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Aula 3 - Cultura Midiática na Era Hipermoderna

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Aula 3 — Cultura Midiática na Era Hipermoderna
Definição: Conceituação de modernidade líquida, hipermodernidade, individualismo paradoxal, cibercultura, cultura da convergência e cultura midiática contemporânea.
Propósito: Discutir a relevância das obras de Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky, Pierre Lévy e Henry Jenkins na descrição da cultura midiática contemporânea para compreender os paradoxos do individualismo (hiper)moderno em face das atuais tecnologias de informação e comunicação.
Objetivos:
Módulo 1 — Distinguir as interpretações de Zygmunt Bauman e Gilles Lipovetsky acerca do mundo contemporâneo
Módulo 2 — Identificar conceitos relativos à cibercultura e à cultura da convergência
Introdução:
No final do século XVIII, surgiu na filosofia alemã um termo que logo se tornou popular, sendo empregado – ainda em sua grafia original – até os nossos dias: Zeitgeist, literalmente “espírito do tempo”. Em sentido mais estrito, essa palavra pode ser entendida como a mentalidade – ou seja, como as formas de pensar e sentir – de uma época. Já em um sentido mais geral, descrever o Zeitgeist de uma época também significa delinear as peculiaridades dos comportamentos (culturais, sociais, econômicos, políticos etc.) de determinado período histórico para, dessa maneira, compreendê-lo melhor.
Zeitgeist
A criação do termo é atribuída ao poeta e filósofo Johann Gottfried Herder (1744-1803), que utilizou a palavra pela primeira vez num livro publicado em 1769. Mas sua popularização ocorreu cerca de vinte anos depois, no período pós-Revolução Francesa, ao ser empregada por outros escritores e filósofos, como Goethe (1749-1832) e Hegel (1770-1831).
Abordaremos neste tema as contribuições de quatro autores que investigaram o Zeitgeist dos nossos tempos. Em comum, todos eles se dispuseram a identificar e analisar aquilo que é característico e mais particular na mentalidade, nos comportamentos e nas condições técnicas e materiais das sociedades contemporâneas. Seus estudos tratam das transformações socioculturais, técnicas e econômicas ocorridas, principalmente, a partir da segunda metade do século passado e que, especialmente durante as décadas de 1980 e 1990, foram colocadas debaixo de um guarda-chuva conceitual chamado pós-moderno.
Pós-Modernidade
Um dos marcos para a sedimentação do conceito de pós-moderno foi a publicação, em 1979, do livro A Condição Pós-Moderna, escrito pelo filósofo francês Jean-François Lyotard, que analisou a produção do conhecimento daquela época sob encomenda do Conselho de Universidades de Quebec. Diferentemente do que se poderia esperar à primeira vista, a obra não se propunha a caracterizar um novo estágio sociocultural, mas a definir a posição do saber ou do conhecimento nas sociedades desenvolvidas em um novo cenário disposto por tecnologias cibernéticas e informacionais e por um ambiente social marcado pelo individualismo crescente e pelo desencanto com teorias totalizantes produzidas durante o século XIX e que buscavam explicar as condições históricas, econômicas, sociais e culturais da humanidade.
Módulo 1 — Distinguir as interpretações de Zygmunt Bauman e Gilles Lipovetsky acerca do mundo contemporâneo
MÍDIA CONTEMPORÂNEA E INDIVÍDUO PARADOXAL
A década de 1980 foi marcada pela expansão e disseminação do consumo e dos meios de comunicação em praticamente todas as esferas da vida, o que aprofundou o processo de individualização e o consequente desinteresse por assuntos coletivos – ou seja, por aquilo que constitui a política. Desse mesmo período datam os primeiros livros dos autores que estudaremos a seguir: Zygmunt Bauman e Gilles Lipovetsky. Inicialmente, ambos chegaram a defender o conceito de pós-moderno para depois abandoná-lo em favor de termos que eles consideravam mais próximos à situação do nosso tempo.
ZYGMUNT BAUMAN E A MODERNIDADE LÍQUIDA
Imagem: O Sociólogo Zygmunt Bauman no Salão do Livro da Feira Internacional do Livro de Turin, Itália, em maio de 2015
Zygmunt Bauman é considerado um dos autores mais influentes da sociologia contemporânea. Com mais de setenta livros publicados (a maioria já traduzida no Brasil), sua obra se estende por diversos temas e extrapola os limites do debate sociológico devido à absorção de múltiplos conceitos e teorias vindos de áreas vizinhas, como a Filosofia, a Antropologia e a Literatura. Essa vasta produção dificulta a simples apropriação e a elaboração de um panorama dos seus trabalhos. Mesmo assim, se pudéssemos propor um denominador comum ao seu pensamento, seria a elaboração de um diagnóstico abrangente das sociedades desenvolvidas na virada do milênio.
Zygmunt Bauman (1925-2017) foi um sociólogo polonês de origem judaica. Ele teve de se refugiar com sua família na então União Soviética quando os nazistas invadiram a Polônia em 1939. Após o término da Segunda Guerra, Bauman se formou em Sociologia na Universidade de Varsóvia, onde posteriormente passou a lecionar. Em 1971, ele recebeu uma cátedra em Sociologia na Universidade de Leeds, Inglaterra, ocupando-a até 1990. Bauman continuou vivendo em Leeds como professor emérito e nesse período escreveu suas principais obras e manteve influente presença no debate público até sua morte.
Durante mais de quarenta anos, Bauman trabalhou para compreender e descrever seu tempo presente. Inicialmente, suas proposições continuaram e ampliaram o debate iniciado por Jean-François Lyotard (1924-1998), isto é, em um primeiro momento seus trabalhos (Mal-estar na pós-modernidade e Ética pós-moderna) orbitavam em torno daquilo que seria definido como a pós-modernidade. Posteriormente, ele passou a considerar o termo pós-moderno insuficiente para descrever a situação sociocultural no final da década de 1990.
Para Bauman, a sociedade contemporânea havia intensificado, de maneira vertiginosa, o ímpeto por modernização naquele último século, ou seja, a busca do progresso e da inovação científicos, sem considerar os impactos sociopoliticoculturais.
Por outro lado, ao observar esse impulso modernizante, o sociólogo polonês defendeu a existência de algumas diferenças basilares que justificariam a localização das sociedades atuais em outro estágio da modernidade, tais como:
 
A inexistência de um telos da modernização, ou seja, de um objetivo definido a ser alcançado por ela.
Telos
Telos (do grego τέλος) é um termo filosófico que significa objetivo final, ou mesmo “razão de ser”. Esse conceito está presente na concepção de teleologia, uma defesa, ou crença, em que os movimentos humanos (a história ou a existência, por exemplo) existem para um fim. Importantes doutrinas filosóficas, como o aristotelismo e o hegelianismo, organizam seus pensamentos pela teleologia.
 
