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AULA 2 - Religiosidade dos povos indígenas da América Latina

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RELIGIOSIDADES NA AMÉRICA 
LATINA 
AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Jefferson Zeferino 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Povos indígenas na América Latina e sua religiosidade 
Nesta aula vamos falar sobre os povos indígenas na América Latina, sua 
religiosidade e principais características. Queremos explorar a história do 
povoamento do continente e as características sociais e culturais dos povos 
originários, destacando aspectos das religiões ameríndias. 
Conforme adverte o arqueólogo argentino Juan Schobinger (1992, p. 35), 
a partir da década de 50 do século passado foi possível, pouco a pouco, por 
meio de avanços no estudo arqueológico e etno-histórico, superar teorias e 
especulações simplificadoras do continente e de seus povos originários. A 
complexidade e profundidade da alma pré-colombiana é uma descoberta 
recente, que abarca todo um continente com populações variadas. Portanto, 
evitaremos generalizações, e na impossibilidade de abarcar a totalidade, 
apresentaremos as principais culturas originárias do continente. 
TEMA 1 – CULTURAS PRÉ-COLOMBIANAS 
A história da América Latina não se inicia em 1492, com a chegada dos 
povos europeus, liderados pelo navegador Cristóvão Colombo (1451-1506). 
Como Nauroski e Rodrigues (2018, p. 23-24) relatam, as hipóteses mais aceitas 
afirmam que o povoamento do continente aconteceu por volta de 12 mil anos 
atrás, por meio do estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca, no norte, e o 
Oceano Pacífico, no sul do continente. 
Além disso, as hipóteses estimam que havia entre 57 e 80 milhões de 
habitantes antes de 1492, o que supõe uma enorme diversidade cultural. Entre 
povos nômades, plantadores, agricultores e urbanos, como afirma Enrique 
Dussel (1992, p. 7), “o [ser humano] americano [...] veio a ser, portanto, criador 
de altas culturas, produtor e civilizador original, de um mundo religioso prodigioso 
por sua riqueza e seu sentido”. 
Destaca-se o esplendor das culturas Tiahuanaco e Teotihuacán 
produzidas nas regiões dos lagos Titicaca (hoje, Bolívia) e Toxcoco (hoje, 
México), respectivamente, que desenvolveram o império dos incas nos Andes e 
dos astecas na Mesoamérica. 
 
 
 
3 
Figura 1 – As pirâmides de Teotihuacán, no México, são resquícios do 
desenvolvimento civilizacional na Mesoamérica 
 
Créditos: Leonid Andronov/Adobe Stock. 
1.1 Tiahuanaco 
A alta cultura urbana desenvolvida a partir de Cuzco, “o umbigo do 
mundo”, como relata Schobinger (1992, p. 60-62), é herdeira de tradições 
andinas de mais de 3 mil anos de história da região de Tiahuanaco. Com uma 
estrutura social teocrática-militarista, bastante estratificada, tendo os sacerdotes 
lugar proeminente, o império inca era sustentado por uma extensa rede de 
intercâmbios e redistribuição, com uma intensa atividade agrícola. 
O desenvolvimento de tecnologias que potencializou a produção agrícola, 
sobretudo pela sofisticada engenharia de controle das águas, garantiu a 
expansão demográfica na região (Pinsky, 2010, p. 14). O império inca contava 
com aproximadamente 12 milhões de habitantes, dispersos por 4 mil quilômetros 
entre a costa do pacífico e os Andes, desde o que hoje é a Colômbia e chegando 
até o Chile (Probst, 2016, p. 65). 
A partir da sedentarização dos povos e os sincretismos culturais, as 
cidades andinas se tornaram centros econômicos e religiosos, tendo seu apogeu 
no século XV. Os sacerdotes-xamãs acumulavam prestígio social e poder militar, 
eram os sábios das comunidades, determinando o calendário dos ritos e outras 
atividades relacionadas à agricultura e à criação dos animais. “Eles ‘falavam’ 
com os cerros, os mananciais, as grotas e cavernas, e certamente também com 
 
