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CENTRO UNIVERSITÁRIO INTA – UNINTA CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL SARA SAMPAIO TEIXEIRA POLITICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UMA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA SOBRAL – CE 2018 SARA SAMPAIO TEIXEIRA POLITICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UMA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário – UNINTA, como requisito parcial para a obtenção do título de graduação em Bacharelado em Serviço Social, sob a orientação da Prof ª Me. Maria Isabele Duarte de Souza. SOBRAL-CE 2018 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito necessário para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Qualquer citação atenderá as normas da ética científica. ___________________________________ TCC aprovado em: __/__/____ _______________________________________________________ Profª Me. Maria Isabele Duarte de Souza Orientadora _______________________________________________________ Profª Me. Francisca Lopes de Souza Examinadora 1 _______________________________________________________ Profª Esp. Nayara Machado Melo Ponte Examinador 2 _______________________________________________________ Profª Esp. Nayara Machado Melo Ponte Coordenadora do Curso de Bacharelado em Serviço Social Centro Universitário Inta – UNINTA AGRADECIMENTOS A Deus, por me conceder o dom da vida e está presente em todos os momentos me abençoando e encorajando para não desistir diante dos obstáculos que surgem no dia a dia, e também por me dar a oportunidade de concluir a primeira fase da minha carreira profissional. A minha mãe Maria Leonor Sampaio, pelo incentivo e apoio que me deu ao longo da caminhada, sempre se mostrando disposta a ajudar e apoiar durante os meus estudos. Ao meu irmão, avós, tios e primos, que desde o início torceram e acreditaram na minha capacidade. A minha tia Onetes, que me abrigou durante todo este período. Ao namorado, Valdir Lopes, pelo apoio que sempre me deu e por acreditar que eu seria capaz. A minha orientadora, Maria Isabele Duarte de Souza, pela paciência, empenho, dedicação e incentivo que teve ao longo desse trabalho. Sou imensamente grato por ter contribuído com esse momento de minha formação. Aos amigos, Francisco Fábio Damasceno, Gleiciane Eugenio, Jeânia Pessoa, Rosane Ferreira, Mariane Tomas, por todos os momentos convividos ao longo do curso e a amizade que firmamos, no qual fomos capazes de dividir não só um espaço físico de sala de aula, mas a própria vida, compartilhando experiências e conhecimentos. A amiga e quase pertencente à família, Elaine Linhares, pela confiança e apoio que me deu desde quando comecei a faculdade. As minhas amigas de quase uma década, Luana Araújo, Leiane Moreira, Cleiciane Araújo e Jocelene Valente por todos os momentos que tivemos desde quando nos conhecemos. Obrigado pelo companheirismo, confiança. A minha amiga Dávila por ajudar a me transportar durante o período estudantil, meus sinceros agradecimentos a ela. Enfim, a todos que acreditaram no meu potencial e me deram forças para não desanimar diante das dificuldades. A cada um, minha gratidão. “Que todos os nossos esforços estejam sempre focados no desafio à impossibilidade. Todas as grandes conquistas humanas vieram daquilo que parecia impossível.” Charles Chaplin SUMÁRIO 1. Introdução ........................................................................................................ 09 2. Contextualizando a Categoria Gênero ........................................................... 14 2.1. Gênero: uma Questão de Poder e de Dominação ..................................... 14 2.2. Um Estudo Sobre Desigualdade de Gênero .............................................. 21 3. Violência Contra a Mulher ............................................................................... 26 3.1. O Fenômeno de Violência Contra a mulher ............................................... 27 3.2. As Diversas Concepções de Violência Contra a Mulher ............................ 31 4. Políticas Públicas e Legislação no Enfrentamento a Violência Contra a Mulher ............................................................................................................... 38 4.1. Iniciativas Legais no Combate a Violência Contra a mulher e os Movimentos Feministas ............................................................................. 38 4.2. Os Desafios das Políticas Públicas no Enfrentamento a Violência Contra a mulher ....................................................................................................... 45 5. Considerações Finais ...................................................................................... 51 Referências............................................................................................................ 53 RESUMO Esse estudo tem por objetivo analisar as Políticas Públicas no Enfrentamento a Violência Contra a Mulher. Para isso é necessário conhecer quais os desafios que essas políticas públicas enfrentam para combater a violência contra a mulher. Diante disso busca-se compreender a violência contra a mulher a partir da perspectiva de gênero, fazer um resgate histórico sobre a categoria gênero na perspectiva de poder e de dominação e as desigualdades que esta questão nos traz. Para fazer um estudo mais acentuado temos os principais objetivos específicos: identificar os desafios enfrentados pelas políticas públicas no enfrentamento a violência contra a mulher; conhecer o contexto histórico e atual da violência contra a mulher. De um modo geral, o trabalho irá pontuar os desafios enfrentados pelas políticas públicas em meio a uma sociedade machista, mesmo com tantos avanços e conquistas garantidas às mulheres. Finaliza-se o trabalho com uma reflexão sobre algumas políticas públicas existentes e como a Lei Maria da Penha as fortaleceu. Busca compreender a oferta de serviços públicos através das Delegacias Especializadas, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), se de fato estes serviços propiciam atendimento de qualidade às mulheres em situação de violência. Palavras chaves: Violência Contra a Mulher, Políticas Públicas e Gênero. 9 1. INTRODUÇÃO O principal objetivo deste estudo é analisar a atuação das políticas públicas no enfrentamento da violência contra a mulher a partir de uma pesquisa bibliográfica. Os objetivos específicos são: identificar os desafios enfrentados pelas políticas públicas no enfrentamento a violência contra a mulher e conhecer o contexto histórico e atual da violência contra a mulher. Sabemos que a violência contra a mulher é uma das formas de agressão ao ser humano, é consequência direta do aspecto cultural de nossa sociedade machista e patriarcal, ou seja, é uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Nesse sentido, é mais comum a mulher vítima de violência se calar diante da violência sofrida, esta ideia nega a complexidade do problema e atribui à violência um caráter individual. De modo geral, este trabalho irá abordar a atuação das políticas públicas no enfrentamento a violência contra a mulher, fazer um resgate histórico dessas políticas públicas no enfrentamento a essa questão. A escolha deste assunto partiu da curiosidade de como se dá atuação dessas políticas públicas ao enfrentamento deste tipo de violência e o resultado da observância e vivência de uma cena que chamou muito minhaatenção. Pude observar em uma terça-feira de carnaval na cidade de Granja por volta das 04h00min da manhã um casal começou uma discussão, poucos minutos depois um rapaz começou a agredir sua companheira com socos, chutes, palavrões, puxões de cabelos, todos olhavam aquela cena, mas ninguém fez nada até os policiais chegarem, quando o agressor foi levado para depor. Mas também razões que levaram a pesquisar sobre essa temática são de interesse pessoal, pois cresci em um meio familiar onde os homens tinham e tem atitudes machistas ao extremo, ouvia muito falar que lugar da mulher é em casa cuidando dos filhos e da casa, e ficava observando o comportamento machismo deles, isso me despertou curiosidades. A questão abordada nessa pesquisa será olhar de forma particular os desafios que as políticas públicas têm sobre o enfrentamento a violência contra a mulher. 