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Natalia Quintino Dias Partograma O partograma é a representação gráfica do trabalho de parto, que torna possível acompanhar a sua evolução, documentar, diagnosticar alterações e indicar a tomada de condutas apropriadas para a correção dos desvios, evitando intervenções desnecessárias. Em países de baixa renda, existe diminuição da taxa de cesárea com a aplicação do instrumento. Dessa maneira, considerando a assistência ao parto no Brasil, país ainda desfavorecido e com elevadíssima taxa de cesárea, o uso do partograma é fundamental e recomendado pela OMS e pelo Ministério da Saúde. Além disso, o registro gráfico garante a documentação necessária, demonstrando adequada avaliação da vitalidade da mãe e do bebê em casos de desfecho desfavorável e/ou litígio. É na fase ativa que devemos construir o partograma. Na fase latente do trabalho de parto, a conduta é expectante, desde que a vitalidade fetal esteja preservada, e o ideal é que as parturientes sejam acompanhadas de ambulatório quando não se tratar de gestação de risco. Sinais de alerta, como perda de líquido, sangramento uterino, contrações eficientes a cada cinco minutos e diminuição dos movimentos fetais, são orientações para que a parturiente retorne ao hospital no momento adequado. Utiliza-se de papel quadriculado, colocando na abscissa — eixo X — o tempo em horas e, nas ordenadas — eixo Y —, em centímetros, a dilatação cervical à esquerda e a descida da apresentação à direita. Para a descida da apresentação, considera- se o plano 0 de De Lee — espinhas ciáticas no estreito médio da bacia —, acima deste ponto estão os valores negativos e abaixo os positivos de De Lee. As linhas de alerta e de ação foram criadas em um local e época em que muitos partos eram realizados em casa. Com base nos conhecimentos originais da dilatação cervical, construíram uma linha de alerta, que servia para identificar as pacientes com parto de risco. Quando a dilatação cervical cruzava a linha de alerta, a paciente deveria ser encaminhada ao hospital. Num intervalo de quatro horas, padronizaram a linha de ação, paralela à de alerta, porque este era o tempo de transporte da parturiente para centros médicos, onde se efetuavam partos operatórios. Atualmente, o registro gráfico do parto é realizado em ambiente hospitalar e, portanto, não há a necessidade de intervenção quando a dilatação atinge ou cruza a linha de alerta. O alerta implica, simplesmente, a necessidade de uma melhor observação clínica. Somente quando a curva da dilatação cervical atinge a linha de ação é que a intervenção médica se torna necessária, na tentativa de melhorar a evolução do trabalho de parto e corrigir possíveis distocias que possam estar se iniciando. Isto não significa necessariamente conduta cirúrgica. Como preencher o partograma -> Inicia-se o registro gráfico quando a parturiente estiver na fase ativa do trabalho de parto — duas a três contrações eficientes em dez minutos, dilatação cervical mínima de 3 cm. Em caso de dúvida, aguardar uma hora e realizar novo toque: velocidade de dilatação de 1 cm/h, verificada em dois toques sucessivos, confirma o diagnóstico de fase ativa do trabalho de parto; -> Realizam-se toques vaginais subsequentes, geralmente a cada duas horas, respeitando em cada anotação o tempo expresso no gráfico. Em cada toque, deve-se avaliar a dilatação cervical, a altura da apresentação, a variedade de posição e as condições da bolsa das águas e do líquido amniótico, quando a bolsa estiver rota. Por convenção, registra-se a dilatação cervical com um triângulo e a apresentação e respectiva variedade de posição são representadas por uma circunferência; -> O padrão das contrações uterinas e dos batimentos cardíacos fetais, a infusão de líquidos e drogas e o uso de analgesia devem ser devidamente registrados; -> A dilatação cervical inicial é marcada no ponto correspondente do gráfico, traçando-se na hora imediatamente seguinte a linha de alerta e em paralelo; quatro horas após, assinala-se a linha de ação, desde que a parturiente esteja na fase ativa do trabalho de parto. Natalia Quintino Dias Na evolução normal do trabalho de parto, a curva de dilatação cervical se processa à esquerda da linha de ação. Quando essa curva ultrapassa a linha de ação, trata-se de um parto disfuncional. A construção correta da linha de alerta e de ação é fundamental para que se evitem erros na interpretação do parto. A identificação das distocias é feita pela observação das curvas de dilatação cervical e de descida da apresentação expressas no partograma. Natalia