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Escolas Contemporâneas de RI

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DESCRIÇÃO
As concepções teóricas das principais escolas contemporâneas de teoria das Relações Internacionais, seus principais autores e conceitos.
PROPÓSITO
Compreender as mudanças do cenário internacional que transformam as ciências das Relações Internacionais e introduzem demandas, identidades, migrações, descolonização, entre outros, que fundamentam as escolas contemporâneas de RI.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Diferenciar a escola de pensamento construtivista das escolas tradicionais de pensamento na teoria das Relações Internacionais
MÓDULO 2
Identificar quais são os principais elementos constituintes do pós-Estruturalismo na análise das Relações Internacionais
MÓDULO 3
Relacionar as perspectivas pós-coloniais em Relações Internacionais ao contexto histórico mundial
INTRODUÇÃO
Na virada dos anos 1980 e 1990, grande parte das universidades que defendiam a capacidade das Relações Internacionais de analisar a conjuntura e antever os cenários sofreu um baque inesperado. A extinção da União Soviética e o encerramento da bipolaridade que havia marcado o período, após a Segunda Guerra Mundial, pareciam ser eventos que passaram entre as brechas das ferramentas de análise das escolas tradicionais de pensamento das Relações Internacionais. Essa aparente incapacidade de prever o cenário que se construíra, ao longo da distensão final da Guerra Fria, colocou em questionamento a hegemonia das escolas realista e liberal e abriu espaço para teorias críticas e seus modelos de análise.
As escolas contemporâneas de Relações Internacionais surgem no contexto de críticas aos paradigmas realista e liberal. Suas propostas estão pautadas no reconhecimento das deficiências das teorias tradicionais e na elaboração de propostas para a superação das lacunas observadas nesses modelos explicativos.
Um dos princípios básicos que são levados em consideração pelos autores das escolas contemporâneas de Relações Internacionais é o de que as teorias clássicas ou tradicionais falharam ao lidar com cenários tão dinâmicos, como o do fim da Guerra Fria, por buscarem sempre construir explicações universalistas e circulares. Isto é, para as escolas de pensamento que vamos estudar a partir daqui, as teorias tradicionais foram “pegas de surpresa” porque tentavam elaborar explicações muito generalizantes, que não correspondem à diversidade e ao dinamismo do mundo atual.
Nesse contexto, as escolas de pensamento construtivista, pós-estruturalista e pós-colonial renunciam à tentativa de criar sistemas explicativos com “leis gerais” – que buscam explicar “da Costa Rica ao Vietnã” – e focam nas limitações metodológicas já percebidas nas escolas tradicionais. Tentam preencher as lacunas criticando ou argumentando sobre aspectos específicos de determinado cenário, mas não entregam uma teoria com explicação absoluta. Pressupõem um sistema internacional complexo, que não se compreende por percepções binárias, do tipo preto ou branco, esquerda ou direita, liberal ou realista, cooperação ou conflito.
Achou interessante? No módulo seguinte, veremos como os construtivistas explicam as Relações Internacionais.
MÓDULO 1
Diferenciar a escola de pensamento construtivista das escolas tradicionais de pensamento na teoria das Relações Internacionais
CONSTRUTIVISMO: O QUE É E DE ONDE VEM?
Além do contexto do fim da Guerra Fria e do questionamento dos paradigmas das escolas tradicionais de teoria das Relações Internacionais, a matriz de pensamento que atualmente denominamos Construtivismo tem seu início a partir do diálogo de internacionalistas com questões antes debatidas em outras ciências sociais. Mais especificamente, um dos debates mais antigos nas ciências humanas era a discussão de precedência entre o agente e a estrutura.
Em outras palavras, desde o início da elaboração das teorias sociais modernas, com Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber e outros, a grande questão que acompanhava o método sociológico era se o indivíduo fazia a sociedade ou se era a sociedade que fazia o indivíduo.
PARADIGMAS
Thomas Kuhn (1922-1996) é um dos mais célebres autores dos estudos em filosofia da ciência; definiu como paradigmas as realizações científicas que geram modelos explicativos, de modo que as comunidades científicas se definem a partir do compartilhamento desses modelos. Do mesmo modo, o estudo dos paradigmas é o que prepara o estudante para fazer parte da comunidade científica após a sua formação. (KUHN, 1997)
KARL MARX
Nascido em 1818, na Prússia, posteriormente tornou-se apátrida e passou grande parte de sua vida em Londres, onde faleceu em 1883. Filósofo, jornalista e militante socialista, além de sistematizar os postulados do comunismo, contribuiu com a mobilização dos princípios do materialismo histórico para as ciências humanas, especialmente Sociologia e Economia. Suas principais obras são o Manifesto Comunista, coescrito com Friedrich Engels, (1848) e O Capital (1867-1894).
ÉMILE DURKHEIM
Dentista, filósofo e antropólogo francês, Émile Durkheim (1858-1917) é considerado, ao lado de Karl Marx e Max Weber, um dos fundadores da Sociologia. Suas principais obras são Da divisão do trabalho social (1893) e As formas elementares da vida religiosa (1912).
MAX WEBER
Jurista e economista prussiano (alemão), Max Weber (1864-1920) é considerado um dos fundadores da Sociologia, tendo contribuído para vertentes teóricas em diversas ciências humanas, além de ter sido consultor político na Assembleia Constituinte no período da República de Weimar. Suas obras mais importantes são A ética protestante e o espírito do Capitalismo (1904), A política como vocação (1919) e Economia e Sociedade (póstumo).
autor/shutterstock
KARL MARX.
Fonte: Wikimedia
autor/shutterstock
ÉMILE DURKHEIM.
Fonte: Wikimedia
autor/shutterstock
MAX WEBER.
Fonte: Wikimedia
Algumas das explicações mais influentes do meio acadêmico ao longo do século XX, como o Estruturalismo, o Marxismo e a Psicanálise, por exemplo, ensinam que a interação do sujeito com a sociedade é limitada pelas estruturas, pelos símbolos, pelas classes e por outros elementos que já estão dados pelo ambiente. Assim, o indivíduo seria meramente um personagem reativo aos estímulos e às oportunidades que a sociedade lhe ofereça ou não.
Esse ponto, acerca da relação entre o indivíduo e a sociedade, fez com que grande parte das metodologias das ciências humanas no período partisse de duas perguntas:
QUEM VEIO PRIMEIRO, O AGENTE OU A ESTRUTURA?
QUEM INFLUENCIA, LIMITA OU CONSTRANGE AS AÇÕES DO OUTRO?
No caso das Relações Internacionais, essa perspectiva fundamenta as abordagens das escolas tradicionais que, mesmo tendo suas matrizes de pensamento muito anteriores - Immanuel Kant (1724-1804), Thomas Hobbes (1588-1679) e Hugo Grotius (1583-1645) (no direito internacional) -, seguem a mesma lógica de que a anarquia e a natureza humana são um dado, e os agentes apenas reagem a ela, por meio de cooperação ou competição.
Rompendo com esses princípios teórico-metodológicos, o Construtivismo é assim denominado por defender que a sociedade é uma realidade construída a partir da soma das ações e interações dos indivíduos. Esse pressuposto resulta, como já mencionamos, na compreensão de que a sociedade não é um dado estático, pronto e com regras permanentes, mas dinâmico e diversificado, conforme os agentes interagem entre si ao longo do tempo. Nogueira e Messari afirmam o seguinte sobre esse assunto:
ESTE MUNDO EM PERMANENTE CONSTRUÇÃO É ESTRUTURADO PELO QUE OS CONSTRUTIVISTAS CHAMAM DE AGENTES. VALE DIZER: NÃO SE TRATA DE UM MUNDO QUE NOS É IMPOSTO, QUE É PREDETERMINADO E QUE NÃO PODEMOS MODIFICAR. PODEMOS MUDÁ-LO, TRANSFORMÁ-LO, AINDA QUE DENTRO DE CERTOS LIMITES. EM OUTRAS PALAVRAS, O MUNDO É SOCIALMENTE CONSTRUÍDO.
(NOGUEIRA; MESSARI, 2005)
DESSE MODO, POR EXEMPLO, O CONCEITO DE ANARQUIA, TÃO CARO A REALISTAS E LIBERAIS, É DEFINIDO PELOS CONSTRUTIVISTAS COMO A REPRESENTAÇÃO DE UM AMBIENTE PRODUZIDO.
A obra que lançou a abordagem construtivista foi o artigo de Alexander Wendt, Anarchy is What States Make of It (1992), literalmente traduzido como “Anarquiaé o que os Estados fazem dela”, e publicado na revista International Organization, trazendo os traços mais marcantes dessa escola de pensamento, que foram aperfeiçoados por outros autores.
