáenz (1978, p. 14), já havia registrado que aquele que estiver convencido de que é tudo a mesma coisa, e que não há diferença entre o bom e o mau, certamente terá uma conduta muito diversa de uma outra pessoa que pense o contrário, e sendo assim, “Dentro desta última posição ainda existem muitas variantes, pois alguns julgam bom e mau segundo um critério que para outros é errado, ou pelo menos insuficiente, a partir do qual se pode inferir um novo problema de Ética”. 5 TEMA 2 – MEU PASSADO ÉTICO: APRENDIZADO DO PASSADO O Tema 2 desta Aula 5 traz a referência à memória de comportamentos, quando podemos analisar se as ações realizadas foram constantes no exercício da moral e de seguimento de princípios. Os assuntos subsequentes a este Tema 2 dissertam sobre relatos de imprudências no comportamento humano, e quanto ao uso das memórias para estabelecer uma nova conduta ética. Os preceitos éticos clássicos mostram que a ética, a exemplo da lógica, é um material filosófico, porém a ética possui um caráter eminentemente humano e humanístico, sendo que os problemas naturais da ética preocupam as pessoas de modo particular e íntimo. O mundo inteiro tem se deparado com problemas e precisou buscar soluções com adoção de uma postura diante deles (Sáenz, 1978). É por isso que a ética tem adquirido um valor primordial na mentalidade humana, pois em dado momento é imprescindível a solução para as questões morais e a busca de respostas para perguntas de natureza moral: como é possível distinguir, de modo objetivo, o bem do mal? Ou não há diferença objetiva e tudo depende das pessoas que julgam de acordo com os costumes, a sua educação, conveniências ou imposições? (Sáenz, 1978). 2.1 O que fazer com as imprudências éticas? Em se tratando de imprudências éticas, sabemos que a ética de Aristóteles é voltada ao estudo das virtudes, como um aperfeiçoamento das faculdades humanas, que buscam seu próprio objetivo, adequadas para encontrar o meio- termo entre dois extremos viciosos; por exemplo, a bravura é um meio termo entre a covardia a eimprudência (Sáenz, 1978). Já quanto às virtudes, existem aquelas morais, que aperfeiçoam o homem, e se caracterizam como a prudência, fortaleza, temperança, liberalidade no gasto das riquezas, e amizade; as virtudes intelectuais aperfeiçoam a mente humana em suas duas funções: especulativa e prática que, por sua vez, têm no entendimento especulativo a ciência, a intuição e a sabedoria; e, no entendimento prático, a arte e a prudência. “Como se vê, esta última é intelectual, na medida em que reside no entendimento e também é moral, na medida em que aperfeiçoa o homem como homem e governa todos os outros” (Sáenz, 1978, p. 138). 6 Para Abreu (2016, p. 474), o ser humano, ainda que tenha cometido erros, deve considerar uma revisão em seus pensamentos e relativizar as imprudências passadas, deixando de lado o perfil de julgador de si mesmo, pois “Tudo o que fizemos de errado salta aos nossos olhos”. A questão é identificar se tal perfil se constitui com base na moral cristã, “provida dos pecados da conduta, ou se é algo influenciado por conceitos de ética ou filosofia”. Um olhar retrospectivo de própria história, entretanto, sob uma ótica mais compreensiva, poderia modificar as circunstâncias e, mantendo a integridade e o bom senso, o indivíduo poderia analisar que mesmo que a sua mente crítica o alerte “a respeito do que deve ser corrigido a partir do passado, também é interessante — como mente adulta — que entenda que somos pessoas em experiência plena, ou seja, sujeitas a contínuos erros de percurso que são corrigidos a partir das experiências” (Abreu, 2016, p. 474). 