10 Portanto esse estudo, propõe compreender como as políticas públicas atuam no enfrentamento da violência contra a mulher. De início o estudo fará um resgate sobre a categoria gênero, como se deu seu desenvolvimento na sociedade, em seguida abordará sobre o fenômeno da violência contra a mulher e por fim, versará sobre as políticas públicas que devem atuar no enfrentamento a este tipo de violência. A violência contra a mulher é uma das formas de agressão ao ser humano, tendo em vista que historicamente a mulher se submetia a um modelo de sociedade, nascendo, portanto, para obedecer ao homem. É possível reconhecer o quanto a violência contra a mulher é um problema social, cultural, ético e extremamente complexo, e pouco visível, em virtude do temor por parte das vítimas em denunciarem o agressor, tornando-se muitas vezes um segredo familiar. A Lei Maria da Penha (2006) fortaleceu a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (2003) traz consigo os órgãos e instituições que buscam garantir o enfrentamento desse tipo de violência, junto a esta política temos os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), Casas-abrigo, Juizados de Violência Doméstica, Delegacias da Mulher, Central de Atendimento à Mulher, Ouvidorias, Defensorias da Mulher e os Serviços de Saúde. Este trabalho configura-se em uma pesquisa exploratória, qualitativa e bibliográfica. Nesta direção, as abordagens qualitativas e exploratórias não se opõem ou se excluem mutuamente como objeto de análise, pois a combinação entre ambas contribui para o enriquecimento e resolução do problema de pesquisa apresentado. Assim, os pesquisadores qualitativos recusam o modelo positivista aplicado ao estudo da vida social, uma vez que o pesquisador não pode fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e crenças contaminem a pesquisa. (GOLDEMBERD 1997, p. 34, apud SILVEIRA, 2009 p. 31 e 32). Os pesquisadores que utilizam o método qualitativo buscam explicar o porquê das coisas, revelar o que convém ser feito e os dados analisados não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais. 11 A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2001, apud SILVEIRA, CORDOVA 2009, p. 32). Este trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa, com investigação científica na busca de artigos científicos, livros, TCCs, focar no objeto de estudo tentando perceber as particularidades e experiências baseadas em outros autores, para assim, descrever, compreender e explicar o assunto abordado. A perspectiva do estudo exploratório busca conhecer com maior profundidade o assunto, de modo a torná-lo mais claro ou construir questões importantes para a condução da pesquisa. A pesquisa exploratória é desenvolvida no sentido de proporcionar uma visão geral acerca de determinado fato. Portanto, esse tipo de pesquisa é realizado, sobretudo, quando o tema escolhido é pouco exploratório e torna- se difícil formular hipóteses precisas e operacionalizáveis. (GIL, 1999, p. 80). Este trabalho consiste em uma pesquisa exploratória que nos dá a oportunidade de descobrir novas ideias, procura esclarecer e definir a natureza de um problema e absorver informações para desenvolver pesquisas conclusivas. Nos permite mais proximidade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito e passível de construir hipóteses. A pesquisa bibliográfica, segundo Gil (2010, p.29-31), “é elaborada com base em material já publicado, [...], tradicionalmente esta modalidade de pesquisa inclui material impresso como livros, revistas, jornais, teses, dissertações anais e artigos científicos [...]”. Esta pesquisa será baseada em artigos científicos, livros, TCCs que já foram publicados e que falam sobre o tema abordado e autores como: Saffioti, Silveira, Goldemberd, Cordova, Gil, Benoit, Scott, Foucault, Araújo, Freire, Martinez, Martins, Arantes, Teles, Mello, Sorj, Brito, Schraiber, Ramos, Rangel, Hirigoyen, Mathieu, Minayo, Gomes. A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Essa vantagem torna-se particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço. Por exemplo, seria impossível a um pesquisador percorrer todo o território brasileiro em busca de dados sobre população ou renda per capita; todavia, se tem a sua disposição uma bibliografia adequada, não terá maiores obstáculos para contar com as 12 informações requeridas. A pesquisa bibliográfica também é indispensável nos estudos históricos. Em muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados se não com base em dados bibliográficos. (GIL, 2010, p. 30). A vantagem da pesquisa bibliográfica é que nos dá a oportunidade de ler, investigar outros artigos que fale do mesmo tema que está sendo abordado, a partir do estudo de textos impressos ou digitais. Trata-se portanto de pesquisar em fontes diversas e nos livros e documentos escritos as informações necessárias para progredir no estudo de um tema de interesse. O presente trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo aborda a categoria gênero, faz um resgate histórico de como essa categoria se constrói na perspectiva de poder e de dominação e as desigualdades que constitui. Este trabalho irá buscar compreender o envolvimento de gênero na sociedade, fazendo um levantamento histórico. Ainda com base no conceito de gênero, segue com discussões sobre as relações de poder e dominação ainda presentes no cotidiano da sociedade. O capítulo dois traz a discussão sobre o conceito de violência contra a mulher com o intuito de compreender porque esse fenômeno é tão frequente na sociedade e que continua a ser um grave problema social apesar das lutas dos movimentos feministas existentes. Segundo Barstead (1998), os danos causados pela violência poderão ser vistos por muito tempo na vida das mulheres, devido a carência de atendimentos em serviços adequados para as mulheres que tomam coragem para denunciar o agressor, somando a falta de políticas públicas eficazes para o combate a essa violência. No último capítulo, o estudo volta-se para a legislação que combate a violência contra a mulher, bem como sobre como se dá a atuação das políticas públicas no contexto do combate à violência contra a mulher. Trazemos ainda as considerações finais sobre o conteúdo trabalhado, a partir de uma visão crítica sobre o funcionamento das políticas públicas no atual contexto histórico em que se encontra o país. Nesse aspecto, ressaltamos a necessidadeda sociedade também tomar conhecimento de estudos que discutem a violência contra a mulher, pois a medida em que a sociedade silencia as violências presenciadas, automaticamente ela se torna cúmplice dessas vivências e compactua 13 com o agressor, permitindo que as agressões avancem de forma cada vez mais grave. Este trabalho é de grande importância para a conclusão do curso de graduação em Serviço Social no Centro Universitário INTA – UNINTA. Podemos escolher um tema que despertava curiosidade dentre vários assuntos discutidos em sala de aula através das diversas disciplinas ao longo do curso. Todavia, a partir dessa escolha buscamos aprimorar os conhecimentos para obter uma boa formação profissional, com qualificação que o mercado de trabalho exige. 14 2. Contextualizando a Categoria Gênero Para as ciências sociais e humanas, o conceito de gênero refere-se a uma construção social do sexo anatômico. Com a criação para a distinção biológica da dimensão biológica, com base na dimensão social, o significado de gênero volta-se para que homens e mulheres são produtos da realidade social e não decorrência da anatomia de seus corpos. Segundo Scott (1995) o conceito de gênero teve sua criação para opor-se a um determinismo biológico nas relações entre os sexos masculino e feminino para dá um caráter igualitário fundamental na sociedade. Para a autora, gênero vai ser um elemento constitutivo das relações sociais fundadas nas diferenças entre os sexos, fazendo com que gênero seja o primeiro a dar significado às relações de poder e dominação. As diferenças entre masculino e feminino têm fundamentos em símbolos culturalmente disponíveis que mostram representações simbólicas e mitos. Além disso, gênero também aborda questões de identidade subjetiva. A partir da conceituação de gênero percebemos que há uma organização concreta e simbólica da vida social e as ligações de poder nas relações entre os sexos. Gênero refere a preocupação com a construção das identidades do masculino e do feminino fazendo com o que homens e mulheres tenham seus limites, a qual a história deve se libertar. 2.1. Gênero: Uma Questão de Poder e de Dominação Compreende-se por gênero o poder nas relações entre os sexos, que contribui para a violência contra a mulher, pois se trata de uma dominação masculina sobre a feminina, deste do início das sociedades contemporâneas as mulheres eram vistas apenas para servirem ao marido e aos seus filhos. Os homens 15 não nascem prontos, não nascem violentos, os homens se tornam assim por serem educados para serem os dominadores. O espaço específico em que se percebe a evolução sobre a discussão de gênero emergiu com força nos estudos sobre a questão da dominação do masculino sobre o feminino. Segundo Saffioti (2004) gênero está longe de ser um conceito neutro, ele carrega uma dose de ideologia, justamente a patriarcal, que causa uma desigualdade entre homens e mulheres. Assim, se gênero é um conceito útil, rico e vasto, sua ambiguidade deveria ser entendida como uma ferramenta para maquiar exatamente aquilo que interessa ao feminismo: o patriarcado, como um fato inegável para o qual não cabem as imensas críticas que surgiram (SAFFIOTI, 2004, p. 80). Gênero vai surgir como conceito cientifico a partir da ligação com os movimentos feministas, os quais vem relatando as condições das mulheres na sociedade ocidental deste o século XIX. No início da história sobre a categoria gênero, referia-se a participação das mulheres em poderem votar. Para compreendermos as relações de gênero foi preciso perpassar por várias conceituações e estudos sobre a construção dos papeis de masculinos e femininos; tendo como aprendizagem as formas de identidade dos sujeitos; sexualidade; e o enfoque maior trata sobre a violência contra a mulher, discussões essas voltadas para a masculinidade, até a situação em que conseguem relacionar gênero e poder, considerando que a subordinação feminina não é natural. Podemos perceber que as primeiras concepções sobre as relações de gênero tinham como enfoque o masculino e feminino, os dominantes e dominados, com base no sistema sexo/gênero, restringindo apenas na questão biológica. Ao tratar o poder de dominação era abordado o atributo único dos homens, pois muitas das vezes tratando gênero como um destino e vitimizando a mulher. No período de 1970-1980, gênero começa a ser discutido a partir de um movimento feminista que se articulava com a esquerda brasileira na luta contra a ditadura militar. Segundo Queiroz (2008), o primeiro estudioso a estudar sobre gênero em 1968 foi Stoller, porém o termo não foi adotado amplamente tendo mais destaque apenas em 1975. 