Fonte:ShutterstockFonte: Titov Nikolai / Shutterstock
ALEXANDER WENDT
Alexander Wendt é considerado um dos intelectuais mais influentes na área de Relações Internacionais. Um dos pioneiros da escola construtivista, esse cientista político é autor de obras seminais como Anarchy Is What States Make of It: The Social Construction of Power Politics. (1999) e Quantum Mind and Social Science (2015). Wendt é professor universitário nos Estados Unidos desde 1989, tendo lecionado na Universidade de Chicago e Yale, entre outras.
Fonte: optimarc /Shutterstock
CARACTERÍSTICAS METODOLÓGICAS E EPISTEMOLÓGICAS DO CONSTRUTIVISMO
Na escola construtivista de pensamento sobre as Relações Internacionais, a percepção da realidade é um elemento fundamental para a análise do movimento dos agentes internacionais, isto é, as ações dos Estados e de outras organizações. Ao considerar a interação dos agentes sobre a conjuntura, o Construtivismo relativiza a noção de que os Estados agem de modo racional, originando-se das diversas possibilidades de ação elaboradas a partir da cultura de cada agente.
NO CONSTRUTIVISMO, A REALIDADE NÃO SERIA OBJETIVA, MAS CONSTITUÍDA A PARTIR DA PERSPECTIVA DE CADA AGENTE, QUE, POR SUA VEZ, COMPREENDE E ELABORA SUAS AÇÕES BASEADO EM SUA CULTURA E LINGUAGEM, QUE SÃO ELEMENTOS CRUCIAIS NAS CIÊNCIAS HUMANAS E PASSAM, A PARTIR DO CONSTRUTIVISMO, A SEREM COMPREENDIDAS COMO ELEMENTOS DETERMINANTES NA ARTICULAÇÃO DO CENÁRIO POLÍTICO INTERNACIONAL.
As narrativas elaboradas a partir da linguagem e da cultura de um país construirão a sua respectiva percepção da realidade, e é com essa percepção que o agente/Estado lidará. Por conta dessa base teórica que reflete sobre a construção social da realidade, o Construtivismo deve ser considerado não apenas uma escola de pensamento, mas uma Sociologia e epistemologia das Relações Internacionais.
 SAIBA MAIS
EPISTEMOLOGIA
Saber que se ocupa das formas de produção de conhecimento e de compreensão da realidade. Área da Filosofia que estuda o desenvolvimento da Ciência.
RI EM UMA ANÁLISE PRÁTICA DO CONSTRUTIVISMO
Vejamos alguns exemplos para esclarecer o modo de análise construtivista.
A Primavera Árabe, onda revolucionária de manifestações e protestos que tomou as sociedades entre o Norte da África e o Oriente Médio, a partir de dezembro de 2010, foi saudada pelo governo dos Estados Unidos como um processo positivo de democratização, pois a perspectiva da política externa norte-americana, construída a partir de sua linguagem e cultura, lida com o cenário internacional a partir da realidade do autoritarismo e da democracia.
Fonte:ShutterstockFonte: Wikimedia.org
PRIMAVERA ÁRABE
Os movimentos de novas interações geraram um conjunto expressivo de levantes contra o domínio de ditadores históricos, ficando conhecidos como Primavera Árabe.
O governo russo, por outro lado, teria agido com governantes da região na tentativa de conter os avanços da Primavera Árabe sobre as instituições anteriormente estabelecidas nesses países. Isso porque a perspectiva da política externa russa para a região em questão, construída a partir de sua linguagem e cultura, lida com o cenário internacional a partir da realidade da instabilidade e estabilidade.
RESUMINDO
Para o mesmo fato, temos duas potências assumindo posturas diferentes e ambas atuaram racionalmente, mas de acordo com sua própria percepção da realidade.
A linguagem e a cultura de cada agente relativizam a noção clássica de racionalidade do Estado, a partir do momento em que as perspectivas diferentes dos atores envolvidos elaboram narrativas próprias sobre quem estaria do lado certo da história.
Outro exemplo de diferença na percepção da realidade, que faz parte do método construtivista, está presente nas narrativas divergentes sobre o fim da Guerra Fria. A historiografia e os estadistas norte-americanos pautaram sua política externa no período posterior ao fim da URSS, baseados na sua realidade de que o inimigo soviético havia sido derrotado, enquanto a historiografia e os estadistas russos viram as ações de Gorbatchov como definidoras do fim do conflito. Na visão russa, a Guerra Fria acabou porque os russos decidiram acabar com ela (NAU, 2019).
Fonte:ShutterstockMikhail Gorbatchov. Fonte: Wikimedia
GORBATCHOV
Mikhail Sergeevitch Gorbatchov, nascido em 1931, na Rússia, foi o oitavo e último líder da União Soviética, tendo liderado as reformas internas que desembocaram na descentralização do poderio soviético e na própria implosão do bloco. Sua decisão pessoal de abandonar a ideologia marxista-leninista em direção à social-democracia é apontada por especialistas como um motivador do seu papel histórico.
Para o Construtivismo, os atores internacionais não agem baseados em condições materiais, mas em princípios abstratos, como a cultura e visão de mundo. Diante de Estados que tomam decisões diferentes para resolver problemas semelhantes, um analista tradicional, do início do século XX, provavelmente apontaria um dos atores como correto e o outro como incorreto, pois havia a noção de que a racionalidade dos Estados era apenas uma e, portanto, haveria uma cartilha (europeia) a ser seguida. O Construtivismo abriu caminho para outras escolas contemporâneas, que relativizariam a realidade com a qual as ações dos Estados se tornariam eficazes ou não.
Importante! Veja o comparativo entre Realismo, Liberalismo e Construtivismo:
REALISMO
O poder determina o comportamento dos Estados, e a anarquia cria uma conjuntura que os coloca em um dilema de segurança.
LIBERALISMO
As instituições determinam o comportamento dos agentes, e a cooperação entre eles mitiga a anarquia.
CONSTRUTIVISMO
As ideias determinam a política internacional, e a anarquia é um termo artificial que corresponde à realidade construída pelos atores.
	
	Realismo
	Idealismo [Liberalismo]
	Construtivismo
	Agente
	Estados
	Estados
	Estados
	Objetivo
	Sobrevivência
	Sobrevivência
	Sobrevivência
	Comportamento dos agentes na anarquia
	Aumentar o próprio poder para conseguir sobreviver
	Promover o desenvolvimento político e social por meio de instituições (ONU) e ideias (democracia)
	Imprevisível antes da interação social
	O que limita o comportamento dos Estados
	Interesse próprio, pois não há um governo global (anarquia) e a cooperação não é confiável
	Sociedade Internacional
	Estrutura de identidades e interesses constituídos intersubjetivamente
	Lógica da anarquia
	Conflitual
	Cooperativa
	É o que os Estados fazem dela
 Atenção! Para visualizaçãocompleta da tabela utilize a rolagem horizontal
Tabela 1. Três narrativas sobre a anarquia internacional. Fonte: Adaptado de Weber (2010)
Fonte:ShutterstockTabela 2. Interação entre os agentes internacionais e o contexto na visão construtivista. Fonte: Adaptado de Kaufman (2013)
No vídeo a seguir, abordaremos o significado das tendências contemporâneas de RI.
O CONSTRUTIVISMO E SEUS PRINCIPAIS AUTORES
Do mesmo modo que ocorre com a maioria das correntes de pensamento que buscam refletir sobre as coisas humanas, o Construtivismo também tem as suas vertentes, isto é, as subdivisões e os caminhos que nem todos os participantes concordaram em percorrer.
 SAIBA MAIS
Em suas pesquisas sobre o Construtivismo, você encontrará o relato de que as universidades ao redor do mundo deram preferência a uns autores em detrimento de outros, embora todos devessem ser lidos igualmente.
EXEMPLO
Para Nogueira e Messari (2005), por exemplo, o livro World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and International Relations, lançado em 1989, por Nicholas Onuf, seria o marco inicial dessa escola de pensamento, tendo em vista a data de publicação, embora o impacto da obra tenha sido muito menor que o artigo de Alexander Wendt já citado.
Apesar da preponderância das obras de Wendt, especialmente por sua recepção no mercado editorial e nos debates acadêmicos,outros intelectuais, como Friedrich von Kratoch e Thomas Risse-Kappen, definiram separadamente em suas obras os princípios básicos do Construtivismo, dentre eles a perspectiva de que o mundo é uma construção social resultante da interação dos atores sociais. Essa geração estava empenhada em desenvolver, na teoria das Relações Internacionais, uma teoria crítica ao paradigma tradicional que abordasse a relação entre agente e estrutura a partir do conceito de que ambos são coconstitutivos uns dos outros.