2.2 As memórias do passado servem para guiar mudanças futuras Abreu (2016), relaciona o pensamento humano à autoavaliação, um hábito inevitável quanto mais avança em idade, de maneira ininterrupta, no presente, passado e futuro, destacando-se sempre o passado e o raciocínio sobre determinados acontecimentos, sendo que os maus ocupam espaço importante na vida. Diante de acontecimentos frustrantes surge a culpa por “ter feito algo de maneira imprópria. Culpabilizamo-nos por não ter dito, por não ter agido, por não ter sentido e, finalmente, por não termos nos posicionado de alguma maneira específica” (Abreu, 2016, p. 473). É aí que reside a questão ética, que norteia as ações e os comportamentos morais do indivíduo, conforme seleciona Sáenz (1978), de que para alguns seguir a ética é seguir a lei, e isto lhes basta, entendido como o agir bem. Entretanto, é preciso analisar qual é o problema da norma de moralidade, e o critério correto para julgar o bem e o mal, âmago da moral, pois que, qual a finalidade das boas leis, ou, todas elas são boas? O critério definitivo para julgar o bem ou o mal deve ser mais amplo do que a adequação com a lei, conforme dissera Kant, que algumas pessoas cumprem a lei de maneira que o seu valor moral deixa muito a desejar: “cumprem materialmente, porém sua intenção é distorcida, interesseira, caem em um puro legalismo; enfim, carecem de valor moral. Como se pode ver, o critério da 7 moralidade, o critério verdadeiramente apto para julgar o bom e o mal, tem que estar acima destas dificuldades (Sáenz, 1978, p. 14). TEMA 3 – UMA NOVA TRANSFORMAÇÃO PESSOAL O Tema 3 objetiva descrever acerca da possibilidade de uma transformação pessoal no tocante à prática da ética, considerando algumas condições atuais que revelam um estado de depressão e apreensão vivido pela coletividade humana, com descrédito de tudo e de todos em uma desilusão social que inibe a crença em alguma coisa (Abreu, 2016). 3.1 No que é possível acreditar em termos de ética moderna Aristóteles primava pela virtude humana, a qual descreveu como uma qualidade, que inclina e facilita a realização de atos honestos pela pessoa. Por se tratar de uma qualidade, não é inata, mas adquirida, com base em esforço e repetição, pois, sendo um valor moral, depende do ato voluntário e livre do indivíduo, facilitando o ato honesto (Sáenz, 1978). Por se tratar de uma qualidade estável, a virtude possui uma determinada estabilidade na pessoa, suscetível de implementação de cunho positivo ou negativo, geralmente manifesta como uma linha de conduta nas características de caráter do indivíduo. E, por ser assim, a virtude facilita o ato honesto: “Aqui está o efeito da virtude. Quem o possui tem maior facilidade para agir bem, faz isso com prazer e, além disso, pode realizar atos que, sem ela seria impossível” (Sáenz, 1978, p. 217). Atualmente o campo da ética tem sido enaltecido, e acumula estudos no campo da Filosofia, especialmente no tocante às experiências cotidianas, conduzindo o indivíduo à uma análise reflexiva sobre os valores que têm sido adotados, quanto aos atos praticados, tomadas de decisão e responsabilidades assumidas. Grande parte das profissões contemporâneas possui os seus próprios códigos de ética, visando sistematizar de modo preciso os princípios de orientação de seus profissionais (Marcondes, 2007). 3.2 A força interior que impulsiona mudanças pessoais No século XXI, é preciso pensar em como minimizar os efeitos de modelos deteriorados e antiéticos de comportamento social no mundo, para poder educar 8 as crianças e jovens. Abreu (2016) sugere a delimitação de regras, utilizando-se de crenças e valores como parâmetros sustentados e claros de educação e de convivência social, interpretando esta medida como um ponto fixo no meio do caos, que oferece orientação para a ambivalência de princípios presentes nos hábitos humanos. O reforço à ordem deve ser iniciado individualmente e alcançar a todos de nosso convívio, com determinação de ordem no ambiente doméstico. O combate à corrupção, à falta de cidadania e de ética pode ter início com a família, filhos, funcionários e amigos. O exemplo é dado “Quando somos fieis aos nossos valores, ajudamos os pequenos e o entorno a não se anestesiar com o absurdo de nossa realidade. Desse modo, criamos um trilho definido de ética, juízos positivos e bons conceitos” (Abreu, 2016, p. 449). Na ética de Platão e de Aristóteles, visualiza-se desde o princípio dos seus escritos a indicação para que o homem se coloque em uma posição correta de comportamento pessoal e social, para definir o valor moral do ato humano. Na filosofia de Aristóteles, a noção de bem e de fim é identificada, com o