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Resenha _O Poço

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O Poço: Um propósito para descer
O Poço. Direção: Galder Gaztelu-Urrutia. Produção: Basque Films, Euskal Irrati Telebista
(EiTB) e Latido Films. Intérpretes: Ivan Massagué, Zorion Eguileor, Antonia San Juan,
Emilio Buale, Alexandra Masangkay, Algis Arlauskas e Eric Goode. Roteiro: David Desola e
Pedro Rivero. Distribuidor internacional e brasileiro: Netflix, 2019 (94min).
Apesar da palavra “óbvio” tomar conta do filme em seu começo, “O Poço” está longe
de ser óbvio. “El Hoyo”, em espanhol, é um filme de terror e thriller psicológico com direção
de Galder Gaztelu-Urrutia, lançado em 2019. O longa já ganhou alguns prêmios como o
Prêmio Goya de Melhores Efeitos Especiais e também o Gaudí Award for Best Visual
Effects. Além disso, Gaztelu-Urrutia foi um dos indicados ao Prêmio Goya de Melhor Diretor
Revelação pela direção de “O Poço”.
A história começa quando o protagonista Goreng acorda no andar 48 do Centro
Vertical de Autogestão (CVA), comumente chamado de poço pelos seus prisioneiros, que
seria parecido com um enorme prédio. A primeira pessoa que ele vê é o seu colega de andar,
Trimagasi, um senhor que já está há muito tempo naquele lugar e conhece todas suas
peculiaridades. Todo mês, as pessoas trocam de andar, perambulando entre os mais baixos e
os mais altos. A dúvida dessas pessoas durante todo mês, é saber o que elas irão comer. No
andar 48, a comida é a sobra do andar 47, que foi a sobra do andar 46 e assim é como
funciona o mecanismo do poço. Goreng, inicialmente, não dá muita importância para a
comida que chega para eles, já que é comum ela vir cuspida e pisada pelos andares anteriores.
No entanto, Trimagasi sabe que é sortudo por ter sobrado comida e que em alguns andares
chegam apenas os pratos quebrados.
Mesmo que o filme não apresente tanta obviedade, muitas críticas que estão presentes
nele, apresentam. A crítica à sociedade do consumo logo no começo, com o comercial da faca
que fica cada vez mais afiada quando usada, é óbvia. Todo o discurso de que se unir para um
bem maior é necessário, é óbvio. E também é óbvio que o mecanismo do projeto é totalmente
injusto, o que é percebido por Goreng assim que ele conhece mais a fundo as regras.
Podemos reparar também a crítica à tão controversa ideia de meritocracia, que tem
como objetivo avaliar as pessoas somente pelos seus próprios méritos, sem importar de onde
vieram ou se são ricas ou pobres. Para aqueles que defendem esse conceito, a meritocracia
seria um ideal de organização da sociedade, onde os mais inteligentes, esforçados e capazes
teriam maior destaque. Em tese, o sistema seria justo. No entanto, a meritocracia acaba por
aumentar o abismo existente entre a elite e a população. Em O Poço, contudo, a escolha dos
andares para cada prisioneiro é totalmente aleatória. A posição muda a cada mês, portanto em
um mês a pessoa pode estar em um andar alto e no outro mês pode estar em um dos últimos
andares, sem nem ter o que comer. Ou seja, as pessoas não têm nenhuma influência nessa
escolha, mostrando logo de cara, a opinião contra o sistema meritocrático.
O que chama muito a atenção dos espectadores também, é o egoísmo presente na
sociedade, não só nas pessoas do poço, mas em todas no geral, sendo apenas mais evidente
pelas que passam pelo sufoco que é essa prisão. Mesmo tendo em suas memórias tudo o que
passaram nos andares mais inferiores, onde apenas a fome chega e a comida não, essas
pessoas continuam não apresentando mudança alguma após a troca de andar. Se esbaldando,
comendo tudo o que aguentam antes da plataforma descer, sem se colocar no lugar daqueles
que neste mês passam fome. Talvez não seja apenas egoísmo, mas também o fato de que não
acreditam nos outros. Afinal, não tem como afirmar que todos façam a mesma coisa que eles,
então é melhor comer mais do que o necessário e aproveitar os privilégios enquanto pode.