FRIEDRICH VON KRATOCH
Nascido em 1944, na República Tcheca, radicou-se na Alemanha, onde leciona na Universidade de Munique. Formado em Princeton, sua relevância está na incorporação da ideia de linguagem como ação, para a análise das Relações Internacionais. Sua principal obra é Rules, Norms and Decisions (1989).
NÃO SE PODE FALAR DE SOCIEDADE SEM INDIVÍDUOS, NEM DE INDIVÍDUOS SEM SOCIEDADE.
Kratochwil afasta-se de outros construtivistas mais “positivistas”, ou seja, daqueles que entendem as Relações Internacionais como uma ciência, a exemplo de Wendt, justamente por incluir em suas reflexões teóricas os postulados da virada linguística, onde a relação entre o que é evidente e o que é apenas discurso interfere na produção de conhecimento. É justamente sobre a importância dessa virada linguística que muitos construtivistas discordam, pois ela põe a análise do discurso, as regras e as normas no centro da análise das Relações Internacionais.
 
ATENÇÃO
VIRADA LINGUÍSTICA
Também denominada “Giro linguístico”, foi um importante movimento filosófico ocorrido ao longo do século XX, quando a relação entre a linguagem e a realidade passou a ser considerada determinante para a construção de conhecimento. A virada linguística repercutiu em várias áreas de conhecimento, gerando novos métodos e novas escolas de pensamento em todas as ciências humanas.
Se, cronologicamente, Onuf foi o primeiro a publicar o conceito de Construtivismo versando sobre a teoria das Relações Internacionais, por outro lado, foi a obra de Wendt que ofereceu a face do Construtivismo nas principais academias. A obra de Nicholas Onuf tem a especificidade de transpor, diretamente da Sociologia para a teoria das Relações Internacionais, os postulados do sociólogo Anthony Giddens, que elaborou uma teoria construtivista para análise da cultura na sociedade que passa pela modernidade.
Fonte:ShutterstockAnthony Giddens. Fonte: Wikimedia
ANTHONY GIDDENS
Sociólogo britânico; defende em suas obras que a estrutura e a ação individual são elementos interdependentes e reproduzidas por meio de princípios estruturais característicos das sociedades. Considera o período atual da história como uma “modernidade tardia” e propôs uma terceira via, em alternativa aos pensamentos de esquerda e direita. Uma de suas principais obras é As consequências da modernidade.
MODERNIDADE
O conceito de modernidade foi reconstruído e constantemente reformulado. Foi cunhado para determinar a definição e o crescimento de uma cultura europeia como ocidental. A modernidade, em crise após as Guerras Mundiais, tem inaugurado conceitos que prenunciam sua crise e fim, como pós-modernidade e modernidade líquida.
Por ter um referencial teórico já amadurecido, especula-se que sua obra tenha tido uma recepção mais difícil do que a de Wendt, pela sua sofisticação. Na década de 1990, Vendulka Kubalkova, até então conhecida por publicações voltadas à contribuição marxista para as Relações Internacionais, decidiu liderar um movimento de valorização da obra de Onuf a partir da reedição de seus livros e como uma alternativa à corrente acusação de “estadocentrismo” das obras de Wendt.
RESUMINDO
Embora Alexander Wendt tenha sido o primeiro grande expoente do pensamento construtivista na teoria das Relações Internacionais, outros acadêmicos participaram, desde o início, da elaboração dos conceitos comuns aos pensadores dessa escola.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. SOBRE A ESCOLA TEÓRICA CONSTRUTIVISTA NO ESTUDO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS, É INCORRETO AFIRMAR QUE:
Parte do princípio de que a linguagem e a cultura de cada agente relativizam a noção clássica de racionalidade do Estado.
O Construtivismo deve ser considerado não apenas uma escola de pensamento, mas uma Sociologia e epistemologia das Relações Internacionais.
Entende que o comportamento do Estado deve ser o de construir o desenvolvimento político e social por intermédio de instituições (ONU) e ideias (democracia).
Rompendo com esses princípios teórico-metodológicos, o Construtivismo é assim denominado por defender que a sociedade é uma realidade construída a partir da soma das ações e interações dos indivíduos.
Entende que o comportamento foi modificado no mundo pela ação positiva dos homens, que emerge da pós-modernidade.
Parte inferior do formulário
Parte superior do formulário
2. DE ACORDO COM OS CONHECIMENTOS OBTIDOS NESTE MÓDULO, PODEMOS AFIRMAR QUE O CONSTRUTIVISMO ENTENDE A ANARQUIA INTERNACIONAL COMO:
Uma realidade a ser superada pelo conflito com outros Estados.
Uma realidade a ser superada pela cooperação entre os Estados.
Uma instituição necessária para limitar a soberania dos Estados.
Um conceito artificial que representa o resultado da interação entre os agentes.
Uma ciência teórica que quer somente estudar como as relações são estabelecidas.
Parte inferior do formulário
GABARITO
1. Sobre a escola teórica construtivista no estudo das Relações Internacionais, é incorreto afirmar que:
A alternativa "C " está correta.
A opção C é a única afirmação incorreta sobre a escola construtivista, pois expõe uma característica pertencente ao pensamento liberal. No Construtivismo, o comportamento dos Estados não pode ser determinado sem que suas relações externas (interação) sejam claras.
2. De acordo com os conhecimentos obtidos neste módulo, podemos afirmar que o Construtivismo entende a anarquia internacional como:
A alternativa "D " está correta.
O Construtivismo entende que a anarquia internacional é aquilo que os estados fazem dela, ou seja, a representação do resultado das interações entre países, percebida a partir das variáveis de linguagem e cultura de cada Estado.
MÓDULO 2
Identificar quais são os principais elementos constituintes do pós-Estruturalismo na análise das Relações Internacionais
PÓS-ESTRUTURALISMO: DEFINIÇÕES
Para um estudioso que compreenda as Relações Internacionais a partir das teorias tradicionais, o Construtivismo pareceu ser um movimento rival que apresentava um modelo explicativo bem consistente.
Imagine, então, uma escola teórica que seja tão crítica às teorias tradicionais e que questione até a própria legitimidade da Ciência. Estamos falando dos pensadores pós-estruturalistas, também identificados, pela bibliografia anglo-saxã do tema, como pós-modernos.
A seguir, veja as principais características relacionadas aos movimentos estruturalista, pós-estruturalista e pós-modernista:
ESTRUTURALISMO
O Estruturalismo foi um movimento europeu, predominantemente francês, que, na primeira metade do século XX, defendia que a cultura humana poderia ser compreendida objetivamente por meio do estudo das estruturas sociais.
PÓS-ESTRUTURALISMO
O pós-Estruturalismo não se apresenta diretamente como uma escola de pensamento teórico-metodológico que propõe uma possibilidade de análise em relação às teorias que estudamos. O pós-Estruturalismo, em sua face radical, é muito mais uma classificação dada aos pesquisadores e pensadores que compartilham das críticas comuns a determinados aspectos das escolas de pensamento tradicionais.
PÓS-MODERNISMO
O termo pós-modernismo está presente na bibliografia das Relações Internacionais para fazer referência a esse mesmo movimento, especialmente por pesquisadores e teóricos radicados no mundo anglo-saxão. Embora a concepção inicial do termo pós-moderno faça referência a movimentos artísticos e literários do século XIX, a teoria das Relações Internacionais também o mobiliza para enfatizar o discurso de necessidade de superação das instituições modernas paracompreensão de um mundo complexo e globalizado.
ATENÇÃO
O prefixo “pós” não indica a contrariedade entre Estruturalismo e pós-Estruturalismo, mas apenas que os pós-estruturalistas são intelectuais que, em sua produção acadêmica, resolveram levar às últimas consequências os pressupostos de seus antecessores, chegando ao subjetivismo da verdade e ao desconstrucionismo, que abordaremos mais adiante.
Dando continuidade à ênfase construtivista, ao protagonismo dos agentes em detrimento da estrutura, e enfatizando os elementos cultural e linguístico como formativos de uma perspectiva que interfere nas relações políticas, os pós-estruturalistas deram um passo a mais em direção ao questionamento das bases das concepções modernas de política e sociedade.