A desregulação e a privatização de atividades modernizantes (sob a égide do neoliberalismo).
Neoliberalismo
A mentalidade neoliberal pode ser definida pela exaltação do papel do setor privado para a condução da economia por meio de privatizações, austeridade econômica, desregulamentação do mercado, livre comércio e retraimento do Estado em face do provimento de serviços essenciais (como saúde, educação e previdência social).
 
A globalização do processo de modernização (que embora se dissemine de maneira desigual entre as nações, afeta todas as formas de vida).
O nome dado por Bauman para esse outro estágio social foi modernidade líquida, um conceito consagrado no livro homônimo publicado originalmente em inglês em 2000. Mas, para compreendermos melhor o que esse termo significa, é necessário observar seus contrastes com uma outra forma de modernidade, definida por Bauman como “sólida”.
DO SÓLIDO AO LÍQUIDO
A modernidade se estabelece em contraste com a tradição. Historicamente, ela marca o abandono das estruturas da Idade Média e a sedimentação de outros fundamentos inteiramente diferentes como, por exemplo: a formação dos Estados nacionais, a crescente urbanização, a perda do monopólio das religiões para a orientação e o sentido das sociedades, o processo de individualização e suas técnicas (letramento, imprensa etc.), o surgimentoda ideia de progresso, a invasão da América pelos europeus, a ascensão do capitalismo, o Iluminismo e a exaltação da ciência e da racionalidade.
Imagem: Esquema do Panóptico de Jeremy Bentham
O projeto moderno atravessa os séculos XIX e XX com a sedimentação da valorização da ordem, do planejamento e do controle (para a garantia da segurança), cujos marcos seriam a fábrica fordista, a burocracia e o modelo panóptico de vigilância. A premissa dessa forma de pensamento é que o futuro seria previsível ou administrável a partir do controle do presente. Por isso, há uma necessidade por estruturas sociais estáveis. Essa forma de modernidade foi definida por Bauman como “sólida”.
Panóptico
A ideia de panóptico ficou conhecida a partir dos escritos de Michel Foucault (1926-1984), que se inspirou na idealização de Jeremy Benthan (1748-1832) de uma penitenciária ideal, onde os encarcerados podiam ser vistos sem verem o vigilante, portanto nunca sabendo quando e se eram ou não vigiados. Panóptico (pan + óptico, sugerindo a ideia de múltiplos olhares) era o nome dado à estrutura arquitetônica desse projeto penitenciário.
O termo “líquido”, por sua vez, surge quando a incerteza e a indeterminação entram em cena e desestabilizam modelos e estruturas, fazendo com que eles não perdurem de modo satisfatório para conseguirem se enraizar na sociedade. De acordo com Bauman, esse estágio fica mais evidente no final do século XX, quando nada parece persistir. Vejamos traços dessa liquidez:
 
O laço social fica mais tênue com relações sem vínculos, persistência ou profundidade.
 
A insegurança produz o medo.
 
A temporalidade do “longo prazo” se desfaz diante do “curto prazo”.
 
Consequentemente, o progresso e a fé na história se deterioram.
 
Os Estados renunciam a seu papel de provedor de garantias, segurança, estabilidade, cedendo lugar ao mercado via sucateamento e privatizações sistemáticas.
 
O trabalho se torna cada vez mais precário e os direitos trabalhistas são desmontados
 
A desintegração social é intensificada pela passagem do cidadão (politicamente engajado e preocupado com os rumos do bem comum) para o indivíduo consumidor.
Naturalmente, o processo de individualização está presente em toda história da modernidade, mas, para o sociólogo polonês, diferentemente do que ocorria aos indivíduos na modernidade sólida, que se agrupavam em torno de grandes narrativas, a incerteza na modernidade líquida aprofunda a atomização das pessoas, minando qualquer possibilidade de mobilização coletiva em torno de um propósito maior.
Além disso, ao invés de produzir um indivíduo mais autônomo, essa nova situação moderna escancara a sua fragilidade: a contingência, a vulnerabilidade e a falta de narrativas capazes de se opor ao modo de vida capitalista em sua forma neoliberal produzem um indivíduo incapaz de controlar as situações sociais que permitem que ele possa se autoafirmar enquanto indivíduo autônomo.
Imagem: Capa da 1ª Edição de Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman/figcaption>
Como podemos perceber, o espectro de mudanças apresentadas por Bauman é bastante amplo. Por isso, as implicações da liquidez moderna presentes no livro seminal Modernidade Líquida foram retrabalhadas e aprofundadas posteriormente em várias outras obras como, por exemplo, o tema do medo diante das incertezas e inseguranças do mundo contemporâneo e seus efeitos, como nas relações relações com o trabalho, a violência, a exclusão social etc.; o tema da fragilidade dos vínculos afetivos; da mercantilização de todos os aspectos da vida e dos males do consumo desmedido e da ubiquidade e normalização da vigilância e dos dispositivos de controle sociais.
Diante de tantos aspectos, na tentativa de visualizar melhor as transições e a passagem da modernidade sólida para a líquida, somos tentados a elaborar esquemas teóricos remetendo a duplas de características, uma para cada época.
 Modernidade sólida Estruturas sociais estáveis Produção Liberalismo Longo prazo Coletividade Panóptico Unidade Rigidez 
 Modernidade líquida Estruturas sociais instáveis Consumo Neoliberalismo Curto prazo Individualidade Autovigilância Fragmentariedade Flexibilidade 
 