homem buscando como objetivo último o seu próprio bem, a sua felicidade, perfeição e realização de sua potencialidade, colocando a felicidade no centro da ética, um sistema que foi denominado de eudemonismo (Sáenz, 1978). Esta busca pela felicidade, como objetivo principal do homem, segundo Aristóteles, não consiste no prazer, fama ou riqueza, mas na razão: O homem que se governa pela razão, que age de acordo com sua natureza racional, que realiza suas próprias potencialidades, esse homem, ao se aperfeiçoar, conquista sua felicidade, atinge seu próprio fim e se comporta honestamente. Para Aristóteles é o mesmo que ser perfeito, ser feliz, atingir o próprio objetivo e agir com coragem moral. (Sáenz, 1978, p. 137) A filosofia de Aristóteles determina como finalidade do homem e de suas ações a busca pela felicidade, motivação que lidera o seu comportamento, na tentativa de ser feliz. É assim que se vincula a vida ética e a vida feliz, um caminho que o filósofo viu para regular a polis, “direcionando os jovens para que se tornem bons cidadãos e sejam capazes, por meio da racionalidade, de encontrar uma vida feliz, uma vida ética” (Nascimento; Duarte, 2019, p. 119). 9 TEMA 4 – TRANSFORMAÇÃO SOCIAL O Tema 4 envolve a transformação social baseada na ética moderna, e discorre sobre a possibilidade de mudança por parte do indivíduo, conforme direcionamentos éticos que forem adotados com esta finalidade. 4.1 Compreendendo elementos que atuam na capacidade de decisão Aranha (1997, p.114), destaca que o homem é um ser de desejo, ao estabelecer relações com a natureza e com os seus pares, quando reage afetivamente aos acontecimentos, vivendo as emoções e os sentimentos. Os meios necessários para que o homem compreenda a realidade são dados pela razão, “importante por fornecer ao homem os meios para compreender a realidade, solucionar problemas, projetar a ação e reavaliar o que foi feito”. Segundo Aranha (1997), o que coloca o homem em movimento é o desejo, porque os sentimentos e as emoções afetam as pessoas mesmo que elas não queiram, e as respostas são automáticas. É a paixão, etimologicamente denominada de pathos, que tem na origem grega a mesma raiz de sofrer, suportar e deixar levar-se. Sobre o desejo, especificamente, Barbosa (2015, p. 17), menciona Kant em relação das faculdades do ânimo humano com as leis morais, anunciando que se deve diferenciar o desejo e o arbítrio “Na medida em que acompanha a consciência da faculdade de sua ação para a produção do objeto, ela se chama arbítrio; mas, se dela não vem acompanhada, seu ato se chama mero desejo”. Assim, o arbítrio humano pode agir determinado pela razão, porém utilizando a faculdade de desejar, interpretado por Kant como o arbítrio livre. Nem todo arbítrio é racional, ou seja, o homem decide pela razão, mas “o livre arbítrio encontra seus limites morais no imperativo categórico – fórmula da lei positiva – na medida em que a lei moral pode ser invocada pelos demais como uma lei universal – fórmula da liberdade negativa” (Barbosa, 2015, p. 17). Bresolin (2014, p. 125), afirmara sobre o arbítrio, ou seja, a capacidade de decisão do ser humano, que se coaduna com o dever que possui em si o conceito de boa vontade, porque quando o dever é realizado, a máxima do arbítrio concorda com a lei da razão, e o resultado é uma boa vontade. Ao agirmos por dever – com valor moral, “nosso arbítrio é determinado pela lei e, por conseguinte, fazemos uma ação racional, logo, temos um bom arbítrio”. 10 É com a boa vontade que o indivíduo escolhe os seus objetivos e busca realizá-los; nessa ação, por isto, o valor é determinado pelo querer fazer, em seguimento da lei moral, algo que não é dado ao homem, mas sim construído diante de todas as inclinações às quais o homem facilmente se depara ao longo de sua vida e desenvolvimento (Bresolin, 2014). 