 
4 
o Sol e a Lua, e em geral com as forças que presidem os fenômenos 
relacionados com a atividade produtiva. Somente eles podiam controlar as 
secas, as geleiras, as chuvas torrenciais e as inundações” (Schobinger, 1992, p. 
58). 
A origem mítica dos incas está nas águas do lago Titicaca. Conforme 
Schobinger (1992, p. 60): 
Das águas do Titicaca surgiu primeiro o deus Com Ticsi Huira-Cocha. 
Este fez saírem o sol e a lua, e foi secando as pessoas que tinham 
existido na era anterior à atual, até transformá-las em pedras. Em 
Tiahuanaco criou os [seres humanos] atuais, dando-lhes vestes e 
nomes a cada nação. Logo lhes ordenou que se introduzissem na terra 
e que voltassem a sair em diferentes lugares, para, assim, povoar 
novamente o mundo. Entre aqueles homens (continua a lenda colhida 
por algum cronista) estavam os antepassados dos monarcas Incas, os 
quatro irmãos Ayar com suas esposas. A lenda “oficializada” dizia que 
tinham saído de um lugar localizado a uns 40 Km ao sudeste a cidade 
de Cuzco: o Tamputoco, a caverna “das Três Janelas”. Por ordem 
divina, um deles se estabeleceu num vale alto (3400 metros), fundou a 
cidade de Cuzco (= “umbigo” = centro do mundo) e se fez reconhecer 
como Filho do Sol. Dessa forma, com Manco Cápac tinha-se a iniciado 
a dinastia dos soberanos incas (Segundo alguns, pode ter sido um alto 
chefe aymara, saído de Tiahuanaco na época de seu despovoamento). 
1.2 Teotihuacán 
Um pouco mais ao norte do continente, na região em que hoje é o México, 
encontram-se os primeiros vestígios de cultivo do mundo, ao redor do VIII milênio 
antes de Cristo. A exploração agrícola do milho foi a principal agente de 
desenvolvimento cultural nas regiões mesoamericanas. As grandes cidades 
surgiram no planalto junto ao lago Tezcoco, a primeira foi Teotihuacán (Dussel, 
1983, p. 138). 
A principal base da civilização maia, conforme Schobinger (1992, p. 50-
53), foi a cultura olmeca. Entre os anos 300 e 900, conhecido como Maia 
Clássico, as cidades viverão seu esplendor, sobretudo ao sul, na região de 
Chiapas e do Petén guatemalteco. Eram governadas pela elite sacerdotal, em 
sociedades fortemente estratificadas, lideradas hereditariamente pelo Halach 
Uinic (o verdadeiro homem) sob inspiração divina. O panteão maia era amplo e 
complexo, com rituais específicos para cada divindade, relacionados com os 
astros e fenômenos naturais. Os Maias conheciam a escrita e possuíam um 
calendário próprio, dominando a técnica agrícola e o estudo dos astros. Assim 
explica Dussel (1983, p. 141): 
 