E aí que o filme traz o conceito de consciência de classe. Quando seu colega de andar,
Trimagasi, é morto, Goreng vai para o andar 33 onde sua nova colega é Imoguiri. Ele a
reconhece como uma das funcionárias do CVA, que fez sua entrevista no processo de
admissão no poço. Ao conversar com Goreng, ela explica que se voluntariou para estar ali
por causa do seu estágio terminal de câncer, revelando que não tinha nada a perder. Ela
acredita que possa existir um sistema de solidariedade espontânea, onde as pessoas
racionariam a comida, de forma com que todas conseguissem comer. Porém, não é fácil
convencer os demais e Goreng sabia disso, já que Trimagasi teria lhe ensinado que os de cima
não escutam os de baixo e também não querem ser comunistas.
Logo no começo do filme, Trimagasi fala que existem três classes de pessoas: as de
cima, as de baixo e as que caem. Mas as que caem não são aquelas de baixo e sim, aquelas
mais privilegiadas, as de cima. E por que isso aconteceria? Pelo conhecimento popular, existe
a frase “Depressão é doença de rico”, o que caracteriza bastante o que acontece no poço.
Vivemos a vida tendo sempre um propósito em mente, por mais bobo que possa ser, é um
motivo para continuar vivo. No mecanismo do filme, os ricos seriam aqueles que estão em
cima, que sempre tem o que comer, logo, sem preocupações ou objetivos. Já os pobres, que
seriam os andares mais baixos, estão sempre pensando o que irão comer naquele dia, tendo
em mente que precisam sobreviver dia após dia. Para alguns, a falta de um objetivo é
enlouquecedora e, com isso, acabam por cometer suicídio. Isso leva o ser humano a estar
sempre em busca de um propósito. Temos como exemplo a personagem Mahuri, que todo
mês desce a procura do seu filho perdido, apesar das maioria das pessoas afirmarem que não
existe filho nenhum.
Após o suicídio de Imoguiri no nível 202, Goreng acorda no nível 6 com seu novo
colega. Baharat tinha um propósito: sair do poço. Até mesmo levou consigo uma corda para
que pudesse subir os níveis um por um até chegar no andar zero. O problema, porém, é que
quem está acima não escuta quem está abaixo e com isso Baharat passa por algumas
inconveniências quando tenta convencê-los, perdendo totalmente a sua meta e sua corda.
Com isso, começa a busca por outro desígnio, algo que fizesse com que o mecanismo
do poço quebrasse e que daria um fim naquilo. A revolução de Baharat e Goreng começou no
andar 6 e o plano era descer junto com a plataforma de refeição até o último andar, para
distribuir cada porção de comida igualmente para cada um e assim fazer com que todos
conseguissem comer. Goreng e Baharat decidiram deixar os primeiros 50 andares sem
refeição naquele dia, já que era certo que eles comeriam no dia seguinte. Com a fala de um
senhor muito sábio, o objetivo da missão muda. Não basta apenas fazer com que todos
comam, teria que mandar uma mensagem para a administração do CVA. E essa mensagem
seria um prato delicioso que voltasse intacto ao nível 0. O escolhido foi a panna cotta, e se
tornou a protegida pelos dois homens, que enfrentaram vários obstáculos (até mesmo quase a
morte) até chegar ao último andar.
A surpresa do andar 333 é que o filho perdido de Mahuri está nele e que na verdade é
uma menina. Uma menina faminta que olhava para a panna cotta com muito desejo. Goreng
decide dar a sobremesa para ela, mesmo Baharat não concordando com a ideia. A motivação
que eles tinham antes de alimentar todos, passou a ser levar a mensagem à administração e
por conseguinte, o objetivo foi salvar a menina e enviá-la para a administração. Tudo isso foi
um propósito para viverem, um propósito para continuarem a lutar e nunca desistir.
O fim do filme dividiu opiniões, apesar de ter sido muito julgado por não apresentar
um final com clareza, acredito que esse tipo de filme é mais interessante quando não se tem
um só final, mas sim, vários possíveis. No desfecho, Goreng decide não subir com a menina
na plataforma, já que a mensagem é mais importante que o mensageiro. Estava muito
machucado e acabou por entregar-se à morte. Conseguiu concluir seu propósitoao descer
todos aqueles andares e seguiu caminho ao lado da alucinação de seu antigo companheiro de
poço, Trimagasi, o mesmo que o recebeu ali.
Não sabemos se a mensagem foi realmente entregue ou se foi compreendida da forma
correta, mas sabemos que o filme passa uma lição de que as pessoas ainda podem se unir por
um bem maior. Ainda podemos abandonar o instinto animal, os privilégios e a violência para
ter modos de vida mais justos para todos.
Referências:
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-258016/creditos/
https://www.todamateria.com.br/meritocracia/
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/consciencia-de-classe.htm
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-258016/creditos/
https://www.todamateria.com.br/meritocracia/
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/consciencia-de-classe.htm

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