16 Benoit (2000), fala que o surgimento das discussões sobre gênero se deram pelos estudos científicos sobre as mulheres. Em 1980 surge no Brasil e é legitimado no meio acadêmico, os chamados estudos de gênero que trouxe conceitos sobre as condições das mulheres na sociedade, fazendo com o que o movimento feminista repensasse as questões primordiais. As pesquisas acadêmicas sobre o assunto contribuíram para um avanço teórico dos temas trabalhados pelo movimento feminista de outrora. Passaram a utilizar teóricas como Joan Scott que trata a categoria gênero em seu aspecto relacional, analisando o caráter social das diferenças entre mulheres e homens. Considera-se, dessa maneira, de suma importância “a superação de um suposto reducionismo biológico que sobre determinava as diversas categorias da anterior reflexão feminista: conceitos como “luta entre os sexos”, “diferenças sexuais entre mulher – homem”, dentre outras. [...] O gênero enfatiza o aspecto relacional das definições normativas de feminidade”. (BENOIT 200, p.77). Entretanto, somente no final do século XX a categoria gênero vai ganhar repercussão como preocupação maior no meio teórico, pois se encontrava ausente em grande parte das teorias sociais, desde o século XVII até o início do século XX. A partir de então, gênero surge como um termo científico e é adotado pelas ciências sociais. Scott acredita ser uma atitude empreendida por algumas feministas da contemporaneidade que consideravam as desigualdades, existentes entre homens e mulheres, insuficientes para definir diferenças. Segundo a autora “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1990 p. 14). A partir desse contexto a autora apresenta três elementos necessários para entendermos a categoria gênero: os símbolos culturais que remetem a representações simbólicas, como as figuras religiosas de Eva e Maria; os conceitos normativos encontrados na religião, na política, na educação e o sistema político; a identidade subjetiva que deve ser compreendida na sua construção histórica e relacionada com as atividades, organizações e representações sociais. A autora conceitua gênero como primeiro modo das relações de poder: [...] um primeiro campo no seio do qual ou por meio do qual, o poder é articulado. O gênero não é o único campo, mas ele parece ter constituído um meio persistente e recorrente de dar eficácia á significação do poder no 17 Ocidente, nas tradições judaicas cristãs e islâmicas. [...] O gênero é então um meio de codificar o sentido e de compreender as relações complexas entre diversas formas de interação humana. Quando as (os) historiadoras (es) buscam encontrar as maneiras pelas quais o conceito de gênero legitima e constrói as relações sociais, elas (eles) começam a compreender a natureza recíproca do gênero e da sociedade e as maneiras particulares e situadas dentro de contextos específicos, pelas quais a política constrói o gênero, e o gênero constrói apolítica (SCOTT,1990 p. 16-17). É uma das primeiras maneiras de significar as relações de poder e dominação, portanto, podemos compreender que faz parte da construção social do feminino e do masculino. Não se pode dizer que gênero é único quando se fala sobre poder e dominação, mas ele é o fundamento que possibilita o entendimento da organização da vida social. Dizer o que é ser homem e o que é ser mulher, seus papeis e funções diferentes, retratam nas identidades sociais de onde surgem as relações de poder e colocam essas categorias em situações opostas e desiguais. Entretanto gênero não é uma indagação que trata de diferença sexual, mas sim de uma relação social entre homens e mulheres, homem/homem; mulher/mulher entendendo como se constrói seres sociais. É uma categoria analítica, descritiva e também histórica. Tem como objetivo, dar conta da discussão de dominação da mulher, sua reprodução e as formas variadas que sustentam a masculinidade na sociedade, através das desigualdades de gênero. As relações de poder estão relacionadas às transformações sociais, políticas, econômicas e culturais de cada período histórico vivido pela sociedade. Essas modificações têm um propósito, elas não acontecem do nada, essas transformações ocorrem ao longo dos séculos. Percebemos que esse assunto ganha mais ênfase no século XIX, período em que cresce a grande industrialização na Inglaterra, em várias partes do mundo e no país. As relações de poder apresentam desigualdades e diferenças, as expressões de análise sobre a categoria gênero, classe social, sexualidade, raça/etnia, tem seu histórico demarcado por hierarquias, violências, discriminações e desigualdades, já que o poder vem se manifestando de forma errada, trazendo consequências para as mulheres através da violência. Foucault (1993) discute sobre o poder e apresenta suas dimensões micro e macro, para especificar as relações de 18 gênero, pois mesmo que as mulheres detenham um pequeno poder, os homens não deixam de exercer o poder: Lembremos a célebre frase de Foucault: “o poder se exerce, não se possui. Não se guarda numa caixinha”, ou em um armário. Ele produz verdades, disciplinas e ordem, mas também está sempre em perigo e ameaçado de perder-se. Por isso, não são suficientes leis e normas, ameaças cumpridas e castigos exemplares. As (os) dominadas (os) têm um campo de possibilidades de readequação de obediência aparente, mas desobediência real, resistência, manipulação da subordinação. Daí então é que os lugares de controle sobre as mulheres – em nossas sociedades- o desempenho dos papéis das mães-esposas-donas de casa – sejam também espaços de poder das mulheres: o reprodutivo, o acesso ao corpo e a sedução, a organização da vida doméstica. [...] Tornam-se então espaços contraditórios inseguros. Sempre em tensão. As mulheres podem, por exemplo, ter filhos que não sejam do marido, aparentar esterilidade ou se negar simplesmente a tê-los, engravidar em momentos inoportunos, se relacionar sexualmente com outras e outros, seduzir com diferentes objetivos, se negar a trabalhar no lar impedindo a sobrevivência de seus integrantes, incluindo-se aí as crianças recém- nascidas, etc (FOUCAULT, 1993, p. 12). Ao refletirmos sobre gênero, percebemos contradições e dilemas ao buscar entender que homens e mulheres vivem relações e experiências distintas, vendo que na sociedade não existe igualdade de gênero. O capitalismo é um dos grandes responsáveis pelas desigualdades de gênero, tendo em vista que os trabalhos eram divididos onde o poder maior ficaria ao homem por ser mais forte do que a mulher. A violência de gênero se reproduz na indagação da ordem patriarcal, que dá ao homem o direito de dominar e controlar suas esposas. A partir disso a ordem patriarcal é vista como principal fator para a produção da violência de gênero, tendo como legitimação as desigualdades e a dominação do masculino sobre o feminino. Segundo Bourdieu (1999) a dominação masculina, refere-se uma "dominação simbólica" sobre o social, mentes e corpos, práticas sociais e institucionais, causando a desigualdade de gênero. Para ele, a dominação masculina estrutura a percepção e a organização concreta e simbólica de toda a vida social. Essa teoria da opressão do masculino sobre o feminino vincula a sufocação das mulheres ao sistema patriarcal, esse assunto foi por muito tempo estudado por autores que tentaram entender essa violência. O poder de dominação do masculino sobre o feminino ainda existe não sendo tão frequente como em outras épocas. 19 Os homens e as mulheres reais nem sempre cumprem rigorosamente as prescrições de sua sociedade ou de suas categorias analíticas. Por isso, é preciso examinar as formas pelas quais as identidades generificadas são construídas e relacionar seus achados com toda uma série de atividades, organizações e representações sociais historicamente específicas. (SCOTT, 1995, p.80). No Brasil, por exemplo, a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA) nos mostra que entre 2001 a 2011, estima-se que ocorreram aproximadamente 50 mil feminicídios, ou seja, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma morte a cada uma hora e trinta minutos. Entretanto, esses números são insuficientes para traçar um perfil real e global do fenômeno. Sabemos que o problema é muito maior do que aparecem nos registros ou que são denunciados, pois os inúmeros estudos sobre essa violência cresceram, mas é impossível dizer se a violência de gênero ou violência contra a mulher cresceu ou diminuiu. Muitas mulheres aceitam a dominação masculina como algo natural e não conseguem romper a violência e a opressão em que vivem. Diante do quadro preocupante, o IPEA recomenda “o reforço às ações previstas na Lei Maria da Penha, bem como a adoção de outras medidas voltadas ao enfrentamento à violência contra a mulher, à efetiva proteção das vítimas e à redução das desigualdades de gênero no Brasil”. Apesar da ideologia de gênero1 podemos perceber outros motivos que também se fazem presentes para a submissão da mulher ao homem, como os seguintes fatores: a dependência emocional e econômica, a valorização da família e idealização do amor e do casamento, a preocupação com os filhos, o medo da perda e do desamparo diante da necessidade de enfrentar a vida sozinha, principalmente quando a mulher não conta com nenhum apoio social e familiar. No caso da violência contra a mulher ou violência de gênero, pode-se dizer que embora a dominação masculina seja um privilégio que a sociedade patriarcal concede aos homens, nem todos a utilizam da mesma maneira, 1 Ninguém nasce homem ou mulher, mas cada indivíduo deve construir sua própria identidade, isto é, seu gênero, ao longo da vida. “homem” e “mulher”, portanto seriam apenas papeis sociais flexíveis, que cada um representaria como e quando quisesse, independentemente das determinações biológicas como tendências masculinas e femininas. 