Fonte:ShutterstockFonte: bartu / Shutterstock
O PENSAMENTO PÓS-MODERNO TEM SUA PRINCIPAL CARACTERÍSTICA NA CRENÇA DE QUE AS INSTITUIÇÕES MODERNAS, QUE ANTES ERAM SINAIS DE ORDEM E SEGURANÇA, SÃO ARTIFÍCIOS CONSTRUÍDOS HISTORICAMENTE PARA MANTER DETERMINADAS FORMAS DE DOMINAÇÃO.
Como afirmam Nogueira e Messari (2005), a crítica pós-estruturalista tem sua fundamentação teórico-metodológica na acusação de que teorias como o neorrealismo não refletem o real, mas sim produzem por meio de representações do real baseadas no discurso científico. Na verdade, é a obsessão pela cientificidade e a lealdade à sua metodologia que conduz os pressupostos sobre o que é real e o que merece ser estudado nas Relações Internacionais.
EXEMPLO
Por exemplo, enquanto um teórico realista vê a construção de um muro fronteiriço entre países como uma afirmação de soberania e uma questão de segurança nacional, o pensador pós-estruturalista entende que não apenas o muro, mas a própria ideia de fronteira foi estabelecida ao longo dos séculos como uma forma de o Estado moderno controlar a mobilidade de mão de obra e impedir a evasão de recursos para outros povos que não o seu.
A partir desse exemplo, podemos averiguar, ainda, mais duas características que marcaram a entrada do pensamento pós-estruturalista nos centros de estudos de Relações Internacionais:
O CONFRONTO DIRETO COM A ESCOLA REALISTA, EM SEU MOMENTO DE RENOVAÇÃO.
A CRÍTICA CONTUNDENTE ÀS IDEIAS DE ESTADO E NAÇÃO.
QUAIS OS PRINCÍPIOS TEÓRICOS DO PÓS-ESTRUTURALISMO?
O pós-Estruturalismo inclui, nas teorias das Relações Internacionais, as críticas à modernidade ocidental, presentes nas obras dos filósofos franceses Michel Foucault (1926-1984) e Jacques Derrida (1930-2004), influentes em todos os demais campos das ciências humanas. A partir da interpretação de Foucault, o movimento pós-estruturalista associa as relações sociais institucionalizadas como formas de opressão e controle elaboradas ao longo dos tempos para sustentar diferentes maneiras de dominação.
MICHEL FOUCAULT
Filósofo e crítico literário francês, as suas teorias abordam a relação entre poder e conhecimento e como eles são usados para o controle social. Embora seja citado como um pós-modernista, considerava seu próprio pensamento como uma história crítica da modernidade. Suas principais obras são As Palavras e as Coisas (1966), Vigiar e Punir (1975) e Microfísica do Poder (1979).
JACQUES DERRIDA
Filósofo franco-argelino, expoente do movimento estético pós-estruturalista e desconstrutivista. Propunha uma desconstrução da metafísica tradicional, mas o impacto de sua obra nas ciências humanas foi o de desconstrução da dominação na ética e na política, sendo ele mesmo um ativista dos direitos dos imigrantes e apátridas. Sua principal obra é Gramatologia (1960).
Foucault trabalhava com a ideia de genealogia do poder e do saber, com a qual apontava, na busca das origens das instituições, as razões e intenções dos modos de dominação. Influenciados por essa matriz de pensamento, os pós-estruturalistas rompem com a noção clássica de que o Estado sempre foi necessário e partem em direção à busca de suas origens históricas, bem como as origens de seus atos para questionar as regras estabelecidas recentemente.
Fonte:ShutterstockMichel Foucault. Fonte: Wikimedia
Indo de encontro à noção hobbesiana de que o estado nacional seria o “monstro” que impede a humanidade de dar vazão à sua natureza e se destruir mutuamente, o pós-modernismo critica a racionalidade do Estado, considerando-o apenas uma instituição controlada por indivíduos, estes sim os verdadeiros agentes a serem estudados no cenário político. O pós-modernismo também critica a noção de que haja uma natureza humana una e coerente, considerando que os diferentes povos devam ser percebidos em suas múltiplas culturas e comportamentos.
Jacques Derrida é um autor relevante para a origem do pós-Estruturalismo devido à sua abordagem desconstrutiva da linguagem. Na filosofia de Derrida, a linguagem é compreendida como um meio de construção de relações de dominação, estando marcada por elementos que atestam a marginalização dos grupos que não fazem parte de um núcleo socialmente dominante.
Fonte:ShutterstockJacques Derrida. Fonte: Wikimedia
A partir desta matriz de pensamento desconstrutivista, os autores pós-estruturalistas renegam as explicações simplistas - nas palavras deles – oferecidas pelas escolas tradicionais de pensamento, baseadas em simples contrapontos como nós/eles, aliados/rivais, democratas/autoritários, ocidentais/orientais. Afinal, a elaboração de tais conceitos e classificações seria uma maneira de manter um vínculo de dominação sobre o Outro que se é objetivamente desconhecido.
Isso quer dizer que, para um teórico adepto do pós-Estruturalismo, por exemplo, quando o governo George Bush declarou a “guerra ao terror”, expondo midiaticamente imagens de Osama bin Laden como o perfil do inimigo a ser combatido, seu governo mobilizou a linguagem (narrativa) que mais convinha para manter sua base política interna e rotulou mais de um bilhão de muçulmanos como ameaça ao Ocidente e aos seus valores, mesmo não sendo.
Fonte:ShutterstockBush, ao lado de al-Maliki, desviando de um sapato arremessado por Muntadhar al-Zaidi, que alegadamente o fez para "protestar contra a ocupação do Iraque." Fonte: Wikimedia
Nessa relação, não há uma racionalidade do Estado, mas uma razão seguida por indivíduos e grupos de interesse, ao mesmo tempo que o discurso predominante mantém o Outro um ente desconhecido. Era importante que os cidadãos norte-americanos, especialmente os militares que iam combater nas montanhas do Afeganistão, achassem que o inimigo era aquele terrorista que aparecia nos telejornais e não qualquer outra coisa que mitigasse a motivação da guerra.
 SAIBA MAIS
GUERRA AO TERROR
Conceito cunhado pela gestão do presidente norte-americano George W. Bush, como parte de sua estratégia global de combate ao terrorismo. Campanha militar iniciada em 2001, após os atentados de 11 de setembro, tendo como alvo uma série de organizações radicais de origem islâmica, como Al Qaeda, Talibã etc., e gerando a ocupação do Afeganistão, Iraque e de outras regiões do Oriente Médio por tropas da OTAN e da ONU.
O rompimento com as diretrizes das escolas de pensamento que estudamos até agora faz com que os intelectuais pós-modernos questionem a existência do Estado como uma instituição opressora, e a ideia de nação como uma construção artificial feita pelos agentes dominantes para manter sob controle os dominados. Na perspectiva pós-moderna, o patriotismo, por exemplo, seria uma construção discursiva para que a população se lançasse em direção à morte em combate a fim de que possa ser mantido o controle do território nacional por parte dos típicos agentes dominantes.
EXEMPLO
Um exemplo que enfatiza a perspectiva da linguagem como elemento determinante para a ação e classificação do Outro é o uso do termo combatentes da liberdade em vez de terroristas: o mesmo indivíduo retratado pela mídia como terrorista, ou seja, inimigo da sociedade, pode ser retratado por outro detentor de poder discursivo como combatente da liberdade, isto é , um defensor dos valores de uma sociedade.
PRINCIPAIS CRÍTICAS DE AUTORES PÓS-ESTRUTURALISTAS AOS PARADIGMAS DASTEORIAS CLÁSSICAS
1. Muitos atores, no cenário internacional, são esquecidos ou subestimados pelas teorias clássicas: organizações não governamentais, classes sociais, países pobres, empresas transnacionais etc.
2. Os Estados não deveriam ser considerados protagonistas da política internacional por serem meramente um artifício que representa interesses internos, não devendo ser considerados racionais por si.
3. A partir dos pressupostos citados, entende-se que não existe um “interesse nacional” objetivo, pois a Nação é uma abstração.
4. A definição de poder, nas escolas tradicionais, é limitada a elementos tangíveis e quantificáveis, deixando de lado os elementos abstratos. Para pós-estruturalistas, ideias, normas e discursos são tão ou mais importantes quanto bases militares e capacidade comercial de exportação.
5. Se o Estado é um ator irracional e superestimado, também é considerado imprevisível. Enquanto as teorias tradicionais das Relações Internacionais afirmam sua cientificidade buscando explicar e prever o cenário global, a crítica pós-estruturalista coloca em dúvida a legitimidade da própria disciplina. Seriam os discursos sobre as Relações Internacionais que legitimam a competição e a anarquia, e não estas que geram o discurso teórico. As palavras constroem a realidade.