 
5 
A vida maia era essencialmente urbana, junto aos templos, palácios, 
plataformas, canchas para o sagrado jogo de bola, patlôs. Parece que 
Uaxactún foi a mais antiga cidade do Velho Império (possuindo uma 
estela que data de 328 d.C.). Tikal deve ter sido contemporânea (com 
uma estela de 300 d.C.). Por sua vez, Copán foi chamada a “Alexandria 
do Novo Mundo”, já que deve ter sido um dos principais centros de 
peregrinação religiosa, e por isso de astrologia (sua antiguidade está 
assegurada desde 465 d.C). Não se pode esquecer Oxkintok, Tulum, 
Cobá, Palenque, Calakmul. 
Os Astecas são os principais herdeiros da cultura teotihuacana, já que, 
segundo Shobinger (1992, p. 54-56), quando os primeiros espanhóis chegaram, 
no século XVI, aos territórios Maias, foi impossível imaginar que ali existiu uma 
antiga e grande civilização. Restavam apenas camponeses, antigos senhores e 
sacerdotes, que conservavam alguns textos sagrados destruídos, 
posteriormente, pela intolerância religiosa e imperial espanhola. 
Os Astecas – ou Méxicas – foram um povo guerreiro, como nos conta 
Melissa Probst (2016, p. 41-51), cujo esplendor ocorreu entre os séculos XV e 
XVII, e que conseguiu subjugar outros povos e criar um “império” ao redor do 
Templo de Huitzilopochrli (o Sol), Deus do céu diurno e da guerra. Organizados 
primeiramente de forma livre e coletiva, a partir do crescimento de seu domínio 
e do contato com outros povos, o império se estratificou da seguinte forma: 
imperador, aristocracia (sacerdotes e militares), chefes, artesãos de elite, 
comerciantes, camponeses e escravos. Apesar de não dominarem o ferro, os 
astecas conheciam de astronomia, astrologia, matemática,escrita, cerâmica, 
escultura, pintura e arte cênica, desenvolvendo técnicas avançadas para época. 
TEMA 2 – OS POVOS ORIGINÁRIOS NO BRASIL 
Agora, vamos olhar um pouco mais em específico para o território 
brasileiro. Manuela Carneiro da Cunha (1992, p. 12) alerta para “o que é hoje o 
Brasil indígena são fragmentos de um tecido social cuja trama, muito mais 
complexa e abrangente, cobria, provavelmente o território como um todo”. Quais 
seriam suas origens? E como se organizavam? 
 
 
 
6 
Figura 2 – Pataxós, que vivem no sul da Bahia, com suas pinturas e ornamentos 
tradicionais 
 
Crédito: Brastock/Adobe Stock. 
2.1 Povoamento do Brasil 
É bastante difícil afirmar a origem do povoamento na região, não obstante, 
como explica Guidon (1992, p. 41), há vestígios arqueológicos que atestam 
presença de grupos humanos caçadores-coletores no sudoeste do Piauí (60 mil 
anos), sul de Minas Gerais (30 mil anos) e sul do Brasil (15 mil anos), bem como, 
“todo o país já estava ocupado desde há 12 mil anos” (Guidon, 1992, p. 52), 
desenvolvendo agricultura entre 4 e 2 mil anos atrás. 
Por meio de estudos linguísticos comparativos, Greg Urban (1992) 
desenha os movimentos, adaptações e transformações que deram origem ao 
grande florescimento cultural na região, apontando para quatro grandes famílias 
linguísticas espalhadas por vastas áreas, bem como famílias menores e línguas 
isoladas. 
O que se vê mais claramente, e com um grau maior de certeza, 
atualmente, é um padrão de ocupação antiga no Brasil (4000-5000 
a.C.) periférico ao curso principal do Amazonas, o que pode refletir uma 
adaptação a cabeceiras. E podem-se localizar três grandes troncos 
linguísticos (Jé, Tupi e Arawak), cada qual associado a um foco em 
cabeceiras e/ou periférico (planalto oriental do Brasil, região da 
chapada dos Parecis no oeste do Brasil e na Bolívia, e centro-norte do 
 