20 assim como nem todas as mulheres se submetem igualmente a essa dominação. Se o poder se articula segundo o "campo de forças", e se homens e mulheres detêm parcelas de poder, embora de forma desigual, cada um lança mão das suas estratégias de poder, dominação e submissão (ARAÚJO, 2008, p. 60 apud SAFFIOT 2001, p. 71). A violência de gênero não é um fenômeno único e seus acontecimentos são diferenciados em cada situação, pode ter aspectos semelhantes, mas as diferenças acontecem de acordo com cada função e singularidade dos sujeitos envolvidos, mesmo que tenha presença de alguns fatores comuns das desigualdades de poder nas relações de gênero, cada situação tem seu problema relacionado com os contextos específicos e as histórias de vida de seus protagonistas.Para compreender a violência de gênero é importante levar em conta os aspectos culturais, universais e particulares de forma a apreender a diversidade do fenômeno. Portanto, o modelo de gênero apresentado neste capítulo procura fundamentar e compreender o seu desenvolvimento na sociedade, assim como também as diversas mudanças e acontecimentos que os estudiosos enfrentaram até chegar a uma reflexão sobre a violência de gênero na sociedade por consequência do patriarcalismo. O patriarcado é um sistema social no qual prevalece a dominação do homem, seja no âmbito institucional ou familiar. Sua origem está ligada a imigração dos povos do Norte, o começo da agricultura e a descoberta da participação masculina na fecundação. O regime patriarcal se sustenta em uma economia domesticamente organizada, sendo uma maneira de assegurar aos homens os meios necessários à produção diária e à reprodução da vida. Ele busca um pacto masculino para a garantia de opressão sobre as mulheres, de força de trabalho e de novas reprodutoras. É, por conseguinte, uma especificidade das relações de gênero, estabelecendo, a partir delas, um processo de dominação-subordinação. Este só pode, então, se configurar em uma relação social. Com base nisso, o próximo tópico irá aprofundar esse caráter, existente nas desigualdades de gênero contextualizando o seu surgimento do período neoliberal. 21 2.2. Um Estudo Sobre as Desigualdades de Gênero Ao analisar as desigualdades de gênero buscamos entender as diferentes relações entre homens e mulheres nos diversos espaços da sociedade. Segundo Smith (1999), gênero é conhecido como um sistema de praticas sociais surgidas em uma sociedade, que vai definir e constituir as pessoas como diferentes, trazendo um significado social e organiza as relações de desigualdade baseado nas diferenças. A identidade de gênero estrutura a experiência, o sentido dado ao mundo e as expectativas dos outros. As relações de gênero, no entanto, ao representarem desigualdades inscritas nas estruturas da sociedade, existem igualmente fora dos modos pelos quais as pessoas categorizam homem e mulher. Gênero é uma construção social usada para definir, explicar e justificar desigualdades (ABBOTT, 2000, p.78). A desigualdade de gênero trata de um fenômeno estrutural com raízes complexas culturalmente. Porém quando pensarmos em gênero encontramos um sistema disciplinário, que ver o papel da mulher na sociedade como no passado onde não tinha oportunidades na sociedade capitalista. As desigualdades de gênero também podem contribuir com a discriminação social e étnica-racial, apesar de todas as mudanças que vem ocorrendo na sociedade essas desigualdades são bem presentes principalmente na vida das mulheres. As análises sobre as desigualdades de gênero importam na compreensão como se constitui as relações entre homens e mulheres quando se fala em poder. O estudo de gênero na antropologia deu mais atenção às relações de parentescos identificando que o caso de desigualdade e de poder está no meio familiar. Ao levantar reflexões das relações de gênero na família, podemos perceber sua constituição como espaço de reprodução dos padrões estabelecidos pela sociedade que se configura como capitalista e patriarcal. Segundo Bruschini (2000), o papel da mulher dentro da família faz com que ela se insira em quatro diferentes esferas: produção, reprodução, sexualidade e socialização das crianças. Nesse sentido podemos observar que as mulheres têm na família um lugar de suas vivências e comunicação social, sendo responsabilizadas pela manutenção da ordem e pela organização da vida familiar. 22 As desigualdades de gênero entre homens e mulheres advêm de uma construção sociocultural que não encontra respaldo nas diferenças biológicas dadas pela natureza. Um sistema de dominação passa a considerar natural uma desigualdade socialmente construída, campo fértil para atos de discriminação e violência que se “naturalizam” e se incorporam ao cotidiano de milhares de mulheres. As relações e o espaço intrafamiliares foram historicamente interpretados como restritos e privados, proporcionando a complacência e a impunidade. (FREIRE, 2006, p. 227). A desigualdade de gênero no trabalho e na economia manifesta-se em todos os países do mundo praticamente. A diferença da renda entre homem e mulher ainda é grande, sendo que ambos fazem o mesmo trabalho. Segundo Albelda (1986), a discriminação no trabalho pode ser vista como um fenômeno dinâmico, tendo como influência os ciclos da economia e a disputa entre homens e mulheres por empregos dignos na sociedade. Emergem, particularmente na literatura mais recente, questionamentos acerca da representatividade das medidas sumárias da desigualdade de gênero, tais como o índice de segregação ocupacional de gênero e a diferença média de gênero de renda, por não refletirem as dimensões diferenciadas e mesmo conflitantes da desigualdade na atualidade (CHARLES, 2004, p. 75). A desigualdade de gênero pode causar na mulher uma grande opressão na medida em que ela sofre diferentes tipos de preconceitos e prejuízos aos padrões sociais que prevalecem entre homens e mulheres. Gênero não é tratado apenas como um dilema interpessoal, mas sim como arranjos macrossociais, tais como as leis do Estado, a estrutura do mercado de trabalho e divisão do trabalho, que vão afetar as relações de gênero. Na visão de Wright (1997), o estudo sobre desigualdade de gênero, representa ainda uma forma parcial da questão estrutural da desigualdade econômica, tendo como base as diferenças dos atributos de gênero das pessoas. A sociedade em que vivemos retrata muito bem essa desigualdade. Autores refletem sobre a desigualdade de gênero no mundo do trabalho, a economia é uma grande vilã para que o preconceito comece entre homens e mulheres. A desigualdade entre gênero no mercado de trabalho, através dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) é percebida quando as mulheres ganham 28% menos que os homens, exercendo as mesmas funções. Segundo 23 dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2004), o desemprego entre homens brancos são 5,3%, de mulheres negras é de 12,5%, que nos mostra a maior dificuldade em conseguir emprego e permanecer nele. Sendo que os princípios de igualdade impõem dois conceitos: Primeiro é de que a lei não pode fazer distinções entre pessoas que consideram iguais, deve tratar todos do mesmo modo; 2º o de que a lei pode, ou melhor, deve fazer distinções para buscar igualar a desigualdade real existente no meio social, o que ela faz, por exemplo, isentando certas pessoas de pagar tributos; protegendo idosos e menores de idade; criando regras de proteção ao consumidor por ser ele vulnerável diante do fornecedor. (MARTINEZ, 2014, p.1). Ao tratar da desigualdade de gênero no ambiente de trabalho, nota-se que as diferenças de gênero ainda têm possibilidade de aumentar ou reduzir o sucesso individual. A conquista do espaço público e o ingresso da mulher no mercado de trabalho foram fatores que contribuíram para a mulher ganhar espaço na sociedade. Pois o ingresso no mundo do trabalho, por si só, não foi suficiente para assegurar a emancipação feminina, porém foi necessário um avanço também em termos legislativos. Segundo Martins, no Brasil: A primeira norma que tratou do trabalho da mulher foi o Decreto nº 21.417- A, de 17-5-1932. Tal mandamento legal proibia o trabalho da mulher à noite, das 22 às 5h, vedando a remoção de pesos. Já se nota a proibição da mulher em subterrâneos, em locais insalubres e perigosos, no período de quatro semanas antes e quatro semanas depois do parto. Concedia à mulher dois descansos diários de meia hora cada um para a amamentação dos filhos, durante os primeiros seis meses de vida daqueles.