4.2 Como mudar socialmente Associando a necessidade pessoal e profissional de mudar socialmente ao ensino sobre a ética, Morais e Duarte (2019, p. 33) relacionam a base do Iluminismo como promotora da ideia da racionalidade intelectual humana “como mediadora apropriada para desenvolvimento social”, fomentando acontecimentos que modificaram as formas de pensar e de produzir no mundo. O Iluminismo trouxe inovação e um caráter reflexivo, mostrando que o homem moderno abalou os fundamentos de sua existência, e se torna elemento constituinte de um contexto social: “Assim sendo, realiza diversos tipos de ações que estão interligadas, entre si, e que trazem resultados positivos tanto para o sujeito que as exerce, quanto para a comunidade na qual ele vive” (Morais; Duarte, 2019, p. 46). As orientações de Abreu (2016), para uma transformação social têm seu âmago na modificação pessoal, inicialmente, adotando uma visão nova de si mesmo, e minimizando conceitos críticos: O que quero dizer com tudo isso? Simples: tente ser o seu melhor amigo, não um juiz impiedoso e implacável. Agindo assim, olhamos a vida com mais leveza e, ao mesmo tempo, alteramos sem perceber a maneira pela qual acreditamos ser vistos pelo mundo. Experimente pensar assim, vez ou outra. Acredito que isso irá ajudar bastante. A maioria dos sentimentos de culpa é fruto de nossa própria imaginação. (Abreu, 2016, p. 476) O indivíduo deve compreender que “as relações interpessoais ocorrem dentro de uma sociedade e de uma cultura. Assim, as relações entre as pessoas são afetadas pela posição na sociedade que cada pessoa ocupa, pelos diferentes tipos de papéis sociais e como estes são afetados pela cultura” (Garcia, 2013, p. 7). Nos relacionamentos sociais, quanto mais participativa for a pessoa no âmbito familiar, social ou profissional, mais é solicitada a manter interações com diferentes círculos sociais e, por consequência, vivenciando diferentes interações 11 e relacionamentos, que se estendem e se tornam complexos conforme avançam também as formas de comunicação e a oferta de produtos culturais (Garcia, 2013). O ser humano tem a sua constituição para além de sua individualidade, considerando sua relação com os outros, com o meio ambiente, com as tradições, narrativas e práticas do seu grupo ou comunidade. Cada indivíduo desenvolverá a sua formação moral de acordo com as virtudes valorizadas individualmente e, também, no seu entorno, na sua comunidade, grupo e tradição. (Rosa, 2016, p. 4 citado por Morais; Duarte, 2019, p. 46). TEMA 5 – TRANSFORMAÇÃO PROFISSIONAL O Tema 5 desta aula é a transformação profissional, uma das características que abrange as escolhas humanas no âmbito do trabalho e das relações interpessoais. Os valores morais e ético no âmbito profissional são descritos com enfoque na virtude proposta por Aristóteles, e abordadas as questões interpessoais como elemento do comportamento pessoal. Observa-se de Ruse (1996, p. 50), a explanação sobre a moralidade humana, como originada por uma espécie de contrato, imposto pelos genes humanos, uma condição na qual é possível ficar seguro, do que tentar resolver os problemas sozinho: “Por conseguinte, espera-se que a moralidade humana apresente, ao nível normativo, as marcas de uma situação contratual, mesmo que isso não implique qualquer decisão humana. Em face disso, perguntamo-nos naturalmente que tipo de regras normativas foram propostas pelos teóricos do contrato”. A ética é elemento presente em todos os povos, em seu ethos, quais sejam, os costumes e as práticas, que definem de modo implícito e informal a maneira adequada para aquela sociedade se comportar. A ética é também um sistema em sentido prescritivo ou normativo, que atua sob o formato de um conjunto de preceitos, sendo que estes justificam valores e deveres, incluindo os genéricos que mostram as éticas cristã ou estoica, e aqueles específicos, a exemplo do código de ética de uma categoria profissional (Marcondes, 2007). Nas organizações modernas, a questão ética tem representado um problema de enfoque moral, porque embora os valores relacionados ao dever-ser são seguramente intrínsecos à pessoa humana, cada uma tem em sua bagagem de vivência os aprendizados anteriores, reflexo da criação, do meio vivenciado e elementos formadores do caráter (Guedes, 2019). 