 
7 
Peru, respectivamente). Essas áreas geográficas são também os 
locais de aglomeração de línguas isoladas, sugerindo áreas de 
dispersão linguística muito antiga. Uma quarta área, os altiplanos 
guiano-venezuelanos, área das línguas Karib, parece ser um foco 
secundário de dispersão mais recente do que os outros três. 
As distribuições sugerem que a ocupação das terras baixas 
propriamente ditas se fez mais tarde, embora possa haver ocorrido 
incursões temporárias nessas zonas, com migrações regulares ou 
ocasionais de povos das cabeceiras e regiões periféricas. De acordo 
com esse quadro, a ocupação permanente das terras baixas é 
provavelmente posterior a 1000 a.C. (Urban, 1992, p. 102) 
Porém, com afirma Schüler (citado por Probst, 2016, p. 82), “não houve 
no Brasil pré-colombiano algo que lembre as monarquias do México e do Peru. 
Ao contrário do que se passava nos Andes e no sudoeste da América do Norte, 
os povos indígenas mantiveram a autonomia tribal”. 
Por questões didáticas, vamos nos limitar a apresentar os povos tupi-
guarani, que ocuparam largamente a costa atlântica da América do Sul, mais 
especificamente, os tupinambás, entretanto, com isso não queremos olvidar a 
diversidade dos povos originários. Fiquemos com a informação que no estudo 
organizado por Manuela Carneiro da Cunha (1992, p. 7-6) há referência de 126 
etnias. Apenas um estudo mais profundo e específico daria conta desta 
magnitude. 
2.2 Tupi-Guarani 
Carlos Fausto (1992, p. 381-382) observa que o conhecimento que temos 
dos povos Tupi-Guarani tem como fonte primária o relato dos europeus, a partir 
do século XVI, não havendo consenso científico quanto a questões demográficas 
e expansão Tupi-Guarani. Além disso, por serem de tradição oral, carecemos de 
registros autóctones. Há notícia que estes povos habitavam desde a foz do rio 
Amazonas até o Prata. No Brasil: 
teríamos os Carijó (Guarani) entre Lagoa dos Patos e Cananéia; os 
Tupiniquins daí até Bertioga — incluindo o planalto paulista; os 
Tupinambá (também chamados, nessa região, Tamoio) do norte de 
São Paulo até Cabo Frio, dominando inclusive o vale do Paraíba; os 
Temomino, em áreas da baía de Guanabara. Entre o Espírito Santo e 
o sul da Bahia aparecem novamente os Tupiniquins; mais ao norte, os 
Tupinambá, que dominam o recôncavo baiano e se estendem daí até 
a foz do São Francisco — em cujo sertão vivem os Tupinaé. Daí até a 
Paraíba era território kaeté e os numerosos Potiguar espalhavam-se 
do ex- tremo nordeste da costa até o Ceará. (Fausto, 1992, p. 383) 
Os Tupi-Guarani dominavam a agricultura, sobrevivendo da caça, da 
pesca e da coleta, em contato direto com a natureza. Tinham como base 
 
 
8 
alimentar mandioca, feijão e cará, fumavam tabaco e bebiam um fermentado de 
mandioca, sendo excelentes caçadores e pescadores (Probst, 2016, p. 82-83). 
Fausto (1992, p. 384) relata que não possuíam um poder centralizado em um 
soberano, viviam em aldeias, com construções simples, quatro a oito malocas 
dispostas ao redor de um pátio, onde habitavam de 500 a 2 ou 3 mil pessoas. E, 
ainda, “a inimizade recíproca distinguia grupos de aldeias aliadas, que operavam 
segundo uma estrutura de tipo ‘rede’: as aldeias, unidas uma a uma, formavam 
um ‘conjunto multicomunitário’, capaz de se expandir e se contrair conforme os 
jogos da aliança e da guerra”. 
Fausto (1992, p. 390) nos relata que, “os Tupinambá eram muitos, suas 
aldeias eram grandes quando comparadas com o padrão amazônico atual, a 
fama de alguns de seus chefes espalha-se pela costa e pelo sertão, mas, no 
entanto, eles eram na essência semelhantes aos Tupi contemporâneos”. Daí a 
possibilidade de acessar essa cultura pelo confronto historiográfico e etnológico. 
Conforme Florestan Fernandes (1989), a organização social da sociedade 
Tupinambá é de natureza competitiva-cooperativa. 
A organização das atividades econômicas dos Tupinambás, no plano 
da exploração, da distribuição e do consumo dos recursos naturais, 
obedecia a princípios cooperativos. Tais princípios cooperativos 
explicam-se em função das vinculações que ligavam em si a 
organização ecológica e o sistema organizatório da sociedade 
Tupinambá. O sistema organizatório compunha-se, morfologicamente, 
de um conjunto ordenado de complexos de relações sociais, 
compostos por sua vez de estruturas e subestruturas sociais. A 
estrutura social básica, ou nuclear, consistia no sistema de parentesco 
que interferia sobre e era suplementado pelas demais estruturas e 
complexos de relações sociais. Todavia, a estrutura social básica 
estava completamente penetrada de valores religiosos, pois o sistema 
religioso tribal repercutia ativamente sobre toda a organização social. 
Em consequência, os padrões religiosos insinuavam-se no 
comportamento dos indivíduos, e sendo encarados como valores 
centrais da cultura, motivavam atitudes e atividades competitivas. 
(Fernandes, 1989, p. 299) 
A chefia Tupinambá não era hereditária, nem consistia em uma sociedade 
estratificada, porém, como explica Fausto (1992, p. 390), os laços 
consanguíneos, valores guerreiros e habilidades como orador garantiam a 
liderança, autoridade e prestígio para fazer alianças, comandar rituais e 
cerimônias, organizar expedições guerreiras e defender o território. Ao fim e ao 
cabo, importava quantos sogros você tinha e quantos inimigos você 
vingou/matou. Viveiros de Castro (citado por Fausto, 1992, p. 392) afirma que a 
guerra produz a sociedade Tupinambá. 
 