(MARTINS, 2014, p.86). As relações de gênero são consequências de um processo pedagógico que se inicia no nascimento e continua ao longo da vida de cada um, trazendo sempre a questão da desigualdade entre homens e mulheres, principalmente em torno de quatro eixos: a sexualidade, a reprodução, a divisão sexual do trabalho e o âmbito público/cidadania. Nos últimos tempos a situação da mulher na sociedade tem mudado e o número de mulheres no mercado tem aumentado, sendo que as desigualdades ainda sejam tão presentes no cotidiano da mulher trabalhadora. Diferentes estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) têm 24 mostrado que as mulheres ganham menos do que os homens em diversos campos de trabalho, e que as mulheres têm menos chances de ocupar um cargo melhor remunerado. A divisão sexual do trabalho tem formas conjunturais e históricas sendo construída como prática social, conservando tradições que diferenciam tarefas masculinas e femininas na indústria. A submissão de gênero, a divisão do trabalho feminino e masculino tem se manifestado não somente na divisão de tarefas, mas na qualificação dessas tarefas, nos salários e na disciplina do trabalho. Patrícia Connelly e Michelle Barrett (1980) argumentam que as divisões no trabalho advindas das relações desiguais entre os gêneros procedem com o surgimento do capitalismo, porém adotou o uso da divisão entre homens e mulheres, assim a divisão sexual do trabalho imbricou na subordinação da mulher, mostra o capital como elemento crucial mesmo que não seja essencial, além de buscar manter a mulher na domesticidade. De um lado, baseando-se na noção de que a mulher é a parte dependente do casal, o capital tem se beneficiado da exploração direta do trabalho feminino na produção, pagando-lhe salários inferiores ao trabalho masculino, o que contribui para a desvalorização da força de trabalho como um todo. De outro lado, o capital se serve da exploração indireta do trabalho feminino, beneficiando-se das atividades desempenhadas “de graça” pela mulher no âmbito doméstico para os membros da família. Pode assim pagar salários menores ao trabalhador, já que o trabalho da mulher/mãe/esposa atende (pelo menos em parte) às necessidades de reposição física do trabalhador e, em última instância, à reprodução da mercadoria “força de trabalho” (SARDENBERG, 2001, p.20). A definição dos papeis da mulher e do homem na sociedade não se limita à considerações de características anatômicas, mas são frutos, da produção cultural. Tem uma ligação entre a constituição biológica da mulher e seu papel submisso. A partir de então a discriminação da mulher no mercado de trabalho é um reflexo das relações de gêneros que insiste na separação e distribuição de atividades de acordo com o sexo, fazendo com que a imagem feminina se situe no mundo doméstico, privado. Tânia Maria Fonseca (2000) afirma que a divisão sexual do trabalho não apenas diferencia, mas causa uma subordinação e desiguala a mulher em relação ao homem. Ao fazer isso a mulher é excluída e é vista como um sistema simbólico colocada sempre em oposição ao homem, causando o preconceito desfavorável. 25 A participação feminina no mundo do trabalho, embora tenha se intensificado de forma indiscutível, ainda tem uma grande marca de baixos salários, muito inferiores aos homens em iguais funções, tendo grandes dificuldades de chegar a cargos de direção, como mostra a pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Dieese. Essas pesquisas mostram ainda que no tempo de crise as mulheres são as primeiras a serem dispensadas, dificultando a sua recolocação. Como salienta Melo: Conquistas não significaram mudanças substanciais na estrutura social, que continuou condicionada pelos paradigmas do patriarcalismo e androcentrismo. Tal paradoxo trouxe para o discurso jurídico, tanto o desafio de redimensionar os seus fundamentos, colocando-os em sintonia com o real alcance e significado da igualdade constitucional preconizada entre mulheres e homens, bem como o esforço da efetivação dos direitos humanos, notadamente, o da igualdade, já que a incorporação formal não representou, na prática social, a adoção de medidas equalizadoras entre os gêneros. Isso implicou numa outra atuação, principalmente das mulheres e suas várias expressões de organização social, no que se referiu a adoção de um cotidiano monitoramento dos organismos, instrumentos e sujeitos sociais para a incorporação, no plano prático, da nova situação jurídica, exatamente porque, mesmo sob a vigência da Constituição Federal, muitas pessoas não conseguiram assimilar seu alcance, impondo resistências aos novos significados. (MELO, 2003, p.90). Com base nas desigualdades podemos dizer que elas não são naturais e sim produzidas, são consequências culturais. As mulheres são maiorias em termos de ganharem até meio salário mínimo, os homens nos outros níveis salariais têm participação maior, fazendo com o que a força salarial cresça cada vez mais para eles. Ao assumir formas conjunturais e históricas, a divisão sexual do trabalho tem se construído como prática social, conservando assim tradições que ordenam tarefas masculinas e femininas diferentes uma da outra no campo da indústria. As relações de gênero, são relações de poder, não são fixas e sim fluídas e mutáveis, podendo variar de sociedade para sociedade dependendo do espaço e tempo em que homens e mulheres integram. 26 3. Violência Contra a Mulher O conceito “violência contra a mulher” é frequentemente utilizado como sinônimo de violência doméstica e violência de gênero. Mas apesar da sobreposição existente entre esses conceitos, há especificidades enquanto categorias analíticas. O termo violência contra a mulher começou a ser usado no Brasil a partir da década de 70 e teve avanço rapidamente através das mobilizações feministas contra o assassinato de mulheres e impunidade dos agressores. Segundo Azevedo (1985), nos anos 80 ocorreram grandes mobilizações que se estenderam as denúncias e espancamentos e maus tratos, surgiu o nome de violência contra a mulher. No Brasil a violência contra a mulher continua sendo um grave problema social, apesar de todas as lutas dos movimentos feministas. Com o estudo de gênero a partir de 1990, alguns autores como Saffiot, Melo e Teles passaram a utilizar violência de gênero como um conceito mais amplo do que violência contra a mulher (SAFFIOT e ALMEIDA, 1995). Esse conceito de forma geral não abrange somente as mulheres, mas sim crianças e adolescentes, sendo objetos da violência em geral, que no Brasil se dá por conta da constituição das relações de gênero. Pode-se relatar que a violência contra a mulher não é apenas um fenômeno único e não acontece da mesma forma, pode ter aspectos semelhantes, porém, diferentes contextos em relação aos indivíduos envolvidos tendo em vista que cada situação retrata uma dinâmica diferente. Por isso requer muita atenção na análise e compreensão da violência contra a mulher, levando em consideração os fenômenos universais e particulares de cada indivíduo envolvido na violência. A violência contra a mulher é expressa ao longo da história como um instrumento de dominação e exploração. Ferreira (2012) relata “que por serem mulheres em uma sociedade patriarcal estão sujeitas a violência, em suas diversas dimensões.” A sociedade patriarcal atribuiu ao homem o privilégio do poder seja ele marido/companheiro ou pai. Mesmo a mulher sendo considerada a “rainha do lar” ela tem limites e está submissa ao homem. 27 3.1 O Fenômeno de Violência Contra a Mulher Nos últimos tempos o termo violência contra a mulher vem chamando muita atenção dos pesquisadores,tornando-se alvo de pesquisas científicas e acadêmicas. Antes a violência contra a mulher era um termo oculto e tornou-se público e os crimes não ficando mais impunes. Novas leis, políticas públicas e redes de apoio foram criadas para combater este tipo de crime, buscando assegurar os direitos das mulheres. Nas últimas três décadas as mulheres vêm ganhando espaço na sociedade, onde conquistou a independência financeira, reconhecimento no mercado de trabalho e um papel social diferenciado, diferente do que papel que tinha na sociedade patriarcal. Porém os inúmeros casos de violência contra a mulheres ainda ocorrem, porque “[...], a sociedade humana, na qual ainda prevalece à ideologia patriarcal, impede o pleno desenvolvimento das mulheres, discriminando-as de diferentes maneiras”. (TELES; MELLO, 2002, p.17). Segundo Lasch (1999), as mulheres foram vítimas de violência dentro da própria família, em diferentes momentos culturais e manifestações ao longo da história da humanidade. No contexto familiar a violência sempre foi justificada por fatores históricos, culturais e de gênero. Podemos dizer que a violência contra a mulher é um fenômeno recorrente e vivenciado por muitas mulheres ainda no mundo inteiro e acontecem independente de raça, idade e classe social. Em 1980 se deu o início ao combate a violência contra a mulher no Brasil, com a criação das Delegacias Especializadas em Atendimento para as mulheres (DEAMs). A partir dos anos 90 os crimes contra a mulher foram reconhecidos pela Lei dos Juizados Especiais (9099/95 de 26 de setembro de 1995), sendo classificados e julgados como um crime de menor potencial ofensivo. Nos anos 90 tivemos ainda um acordo internacional assinado pelo Brasil para combater a violência contra a mulher, porém ainda era insuficiente para o combate deste fenômeno. Só no fim dos anos 2000 tivemos visibilidade expressiva como resultado de uma lei especifica, implantação de políticas públicas e acompanhamentos para os casos de violência. 