12 5.1 Os valores morais e éticos no âmbito profissional Lembra-se de que Aristóteles propôs a virtude como uma forma de ser honesto; assim, enumerou como principais virtudes as seguintes (Quadro 1). Quadro 1 – As virtudes do homem, segundo Aristóteles Ordem Virtude Definição a Prudência Só a prudência é ao mesmo tempo intelectual e moral. É a virtude da razão, porque o homem sabe o que fazer ou evitar no momento presente. O homem prudente tem uma aptidão especial para dar conta das circunstâncias específicas que o afetam, e que elas podem influenciar suas decisões livres; sabe aproveitar as experiências passadas; sobre o futuro, sabe prever e prover. Sabe como agir rapidamente quando as circunstâncias o justificam; e, em outros casos, levará seu tempo para meditar e escolher conscientemente. b Justiça Consiste em dar a cada um o que lhe corresponde. Uma pessoa que, de forma constante, respeita os direitos dos outros e dá a cada um o que lhe é devido, tem a virtude da justiça. Três classes principais de justiça podem ser consideradas: comutativa, distributiva e legal ou social. b1 Justiça comutativa Rege as relaçõesentre particulares. Por exemplo: um comerciante atende fielmente um contrato de venda. O roubo, a mentira, a calúnia, o insulto, o homicídio, os maus tratos, vão contra a justiça, na medida em que violam os direitos dos outros. b2 Justiça distributiva Rege as relações entre a sociedade e os cidadãos. Está a cargo dos governantes, que devem distribuir os benefícios e encargos da sociedade entre os diferentes cidadãos; por exemplo: impostos. b3 Justiça legal ou social Rege as relações do indivíduo no que diz respeito à sociedade. É a vontade de atenção ao bem comum. c Força É a firmeza da alma, capaz de vencer as dificuldades da vida. O homem com força tem facilidade para sobrepor-se aos obstáculos e penalidades que se encontram ao longo da vida; ele é persistente e paciente; tem grandeza de alma (magnanimidade). Ele se opõe à imprudência e à covardia. É contrário à timidez, desespero e ambição exagerada. d Temperança É a virtude cujo objeto consiste em moderar prazeres sensíveis. Pode tomar a forma de sobriedade, no que se refere a gosto por alimentos e bebidas; ou então, ele é chamado castidade, quando modera o instinto sexual. A humildade é também uma forma de temperança, pois modera um gosto excessivo pela própria fama e glória. Fonte: Sáenz, 1978. O indivíduo que avança na posse dessas virtudes realiza em si mesmo o valor moral, ou seja, a transcendentalidade da pessoa, porque com a prudência, A sua inteligência adquire conhecimento prático e concreto do caminho que deve seguir: transcende a ordem dos acontecimentos. Com a justiça ele realiza a ordem moral (Direito) em suas relações com os outros. Com a fortaleza ele contorna as dificuldades. E com temperança ele se afasta do caminho fácil sugerido pelos apetites sensíveis. Em uma palavra, as virtudes elevam o homem acima do comum, conferem ao sujeito uma 13 personalidade verdadeira, digna de admiração e louvor, a única que pode ser chamada de boa, de forma plena e adequada. A moralização do indivíduo só pode ser alcançada com base nas virtudes pessoais. (Sáenz, 1978, p. 219-220) Também Ruse (1996, p. 41) sugere que a moral humana é produto da evolução, e que o termo moral, diferente de socialidade, indica a certeza de que os sentimentos sociais, nos homens, experimentados uns pelos outros “sejam num certo sentido um produto da evolução”. Relaciona a cooperação humana ao nível social, e assim também o altruísmo como um produto da evolução. Reitera que os homens não sabem muito bem como fazer as coisas sozinhos, porque não é “nem muito forte, nem muito rápido, nem está bem provido com armas de ataque ou coisas semelhantes. E também não dispomos de outros atributos que são necessários para se sobreviver sozinho. No entanto, quando trabalhamos em grupo somos bem-sucedidos” (Ruse, 1996, p. 44-45). 5.2 As relações interpessoais como elemento de mudanças do indivíduo No texto de Barkow (1996, p. 92), os comentários acerca das normas facultativas, relativas à conservação da honra, da identidade social e da adesão ao grupo, considerando a complexidade da sociedade e os estatutos sociais correspondentes. É nesta adesão, seja ela real ou fictícia, a um conjunto de normas particulares que caracterizam a comunicação para todos sobre os estatutos e as identidades sociais que são reclamadas como nossos. “Tanto os indivíduos como os grupos utilizam a adesão — manifestada através da palavra e do comportamento — a ética e as outras normas para comunicar a identidade social” (Figura 2). 