 
9 
TEMA 3 – A RELIGIÃO DOS TUPINAMBÁ 
Nesta seção trataremos da religião dos Tupinambá. Como afirmou 
Florestan Fernandes (1989, p. 299), “a estrutura social básica estava 
completamente penetrada de valores religiosos”. Evidentemente os Tupinambás 
tinham seus mitos, festas e rituais, a seguir conheceremos as origens míticas, 
características e práticas religiosas deste povo. 
Figura 3 – Pataxós com suas maracás, instrumentos sagrados, principal 
representação para os Espíritos 
 
Crédito: Celio Messias Silva/Shutterstock. 
3.1 Origens míticas dos Tupinambá 
Segundorelata Métraux (1979, p. 17), entre os povos Tupi-Guarani, há a 
crença comum em um ser criador de tudo que existe e pai da humanidade, que 
revelou a cultura da Mandioca. “Após lutar contra aqueles a quem cobrira de 
benefícios, retirou-se para uma espécie de paraíso terrestre, estância dos mortos 
e de alguns vivos favorecidos”. Ali, criou outras criaturas secundárias a partir de 
suas transformações. Além disso, ele deve destruir o mundo, como já fizera 
antes. 
As principais personagens da mitologia Tupinambá eram quatro. Monan 
significa velho, ancião. Ele é o criador, o pai da humanidade, seu atributo é fogo. 
 
 
10 
Foi ele o artífice e destruidor do mundo. Irin-Magé é o sucessor de seu pai, de 
quem rouba os atributos, assumindo o nome de Mair-Munhã, torna-se o 
transformador. Ele obteve a chuva e restaura a vida na terra, instituindo a 
agricultura. Sumé é filho de Mair-Munhã. Identificado como Tupã. Foi ele quem 
ensinou os Tupinambá a cultivar a terra, os entregou os alimentos e vivia em 
lugares ermos, afastado. Alguns cristãos viam na narrativa de Sumé a presença 
do aposto de Jesus de Nazaré, Tomé, nas Américas. Maire-Pochy é a última das 
personagens míticas. Puxi significa feio, como conotação ética, mau. Seu 
atributo é o peixe (Métraux, 1979, p. 17-18). 
Além desses, há ainda os gêmeos Tamendonare e Aricoute, que nascidos 
de Sumé ou Maira-atá, foram antagônicos e sua contenda provocou um grande 
dilúvio. Eles e suas mulheres se salvaram e repovoaram o mundo. Os 
Tupinambá descendem de Tamendonare. Métraux (1979, p. 21) explica que a 
função dessa narrativa, que é muito mais complexa e inclui outros episódios, “é 
a de rematar a obra [do herói-civilizador] e de ocorrer em ajuda da humanidade”. 
3.2 Xamanismo e profetismo 
O xamanismo, conforme Juan Schobinger (1992, p. 37-38), é uma prática 
antiga entre os povos, como “tentativa de, mediante técnicas mais ou menos 
artificiais, recuperar o contato íntimo com o mundo e suas forças imanentes, que 
se tenha dado naturalmente nas etapas mais antigas da humanidade”. O 
xamanismo acompanha o desenvolvimento dos povos, e a partir do neolítico, 
“começa-se a recorrer, dentro do processo de iniciação xamânica, as 
substâncias vegetais de propriedades psicotrópicas (ou “alucinógenas”) 
(Schobinger, 1992, p. 39). Conta-se que os povos da América conheciam 80 
substâncias com propriedades psicotrópicas retiradas de vegetais, ao passo que 
europeus conheciam entre seis ou sete. 
Entre os Tupinambá, diz Métraux (1979, p. 65), havia homens, mas 
também mulheres, que, por inspiração, em relação com os espíritos – os 
Tupinambá viviam rodeados por uma multidão de espírito bons e maus – 
dominavam técnicas de curas e previsão dos acontecimentos, conduzindo 
tratamentos, danças e cerimônias/ rituais e contribuindo com empresas coletivas 
e individuais, como fertilidade agrícola ou vitória nas batalhas. Em uma aldeia 
poderia haver mais de um xamã, muitos eram andarilhos e circulavam pelas 
aldeias, tendo a capacidade em se converter em animais. Seu prestígio e 
 