QUAIS AS CARACTERÍSTICAS DO PÓS-ESTRUTURALISMO NA ANÁLISE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS?
1. Os Estados estão em declínio e não são os atores mais importantes do cenário internacional.
2. Os indivíduos e grupos de interesse (partidos políticos, ONGs, empresas etc.) que controlam os Estados são os reais atores da política.
3. O sistema internacional possui inumeráveis atores e não possui uma racionalidade intrínseca, ou seja, é muito mais complexo do que as teorias clássicas das Relações Internacionais imaginavam.
4. Não existem leis que permitam explicar ou prever a dinâmica do sistema internacional com rigor científico devido à sua grande complexidade. Cabe ao internacionalista observar a sinergia entre os agentes e buscar compreender as diferentes narrativas que se propõem sobre ele. O pós-modernismo põe em xeque a validade das Relações Internacionais como saber científico, tendo em vista que, se não há como prever ou explicar os fenômenos observados, não seria possível a consolidação de um paradigma
RESUMINDO
O pós-Estruturalismo considera que as teorias tradicionais de RI analisam cenários que elas mesmas racionalizaram. O mundo além do discurso realista ou idealista é muito complexo para ser completamente compreendido ou previsto. A missão do internacionalista seria colaborar com a inclusão dos agentes políticos marginalizados pelo sistema internacional.
PODER E CONHECIMENTO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
No pensamento pós-estruturalista, a valorização do papel da linguagem e da cultura nas Relações Internacionais e, especialmente, na construção de uma narrativa que importa uma visão de mundo, determinando regimes de soberania e gerando as condições para atuação de agentes no cenário político internacional, evidencia, também, a impossibilidade de se pensar separadamente a articulação de discursos e a constituição das formas de exercício do poder.
ATENÇÃO
Apesar de terem alguns pontos teóricos semelhantes, a escola construtivista convencionalmente afirma a cientificidade das teorias de Relações Internacionais e o protagonismo do Estado no cenário internacional, ao contrário do pensamento pós-estruturalista.
Agora buscaremos compreender, em síntese, quais as contribuições dos autores pós-estruturalistas para o debate sobre as relações de poder e o conhecimento nas Relações Internacionais, que, muitas vezes, refletem sobre os paradigmas da própria disciplina ao questionar as fórmulas de análise de conjuntura estabelecidas pelas escolas tradicionais.
O PÓS-ESTRUTURALISMO E AS QUESTÕES DO CENÁRIO INTERNACIONAL
Como vimos, o pós-Estruturalismo trata o cenário internacional questionando o protagonismo dos Estados nacionais e, em decorrência disso, não apenas abre espaço para a visibilidade de outros atores políticos, como também expande a percepção disciplinar da própria política, por vezes borrando os limites praticados pelos pensadores clássicos que separavam a política interna da política externa.
A PERSPECTIVA ESTUTURALISTA PARA UMA CONSTRUÇÃO POLÍTICA INTERNA NOS ESTADOS
Na perspectiva pós-estruturalista, haveria uma primazia da construção política interna nos Estados que seria, de fato, o elemento gerador do posicionamento desses atores no cenário internacional. Segundo o ensaísta inglês Martin Wright, as Relações Internacionais de modo tradicional constroem a visão de mundo que separa a política interna da política externa, contornando assim toda a percepção de política moderna.
Desse modo, o conceito de soberania seria resultado das reflexões em Relações Internacionais e se manifestaria como uma narrativa de poder que constitui a visão que “sempre” tivemos sobre o indivíduo/cidadão e o Estado. Ainda seguindo os passos da filosofia de Foucault, Wright e o pós-Estruturalismo afirmam, então, que a ideia de anarquia (incerteza, violência e repetição) serve como contraponto ao discurso comum da política doméstica, na qual prevalece a cooperação e o progresso (NOGUEIRA; MESSARI, 2005).
Essa linha de pensamento pós-moderno, inspirada na filosofia de Foucault, dedica-se a problematizar as relações de saber teórico das RI e o poder exercido pelo Estado, até então julgado possuidor de competência e racionalidade intrínsecas. Nessa perspectiva, Richard K. Ashley, teórico pós-estruturalista de grande impacto, propõe a desconstrução da ideia de soberania, questionando as representações da política externa construídas pelas teorias tradicionais, que têm por base binarismos considerados simplificadores, mas também elementos de dominação e marginalização.
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RICHARD K. ASHLEY
Foi professor da Arizona State University, aposentando-se em 2018. Desenvolveu, ao longo de sua carreira acadêmica, pesquisas sobre o equilíbrio de poder nas Relações Internacionais e sobre questões de metateoria e Teoria Crítica. Em meados dos anos 1980, adotou concepções teóricas pós-modernas e se tornou um grande crítico do Realismo, tendo cunhado o termo “neorRealismo” para criticar as obras de Kenneth Waltz. Sua obra mais impactante é The poverty of Neorealism (1984).
CONCEITOS PAREADOS COMO ANARQUIA/SOBERANIA, GUERRA/PAZ, ESTRANGEIRO/CIDADÃO, IDENTIDADE/DIFERENÇA, IDEIAS/INTERESSES ETC. APRESENTAM, NUMA PERSPECTIVA BINÁRIA, UMA HIERARQUIA DE ACORDO COM PRESSUPOSTOS DO DISCURSO RACIONAL – O CIDADÃO VALE MAIS QUE O ESTRANGEIRO, POR EXEMPLO - E QUE DELIMITA UM CAMPO DE JULGAMENTO DA AÇÃO POLÍTICA A PARTIR DO LADO POSITIVO DOS PARES.
Ashley questiona, em sua desconstrução, o fato de que esses binarismos são tratados como uma realidade lógica e inquestionável, servindo de base para a narrativa das teorias tradicionais como uma verdade autoevidente. A crítica pós-moderna leva, então, à crítica do Estado como o único ente capaz de lidar com as adversidades do estado anárquico das Relações Internacionais, conforme a narrativa realista.
Essa narrativa da anarquia, construída pelas teorias tradicionais em RI, seria um subterfúgio criado para legitimar a força unificadora dos Estados, que internamente se veem legitimados a suprimir diferenças em nome da ordem e com base na ideia de soberania; enquanto as teorias tradicionais entendem por aceitáveis a diversidade, a disputa e o conflito no cenário internacional, e justificam a política interna marcada pela marginalização, eliminação ou hibridização dos diferentes.
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A crítica ao “estadocentrismo” nas Relações Internacionais concebidas conforme a visão de mundo tradicional realista/idealista é considerada elemento fundamental para cumprimento de uma das pautas éticas do pós-modernismo: a inclusão de narrativas minoritárias e excluídas dos modos de exercício do poder. Somente com a demonstração de que o Estado soberano éuma construção historicamente datada, por isso não natural, e consequentemente passível de ser superada, novos atores podem ser alçados a condições de visibilidade.
Rob Walker indica que o discurso da soberania nacional resolve três tradições relacionadas à identidade na tradição ocidental: a relação entre o universal e o plural, a relação entre o eu e o outro e a relação entre espaço e tempo. Segundo Walker, ao “conter” os indivíduos no interior de suas fronteiras, o Estado moderno afirma a autonomia do indivíduo racional no mundo, como cidadãos que podem realizar suas possibilidades tendo por única referência a ordem constituída pela nação, e lida com a história independentemente de imposições universalizantes, como era a mentalidade cristã medieval europeia.
ROB WALKER
Rob B. J. Walker, cientista político anglo-canadense, foi professor da Universidade de Vitória, no Canadá, e da PUC-Rio. Desenvolveu ao longo de sua carreira uma série de pesquisas sobre os estudos de fronteira, teoria política e questões de soberania dos Estados. Sua obra principal é Inside/Outside: International Relations in Political Theory (1993).
Assim, a partir da reelaboração das relações com o espaço e o tempo promovidas pelo protagonismo do Estado, a literatura teórica cita a crítica de Walker:
1) À HISTORICIDADE DA CONCEPÇÃO DAS TEORIAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS ACERCA DA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA VIDA INTERNACIONAL;
2) AO CARÁTER NORMATIVO DE TODAS AS TEORIAS DE RI, NA MEDIDA EM QUE AFIRMAM ONDE A POLÍTICA DEVE SER, POR MEIO DO DISCURSO DA ANARQUIA/SOBERANIA;
3) AO TRATAMENTO PROBLEMÁTICO DAS QUESTÕES DE TEMPORALIDADE E DA MUDANÇA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS.