Quintino Dias Fase ativa prolongada ou distocia funcional Dilatação do colo uterino ocorre lentamente, numa velocidade menor que 1 cm/h. A curva da dilatação ultrapassa a linha de alerta e, às vezes, a linha de ação. Essa distocia geralmente decorre de contrações uterinas não eficientes — falta de motor. A correção é feita inicialmente pelo emprego de técnicas humanizadas de estímulo ao parto normal, por exemplo, estimulando-se a deambulação e, se necessário, posteriormente pela administração de ocitocina ou rotura artificial da bolsa das águas. Parada secundária da dilatação Caracterizada por dois toques sucessivos, com intervalo de duas horas ou mais, com a mulher em trabalho de parto ativo. Nesse tipo de distocia, a dilatação cervical permanece a mesma durante duas horas ou mais, ultrapassa a linha de alerta e, por vezes, a linha de ação. Sua principal causa é a desproporção cefalopélvica. Se absoluta, a indicação é de cesárea. Considera-se desproporção cefalopélvica relativa quando existe defeito de posição da apresentação, como deflexão, transversas ou posteriores e, nesses casos, a deambulação, a rotura artificial da bolsa das águas ou a analgesia peridural podem favorecer a evolução normal do parto. Se essas medidas não funcionarem, realizar cesárea. Parto precipitado ou taquitócito A dilatação cervical e a descida e expulsão do feto ocorrem num período de quatro horas ou menos. O padrão da contratilidade uterina é de taquissistolia e hipersistolia. Maior risco de sofrimento fetal agudo e lacerações de canal do parto. Pode ser espontâneo em multíparas e menos frequentemente em nulíparas, mas pode ser também iatrogênico pela administração excessiva de ocitocina, que, nesses casos, deve ser interrompida. Cuidado com vitalidade fetal e revisão do canal do parto. Natalia Quintino Dias Período pélvico prolongado Descida progressiva da apresentação, mas excessivamente lenta após a dilatação total. Nota- se dilatação completa do colo uterino e demora na descida e expulsão do feto. Sua causa é relacionada à contratilidade uterina deficiente e sua correção é obtida pela administração de ocitocina, rotura artificial da bolsa das águas e, ainda, pela utilização do fórcipe, desde que preenchidos os pré- requisitos para sua aplicação — entre os pré- requisitos, feto pelo menos em +3 do plano de De Lee. Também se recomenda a posição verticalizada para favorecer a descida da apresentação. Parada secundária da descida Diagnosticada por dois toques sucessivos, com intervalo de uma hora ou mais, desde que a dilatação do colo uterino esteja completa. Considera-se que há parada secundária da progressão da apresentação quando ocorre cessação da descida por pelo menos uma hora após o seu início com dilatação total. A causa mais comum é a desproporção cefalopélvica. Se absoluta, está indicada a cesárea relativa – com polo cefálico profundamente insinuado e cervicodilatação completa, é válida a tentativa de fórcipe de tração ou rotação, dependendo da variedade de posição Natalia Quintino Dias Distocias Pode-se definir distocia como qualquer perturbaçãono bom andamento do parto em que estejam implicadas alterações em um dos três fatores fundamentais que participam do parto: • Força motriz ou contratilidade uterina – caracteriza a distocia funcional • Trajeto (bacia e partes moles) – caracteriza a distocia do trajeto • Objeto – caracteriza a distocia fetal Distócias diagnosticadas pelo partograma: - Dilatação: • Fase ativa prolongada • Parada secundária da dilatação • Parto precipitado (taquitócico) - Expulsão (pélvico): • Período expulsivo prolongado • Parada secundária da descida Distocia funcional Caracterizada como a alteração na força motriz durante o trabalho de parto, pode estar presente em até 37% das nulíparas com gestações de baixo risco. Classificação e conduta: Utiliza-se a classificação de Goff para descrever as distocias funcionais. - Distocia por hipoatividade uterina Os elementos da contração encontram-se abaixo do normal, gerando um parto lento. Nestes casos, a conduta necessária é aumentar a força motriz com medidas ocitócicas, como a amniotomia e/ou infusão de ocitocina, separadas entre si por no mínimo 40 a 60 minutos. Pode ser dividida em: • Hipoatividade primária – diagnosticada desde o início do trabalho de parto; • Hipoatividade secundária – inicialmente normal, tornou-se ficou lento ou parou de evoluir. - Distocia por hiperatividade uterina Os elementos da contração estão acima do normal, porém não geram necessariamente um parto rápido. Subdivide-se em: • Hiperatividade com obstrução, como devido à