28 Os processos de socialização construídos em bases patriarcais, podem incorrer em casos de violência contra a mulher, o homem como detentor do poder como premissa do uso da violência. As mulheres são subjugadas através da violência cometida pelo os homens, tornar uma posição inferior a eles em toda vida social. Com base nesse pensamento podemos chegar a uma indicação de que o patriarcado só pode ser desenvolvido através da violência contra a mulher. Para possíveis explicações de violência contra a mulher ser tão forte no Brasil e no mundo é a questão de gênero. Segundo Sorj, [...] gênero é um produto social aprendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo das gerações. Envolve a noção de que o poder é distribuído de maneira desigual entre os sexos, cabendo às mulheres uma posição inferior historicamente e socialmente. (SORJ, 1992 apud BRITO, 2002, p. 120) A partir de então temos a noção de que o poder tem uma distribuição desigual entre os sexos, tornando as mulheres inferiores aos homens. A violência é um fenômeno extremamente complexo, com raízes profundas nas relações de poder baseadas no gênero, na sexualidade, na auto- identidade e nas instituições sociais e que em muitas sociedades, o direito (masculino) a dominar a mulher é considerado a essência da masculinidade (HEISE, 1994, p. 47-48). Segundo Teles e Melo (2002), pensar em violência contra a mulher é pensar sobre a violência de gênero, entendida como uma relação de poder do homem sobre a mulher, reforçado historicamente pelo patriarcado e sua ideologia. Os papeis sociais impostos às mulheres e aos homens indicam que a prática deste tipo de violência não é fruto da natureza e sim do processo de socialização. É importante lembrar que Saffioti (2004) tem contribuído para a discussão de violência de gênero como categoria mais geral dos tipos de violência, que podem ocorrer dentro do contexto familiar, pois a partir dessa violência as demais surgem e se manifestam na sociedade. Gênero pode ser interpretado como um conjunto de normas construídas que diferencia o poder entre os sexos. Descrever o perfil de um agressor de violência contra a mulher é um grande desafio, tendo em vista que estudos sobre isso são recentes no meio científico. Ano após ano, as estatísticas tentam mostrar que o principal responsável pelas 29 agressões envolvendo mulheres são os próprios companheiros ou ex-companheiros ou alguém que já tiveram uma relação. A desigualdade, longe de ser natural, é posta pela tradição cultural, pelas estruturas de poder, pelos agentes envolvidos na trama de relações sociais. Nas relações entre homens e mulheres, a desigualdade de gênero, não é dada, mas pode ser construída, e com frequência (SAFFIOTI, 2004, p.71). Para a explicação de alguns casos de violência contra a mulher, os comportamentos de homens envolvidos estão sujeitos ao uso do álcool para justificar a violência, as questões de gênero que geram dominação e o uso do poder na relação, pobreza, baixa escolaridade e também dificuldade de comunicação. Como consequência, a incapacidade de comunicação leva a situações conjugais em que os homens procuram resolver seus problemas familiares pela violência, por não saberem resolver por maneiras mais assertivas as situações de conflito. (AGUIAR, 2009, p.44). Com base nas leituras em artigos, livros, TCCs, pode-se entender que o perfil dos homens que cometem violência contra a mulher são jovens que não apresentam nenhum tipo de envolvimento com a justiça. Ramos (2009) relata que “[...] os casos de violência conjugal ocorrem independente da classe social e muitas vezes, um fator presente nos episódios de violência é o uso do álcool ou de substâncias ilícitas.” Nos casos de violência, a grande maioria desses homens atribui a culpa a mulher. Schraiber afirma [...] que a violência presente no comportamento dos homens é devida a uma valorização cultural e social, exercida em várias partes do mundo como uma forma de afirmação da masculinidade, a construção social aprendida permite que os homens sejam violentos, inclusive na relação conjugal. (SCHRAIBER, 2005, p. 67). Ao agredirem suas companheiras os homens relatam que ao cometerem a violência perderam o controle da cabeça. Na maioria dos casos a violência é permitida principalmente no caso de infidelidade e negligência doméstica, trazendo para a linguagem popular e senso comum. A violência passa por um processo chamado de ciclo da violência, constituído por três fases. Na primeira fase há o aumento da tensão, o agressor mostra-se tenso 30 irritado por coisas simples, chegando a ter acessos de raiva. Ele humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos. Já na fase dois ocorre o ato da violência que corresponde a explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega no limite e leva ao ato violento. Toda a tensão acumulada na fase um se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial. Por fim a fase três, quando surge o arrependimento e comportamento carinhoso para a reconciliação. Schraiber explica que a violência tem três fases cíclicas: A fase de tensão em que as brigas frequentes criam um clima de insegurança, seguidas pela fase do episódio agudo de violência, e a terceira e última fase é marcada pelo arrependimento do agressor, muitas vezes o casal retoma a relação com a esperança e promessa que os episódios não voltaram a se repetir. O casal passa por uma fase de “lua de mel”, até que a tensão volta a permear a relação. (SCHRAIBER, 2005, p.67). Segundo Bruschi (2006), a mulher violentada não procura a rede de proteção, logo após a primeira violência sofrida. Os motivos que bloqueiam a denúncia podem ser a vergonha de se expor ou medo de uma nova ameaça. A partir de leituras sobre a violência contra asmulheres se pode perceber que se trata de um assunto complexo, quando buscamos entender seu enfrentamento. Quando se trata da denúncia, as mulheres demonstram uma confiança nas leis e buscam medidas protetivas, algumas vezes manter a denúncia é a parte mais complicada, pois acreditam que seus parceiros possam mudar de comportamento e acabam retirando a queixa dada em algum órgão de proteção a mulher. Para o enfrentamento do fenômeno da violência contra a mulher são necessárias formulações de estratégias de prevenção e intervenção efetivas. A violência contra a mulher é problema social e saúde pública e para o seu enfrentamento é preciso um olhar mais amplo dos gestores públicos, dos profissionais de saúde, de educação, segurança pública e assistência social que tem atuação direta sobre este problema. A violência contra a mulher tem uma identificação na sociedade sendo um fenômeno que atinge uma grande parcela das mulheres, sendo vitimizada não somente a mulher, mas sim toda a família de forma direta ou indiretamente. A diferença de gênero é a discriminação mais praticada em todo o mundo, tendo origem histórica e cultural de dominação e submissão do gênero feminino. 31 Estamos em pleno século XXI, e não é mais admitido pela maioria das sociedades que a mulher ainda seja tratada de forma discriminatória, “a violência de gênero tem sua origem na discriminação histórica contra as mulheres”, hoje a mulher tem lutado por espaços sociais, e vem ocupando cargos, que até pouco tempo eram ocupados somente por homens. (TELES e MELO, 2003, p. 120). Segundo o Portal Ministério da Saúde, a violência contra a mulher desde a década de 50 é referida de diversas formas, a desigualdade sociocultural existe entre homens e mulheres e é a causa da discriminação masculina que coloca o sexo feminino em uma posição inferior na sociedade. Ao partimos para a discussão de gênero demonstramos que os papeis atribuídos ao sexo masculino e feminino são reforçados pela ideologia machista e consolidados ao longo do tempo, considerando que as relações entre os sexos não são naturais, mas é o resultado do processo de socialização entre as pessoas. A violência cometida contra as mulheres é, portanto um meio de coação do sexo masculino sobre o feminino, essa dominação do homem sobre a mulher constitui uma das dificuldades maiores para que elas consigam sair da situação de violência em que se encontram. O ministério da saúde, em sua recente publicação sobre o tema descreve que as manifestações clínicas da violência podem ser crônicas ou agudas, sociais, mentais ou físicas. As desagregações psicológicas e fatores psicossomáticos, entre eles, os pesadelos, a insônia, a falta de concentração e irritabilidade, podendo ser considerados como manifestações de estresse pós-traumático. (BRASIL, 2001, p.190). 3.2. As Diversas Concepções de Violência Contra a Mulher Ao longo da história da humanidade a violência é um dos fatores que vem acompanhando-a. No sentido mais usual, violência significa empregar a força física sobre alguém, intimidar, subjugar, constranger, obrigar alguém a fazer algo que não queira, violência psicológica, sexual, violação dos direitos. Pode-se perceber que a violência está relacionada a pessoa de várias formas ou também ao seu patrimônio. 