Entretanto, como o próprio Bauman ressalta no último prefácio escrito para a edição inglesa de Modernidade Líquida, o dilema “solidez/liquidez” não deve ser pensado como uma dicotomia ou uma superação de um pelo outro, mas como um vínculo dialético. Isso significa dizer que a fluidez da nossa época também pode produzir uma vontade por estruturas mais sólidas, da mesma forma que a busca pela solidez das estruturas foi o que desencadeou a sua própria liquefação, como exemplarmente colocado na famosa frase de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) em pleno século XIX, no contexto da Revolução Industrial: “Tudo o que é sólido e estável se desmancha no ar.” (MARX; ENGELS, 2005).
Dialética hegeliana
Para o marxismo e o hegelianismo (e é preciso lembrar que Bauman é um autor marxista), a dialética é um movimento da história e do pensamento humanos marcado por três momentos sucessivos: tese, antítese (que contradiz a primeira) e síntese (resultado da resolução entre as duas anteriores). A síntese é uma nova tese. Daí a infinitude desse movimento.
A COLONIZAÇÃO DO PÚBLICO
No decorrer de sua obra, Bauman não apenas costurou um complexo diagnóstico do nosso tempo e seus problemas, mas também elaborou críticas contundentes ao atual estágio da modernidade. Um dos principais objetos de sua análise são as transformações profundas no espaço público acarretadas pelo individualismo, consumismo e pelas mudanças provocadas pelos meios de comunicação eletrônicos e computacionais. É por conta disso que ele se torna um autor incontornável para os estudos sobre a chamada cultura midiática.
Antes mesmo da publicação do livro Modernidade Líquida, Bauman já se mostrava preocupado com o enfraquecimento da política nas sociedades contemporâneas. Com a emergência dessa nova forma de modernidade, o sociólogo defendeu que o poder (no sentido da capacidade de fazer coisas) foi separado definitivamente da política (entendida por Bauman como a capacidade de decidir o que deve ser feito e com que prioridade).
Tal separação ocorreu, principalmente, porque a dimensão privada teria sufocado a esfera pública (o espaço onde surgiriam e seriam discutidos os assuntos relevantes para a coletividade), o que então foi acelerado pela mídia, particularmente a partir dos anos de 1980, como o próprio sociólogo afirma em uma anedota contada durante uma entrevista. O indivíduo da modernidade líquida considera o espaço público não mais “que uma tela gigante em que as aflições privadas são projetadas sem cessar, sem deixarem de ser privadas ou adquirirem novas qualidades coletivas no processo da ampliação: o espaço público é onde se faz a confissão dos segredos e das intimidades privadas.” (BAUMAN, 2001).
Essa tomada do espaço público pelos interesses privados e a decorrente deterioração dos interesses comuns foram intensificadas ainda mais a partir do surgimento das redes sociais e das formas algorítmicas de comunicação. Essa é a base da sua crítica à necessária diferenciação entre: redes e conexões X vínculo afetivo e social.
Essa crítica da colonização da esfera pública pela privada é acompanhada por uma tarefa ou demanda de defesa do que resta de espaço público – o que Zygmunt Bauman buscou incansavelmente ao manter uma presença constante no debate midiático, um verdadeiro ativismo intelectual. Mais ainda, ele convoca as pessoas para “reequipar e repovoar o espaço público que se esvazia rapidamente” por conta da retirada do “cidadão interessado” da esfera pública e da “fuga do poder real para as redes eletrônicas.” (BAUMAN, 2001).
Bauman, portanto, conserva certo distanciamento em relação ao que haveria de benéfico com a emergência de uma cultura midiática. Postura bem diferente à do nosso próximo autor, Gilles Lipovetsky, que ganhou notabilidade por defender a equivalência dos aspectos positivos enegativos do atual estágio sociocultural.
GILLES LIPOVETSKY E A HIPERMODERNIDADE
Gilles Lipovetsky está entre os intelectuais mais influentes e mais discutidos por estudiosos da cultura contemporânea. Isso se deve, particularmente, às suas ricas e controversas proposições sobre individualismo, moda, luxo, mídia e consumo enquanto elementos constitutivos das sociedades desenvolvidas.
Gilles Lipovetsky nasceu em 1944 na cidade de Millau, na França. Formado em Filosofia pela Universidade de Grenoble, participou do movimento de maio de 1968, que exigia mudanças no sistema educacional francês. A partir da década de 1980, ele passa a analisar a sociedade contemporânea com base nas relações de consumo e no individualismo. Autor de vários livros, Lipovetsky viaja o mundo como palestrante. Também esteve no Brasil em diversas ocasiões. Atualmente, ele integra o Conselho de Análise da Sociedade, mantido pelo governo francês.
Assim como Bauman, inicialmente esse filósofo francês foi um dos teóricos do chamado pensamento pós-moderno. Seus pressupostos eram semelhantes: as sociedades pós-modernas eram caracterizadas pelo enfraquecimento da esfera pública e das grandes instituições e narrativas coletivas, pelo aumento do consumo, pela expansão das mídias, pelo multiculturalismo e por um intenso individualismo. Entretanto, as semelhanças são bem menores do que suas diferenças.
A obra de Lipovetsky pode ser lida como uma defesa do capitalismo como o único sistema econômico legítimo e do individualismo como o fundamento das sociedades desenvolvidas e a melhor possibilidade para a liberdade e para a felicidade.