(NOGUEIRA; MESSARI, 2005)
A contribuição de Walker ao movimento pós-estruturalista nas RI estaria na possibilidade de construção de alternativas de ação política, inclusive internamente aos Estados, a partir de uma nova imaginação da ordem internacional. Assim, a crítica ao status quo alcança a vigência dos conceitos teóricos, que também devem ser tratados como campos de disputas, resistência e relações de poder.
Outro autor relevante para o debate sobre as Relações Internacionais a partir de uma perspectiva pós-moderna é David Campbell. Sua contribuição está voltada para a problematização da relação entre o Estado como sujeito político elaborado nas perspectivas clássicas e a formação das identidades. Na obra de Campbell, o Estado é interpretado como o “produtor de fronteiras”, o qual cria o sistema político que permite a diferenciação entre “nós” e os “outros”, os estrangeiros.
DAVID CAMPBELL
Cientista político australiano, nascido em 1961, lecionou tanto em universidades britânicas quanto nas de seu país, além de desenvolver projetos com fotografia criativa. Suas principais obras são National Deconstruction: Violence, Identity and Justice in Bosnia (1998) e Moral Spaces: Rethinking Ethics and World Politics (1999).
David Campbell argumenta que, como num mundo secularizado não há uma sustentação transcendental que delimite as identidades como havia nos tempos dos “direitos divinos dos reis” e na mentalidade religiosa medieval, cabe ao Estado, e aos agentes que o controlam, produzir a diferença e afirmar as identidades no interior de suas fronteiras. De acordo com Campbell, o meio utilizado pelo Estado para alcançar esse objetivo de demarcar as relações entre sujeito, Estado e o mundo exterior teria sido a “evangelização do medo” e o uso de “discursos de perigo”.
ATENÇÃO
Essa demarcação de fronteiras coloca sobre o elemento externo, o estrangeiro, o imigrante, e sobre o cidadão que não se enquadra em um suposto padrão de identidade nacional, como as minorias étnicas, a suspeita e a representação de um elemento perigoso. Assim, Campbell diagnostica que toda essa narrativa apresentada a partir do protagonismo do Estado serve às formas contundentes de concentração de poder, dominação e marginalização de minorias em nome da defesa de uma identidade nacional e da manutenção das relações de tempo e espaço sustentadas pelo ente federativo.
Finalizaremos o módulo abordando o significado das tendências contemporâneas de RI.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. DE ACORDO COM OS CONHECIMENTOS OBTIDOS NESTE MÓDULO, PODEMOS AFIRMAR QUE O MOVIMENTO PÓS-ESTRUTURALISTA NAS RI ENTENDE QUE A DINÂMICA INTERNACIONAL NÃO É CONTROLADA PELO ESTADO COMO:
Uma realidade a ser superada pelo conflito com outros Estados.
Uma realidade a ser superada pela cooperação entre os Estados.
Um conceito artificial que representa o resultado da interação entre os agentes.
Um conceito artificial elaborado por estadistas e teóricos das Relações Internacionais para manter a continuidade de formas de dominação.
Um conceito concreto estruturado como forma de definir as políticas a serem exercidas pelos governos.
Parte inferior do formulário
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2. QUAIS OS PRINCIPAIS CONCEITOS FILOSÓFICOS PÓS-ESTRUTURALISTAS QUE INFLUENCIARAM A ORGANIZAÇÃO DESSE MOVIMENTO ENTRE AS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS?
Genealogia do poder, de Jacques Derrida; Desconstrução, de Foucault.
Desconstrutivismo, de Alexander Wendt; Relatividade, de Kratochwil.
Genealogia do poder, de Michel Foucault; Desconstrução, de Jacques Derrida.
Cultura e Linguagem, de Thomas Hobbes.
Pós-modernidade, de Lyotard.
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GABARITO
1. De acordo com os conhecimentos obtidos neste módulo, podemos afirmar que o movimento pós-estruturalista nas RI entende que a dinâmica internacional não é controlada pelo Estado como:
A alternativa "D " está correta.
O pós-estruturalismo nega a objetividade do conhecimento sobre o cenário internacional proposto pelos conceitos das escolas tradicionais, entre eles os conceitos de anarquia e soberania.
2. Quais os principais conceitos filosóficos pós-estruturalistas que influenciaram a organização desse movimento entre as teorias das Relações Internacionais?
A alternativa "C " está correta.
A partir da filosofia de Foucault, surge a ideia de que a busca pelas origens (genealogia) das instituições pode evidenciar as formas de dominação e concentração de poder. A partir da filosofia de Jacques Derrida, a ideia de desconstrução, especialmente no campo da linguagem e cultura, permite questionar as classificações estabelecidas de maneira desigual e assimétrica.
MÓDULO 3
Relacionar as perspectivas pós-coloniais em Relações Internacionais ao contexto histórico mundial
PERSPECTIVAS PÓS-COLONIAIS
A partir dos processos de descolonização desencadeados nas décadas de 1960 e 1970, a imagem das guerras de emancipação e da violência colonial exposta nos meios de comunicação e na literatura divulgou a realidade que contrastava com o discurso europeu de que a presença ocidental na África, na Ásia e em outras partes do mundo teria feito parte de um processo civilizador. A violenta dominação imposta sobre os países dominados não condizia com os ideais liberais ou iluministas.
Em Os condenados da terra, Frantz Fanon (1925-1961), médico nascido na Martinica, mas atuante em outras colônias francesas, expôs as duras formas de repressão implementadas pelos franceses sobre a Argélia. Embora o território argelino, até então, fosse considerado um departamento francês, isto é, seus nativos tinham automaticamente cidadania francesa, isso não impediu que o governo parisiense implementasse uma cruel ação antirrevolucionária para impedir a população de usufruir a liberdade abandonando o jugo colonial. O esforço francês incluiu o uso de mecanismos que violavam os direitos humanos.
Fonte:ShutterstockFrantz Fanon. Fonte: Wikimedia
FRANTZ FANON
Psiquiatra, filósofo caribenho e influente pensador revolucionário, escreveu sobre a questão da descolonização do ponto de vista existencial e da psicopatologia da colonização. Envolveu-se como militar na Segunda Guerra Mundial e como médico na Guerra de Libertação da Argélia (1954). Suas principais obras são Pele negra, máscaras brancas (1952) e Os condenados da terra (1961).
Acompanhando as lutas de emancipação do terceiro mundo e a buscapor meios independentes de desenvolvimento, escritores, militantes e acadêmicos viram a necessidade de repensar as relações de poder entre os países centrais e periféricos, bem como equacionar as tensões internas geradas em cada sociedade após os processos de independências.
Em todo o período colonial, potências como Inglaterra, Bélgica, França, Portugal etc., haviam jogado com a diversidade de etnias no interior de cada Estado para manter seu controle estabelecido. A famosa tática de “dividir para governar”.
Fonte:ShutterstockFigura 4 - Impérios mundiais e suas colônias em 1914. Fonte: Wikimedia.org
Consequentemente, o impacto dos processos de emancipação revelou não apenas uma desestabilização nas estruturas locais, com migrações forçadas, genocídios e disputas internas de poder, mas também a interferência das superpotências da Guerra Fria – saíam os britânicos, franceses e portugueses, chegavam os mandatos soviéticos e norte-americanos.
O pensamento pós-colonial difundiu suas raízes dentre diversas ciências humanas, tendo como motores dois princípios fundamentais:
PRIMEIRO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL
Após a emancipação, jamais seria possível retomar as formas tradicionais das sociedades, antes pré-coloniais. A economia, a religião, as relações raciais, os códigos de conduta e muitos outros aspectos da vida cotidiana e da política haviam sofrido intervenção e muitas pessoas haviam sido formadas dentro do contexto colonial, não conhecendo a vivência de outra realidade que não fosse essa.
SEGUNDO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL
O segundo princípio-problema que motiva os pensadores dos estudos pós-coloniais está na concepção de que a colonização não se deu apenas por meios materiais, mas especialmente na formação da subjetividade. A ideia de nação com povo, território e símbolos imposta desde a Europa; a delimitação das fronteiras africanas que rasga os territórios tribais/comunais; a participação de soldados indianos nas guerras britânicas; a necessidade de se conhecer o idioma português para se estabelecer socialmente em Angola e Moçambique; o fato de que os administradores públicos mais preparados academicamente foram todos formados em universidades europeias; esses são exemplos de elementos subjetivos que consideram a colonização como parte formativa na identidade dos povos colonizados.