32 A subordinação da mulher está presente em todo processo histórico da humanidade, a partir de uma cultura que determinou papeis sociais aos homens e mulheres, criou a ideia que a mulher seja inferior ao homem e que deu origem a violência contra a mulher e proibindo trazer seus sofrimentos à tona porque não encontrava adesão. Isso tudo é decorrente da história dos papeis que foram atribuídos a mulher como, por exemplo: tarefas domésticas, a maternidade, o cuidado com os filhos, a fragilidade, a docilidade, a meiguice, a ternura, enfim o confinamento ao espaço doméstico e a subordinação ao homem. Fazendo com o que o homem se tornasse o dono da verdade, o chefe da família por ter força maior do que a mulher. A partir de então os papeis foram culturalmente construídos, coube ao homem o poder da força e da dominação, resta apenas para a mulher a subjugação, a obediência, opressão, o cuidado com a família, com o lar. Pode-se observar que em muitas sociedades a violência era vista como forma de punição, para a resolução de conflitos, fazendo com que a mulher fosse criada com a função de ser apenas dona de casa e ser a responsável para a educação dos filhos. Essa violência tem papel principal na esfera doméstica. Temos assim uma criação lamentável: a violência contra a mulher, principalmente aquelas efetuadas pelos seus parceiros ou esposos, estando presente ao longo da história da humanidade, perpassando por todas as camadas sociais, idades, etnia, raça, religiões e nacionalidades. A violência contra a mulher tem sido considerada geradora de grandes problemas para as famílias e até mesmo para a própria sociedade, o que fez com que esse tema ganhasse discussões até em países internacionais. Para Teles e Melo (2002, p. 28), “esta violência pode ser entendida como violência de gênero, na qual ocorre uma relação de poder: de dominação do homem e de submissão da mulher”. Uma manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens, que causaram a dominação da mulher pelo homem, a discriminação contra a mulher e a interposição de obstáculos contra seu pleno desenvolvimento. Trata-se de um dos dispositivos sociais estratégicos de manutenção da subordinação da mulher em relação ao homem. (RANGEL, 1999, p.30). 33 A violência realizada no seio familiar ou doméstico é considerada como violência doméstica ou intrafamiliar. Para melhor entendermos a violência contra a mulher, recorremos a Silva (2005). Aquela violência que ocorre no âmbito familiar entre pessoas com vínculo consanguíneo ou não, como no caso de pais e filhos, entre irmãos, primos, padrastos e enteados (as). E se fora dele, por pessoas que possuam ou já possuíram relações afetivas sexuais entre si, como no caso dos namorados, amantes, amásios, maridos, companheiros ou ex. (SILVA, 2005, p. 69). O conceito de violência intrafamiliar não se refere apenas ao espaço físico onde ocorre a violência, mas também pelas relações em se que constrói e efetua. A Conferência Regional Latino-americana define que essa violência é uma ação ou omissão que pode prejudicar o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de membro da família, é representada pelas ações de indivíduos ou grupos e causa danos físicos, emocionais, morais e até mesmo espirituais. Existem quatros tipos de violência intrafamiliar: negligência, psicológica, física e sexual. A negligência se refere a omissão de responsabilidades de um ou mais membros da família em relação a outro, sobretudo para com aqueles que precisam de ajuda em virtude da idade ou alguma condição especifica, permanente ou temporária. A violência psicológica é a ação ou omissão que causa dano à autoestima, à identidade, ou o desenvolvimento da pessoa, pode se manifestar através de ameaças, humilhações, agressões, chantagem. A violência psicológica contra a mulher dificilmente vai ser vista, a não ser que seja notada por algumas sequelas no corpo. Perpassa por intimidações e ameaças que impedem ou prejudicam a autodeterminação e o desenvolvimento pessoal, porém esse tipo de violência é raramente notada. A violência psicológica é negada pelo agressor, bem como pelas testemunhas, que nada veem o que faz a própria vítima duvidar daquilo que a magoa tão profundamente. Nada vem lhe dar provas da realidade do que ela sofre. É uma realidade “limpa”. Nesse estágio, nada é visível. Ao passo que, quando há violência física, elementos exteriores (exames médicos,testemunhas oculares, inquéritos policias) dão testemunho da veracidade da violência (HIRIGOYEN, 1990 p. 42-43). 34 A violência física ocorre quando alguém causa ou tenta causar por meio da força física, através de arma ou instrumentos que possam acarretar lesões físicas, dependendo da gravidade, a agressão pode trazer danos temporários, permanentes, ou até mesmo a morte. Esse tipo de violência é a mais notada entre as mulheres, quando cometida deixa traumas e abala emocionalmente a vítima, geralmente vem acompanhada da violência psicológica e é considerada a mais fácil de ser denunciada por deixar marcas visíveis no corpo. Nos casos de violência física, agressão contra a mulher, em sua maioria, não é feita a ocorrência, por pressão familiar, para evitar escândalos, para a acomodação do conflito, especialmente nas brigas de casais, principalmente quando não é a primeira briga. Em um próximo acontecimento, começa a se imputar responsabilidades sobre a mulher, como se ela tivesse merecido ser agredida; o momento de revolta é sempre por parte da família da mulher, pois não é aceitável ver a mãe, filha ou irmã sendo agredida, e quando o fato para a mulher já está implícito em seu convívio, ela mesma acoberta dizendo que "ele é assim mesmo, foi criado 16 assim", ou "pior seria sem ele"; em alguns casos ele, "o marido" é quem traz o sustento para casa, o que a faz passar de vítima a reprodutora da violência. (BARROS, 1999 p.266-269). No que se refere à violência sexual, é toda ação na qual a pessoa em situação de poder, obriga uma outra a realização de práticas sexuais, contra vontade, por meio da força física, por meio de armas ou até mesmo sob o efeito de drogas, caracterizada também como violência sexual o ato de carícias não consentidas e exposições de materiais pornográficos. Esse tipo de violência pode ser classificada de duas maneiras: estrupo e assédio sexual. O estrupo é um ato de constranger alguém a ter relações sexuais, sem consentimento da outra pessoa e a ameaça é o caminho que o agressor encontra para satisfazer a sua vontade sexual, manifestando o sentimento de poder, vingança e de dominação sobre a vitima. Esse tipo de violência quando realizada pelo parceiro ou esposo, não é vista como violência contra a mulher, sendo que a violência sexual conjugal nunca acontece sozinha sempre vem acompanhada da violência física e psicológica ou da duas ao mesmo tempo. A violência contra a mulher tem sido amplamente debatida a nível nacional, porém, seguidamente está se dá em um viés onde a mulher é apontada e estereotipada como vítima, fraca, passiva, ou ainda, como cúmplice da relação violenta. Nestas relações, as mulheres são “detentoras de parcelas 35 infinitamente menores de poder que os homens, as mulheres só podem ceder, não consentir” (MATHIEU, 1985 apud SAFFIOTI 1999, p. 86). Esses tipos de violências: física, psicológica, sexual, patrimonial, econômica ou financeira e a violência moral, na maioria das vezes são praticadas por seus parceiros íntimos, percebidas por elas como uma situação indesejável que não poderia ocorrer, porém não significa que as mulheres se considerem vitimas a todo momento. Saffioti (2004, p.71), relata “que as mulheres não são cúmplices das agressões de seus parceiros íntimos, pois, para tanto, precisariam desfrutar de poder igual ao que detêm os homens”. A violência realizada contra a mulher, praticada por seus parceiros íntimos, se caracteriza como um fenômeno que em algumas culturas é considerado comum, reproduzindo assim o poder entre homens e mulheres, sendo discutido não somente a questão de gênero na sociedade, mas, também a violação dos direitos humanos e das mulheres. As mulheres que sofrem violência são consideradas pessoas que tem o estigma violentado•. Goffam (2004) trouxe o conceito de estigma para a sociedade, define que “o individuo estigmatizado é aquele que assume características diferentes que a sociedade avalia como positivas”. O estigma é considerado uma situação de depressão, se transformando não apenas em uma qualidade pessoal, mas também uma forma de significação social, uma marca que exclui o indivíduo do ciclo em que vive. Na perspectiva de Oliveira (2007 p. 102), o estigma da violência contra a mulher, é imposto pela sociedade e pela própria família, é a vivência de muitas mulheres que sofrem sob a forma de maus-tratos praticados pelos seus parceiros íntimos. As mulheres violentadas têm dificuldades de denunciarem seus parceiros, pois são vários fatores que dificultam a denúncia, um dos fatores mais clássico refere-se ao medo das dificuldades materiais, em razão da dependência econômica e a responsabilidade com os filhos. Muitas das vezes por não estarem engajadas no mercado de trabalho e por não possuírem moradia própria, se sentem imobilizadas e . Uma cicatriz provocada no corpo por uma ferida ou machucada. 