Esses dois elementos ganhariam contornos mais definidos a partir das transformações sociais e éticas, das mudanças nas formas da moda e do consumo, do culto ao luxo e da emergência das novas mídias.
Ao contrário de Bauman, o individualismo ganha aspectos positivos na teoria de Lipovetsky, ou seja, ele não é definido sob a chave do egoísmo ou da alienação em relação aos aspectos sociais que constituem o indivíduo, mas sim com base na liberdade e na autodeterminação pessoal. Assim, o individualismo é entendido a partir de um rompimento com a tradição e o passado, como um desejo voltado ao futuro e ao bem-estar individual. (A moda seria o motor para essa transformação da autonomia subjetiva).
Entretanto, como veremos a seguir, o pensamento de Lipovetsky não se esquiva dos problemas acarretados pelas formas individualistas contemporâneas. Sua obra se constitui como uma tentativa de escapar à mera exaltação ou ao pessimismo catastrófico em face das mudanças do nosso tempo. Mais do que uma análise ou crítica, seu trabalho possui um acento descritivo. O que, por sua vez, não significa uma neutralidade em relação aos fenômenos.
DA ERA DO VAZIO À HIPERMODERNIDADE
O primeiro livro de Gilles Lipovetsky a obter êxito internacional foi A era do vazio (2005), publicado originalmente em 1983. No espírito da explosão do discurso pós-moderno, o autor observa uma série de profundas transformações nas sociedades ocidentais, como a expansão do mercado financeiro e da globalização, o declínio do bloco socialista e do antagonismo capitalismo/socialismo, a absorção da gramática dos direitos humanos por várias constituições nacionais, a emergência de demandas identitárias – para ficarmos com alguns exemplos.
É a partir desse panorama que Lipovetsky lança o pilar do seu pensamento: a valorização de um individualismo democrático formado por e para uma sociedade midiática e de consumo e instituído pelo liberalismo econômico e cultural.
Em A era do vazio, o mercado e suas lógicas de sedução não constituem apenas um poder de expropriação e engano, mas – e principalmente – concedem um aspecto fundamentalmente emancipador, já que o indivíduo poderia se constituir enquanto tal a partir das transformações nos estilos de vida e da possibilidade de escolhas proporcionadas pela revolução no consumo. Esse fenômeno foi chamado de processo de personalização (ou seja, a dissolução da unidade das opiniões e dos modos de vida) e seria responsável, como uma espécie de efeito colateral, pela manutenção da ordem democrática a partir da pluralidade individual e subjetiva.
Com o passar dos anos, entretanto, Lipovetsky observa que esse processo intenso de individualização baseado no consumo não apenas era paradoxal – no que diz respeito às suas promessas e aos seus perigos – como não se caracterizou como um rompimento com a modernidade (conforme queriam os defensores do pós-moderno).
Ao contrário, a nossa época seria marcada pela elevação do projeto da modernidade ao seu grau máximo: o processo de modernização já não mais possui freios, a mercantilização e a midiatização atingiram todos os aspectos da vida, a economia está cada vez mais desregulamentada e o ímpeto tecno-científico está mais forte do que nunca, já que a “modernidade ainda tinha contrapesos da tradição, de partidos revolucionários, da luta de classes, o ideal de nação, a administração estatal de diversas atividades da vida econômica – isso agora desapareceu.” (LIPOVETSKY; CHARLES, 2007).
Assim, o conceito vago e ambíguo de pós-moderno cedeu lugar ao de hipermodernidade. O prefixo hiper expressa uma falta de alternativa ao culto da modernização. Não nos resta senão acelerar, inovar, evoluir. Com a falta de contramodelos, tudo é absorvido pelo princípio modernizante e pelas lógicas das mídias (hiperespetacularização) e do consumo (agora, definido como hiperconsumo). E no centro dessas transformações está o hiperindividualismo.
O INDIVÍDUO PARADOXAL
O indivíduo da hipermodernidade é bipolar. Ele oscila entre extremos: ora prudente, ora desregrado, ora independente, ora dependente, ora cultua a saúde, a higiene e o corpo, ora cede ao excesso e ao consumo descontrolado. Ele é resultado de um paradoxo da hipermodernidade que ao mesmo tempo em que valoriza a autonomia individual, aumenta a sua dependência (econômica, política, financeira etc.).
O movimento ambíguo pode ser exemplificado na análise que Lipovetsky faz das redes sociais enquanto espaços de desenvolvimento da identidade, o que ocorre não mais pela política ou religião, mas por gostos culturais e afetos que estariam na base (hiper)hedonista e (hiper)narcisista do hiperindividualismo – ambos considerados não apenas em seus aspectos negativos, mas positivos, enquanto fomentadores das singularidades do indivíduo.
Esse paradoxo também se expressa na figura do hiperconsumidor, que o autor chama de “consumator”, ou seja, ator/agente do consumo, com papel de supostamente ser menos influenciado pelo mercado:
Ao contrário de Bauman, cuja análise deságua numa crítica à modernidade líquida e aponta para formas de resistência, Lipovetsky coloca a hipermodernidade e sua sociedade de hiperconsumo como nossa única alternativa. Para ele, o mercado enquanto condutor das formas de vida em sociedade se apresenta como a solução menos ruim por ser, “a mais bem adaptada a uma sociedade de indivíduos reconhecidos como livres. O ‘antidesenvolvimento’ ou a sociedade de decrescimento aparece como um modelo não apenas irrealista, mas também não desejável. Se é verdade que ‘mais não é melhor’, não concluamos daí que ‘menos’ seja a solução dos nossos males.” (LIPOVETSKY, 2008).
 
