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Natalia Quintino Dias Edema agudo de pulmão (EAP) O edema agudo de pulmão (EAP) é uma síndrome clínica caracterizada pelo acúmulo de líquido no espaço alveolar, podendo estar relacionado ou não à etiologia cardíaca, ocasionando a diminuição da capacidade de difusão do oxigênio na unidade alvéolo-capilar, hipoxemia e falta de ar. ● EAP cardiogênico: caracterizado por pressão capilar pulmonar elevada. ● EAP não cardiogênico: é causado por vários distúrbios em que outros fatores que alteram a permeabilidade da unidade alvéolo-capilar, levando ao acúmulo de proteínas e fluidos no interstício e espaço alveolar. Fisiopatologia No pulmão normal, ocorre invariavelmente o extravasamento de proteínas e líquidos através de pequenas lacunas venocapilares. De maneira natural, esses fluidos e solutos permanecem no espaço intersticial sem penetrar nos alvéolos, entre outras razões, pela quantidade mínima de extravasamento inicial, epitélio alveolar preservado e capilares linfáticos íntegros e capazes de remover o líquido extravasado. Em condições patológicas há desbalanço no sistema circulatório coração-pulmão, resultante de um desequilíbrio entre os fatores reguladores do transporte de líquido da microcirculação pulmonar para o espaço intersticial, gerando transudação excessiva de líquido para o espaço alveolar. Há alterações nas pressões hidrostática e oncótica. EAP cardiogênico: é caracterizado por um aumento da pressão hidrostática dos capilares pulmonares. Esse aumento geralmente se deve à elevação da pressão venosa pulmonar como reflexo de alterações ocorridas nas câmaras esquerdas do coração, átrio e ventrículo esquerdos. O aumento da pressão hidrostática levando ao aumento do extravasamento líquidos no interstício pulmonar pode ocorrer de maneira abrupta e é a marca do edema cardiogênico. EAP não cardiogênico: pode ocorrer como consequência de diversas etiologias, como pneumonia, sepse, aspiração de conteúdo gástrico e trauma associado à administração de múltiplas transfusões sanguíneas. Nesse tipo de edema é marcante o aumento na permeabilidade vascular do pulmão, resultando em um aumento do fluxo de líquido e proteína no interstício pulmonar e espaços aéreos. Nesse caso, o edema possui alto teor de proteínas. O sistema linfático é responsável por remover o excesso de líquido, que varia de acordo com a velocidade de instalação da doença. Nos aumentos abruptos na pressão capilar pulmonar, os vasos linfáticos pulmonares não conseguem aumentar rapidamente a taxa de remoção de fluidos. Mas nos casos de IC crônica, em que a pressão capilar pulmonar é persistentemente elevada, ocorre aumento da capacidade linfática e não há desenvolvimento de EAP. Etiologia EAP cardiogênico ● Disfunção ventricular sistólica (+ comum): há contratilidade prejudicada do VE, resultando em redução do débito cardíaco. Estão incluídas todas as causas de cardiomiopatias dilatadas (miocardiopatia isquêmica, hipertensiva, valvar, cardiomiopatia dilatada idiopática, tóxica, miocardite, entre outras). ● Disfunção ventricular diastólica: aumento da rigidez ventricular (redução da complacência) e relaxamento prejudicado, que impedem o enchimento ventricular durante a diástole. Pode ser crônico (hipertrofia ventricular esquerda de qualquer etiologia ou a cardiomiopatia hipertrófica ou restritiva) ou agudo (isquemia e crise hipertensiva). ● Obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo: estenose aórtica (supra e subvalvar), cardiomiopatia hipertrófica assimétrica obstrutiva e HAS severa. ● Obstrução ao esvaziamento do átrio esquerdo: estenose mitral reumática, mixoma atrial (estenose funcional) e calcificação anular mitral. ● Hipertensão renovascular: ocorre associação importante de HAS crônica, disfunção diastólica secundária e retenção de água com excesso de sódio (ativação de sistema renina-angiotensina + disfunção renal), sendo uma das causas de EAP em flash. É um edema pulmonar abrupto e dramático, sendo mais comum na estenose da artéria renal bilateral do que unilateral – 41% x 12% dos casos. Natalia Quintino Dias ● Taquiarritmias: reduzem tempo de diástole e podem causar aumento da pressão diastólica final, principalmente em pacientes com estenose mitral. EAP não cardiogênico Quadro clínico Fase inicial: dispneia súbita e intensa + sensação de sufocamento e falta de ar, tosse, secreção espumosa rosada e sensação de afogamento ( abrupto da pressão capilar pulmonar). → paciente encontra-se