36 não tem coragem de denunciarem, e sobretudo não conhecem a rede de proteção que tem para elas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência contra a mulher é a décima causa de morte de mulheres em todo o mundo. Essa questão é um dado que somado ao fato de que a violência é uma causa de morte evitável, que aponta para a necessidade de estudos para o enfrentamento a esse tipo de violência. Tem-se uma estimativa que a violência está matando mais do que o câncer, a malária, os acidentes de trânsito, sendo que a média por idade das mulheres vítimas de violência é entre os 15 a 44 anos. A vitimização da mulher no espaço conjugal foi um dos maiores alvos da atuação do movimento feminista, que, nos últimos 50 anos, vêm denunciando os abusos, os maus-tratos e as expressões de opressão. Problemas que permaneciam silenciados, guardados como segredos do âmbito privado passaram a ter visibilidade social. (MINAYO, 2004 p. 80). As mulheres que sofrem violência adoecem mais, faltam ao trabalho, se isolam do meio social por dor ou simplesmente por medo de aparecerem feias nas ruas e as pessoas julgá-las. As agressões causam vários efeitos nas mulheres, não se sentem envergonhada apenas pelas condições da saúde física e mental, mas também nas relações interpessoais, instituições sociais, na sociedade como um todo, tendo em vista que os efeitos físicos e psicológicos da violência influenciam na capacidade criativa e produtiva da vida das mesmas. As mulheres têm medo da situação vivida e da não aceitação, quando estigmatizada chega a evitar contatos e se isola por vergonha e pela culpa que carregam perante a violência sofrida pelos seus parceiros íntimos. Quando decidem ir embora, a saúde mental e psicológica dessas mulheres já estão em um estado lamentável por isso buscam a libertação dessa violência, sendo necessário um tempo para se recuperar de todo o trauma vivido durante a relação. Pessoas agredidas dentro da família tendem minimizar o problema, desejando acreditar que o marido/companheiro, pai ou irmão não é tão violento como parece. Ainda sentem vergonha, culpa e baixa autoestima por viverem esse tipo de situação, além do medo de ficarem sozinhas. (SANTOS, 2015, p. 352) 37 Considerando o contexto de vida, essas vítimas se consideram seres humanos sem direitos, minando as possibilidades de voltarem a ter uma saúde mental melhor e ser uma pessoa comum no meio da sociedade em que vivem. Pois os olhares para as mulheres que sofrem violência ainda são muito críticos, apesar de muitas lutas a mulher é vista como um ser frágil e insignificante em alguns locais, principalmente no mercado de trabalho. Os vários tipos de violência contra a mulher acarretam problemas de saúde, causam alterações psíquicas e geraram dificuldades no relacionamento com os filhos por se sentirem depressivas, ansiosas e sem condiçõesde expressar os cuidados e afetos que eles precisam. As mulheres violentadas sempre vêm acompanhadas por sentimentos de culpa, de vergonha e principalmente pelo estigma, estes parecem ser os grandes obstáculos para a não denúncia da violência que acaba sendo perpetuada por parceiros íntimos contra as mulheres. 38 4. Políticas Públicas e Legislação no Enfrentamento a Violência Contra a Mulher No Brasil, a violência contra a mulher é vista como um problema social onde há diversos dispositivos legais em vigência, como leis ordinárias, decretos, disposições constitucionais e tratados internacionais. No âmbito internacional, abrangem cartas, convenções, pactos como as principais fontes de obrigação no combate a violência contra a mulher. Os tópicos que seguem, buscam explanar algumas informações sobre as demandas de políticas públicas para as mulheres em situação de violência, buscando contribuir para o debate sobre a necessidade de criar e programar as políticas públicas, através de discussões que contribuem para a formação dessas políticas, com o foco nas mulheres em situação de violência e que podem contemplar a perspectiva de gênero. O presente capítulo está dividido em dois tópicos: o tópico um trata das iniciativas legais no enfrentamento à violência contra a mulher, bem como sobre os movimentos feministas, trazendo as discussões dadas às iniciativas no enfrentamento a violência contra a mulher e o segundo tópico traz a discussão sobre as políticas públicas no contexto do enfrentamento a violência contra a mulher. 4.1. Iniciativas Legais no Combate a Violência Contra a Mulher e os Movimentos Feministas Na década de 80 os movimentos feministas junto ao Estado tiveram as primeiras conquistas para a implementação de políticas públicas voltadas ao combate à violência contra a mulher. Em 1985, justamente na culminância da 39 década da Mulher2 declarada pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), é inaugurada a primeira Delegacia de Defesa da Mulher em São Paulo e criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), através da Lei nº 7353/85. No ano seguinte, em 1986, no Estado de São Paulo, foi criada pela Secretaria de Segurança Pública a primeira Casa-Abrigo do país para mulheres em situação de risco de morte (SILVEIRA, 2006). Essas três importantes conquistas da luta feminista brasileira são as principais balizas das ações do Estado voltadas para a promoção dos direitos das mulheres no combate à violência. Segundo Jardim Pinto (2003), o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher é um órgão de caráter deliberativo e consultivo da sociedade civil junto ao governo, com vinculação ao Ministério da Justiça, foi criado com o objetivo de promover políticas para assegurar condições de igualdade às mulheres. Ele é responsável pelo monitoramento das políticas públicas de combate a violência contra a mulher, bem como pela manutenção de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e Casas de Abrigo. A partir do ano de 1985 a 2002, a criação de DEAMs e de Casas de Abrigo tornou-se o principal eixo da política de combate à violência contra a mulher, com ênfase na segurança pública e na assistência social. A partir de então esse foco constituiu também a base do Programa Nacional de Combate a Violência Contra a Mulher (SEDIM), criado em 2002 e vinculado ao Ministério da Justiça. Em 1998 deu- se uma pequena ampliação da política, com elaboração da Norma Técnica do Ministério da Saúde para a prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual. Após cinco anos a promulgação da Lei nº 10.778/0 instituiu um novo avanço: a notificação compulsória dos casos de violência contra a mulher atendida nos serviços de saúde públicos ou privados. As delegacias foram criadas para o primeiro acesso das mulheres nas redes de serviços, tem como objetivo investigar, apurar e tipificar os crimes de violência contra as mulheres. Os sistemas de seguranças públicos, estaduais estão 2 Foi o resultado mais visível do grande congresso mundial que reuniu na cidade do México a milhares e milhares de pessoas, para celebrar o Ano Internacional da Mulher, proclamado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1975. 40 vinculados as ADMs e essa ação tem parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça. Tem como objetivo maior as instruções de inquéritos policiais que levam ao judiciário crimes para serem julgados. Os atendimentos às mulheres violentadas segundo a Lei Maria da Penha se dá seguinte forma: 1. Prevê um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência contra a mulher. 2. Permite a autoridade policial prender o agressor em flagrante sempre que houver qualquer das formas de violência contra a mulher. 3. Registra o boletim de ocorrência e instaura o inquérito policial (composto pelos depoimentos da vitima, do agressor das testemunhas e de provas documentais e periciais). 4. Remete o inquérito policial ao Ministério Público. 5. Pode requerer ao juiz, em 48h, que sejam concedidas diversas medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência. 6. Solicita ao Juiz, a decretação da prisão preventiva com base na nova lei que altera o código de processo penal. As DEAMs têm como finalidade dar atendimento e orientações às mulheres vítimas de violência com o intuito de receber queixas e averiguar os crimes de lesão corporal, ameaça, estupro, atentado violento ao pudor, maus-tratos, abandono de incapaz, constrangimento ilegal, sequestro e cárcere privado, sedução, entre outros. Em 2003 foi criada a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), a partir de então as ações de enfrentamento à violência contra a mulher passam a ter um maior investimento e a política é ampliada no sentido de promover a criação de novos serviços, como o Centro de Referência de Atendimento à Mulher Vítima de Violência e as Defensorias da Mulher, visando a construção de redes de atendimento para a assistência às mulheres em situação de violência. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres está vinculada à Presidência da República, possui status de ministério e tem por competência assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas para as mulheres. (BRASIL, 2004). Em 2004 foi realizada a I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (I CNPM) e a construção coletiva do Plano Nacional de Políticas para Mulheres, que se consolida como eixo de Enfrentamento a Violência Contra as Mulheres, com o tempo estimado para as previsões de ações na área para o período de 2004 a 2007. A partir do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) as ações de 41 enfrentamento à violência contra as mulheres não mais se restringem às áreas da segurança e assistência social, mas buscam envolver diferentes setores do Estado, no sentido de garantir os direitos das mulheres a uma vida sem violência. A SPM realizou ainda a I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (I CNPM), em julho de 2004, a qual reuniu cerca de 120 mil mulheres, que após debates, apresentaram as propostas para a elaboração do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM). Ressalva-se que as conferências são importantes para a inclusão política das mulheres, visto que são elas que debatem os temas nas conferências e decidem a melhor forma de elaboração das políticas. Um estudo realizado em Belo Horizonte, porém, afirma que as resoluções decididas nas conferências não têm afetado de forma sistemática as políticas públicas (BRASIL, 2015). Segundo o relatório anual da Secretaria Municipal de Políticas para as
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