Saiba Mais
Democracia sem freios?
Uma das principais críticas à obra de Gilles Lipovetsky se refere à forma com que ele faz uma associação direta entre Estado democrático e sociedade de consumo/individualismo. Em seu livro A sociedade de consumo, publicado em 1970, o pensador francês Jean Baudrillard (2008) já criticava um processo de “personalização” submetido às seduções e demandas do mercado. Para ele, a igualdade pelo consumo mascarava a ausência de democracia. Mais ainda: há o risco de se confundir democracia com consumo. Esse pensamento de Baudrillard foi retomado pelo filósofo Jacques Rancière para criticar a obra de Lipovetsky. Para Rancière, ao se eliminar a figura política da democracia e ao identificar o cidadão ao consumidor, Lipovetsky reduziria a democracia apenasa um estado de sociedade (RANCIÈRE, 2014, p. 25).
Vídeo
Acompanhe o debate dos professores Catharina Epprecht e Rodrigo Rainha sobre Gilles Lipovetsky e Zygmunt Bauman.
1. Aponte uma das principais diferenças entre as interpretações de Zygmunt Bauman e de Gilles Lipovetsky ao tratarem do mundo contemporâneo:
	Bauman estuda a pós-modernidade e Lipovetsky, a hipermodernidade.
	O sociólogo polonês analisa o consumo e o filósofo francês, o luxo.
	Os canais de mídia analisados por cada um: a moda para o filósofo e a publicidade para o sociólogo.
	A maneira de encarar a mídia, área com potencial positivo para Lipovetsky, mas de confusão entre as esferas pública e privada para Bauman.
Parabéns! A alternativa "D" está correta.
Bauman critica a colonização da esfera pública pela privada em diversos setores, mas em especial na mídia. Ele via com desconfiança a cultura midiática, cuja emergência era celebrada, mas também analisada, buscando avaliar pontos positivos e negativos, por Gilles Lipovetsky.
2. Que outra diferença existe entre o olhar de Bauman e o de Lipovetsky em relação ao mundo atual?
	A análise de Bauman é uma crítica no sentido negativo e ele busca resistências. Lipovetsky vê o mercado no mundo contemporâneo como a melhor possibilidade para garantir a liberdade dos indivíduos.
	Lipovetsky é um neoliberal, que defende a privatização, a meritocracia e o luxo como formas de viver e de se diferenciar na hipermodernidade. Bauman propõe a revolução marxista.
	Bauman propõe a volta à modernidade sólida, com decrescimento econômico e social. Lipovetsky acredita que o “antidesenvolvimento”, ou a sociedade de decrescimento, é não apenas indesejável, mas também irrealista.
	A diferença entre ambos se dá apenas no caminho proposto para diferenciar consumo e consumismo. “Mais não é melhor”, afirma Lipovetsky, mas que não se conclua daí que “menos seja a solução dos nossos males” (LIPOVETSKY, 2008).
 	