 
11 
autoridade correspondiam à quantidade de comprovação de seus 
conhecimentos, por exemplo, se ministrasse uma cura e o índio recuperasse a 
saúde, ou os fatos coincidissem com suas previsões. Assim, sua ação também 
era profética. 
Fausto (1992, p. 388) observa que a atividade dos xamãs-profetas não 
era oposta à dos chefes tribais. Às vezes uma mesma pessoa reunia os atributos 
e prestígios para exercer as duas funções, mas esta não era a regra entre os 
Tupinambás. 
Principais e pajés, morubixaba e caraíba, não se opunham como uma 
força centrípeta e outra centrífuga — ambas estavam voltadas para o 
exterior, para o gerenciamento da relação com a alteridade: a "função 
chefe" operava no plano físico, a "função xamã" no metafísico. A 
palavra dos profetas não era, portanto, a negação da autoridade dos 
chefes; muito pelo contrário, ao enfatizar a predação canibal, falavam 
sobre aquilo que será condição do exercício da chefia. Como sugerem 
Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro, os caraíba eram antes 
fundamentalistas contestatários que revolucionários, pois sua prédica 
destacava aqueles que eram os nexos fundantes da sociedade tupi: 
guerra e vingança (1985:196). (Fausto, 1992, p. 388) 
Além disso, conforme Métraux (1979, p. 60-62), o relacionamento com os 
espíritos, apesar de eles habitarem por todo o cosmo favorecendo ou 
atrapalhando as ações dos vivos, manifestando-se em animais estranhos e aves, 
dava-se sobretudo pelo instrumento sagrado: o maracá. Espécie de chocalho, 
em formato redondo com um pau, remetia a uma cabeça, principal representação 
Tupinambá para os Espíritos. Inicialmente era apenas um receptáculo dos 
espíritos, mas, ao longo do tempo, tornou-se sua própria configuração material. 
Assim relata Métraux (1979, p. 62): 
Antes de partirem para a guerra, os tupinambás dançavam com os 
chocalhos, rogando-lhes auxiliá-los na captura dos inimigos. Os 
guerreiros levavam-nos consigo, na campanha, dançando e 
manejando os maracás todas as vezes que pretendiam auscultar o 
futuro, ou, mais exatamente, a disposição das forças místicas 
envolventes. O bom êxito de qualquer expedição era atribuído aos 
maracás. Os índios davam-lhes graças, entoando cânticos ou 
executando danças em honra deles. 
3.3 Antropofagia e o culto aos antepassados 
Como dissemos acima, os Tupinambá eram guerreiros. Métraux (1979, p. 
114) afirma que o combate era, sobretudo, para captura de prisioneiros, 
aumentando seu prestígio e fama. Os Tupinambás eram antropofágicos. 
Aqueles mortos em combate tinham seus corpos desmembrados e assados para 
 