desproporção cefalopélvica, tumor de trajeto prévio, ou sinéquia do colo uterino; • Hiperatividade sem obstrução – a hiperatividade é intrínseca, levando a um parto rápido, ao que se conceitua um parto em 3 horas ou menos – desde o início do trabalho de parto até a expulsão do produto conceptual e da placenta e suas membranas. - Distocia por hipertonia Gera um parto lento, causado normalmente por: • Uso indevido de ocitocina - é a causa mais frequente de hipertonia. Deve-se suspender seu uso imediatamente. • Sobredistensão uterina – por gemelidade ou polidramnia, por exemplo. Deve-se tentar amniodrenagem ou rotura de uma das bolsas amnióticas, se clinicamente possível. Incoordenação de 1º grau: interferência entre a ação dos dois marca-passos do útero, cada um deles regulando os segmentos em que o órgão está funcionalmente dividido. Como os dois marca- passos têm ritmos distintos, suas atividades são assincrônicas, o que confere ao trado da pressão amniótica aparência típica: pequenas contrações isoladas, alternadas com outras maiores que se espalham por zonas mais extensas do útero. Incoordenação de 2º grau (fibrilação uterina): o útero está funcionalmente dividido em várias Natalia Quintino Dias regiões que se contraem de maneira independente, assincrônica e completamente desordenada. Tônus geralmente é elevado e sobre ele se inscrevem contrações de ritmo muito irregular, pequena intensidade e frequência alta. As contrações quase sempre não são percebidas à palpação abdominal, em função de sua pequena intensidade, acrescida da elevação discreta do tônus. - Distocia por hipotonia uterina Não possui relevância clínica durante a dilatação ou no período expulsivo, mas pode acarretar em uma dequitação retardada. Deve ser corrigida com medidas ocitócicas. - Distocia de dilatação Seu diagnóstico é feito por eliminação. São casos em que a atividade uterina e o tônus são normais, mas a evolução ainda assim não é favorável. O quadro clínico pode se apresentar de duas formas: • Com paciente poliqueixosa, ansiosa – a liberação de catecolaminas na circulação decorrente do estresse pode levar à incoordenação uterina. Deve-se orientar a paciente e oferecer, se possível, analgesia peridural. • Quando não se trata de ansiedade, provavelmente está ocorrendo inversão de gradiente ou incoordenação de primeiro grau idiopáticos. Deve-se adotar medidas ocitócicas, visto que a ocitocina sensibiliza o marcapasso uterino Distocia do trajeto Deve-se à presença de anormalidades ósseas ou de partes moles, o que gera um estreitamento do canal de parto e dificulta ou até impede a evolução normal do trabalho de parto e a passagem do feto. Distocias ósseas: São anormalidades no formato, no tamanho ou nas angulações da pelve, o que torna difícil ou até impede o parto por via vaginal. Para diagnosticá-las, o principal meio de avaliação ainda é clínico, através da pelvimetria, apesar da possibilidade de realização de radiografias de quadril ou ressonância magnética da pelve, para as quais reservamos os casos mais dúbios. Distocias de partes moles: São alterações do canal de parto que impedem a progressão do trabalho de parto, excetuando-se as distocias ósseas, a saber: • Vulva e períneo – Varizes, estenose ou edema de vulva, condiloma acuminado de grande extensão. Normalmente não impedem o parto, mas podem gerar mais sangramentos vaginais e/ou infecções pós-parto; • Vagina – septos vaginais (transversos ou longitudinais); • Colo – hipertrofia, estenose cervical pós- cirúrgica (conização, cerclagem) ou cicatricial e edema de colo; • Tumores prévios – interpõem-se à apresentação fetal, como miomas ou neoplasias de colo uterino. Distocia do objeto São as anormalidades que ocorrem no trabalho de parto atribuídas ao feto e às relações materno- fetais. Natalia Quintino Dias Tamanho fetal: O tamanho do feto pode prejudicar uma boa evolução do trabalho de parto quando este for estimado em mais de 4000 g ou quando, mesmo não tendo um peso aumentado, a bacia materna não apresenta diâmetros que permitam a sua passagem, ao que se denomina desproporção cefalopélvica. Deve-se tentar identificar uma distócia pelo tamanho fetal preferencialmente antes do trabalho de parto efetivamente, o que pode ser evidenciado de diversas maneiras: • Altura uterina acima do percentil 95 para idade gestacional; • Presença de edema suprapúbico e membros inferiores sem insinuação do pólo cefálico no estreito superior da bacia; • Estimativa do peso fetal por meio de ultrassonografia obstétrica; • Prova de trabalho de parto – caracteriza-se a parada secundária de dilatação pelo partograma.