Parabéns! A alternativa "A" está correta.
Bauman apresenta uma análise muito crítica à modernidade líquida, sempre buscando formas de resistência. Também é um ativista intelectual e científico. Lipovetsky, por outro lado, acredita que a sociedade de hiperconsumo é nossa única alternativa.
Módulo 2 — Identificar conceitos relativos à cibercultura e à cultura da convergência.
CIBERCULTURA E CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA
Assim como Bauman e Lipovetsky, outros autores, como Pierre Lévy e Henry Jenkins, analisam a contemporaneidade, mas agora pensando a relação das pessoas com as mídias em rede. Assista!
PIERRE LÉVY E A CIBERCULTURA
Imagem: O filósofo Pierre Lévy em evento realizado no Instituto CPFL de Cultura em comemoração aos 10 anos do lançamento do livro Cibercultura
O filósofo francês Pierre Lévy é um dos autores mais citados em estudos sobre mídias digitais e as transformações sociais, culturais, epistemológicas e políticas provocadas pela expansão das redes computacionais nas sociedades contemporâneas.
Pierre Lévy é um filósofo francês nascido na Tunísia (na época, uma colônia francesa) em 1956. Professor da Universidade de Montreal e membro da Royal Fellow Society do Canadá, formou-se na Universidade Sorbonne, em Paris. Em 1980, seu mestrado foi orientado por Michel Serres e, em 1983, concluiu seu doutorado na renomada Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (EHESS).
Envoltas pelo ideário das promessas e potencialidades na alvorada das redes de computadores e da propagação da internet, suas obras mais influentes foram publicadas principalmente durante a última década do século passado: As tecnologias da inteligência, de 1990; A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço, lançado em 1994; Cibercultura, publicado em 1997; e, no ano seguinte, O que é o virtual?. Esses livros foram traduzidos no Brasil pouco tempo depois e são responsáveis pela popularização de conceitos como ciberespaço, inteligência coletiva, virtualização, hipertexto, interfaces e ciberdemocracia, todos elementos constitutivos do que Pierre Lévy definiu como cibercultura.
Há uma proximidade entre os argumentos pós-modernos (assim como os líquido-modernos e hipermodernos) e o conceito de cibercultura. Como o próprio Lévy afirma, “a multiplicidade e o entrelaçamento radical das épocas, dos pontos de vista e das legitimidades, traço distintivo do pós-moderno, encontram-se nitidamente acentuados e encorajados na cibercultura.” (LÉVY, 1999).
Entretanto, os críticos do projeto de totalização da modernidade e suas grandes narrativas não haviam feito uma diferenciação que, de acordo com Lévy, constituiria a essência da cibercultura: ela seria universal sem ser totalizante. Mas o que ele quer dizer com tudo isso?
CIBERCULTURA
Enquanto condicionantes do humano, as técnicas trazem consigo estruturas que afetam a cultura e a sociedade de forma bastante diversa. As relações inter-humanas atuais são inevitavelmente afetadas pela presença e pelo uso das redes digitais que, para Pierre Lévy, possuem uma lógica universalizante. Com esse termo, ele quer ressaltar que toda a humanidade está potencialmente presente e implicada por essas redes de computadores. Elas operam em um movimento de expansão contínua que não cessará até que todos estejam potencialmente conectados a elas. Entretanto, o sentido dessa universalização é sempre plural, ou seja, não há a imposição de uma totalidade ou de uma significação central.
Lévy ainda afirma que o elemento sine qua non para essa forma cultural universal – mesmo que descentrada – é a participação no ciberespaço. É daí que deriva o neologismo “cibercultura”. Assim, nas palavras do próprio autor, o conceito de cibercultura caracteriza, então, o “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores, que se desenvolve juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (LÉVY, 1999). Mas ainda nos vemos presos a um outro conceito que necessita de uma rápida clarificação: afinal, o que é o ciberespaço?
CIBERESPAÇO
Imagem: Capa da 1ª edição de Neuromancer, de William Gibson.
O termo ciberespaço parece ter saído de uma ficção científica. E, na verdade, é isso mesmo. Sua popularização é creditada ao livro Neuromancer, do escritor norte-americano William Gibson, publicado em 1984. Essa palavra foi usada para descrever uma rede de computadores cuja conexão se dava diretamente no sistema neural dos usuários. Nas palavras do escritor:
William Gibson
Embora a palavra tenha sido usada anteriormente pelo próprio Gibson em seu livro Burning Chrome, publicado em 1982, Neuromancer é sua obra mais conhecida e, por isso, a popularização do termo é atribuída a ela.
Já Pierre Lévy (1999) faz uso desse termo para definir o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ele abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Assim, não somente a web, como todas as redes computacionais (financeiras, governamentais etc.) carregariam, enquanto tecnologias da cibercultura, aspectos não apenas descentralizadores, mas também participativos, socializantes e, em última instância, cognitivos e emancipadores.
WEB
A World Wide Web (WWW) é um sistema de informações em que seus recursos são interligados por hipertextos acessíveis pela internet e identificados por Localizadores de Recursos Uniformes (URLs).
INTELIGÊNCIA COLETIVA
Pierre Lévy defende que o ciberespaço fornece um ambiente perfeito para o desenvolvimento daquilo que ele chamou de inteligência coletiva. E quanto mais a rede de computadores se expande, maior o potencial dessa inteligência interconectada.
A disponibilidade ubíqua dos mais diversos conteúdos no ciberespaço não seria livre de fatores negativos: o isolamento e excesso de informação, a dependência, as tendências monopolistas de controle, a exploração do trabalho remoto e vigiado, bem como a “bobagem coletiva”. Entretanto, podemos afirmarque, no final da década de 1990, Lévy permanecia bastante otimista com as possibilidades da internet. Ele acreditava que seria uma questão de tempo para que as mentes e ideias interconectadas produzissem coletivamente soluções para os diversos problemas da humanidade.
Com o conceito de inteligência coletiva, Lévy não quer descrever a constituição de um imenso “cérebro” humano, mas apontar para o fato de que o ciberespaço tende a guardar potencialmente em si todo tipo de conhecimento.
O VIRTUAL
A ideia de potencialidade está intrinsicamente associada ao conceito de virtual. Como defende Pierre Lévy, o virtual não deve ser entendido como algo que se opõe ao real, mas ao atual. É algo que existe em potência e é atualizado ao ser acessado. O virtual, portanto, seria um real que ainda não foi manifestado – um exemplo: toda planta existe virtualmente em sua semente.
Essa experiência pode ser verificada concretamente no uso cotidiano de tecnologias digitais. Por exemplo, todas as fotos armazenadas no seu celular estão virtualmente lá até o momento em que você as atualiza na tela do dispositivo.
CRÍTICAS
A obra de Pierre Lévy possui tanto defensores quanto críticos. Entre as críticas mais frequentes está a desconsideração dos aspectos econômicos e ideológicos das tecnologias digitais. Para alguns autores, por exemplo, houve, a partir dos anos 1990, uma associação entre cibernética e neoliberalismo que deveria ser exposta e discutida. Por exemplo, os teóricos da mídia Richard Barbrook e Andy Cameron, sem citar diretamente Pierre Lévy, publicaram em 1995 o ensaio A ideologia californiana para denunciar o que eles chamaram de “neoliberalismo pontocom”, propagado pelas empresas de tecnologias da informação da região do Vale do Silício. Segundo eles, os gurus e exaltadores do digital consideram que apenas o fluxo cibernético do livre mercado e das comunicações globais são capazes de determinar o futuro e livrar o capitalismo de suas crises.
Outra crítica frequente ao trabalho de Pierre Lévy diz respeito às formas neutras que os seus conceitos assumem, sem levar em consideração realidades concretas com seus atritos, suas desigualdades e seus desafios.
Crítica às formas neutras dos conceitos de Pierre Lévy