 
12 
consumo ritual de vingança. Os vivos eram levados para a aldeia e celebrados 
com grande festa. Eram feitos escravos pelo responsável pela captura, incluídos 
no cotidiano da tribo como membro, chegando a possuir esposas, até a fixação 
de sua execução, que poderia variar entre dias até 20 anos. O sacrifício do ritual 
era uma festa com a presença de amigos e parentes dos povos aliados com 
duração de cinco dias, cominando na morte do inimigo, o preparo e a comilança 
de sua carne. 
Assim, Métraux (1979, p. 138) explica que, “servindo-se da carne dos 
inimigos, não somente os tupinambás se apropriavam de sua substância, mas, 
também manifestam a superioridade dos mesmos sobre o adversário”. Conforme 
registrou Pigafetta (citado por Méatraux, 1979, p. 138), os Tupinambás explicam 
a antropofagia por meio do seguinte mito: 
Certa velha tinha um filho único, morto pelos inimigos. Tempos depois, 
em prosseguimento da guerra, o assassino foi feito prisioneiro e 
conduzido à presença da velha. Esta, por vingança, atirou-se ao 
mesmo, mordendo-lhe as espáduas qual se for um cão enfurecido. 
Porém o homem conseguiu fugir e, ao retornar a casa, mostrou a carne 
rota e contou como os seus inimigos tinham tentado devorá-lo vivo. 
Desde então os índios se puseram a comer uns aos outros, os 
indígenas caídos prisioneiros. 
Porém, não apenas os inimigos humanos são comidos ritualmente. 
Métraux (1979, p. 138) nos diz que o segundo inimigo dos Tupinambás era o 
jaguar. Quando capturado, era morto e preparado e consumido, adotando do 
mesmo método aplicado para evitar a vingança da fera. 
Florestan Fernandes (p. 164-167) observa que entre os Tupinambás os 
mortos eram importantes na vida dos vivos. Os funerais eram realizados pelos 
parentes e amigos, feitos dentro da maloca do falecido, sendo enterrado junto a 
alimentos e objetos necessários para uma segura travessia, para além das 
montanhas, o Guajupiá. Os vivos ficavam obrigados de guardar o luto, ao 
cuidado da sepultura, ofertas rituais e, sobretudo, se o seu parente fosse morto 
em batalha, vingá-lo. Os Tupinambás mantinham uma relação íntima com seus 
parentes falecidos, com formas de intercomunicações por meio de seres 
animados, como pássaros, e os pajés em ritos religiosos, crendo firmemente napossibilidade de reestabelecer a comunhão com seus antepassados. Os vivos, 
portanto, obedeciam a um padrão moral que lhe permitisse chegar a Guajupiá. 
 
 
 
13 
TEMA 4 – TERRA SEM MALES 
Você sabe que o contato entre os povos originários e europeus significou 
uma catástrofe para os primeiros. Portugueses e espanhóis, bem como 
franceses e holandeses, trouxeram para o Novo Mundo, como o chamaram, 
poder bélico, enfermidades e uma nova cultura que provocaram um grande 
morticínio. Olhemos, então, como o fenômeno religioso foi um elemento para a 
sobrevivência dos povos. 
Figura 4 – Os Mbya-Guarani resistem há muito tempo aos avanços do mundo 
branco, conservando suas culturas e identidade 
 
Crédito: Andre Lucas/Shutterstock. 
4.1 Invasão e violência europeia 
Florestan Fernandes (1989, p. 32-53) relata que, entre o século XVII e 
início do XVIII, são poucas as notícias nos documentos oficiais sobre os 
Tupinambás, no Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão, Pará e na Ilha dos 
Tupinambaranas, regiões densamente povoadas no século anterior. Cunha 
(1992, p. 12) diz que “motivos mesquinhos [...] conseguiram esse resultado 
espantoso de reduzir uma população que estava na casa dos milhões em 1500 
aos parcos 200 mil índios que hoje habitam o Brasil”. 
 