14 Figura 2 – Visualização de relacionamento interpessoal na organização Crédito: Yakobchuk Viacheslav/Shutterstock. Nas relações interpessoais, entretanto: Nas origens dos sistemas éticos devem ter estado presentes, pelo menos em parte, negociações semelhantes entre indivíduos inclinados a adotar, no seu próprio interesse, certas regras e disposições. Estas negociações devem ter sido influenciadas pelas relações de poder entre os participantes e, finalmente, terão conduzido a um compromisso a respeito de um conjunto de princípios. Mesmo hoje em dia, um grupo de pessoas dispostas a empreender uma tarefa em comum estabelecera automaticamente um consenso informal sobre a divisão do trabalho e das responsabilidades. Se o grupo se vier a reunir de novo veremos seguidamente emergir um sistema normativo em miniatura, que é também, pelo menos em parte, um sistema ético. (Barkow, 1996, p. 94) Na literatura sobre a ética, as questões atinentes ao exercício do trabalho humano são temas de discussão filosófica, desde a antiguidade. Na mitologia grega, o Mito de Sísifo mostra que os deuses o haviam condenado a rolar uma pedra incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía novamente por seu próprio peso. Os deuses haviam pensado, “com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança” (Camus, 2010, p. 70). A análise de Siqueira (2008), citado por Nascimento (2019), realiza uma conexão entre o mito e o trabalho na contemporaneidade: 15 O mundo de hoje não nos livrou da condenação de Sísifo. O trabalho ainda é visto como um desafio, um fardo, um peso sem o qual a vida individual e societária inexistiria. Ao contrário da condição de Sísifo, que foi obrigado a trabalhar, no mundo contemporâneo o trabalho pode ser concebido como um sacrifício voluntário que todos nós fazemos para construirmos a vida societária e o futuro da humanidade. Se, por um lado, os deuses condenaram Sísifo a um trabalho árduo, inútil e sem esperança, por outro lado, os homens modernos veem no trabalho um meio de salvação: querem se refazer como homens e superar a sensação de inutilidade, confusão e falta de sentido na vida, algo tão comum ao ser humano quando este vive no ócio. (Nascimento, 2019, p. 255) A opinião de Nascimento (2019) é sobre pessoas que vivem o sofrimento pela rotina do trabalho, especialmente ao se tratar de atividades repetitivas, que sem exigir o modelo de concepção grega do trabalho sublime, mas como condenação do trabalho pela sobrevivência, as submete. Assim, a ética e a transformação profissional do indivíduo, de acordo com Santos et al. (2013, p. 19), são inerentes à sua vivência profissional cotidiana, quando na execução de suas atividades vai ao encontro do outro, o qual afeta e por ele é afetado, de modo é que após este contato “que firmamos e afirmamos o nossos eu e as singularidades que dele fazem parte”. Há esta perspectiva, portanto, de que no campo social e profissional, quando a separação entre o social e o marginal é precária, e os diferentes agentes são exclusos dos padrões sociais aceitos. A prática profissional deve levar em conta “a realidade em que o outro está inserido a fim de que as ações tenham sentido não só para o profissional como também para aqueles a quem apoia” (Santos et al., 2013, p. 19). Um ambiente organizacional no qual se pratique o respeito e hábitos saudáveis requer que as relações entre os colaboradores tenham como premissa o respeito à dignidade da pessoa humana, isentando-se de discriminações e no qual as especificidades e dificuldades sejam aceitas e adaptadas em conjunto, em ações destinadas ao bem comum (Guedes, 2019). 16 REFERÊNCIAS ABREU, C. N. Psicologia do cotidiano: como vivemos, pensamos e nos relacionamos hoje. Porto Alegre: Artmed, 2016. ARANHA, M. L. A. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1997. BARBOSA, E. V. 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