É nessa linha que argumenta a socióloga holandesa Saskia Sassen em relação ao conceito de inteligência coletiva. O Explore+ traz a indicação de um vídeo em que a socióloga expõe essa crítica.
Entretanto, mesmo sendo alvo de duras críticas, o aparato conceitual desenvolvido por Pierre Lévy é fundamental não apenas para descrever o novo cenário midiático com a emergência das tecnologias digitas, mas também para compreender os desafios impostos pela cultura midiática.
HENRY JENKINS E A CULTURA DA CONVERGÊNCIA
Assim como Pierre Lévy, o nosso último autor também está entre os intelectuais que permanecem otimistas quanto aos efeitos dos usos das tecnologias digitais de informação e comunicação nas sociedades contemporâneas. O teórico da mídia Henry Jenkins alcançou grande reconhecimento internacional na última década (e não apenas nos meios acadêmicos, mas também entre públicos não especializados), particularmente depois do lançamento do seu livro Cultura da Convergência, publicado em 2006, cujo subtítulo em inglês é: “onde colidem as velhas e as novas mídias”.
Henry Jenkins nasceu em 1958 em Atlanta, nos Estados Unidos. Formado na Universidade do Estado da Georgia em Ciências Políticas e Jornalismo, Jenkins possui mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação. Em 1993, fundou o programa de Estudos de Mídia Comparada no renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que coordenou até 2009. Atualmente, é professor da Escola de Comunicação e Jornalismo (Annenberg School for Communication and Journalism) da Universidade do Sul da Califórnia.
Como sugere o próprio título do seu livro mais famoso, Jenkins afirma que vivemos em uma era de transição, em uma cultura da convergência: de diferentes suportes, linguagens, estilos, gostos, formatos, de convergência entre os papéis de consumidor e produtor de mídia, entre as produtoras e o púbico, entre os emissores e os receptores, entre a mídia mainstream e a mídia alternativa, entre os meios digitais e analógicos.
Mainstream
A mídia comercial ou grande mídia.
Assim, o conceito de convergência pode ser entendido como convivência e implicação mútua dos meios de comunicação e expressão. Ao contrário do que previram os primeiros teóricos ou “gurus” da cultura digital, como Nicholas Negroponte, por exemplo, a mera substituição das mídias analógicas pelas digitais não foi concretizada, muito menos houve a convergência de vários suportes em apenas um (como o computador e sua lógica digital que universalizaria todas as linguagens). Trata-se antes de uma mudança cultural.
Para Jenkins, as mídias não são simples suportes ou meios de distribuição. Ele emprega a distinção da historiadora das mídias Lisa Gitelman, que considera os meios como “protocolos” de práticas sociais, culturais, econômicas, políticas etc. Assim, as mídias conformam práticas socioculturais que perduram no tempo, não desaparecendo com a mera introdução de um novo suporte (o rádio sobreviveu ao cinema, este à TV, todos eles à internet etc.).
Portanto, a convergência vai além das evoluções técnicas, ela “altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento.” (JENKINS, 2009).
O que muda, com isso, são as posições e funções das tecnologias anteriores – algumas ganham status de culto, outras acabam atendendo a necessidades mais específicas. E isso podemos perceber facilmente em nosso cotidiano: vinis convivem com CDs e com plataformas digitais de música, filmes fotográficos ainda são revelados, a TV absorveu algumas funções do computador etc. É por isso que as maiores transformações da cultura da convergência podem ser verificadas nas práticas midiáticas de consumo e produção: “A maior mudança talvez seja a substituição do consumo individualizado e personalizado pelo consumo como prática interligada em rede.” (JENKINS, 2009).
De um lado, seguindo a mesma linha de Lipovetsky (mesmo que não o cite em seu livro), Jenkins descreve a cultura da convergência como uma via de mão dupla positiva entre produtores e consumidores. A indústria de mídia e entretenimento não apenas se beneficiaria com a criação de múltiplas formas de vender seus produtos, mas os consumidores também estimulariam as formas de produção, fosse por meio da apropriação e ressignificação dos objetos ou por meio das comunidades de fãs que demandariam ou mesmo criariam outros objetos midiáticos a partir dos originais.
De outro lado, desta vez apoiado no pensamento de Pierre Lévy (citado frequentemente em seus trabalhos), as novas formas de participação e colaboração teriam sido intensificadas pela emergência das redes digitais, responsáveis pela distribuição de fontes alternativas de poder e de decisão, em outras palavras, as tecnologias computacionais forneceriam as ferramentas técnicas necessárias para que o consumidor conseguisse controlar suas escolhas e afirmar as suas preferências.
Para dar conta da sua concepção de uma cultura da convergência e fundamentar seus argumentos, Jenkins lança mão de três conceitos: inteligência coletiva, cultura participativa e transmídia.
INTELIGÊNCIA COLETIVA
Amparado no termo cunhado por Pierre Lévy, Jenkins se apropria do conceito de inteligência coletiva para descrever o consumo como um processo coletivo. É como se o princípio de fóruns digitais ou da Wikipédia fosse aplicado para entender as práticas de consumo midiático. É a partir da constituição de um grande caleidoscópio no qual cada um contribui em uma pequena peça que, unidas, são capazes de redefinir as formas de produção: “A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático.” (JENKINS, 2009). A inteligência coletiva vai ao encontro deuma cultura da participação que, no olhar de Jenkins, desafia as mídias tradicionais.
CULTURA PARTICIPATIVA E O CONCEITO DE TRANSMÍDIA
O conceito de cultura participativa foi sendo elaborando por Jenkins ao longo de todo seu trabalho, desde suas primeiras pesquisas sobre a cultura de fãs, publicadas nos livros Textual Poachers: Television Fans & Participatory Culture, de 1992, e Fans, Bloggers, and Gamers: Exploring Participatory Culture, de 2006.
Nessas obras, ele descreve as trajetórias de comunidades que começaram a produzir e compartilhar produtos midiáticos a partir de uma obra cultuada, como os fãs de Star Wars ou Star Trek. Em Cultura da Convergência, o autor se vale de exemplos de reality shows, séries e filmes, como Matrix e Harry Potter.
O efeito da cultura participativa é a diversidade e a suposta quebra de monopólios, pois a produção dos entusiastas não é incitada pela monetarização, mas pelo desejo de contar histórias e de compartilhar seus gostos e suas paixões. Por isso que, para Jenkins, os debates sobre inclusão e redes digitais não podem só levar em consideração o acesso, mas também – e principalmente – a participação efetiva dos usuários nessas redes.
Já o conceito de transmídia é a forma narrativa da cultura da convergência. Ela é o resultado da cultura participativa, da interação entre produtores e consumidores midiáticos. Ela ocorre enquanto complemento, ou seja, quando determinada narrativa transborda pelos mais diversos suportes, criando inclusive uma nova estética, “uma estética que faz novas exigências aos consumidores e depende da participação ativa de comunidades de conhecimento.” (JENKINS, 2009). Ainda nas palavras do próprio Jenkins:
Um exemplo clássico desse conceito é a franquia de ficção científica Matrix, criada pelas irmãs Wachowski, que abrange três filmes de longa-metragem, uma série de animes, histórias em quadrinhos e videogames. Esse mesmo fenômeno pode ser observado em diversos outros filmes, séries e videogames, como: O Senhor dos Anéis, Star Wars, Game of Thrones, Final Fantasy etc.
CRÍTICAS
Assim como ocorreu com Pierre Lévy, a obra de Henry Jenkins suscitou um intenso debate sobre o alcance e a validade dos seus conceitos. Em 2011, os teóricos James Hay e Nick Couldry editaram um dossiê dedicado à cultura da convergência para o jornal acadêmico Cultural Studies. Com o título Rethinking Convergence/Culture, o dossiê apresenta um conjunto abrangente de posicionamentos teóricos em face da teoria de Jenkins. Entre algumas das principais críticas estão:
 