Assim, o termo “pós-colonial” não faz referência somente ao conjunto de povos reunidos pela característica espaço-temporal de terem sido colonizados no passado, mas demarca o pensamento crítico que:
(...) RELÊ A COLONIZAÇÃO COMO PARTE DE UM PROCESSO ESSENCIALMENTE TRANSNACIONAL E TRANSCULTURAL - E PRODUZ UMA REESCRITA DESCENTRADA, DIASPÓRICA OU GLOBAL DAS GRANDES NARRATIVAS IMPERIAIS DO PASSADO CENTRADAS NA NAÇÃO.
(HALL, 2003)
Os estudos de base pós-colonial analisam as Relações Internacionais de uma perspectiva global, não no sentido universalista, mas no sentido de que as relações locais e globais entre centros e periferias se integram e moldam umas às outras. Assim, ao invés de explicar a ruptura política e econômica entre países dominados e seus antigos dominadores, a análise pós-colonial compreende a descolonização como um processo de interpretação cultural, em que alguns elementos da modernidade são criticados, assumidos ou substituídos por opções, até então, marginalizadas.
ATENÇÃO
CENTRO E PERIFERIA
As ciências humanas utilizam os conceitos de centro e periferia para analisar a dinâmica que contempla um centro produtor e uma periferia consumidora. Embora interdependentes, essa relação é sempre desigual, tendo a periferia um papel subalterno. Esses conceitos foram tomados a partir da Divisão Internacional do Trabalho e se aplicam tanto a relações econômicas quanto a relações culturais e de poder, tratando de bens materiais ou intangíveis.
PENSANDO COMO UM INTERNACIONALISTA PÓS-COLONIAL
O pensamento pós-colonial deve muito de suas origens às diversas maneiras de representação e denúncia dos abusos e das violências perpetrados durante os processos de descolonização. A reflexão de relações desiguais de dominação e poder em peças literárias e jornais de países periféricos logo atraiu o interesse de psiquiatras, como Frantz Fanon, e de críticos literários, como Edward Said (1935-2003) e Gayatri Chakravorty Spivak. As formulações desses intelectuais foram elaboradas teoricamente por diversos adeptos de teorias críticas, em universidades de todo o mundo, ultrapassando as fronteiras disciplinares.
Fonte:ShutterstockEdward Said (esquerda) com Daniel Barenboim, em 2002. Fonte: Wikimedia
EDWARD SAID
Edward Wadie Said foi um crítico literário, ativista e um dos mais importantes intelectuais palestinos. Sua obra Orientalismo (1978), que trata de como as literaturas europeia e norte-americana inventaram um tipo Oriental que justificasse a colonização, foi traduzida em 36 línguas.
GAYATRI CHAKRAVORTY SPIVAK
Nascida em Calcutá, na Índia, em 1942, é uma crítica literária indiana que se notabilizou pela sua tradução de Gramatologia, obra de Jacques Derrida, e seu ensaio Can the Subaltern Speak? (em português, Pode o subalterno falar?), onde questiona as análises acadêmicas sobre os povos colonizados que não levam em conta os conhecimentos produzidos por eles próprios. É professora da Columbia University e ministra palestras por todo o mundo.
Uma das grandes marcas da base teórica pós-colonial é a percepção de que a divisão dos saberes em disciplinas distintas é uma forma de partição do trabalho que impede o pesquisador de operar com métodos e conceitos tidos como pertencentes a outras disciplinas. Assim como no campo da geopolítica, o pós-colonial questiona as fronteiras impostas pelo Estado; no que se refere à produção de conhecimento, critica as fronteiras disciplinares, militando pela transdisciplinaridade, isto é, a elaboração de temas e conceitos que superam as limitações impostas para a constituição de novos campos de saber.
Mas não se espante se você for consultar algum manual norte-americano ou europeu de teoria das Relações Internacionais e não conseguir encontrar uma seção que trate das teorias pós-coloniais! Embora a contribuição dessa escola de pensamento seja muito relevante, inclusive contribuindo com temas e propostas não contempladas pelas teorias tradicionais, as teorias pós-coloniais têm uma recepção muito adversa nos meios acadêmicos de países de primeiro mundo.
Fonte:ShutterstockGayatri Chakravorty Spivak. Autor: Robert Crc - Subversive festival media Fonte: Wikimedia
SE, POR UM LADO, O DESENROLAR DO SÉCULO XXI TEM FEITO CRESCER O INTERESSE PELAS TEORIAS PÓS-COLONIAIS EM CIÊNCIAS HUMANAS, COMO A HISTÓRIA E A SOCIOLOGIA, HÁ UM CONSENSO NA ANÁLISE DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS DE QUE OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS TÊM MAIS IMPACTO NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NO CAMPO DA RELAÇÕES INTERNACIONAIS.
Isso se deve ao fato de que seus temas envolvem muito da perspectiva do “subalterno”, do “periférico”, do “colonizado” para desenvolver a crítica das condições estabelecidas pelos dominantes. Assim, essa escola de pensamento é de extrema relevância para um estudante brasileiro, que produzirá conhecimento a partir das peculiares condições nacionais e latino-americanas. As Relações Internacionais talvez tenham sido as ciências sociais menos impactadas pelas ondas de influência crítica e marxista e, nesse sentido, o engajamento intelectual da vertente pós-colonial, que reúne crítica e política, destoe da pragmática típica desse campo de saber.
Uma das características do pensamento pós-colonial está na desconstrução da ideia de que os pressupostos iluministas sejam um parâmetro para a elaboração de conhecimento e virtude na política global. De modo amplo, enquanto a Europa vivia o “século das luzes”, com grande efervescência científica e cultural, seus governantes ordenavam a expropriação de riquezas das Américas, Ásia e África por meio dos mecanismos mais brutais.
A pompa iluminista e a violência colonial, embora moralmente contraditórias, são parte do mesmo sistema de exploração. O pós-colonialismo propõe uma revisão do humanismo eurocentrado,isto é, partindo do questionamento de que a Europa seja o padrão de ética internacional e de produção de conhecimento.
 
EM QUE CONSISTIU A REVISÃO DO HUMANISMO EUROCENTRADO?
Essa proposta tem como desenvolvimento a atitude de acolhimento crítico dos pressupostos científicos já estabelecidos, inclusive em ciências humanas, e os mais contemporâneos. Isso fez com que a escola de pensamento pós-colonial promovesse uma releitura das teorias de origem marxistas, por exemplo, a partir de um viés terceiro-mundista e renovado, em relação às especificidades de tempo e espaço.
A proposta de reformular o humanismo e os princípios estabelecidos desde o conhecimento europeu implica não em uma exclusão daquilo que já está em uso corrente na comunidade científica, mas no questionamento e aprimoramento de conceitos e métodos. Daí uma crítica ainda mais contundente ao movimento pós-moderno/pós-estruturalista, que além de colocar como protagonista da reformulação do conhecimento científico as críticas feitas por desconstrucionistas europeus, ainda coloca em dúvida toda a capacidade de explicação e previsão da ciência, ou seja, desestabiliza a legitimidade política de atuação fundamentada no conhecimento.
ATENÇÃO
Para os intelectuais pós-coloniais, é importante que o método científico seja respeitado e aprimorado por ser uma maneira de compreender e fundamentar uma ação sobre os sistemas de dominação estabelecidos. O abstracionismo pós-estruturalista é visto como um inimigo da renovação efetiva das formas de Relações Internacionais.
A seguir, confira um mapa animado sobre as modificações políticas pelas quais o colonialismo passou ao longo dos anos.
Fonte:ShutterstockImpérios coloniais do Ocidente, de 1492 até 2008. Fonte: Wikimedia
Para Siba Grovogui, referencial na inserção da perspectiva pós-colonial nas Relações Internacionais, é necessário questionar o universalismo do humanismo, estabelecendo pontes entre seus conceitos e as culturas tradicionais. A política internacional deveria seguir uma ética que agregasse concepções libertadoras inspiradas em pensadores e valores árabe-islâmicos, africanos, ameríndios e de muitos outros povos. Essa expansão é o que realmente tornaria o humanismo universal, devido a ser composto por valores de diversas civilizações.
SIBA GROVOGUI
Siba N’Zatioula Grovogui, nascido em Guiné, 1957, é professor da Universidade Johns Hopkins, de teoria das Relações Internacionais e direito internacional, e articulista; desenvolve pesquisas em torno de diferentes tradições humanitárias internacionais. Destaca-se por considerar o estabelecimento do Quilombo dos Palmares (1605-1694) e a Revolução Haitiana (1791-1804) como marcos para a redefinição das formas de liberdade e existência civil em contextos colonizados. Autor de Beyond Eurocentrism and Anarchy (2006).