sentado ereto (dificuldade em manter decúbito, mesmo angulado), associado com incapacidade de falar frases completas, agitado, ansioso, com sudorese profusa, pele úmida, fria e pálida (secundário a ativação adrenérgica). Poucas vezes pode ser progressiva, sendo caracterizada com piora da classe funcional de base acompanhada de outros sintomas de congestão em outros órgãos (membros inferiores e fígado). Exame físico FR; dilatação nasal e há retração inspiratória dos espaços intercostais e fossas supraclaviculares. FC e PA podem estar elevadas devido ao estímulo adrenérgico. Ausculta pulmonar: geralmente é ruidosa com crepitações inspiratórias e expiratórias em todo o tórax (inicialmente nas bases e depois com piora do quadro até os ápices). Devido ao edema da parede brônquica, pode ocorrer sibilos semelhantes a um quadro de reatividade brônquica (asma cardíaca). Ausculta cardíaca pode ser difícil nessa situação aguda. Sinal de gravidade: alteração do nível de consciência, podendo apresentar hipoxemia grave. Diagnóstico Anamnese + exame físico Exames complementares podem ajudar. -- ECG: avalia sinais de isquemia e arritmias (FA). Pode identificar outras condições predisponentes para IC, como hipertrofia ventricular e/ou atrial esquerda. -- Raio-X de tórax. Há cardiomegalia, aumento do hilo pulmonar e opacidades centrais e edema intersticial com congestão em incisura pulmonar (seta). -- No EAP cardiogênico: cefalização de trama vascular, cardiomegalia, opacidades intersticiais centrais e derrame pleural -- No EAP não cardiogênico: área cardíaca normal, infiltrado difuso e heterogêneo, comprometendo até a periferia do parênquima. -- USG pulmonar: mais de 3 linhas B (linhas verticais, em rabo de cometa) por campo avaliado, que interrompem as linhas A (horizontais) presentes no parênquima normal e a presença de derrame pleural. -- Ecocardiograma: avalia doença cardíaca estrutural. -- Cateter de Swan-Ganz: o uso rotineiro não é recomendado. -- Laboratório: gasometria arterial (avaliar a ventilação e distúrbio ácido-base), função renal (síndrome cardiorrenal), eletrólitos (espoliação por diuréticos) e hemograma completo (infecções e anemia). Natalia Quintino Dias -- Troponina: avaliar isquemia miocárdica. Pode apresentar elevação e curva durante quadro de EAP, sem obstrução coronariana aguda (IAM tipo II por desbalanço entre oferta e demanda). -- Peptídeo natriurético tipo B (BNP) e NT-proBNP: • Pode ajudar a diferenciar causas cardíacas das pulmonares em pacientes com insuficiência respiratória aguda. • Valores elevados indicam IC. Tratamento Estabilizar o paciente ● Avaliação das vias aéreas e oximetria de pulso contínua para garantir oxigenação e ventilação adequadas. ● Suplementação de oxigênio e suporte ventilatório (Ventilação Não Invasiva – VNI ou intubação), se sat < 90%. ● Avaliação de sinais vitais com atenção à hipotensão ou hipertensão. ● Monitoramento cardíaco contínuo. ● Acesso intravenoso. ● Postura sentada (garante redução do retorno venoso com redução da pré-carga → reduz a pressão hidrostática alvéolo-capilar). ● Terapia diurética imediata (reduz a pré-carga) – EV. A dose deve ser individualizada e titulada de acordo com o estado e a respostado paciente. o Sem uso prévio de diurético: furosemida 0,5 a 1 mg/kg EV. o Com uso de diurético prévio: furosemida EV na mesma dose VO prévia ou até 2,5 vezes a dose VO prévia (dose VO equivalente à metade da EV em relação à biodisponibilidade). ● Terapia vasodilatadora precoce (principalmente para hipertensão grave, regurgitação mitral aguda ou regurgitação aórtica aguda). o Nitrato sublingual 5 mg, repetido a cada 5 a 10 minutos (máximo de 15 mg, dividido em 3 doses), seguido ou não por nitratos parenterais. o Nitroglicerina (Tridil): apresenta vasodilatação mais venosa do que arterial. Dose inicial de 5 a 10 mcg/min, com incrementos de 5 a 10 mcg/min a cada 3 a 5 minutos, conforme necessário e tolerado. CI: hipotensão, infarto de ventrículo direito, o uso de inibidores de PDE-5 (como o sildenafil) nas últimas 24 a 48 horas. o Nitroprussiato (Nipride): Realizar monitorização da PA invasivamente por cateter intra-arterial (efeito é potente). A dose inicial de 0,5 mcg/kg/min é aumentada a cada cinco minutos conforme tolerado, até dose máxima de 10 mcg/kg/min. ● Monitoramento da diurese. ● Morfina: reduz a ansiedade e angústia. Administrada na dose de 1 a 3 mg EV a cada 5 minutos. Utilizar apenas se necessidade, há controversa na literatura sobre o seu benefício.