A ênfase excessiva no potencial participativo dos usuários.
 
Uma associação menos problemática entre mobilização de fãs e participação política.
 
Uma visão excessivamente otimista da contribuição democrática da convergência.
 
A falta de considerações sobre a lógica inerentemente corporativa e neoliberal da convergência.
1. O filósofo francês Pierre Lévy se tornou bastante conhecido no final do século passado por descrever as condições tecnológicas da sociedade contemporânea a partir de conceitos como cibercultura, virtualidade e inteligência coletiva. Considerando esses conceitos e a obra desse filósofo, avalie como verdadeiras ou falsas as afirmativas a seguir:
	A interação com o fluxo de dados em redes de computadores é um dos elementos que definem o ciberespaço.
	Mesmo sendo real em suas ações e implicações, o virtual não pode ser localizado no espaço.
	A virtualidade é o oposto da realidade. Tudo aquilo que é virtual é também imaginário.
	A inteligência coletiva só foi possibilitada com o avanço das redes digitais e descreve a maneira como o conhecimento é produzido de forma coletiva no ciberespaço.
Assinale a opção correta:
	Somente a assertiva IV é falsa.
	Somente a assertiva III é falsa.
	As assertivas I, II e IV são falsas.
	Somente a assertiva IV é falsa.
Parabéns! A alternativa "B" está correta.
Apenas a assertiva III é falsa, pois, para Pierre Lévy, o virtual se opõe ao atual e não ao real, ou seja, o virtual é real, embora exista enquanto potência.
2. (UFRJ/2018) Várias narrativas se utilizam de múltiplas plataformas para contar uma história. Como define Henry Jenkins em seu clássico Cultura da convergência (2008), uma narrativa transmídia:
	É composta por uma mesma história narrada em diferentes mídias.
	É uma história que usa simultaneamente áudio, vídeo e realidade aumentada.
	É uma história que busca uma experiência de imersão.
	É composta por histórias diferentes, contadas de forma autônoma em várias plataformas, mas que compõem um mesmo universo.
Parabéns! A alternativa "D" está correta.
O uso de diferentes mídias (texto e audiovisual, por exemplo) indica uma narrativa multimídia. Já a narrativa transmídia envolve a cultura participativa e diferentes plataformas na criação de um universo único e particular, como, por exemplo, o universo de Matrix (filmes, séries, HQs, videogames) ou de O senhor dos anéis (livros, filmes, games).
Conclusão
Considerações finais
Discutimos neste tema algumas das principais contribuições de Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky, Pierre Lévy e Henry Jenkins para a constituição de um quadro teórico capaz de nos ajudar a compreender o atual estágio da cultura midiática nas sociedades contemporâneas. Foram quatro formas distintas de descrever o nosso tempo.
Para além de suas afinidades e diferenças, da questão de saber qual seria a mais pertinente para analisar o nosso Zeitgeist, do problema da ruptura ou continuidade em relação aos debates modernos e pós-modernos, todos os conceitos e as teorias apresentados aqui servem para afinar a nossa sensibilidade e o nosso intelecto para as características mais singulares do nosso momento histórico. Por isso, eles são necessários não apenas para indicar caminhos conceituais a serem trilhados, mas também para nos ajudar a encontrar novos objetos de estudo e novas formas de criação.
Explore +
Além das obras referenciadas neste tema – e que, em sua maioria, por terem sido escritas a um grande público, apresentam uma leitura agradável e elucidativa – selecionamos alguns vídeos com os autores mencionados para que você possa ter contato com as pessoas que estão escondidas atrás das linhas e dos constructos teóricos apresentados em seus livros.
Zygmunt Bauman
Por ser um autor celebrado no Brasil, há muitas entrevistas concedidas por Bauman a veículos de comunicação nacionais. Destacamos a conversa que ele teve com jornalista Alberto Dines, para o Observatório da Imprensa, disponível na internet e intitulada de Observatório da Imprensa entrevista o sociólogo Zygmunt Bauman.
Também recomendamos que pesquise em seu navegador e assista aos seguintes vídeos:
	Zygmunt Bauman – A amizade Facebook
	Zygmunt Bauman – O que é pós-modernidade?
Gilles Lipovetsky
Para saber mais sobre as posições do filósofo em relação à liberdade e ao indivíduo, confira o documentário português O Valor da Liberdade, produzido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Também sugerimos que pesquise em seu navegador e assista aos seguintes vídeos:
	Gilles Lipovetsky – O que é “individualismo” afinal?
	Gilles Lipovetsky – A identidade na era Facebook
Pierre Lévy
Assim como Bauman e Lipovetsky, Lévy é um filósofo que veio em diversas ocasiões ao Brasil. Há várias entrevistas concedidas a veículos nacionais, mas destacamos aqui uma entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2001, ainda no calor do lançamento das suas obras mais relevantes. Pesquise em seu navegador e assista!
Outros vídeos para se aprofundar nos conceitos trabalhados por esse filósofo são:
	Pierre Lévy – Inteligência coletiva na prática
	Pierre Lévy – O que é o virtual?
	Pierre Lévy – A internet não é exatamente o que você pensa
Henry Jenkins
Para ouvir o próprio Jenkins dando uma aula sobre seu conceito de cultura participativa, recomendamos sua palestra durante uma TEDx-Talk em 2010, intitulada TEDxNYED – Henry Jenkins – 03/06/10.
TEDx-Talk
TED é uma organização midiática norte-americana sem fins lucrativos dedicadaà disseminação de ideias, o que geralmente se dá na forma de palestras curtas. Fundada em 1984, a TED começou organizando conferências sobre Tecnologia, Entretenimento e Design (daí o acrônimo do nome). Atualmente, as conferências abrangem diversos tópicos. Já os eventos TEDx são independentes e podem ser organizados por qualquer pessoa ou instituição desde que obtenha uma licença gratuita da TED e que concorde em seguir certas diretrizes como, por exemplo, o formato das palestras.
Para saber mais sobre o poder da mídia em um mundo transmidiático do século XXI, assista ao vídeo Jenkins falando de Cultura da Convergência.
Para compreender a crítica de Saskia Sassen a Jenkins, assista ao vídeo Saskia Sassen – As contradições da inteligência coletiva.
Para se aprofundar mais neste tema, recomendamos a leitura dos seguintes livros:
BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
BAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
BAUMAN, Z. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
GITELMAN, L. Always Already New: Media, History, and the Data of Culture. Cambridge, Mass. Londres: The MIT Press, 2008.
JENKINS, H. Textual Poachers: Television Fans & Participatory Culture. Nova York: Routledge, 1992.
JENKINS, H. Fans, Bloggers, and Gamers: Exploring Participatory Culture. Nova York: NYU Press, 2006.
LEVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Tradução: Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o Futuro do Pensamento na era da Informática. Tradução: Carlos Irineu Da Costa. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
LÉVY, P. O que é o virtual? Tradução: Paulo Neves. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
LYOTARD, J. F. A condição pós-moderna. Tradução: Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
SANTOS, J. F. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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