Grovogui propõe a aplicação de uma “etnografia reversa”, onde o processo de estudo cultural, antigamente usado pelos colonizadores para classificar e regulamentar os povos colonizados, deva ser mobilizado para classificar e reformular as perspectivas dos países centrais no sistema internacional. Os valores, métodos e as instituições, impostos como naturais e exemplares a partir do “primeiro mundo”, devem ser vistos com estranhamento.
Fonte:ShutterstockFonte: Kit8.net / Shutterstock
SÃO OS EX-COLONIZADOS QUE PASSAM A USAR ESTRATÉGIAS DAS EX-METRÓPOLES PARA ESTUDAR E “CONSERTAR” OS DESACERTOS DAS ANTIGAS METRÓPOLES.
(NOGUEIRA; MESSARI, 2005)
RESUMINDO
Internacionalistas pós-coloniais criticam a perspectiva de que os modelos de análise europeus servem para explicar e prever cenários em todo o mundo. Entendem que América Latina, África e Ásia não devem ser vistas como extensão da Europa e, por isso, formulam conceitos que consideram suas normas, seus valores e suas crenças, em busca de uma teoria universalista por ser inclusiva.
No vídeo a seguir, aprofundaremos as tendências contemporâneas de RI relacionadas ao pós-colonialismo.
ATUALIZANDO DEBATES
Para desenvolver uma perspectiva teórica capaz de lidar com cenários globais e nacionais cada vez mais complexos, as teorias contemporâneas adotaram metodologias, conceitos e percepções epistemológicas vindos desde o abstracionismo filosófico, mas também da prática militante, produzindo diversas críticas aos modelos realistas e idealistas, detentores das cadeiras mais importantes nas universidades e sedes de governo no mundo.
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A crítica ousada dos paradigmas da disciplina Relações Internacionais não foi feita sem a abertura também para o espaço de críticas internas, que fizeram com que as escolas contemporâneas de RI fossem formadas por vertentes que concordam em partes, mas que têm o objetivo comum de aperfeiçoar a disciplina e reformular as relações de poder e suas práticas, incluindo elementos metodológicos, como análise do discurso e da cultura, mas também dando visibilidade a países pobres e atores antigamente não observados (ou vigiados) como grupos de interesse não estatais.
Essas escolas de pensamento abriram os horizontes da disciplina e de agentes da política externa para novos campos de atuação. Como você pode perceber, não há um método ou conceito sagrado. Atualmente, os temas e as questões internacionais ainda provocam a elaboração de novos estudos e conceitos para uma análise adequada de um mundo dinâmico e cheio de diversidades. Sempre há espaço para um novo autor, com uma contribuição inovadora.
Fonte: ktsdesign / Shutterstock
Dizem que a percepção teórica é como a roupa íntima, você deve usar sempre, mas não precisa expor. E é assim que funciona a afiliação teórica: nem sempre o autor do livro ou do artigo dirá claramente de qual escola de Relações Internacionais ele faz parte. Entretanto, a partir dos conhecimentos obtidos nos estudos dessas correntes de pensamento, você está apto a identificá-las. Seus conceitos, suas preocupações e críticas permitem ao leitor situar este ou aquele autor em determinada corrente de pensamento.
Por outro lado, consideramos que o que aprendemos até aqui também foi o suficiente para desenvolvermos nossa “caixa de ferramentas” de conceitos e percepções para análise do cenário político internacional. Ao escrever os seus próprios artigos e comentários futuramente, você terá inevitavelmente como referência os autores estudados neste tema, seja para mobilizar seus conceitos e suas metodologias, seja para interpretá-los criticamente. Percebeu a importância do estudo da teoria? Sem ela, o trabalho do internacionalista seria meramente descritivo. Algo como um boletim de notícias.
Com o domínio do conhecimento sobre as escolas teóricas, você está capacitado a explicar e prever cenários, como também refletir e aprimorar o seu próprio exercício profissional.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
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1. EM QUE CONTEXTO HISTÓRICO MUNDIAL AS TEORIAS PÓS-COLONIAIS SE FORMAM COMO POSSIBILIDADES DE INTERPRETAÇÃO DO CENÁRIO INTERNACIONAL?
Período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
Guerra Fria e os conflitos de emancipação na Ásia e na África.
Período de formação dos Estados Nacionais na Europa.
Primavera Árabe e os levantes contemporâneos.
Contexto da guerra ao terror e declínio do poderio norte-americano no século XXI.
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2. O QUE É A ETNOGRAFIA REVERSA?
Método que visa contestar e reformular os valores humanistas eurocentrados a partir do estranhamento daquilo que se apresenta como evidente e civilizado.
Princípio que visa praticar o racismo científico contra os povos brancos e colonizadores.
Escola de pensamento que alega que a sociedade seja uma realidade construída a partir da soma das ações e interações dos indivíduos.
Método antropológico de questionamento das instituições das sociedades colonizadas.
Método das ciências humanas que afirma a violência reversa trabalhada pela violência das pautas identitárias.
Parte inferior do formulário
GABARITO
1. Em que contexto histórico mundial as teorias pós-coloniais se formam como possibilidadesde interpretação do cenário internacional?
A alternativa "B " está correta.
Além das principais obras do pensamento pós-colonial terem sido escritas entre os anos 1950 e 1980, seus principais expoentes também participaram ativamente dos processos de independência e constituição dos países recém-emancipados.
2. O que é a etnografia reversa?
A alternativa "A " está correta.
A etnografia é a aplicação do método antropológico que os colonizadores utilizaram para mapear as instituições nas sociedades dominadas, mas “contra” eles mesmos. Está baseada no estranhamento de seus valores, seus símbolos e suas instituições tidos como naturais e estabelecidos. Algo muito próximo do desconstrucionismo, mas com um objetivo final de reformulação e aprimoramento.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste tema, você compreendeu as concepções teóricas das principais escolas contemporâneas de teoria das Relações Internacionais, seus principais autores e conceitos. A partir da realização de atividades construtivas, desenvolveu as habilidades de diferenciar a escola de pensamento construtivista das escolas tradicionais de pensamento na teoria das Relações Internacionais, identificar quais são os principais elementos constituintes do pós-Estruturalismo na análise das Relações Internacionais e relacionar as perspectivas pós-coloniais nas RI a seu contexto formativo.
O cenário internacional vive em transformação e as ferramentas de análise sobre ele são constantemente atualizadas. Elementos como identidades, migrações, descolonização etc. são tratados especialmente pelos teóricos das escolas contemporâneas de Relações Internacionais, e seus conceitos podem mudar a maneira como vemos e fazemos a política mundial.
As escolas contemporâneas das Relações Internacionais se originaram da dificuldade das teorias tradicionais de responderem de modo satisfatório à complexidade de um mundo cada vez mais dinâmico, como percebido no contexto da Guerra Fria e dos processos de emancipação na Ásia e na África, e especialmente por conta do lapso metodológico então existente nas teorias tradicionais em explicar e prever o colapso soviético e as novas configurações geopolíticas globais que marcaram os anos 1990 e 2000.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
NAU, H. R. Perspectives on International Relations. Los Angeles CQ Press, 2019.
KAUFMAN, J. P. Introduction to International Relations. Theory and Practice. Lanham: Rowman & Littlefield Publishers, 2013.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1997.
NOGUEIRA, J. P.; MESSARI, N. Teorias das Relações Internacionais, correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
WEBER, C. International Relations Theory: A Critical Introduction. 3. ed. Nova York: Routledge, 2010.
EXPLORE+
A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), órgão de pesquisa e publicação do Ministério das Relações Exteriores, reúne em seu portal da internet uma das mais completas bibliotecas digitais e gratuitas que inclui obras de diplomatas brasileiros discutindo questões pertinentes de nossa política externa, inclusive a partir da perspectiva de teorias contemporâneas das Relações Internacionais.
Para aprofundar seus conhecimentos acerca deste tema, recomendamos a leitura dos seguintes artigos:
· Epistemologias do Sul: Pós-colonialismos e os estudos das Relações Internacionais, de Antônio Manoel Elíbio Júnior e Carolina Soccio di Mano Almeida.
· Do pós-moderno ao pós-colonial. E para além de um e de outro, de Boaventura de Sousa Santos.
· Edward Said e o Pós-Colonialismo, de Antônio Manoel Elíbio Júnior, Carolina Soccio di Mano Almeida e Marcos Costa Lima.
· Pós-modernidade nos estudos organizacionais: equívocos, antagonismos e dilemas, de Eloisio Moulin de Souza.
Procure e leia as obras de Lyotard e Bauman.
CONTEUDISTA
Lucas Fernandes
CURRÍCULO LATTES

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