 
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Aqueles que não morreram nas guerras contra os colonizadores, ou 
pereceram pelas novas epidemias, foram para missões jesuíticas e foram 
integrados ao mundo dos brancos, que seria uma forma de morrer. Os que 
permaneceram vivos devem ter participado das grandes migrações rumo ao 
interior distante da costa e dos portugueses. As motivações podem ser 
explicadas de diversas maneiras, entretanto, o dado religioso é central. Como 
explica Fausto (1992, p. 387), a crise da colonização reativou o discurso mítico-
profético da “terra sem males”: 
Em um século os Tupi foram expulsos do litoral — um rico nicho 
ecológico que haviam conquistado progressivamente nos cinco 
séculos anteriores — pela violência, pela fome e pelas doenças. Eram 
inúmeros os movimentos migratórios forçados e/ou voluntários para o 
interior — os Tupi fugiam das epidemias, da escravização, buscavam 
novos territórios. Esse era, não há dúvida, um contexto propício à 
atualização do discurso profético, e deve ter favorecido esse aspecto 
da cosmologia e do xamanismo tupinambá. 
4.2 Em busca da Ywy mara-ey 
Pierre Clastres (1979, p. 155-164), que estudou os Mbyá-Guarani, no 
Paraguai, uma das poucas tribos que mantêm a tradição de seus antepassados, 
conservando sua identidade tribal, sua essência, honra e ética, contra as 
assanhas de missionários e conquistadores, pelo menos há quatro séculos, 
descreve a Ywy mara-ey, a Terra sem Mal: 
[...] onde a infelicidade é abolida, o milho cresce sozinho, a flecha traz 
a caça àqueles que não têm mais necessidades de caçar, o fluxo 
regrado dos casamentos é desconhecido, os homens, eternamente 
jovens, vivem eternamente. Um habitante da Terra sem Mal não pode 
ser qualificado univocamente: ele é um homem, sem dúvida, mas 
também o outro do homem, um deus. O Mal é o Um. O Bem não é o 
múltiplo, mas o dois, ao mesmo tempo o um e o seu outro, o dois que 
designa verdadeiramente os seres completos. Ywy mara-ey, 
destinação dos Últimos Homens, não abriga mais homens, não abriga 
mais deuses: somente iguais, deuses- homens, homens-deuses, tais 
que nenhum dentre eles se diz segundo o Um. (Clastres, 1979, p. 157) 
Fausto (1992, p. 385-386) enfatiza que a “terra sem mal” é este “[...] lugar 
de abundância, de ausência de labuta, da imortalidade, mas sobretudo da guerra 
e do canibalismo [...]” em sentido mítico e temporal. Como você viu acima, havia 
entre os Tupinambás a crença de um mundo pós-morte para os indivíduos de 
prestígio, porém, a Ywy mara-ey “[...] era também um ‘paraíso terreal’ inscrito no 
espaço, em algum lugar a oeste ou a leste, que podia ser coletivamente 
alcançado em vida”. 
 
 
15 
Assim, a busca deste paraíso terreno, animada pelas palavras dos pajés, 
ajuda-nos a entender os movimentos migratórios dos povos e a sobrevivência 
dessas culturas até os nossos dias. Enquanto não acham a terra, os Guaranis 
cultivam o gosto pela palavra, que é sua salvação. Clastres (1979, p. 160-164) 
descreve que ao amanhecer o pai se coloca em prece, pedindo as belas palavras 
originais para que os deuses reconhecendo seus esforços falem a Palavra que 
abre o caminho para Ywy mara-ey. 
TEMA 5 – BEM VIVER (SUMAK KAWSAY) 
Para finalizar queremos apresentar o Bem Viver como expressão 
contemporânea da cosmovisão ameríndia. Ainda que abordemos bastante uma 
perspectiva histórica e sociológica dos povos indígenas da América Latina, em 
hipótese alguma podemos tomá-los de modo fixo. Enquanto expressão cultural, 
os povos estão em movimentos internos e externos a suas comunidades, e 
resistem para manter sua identidade e modo de vida no século XXI. 
Figura 5 – A bandeira Wiphala, de origem andina, às margens do Lago Titicaca, 
no Peru, é a expressão da cosmovisão do Sumak Kawsay 
 
Crédito: simonmayer/Adobe Stock. 
 
 
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Como nos conta Dillenburg (2016, p. 53-54), em 1992, enquanto os 
estados nacionais se preparavam para celebrar o “Encontro dos Mundos”, 
organizações indígenas, camponesas e populares se uniam, em protesto, para 
celebrar 500 anos de resistência. Essas e outras iniciativas tinham um conteúdo 
político, colocando-se frontalmente contra o capitalismo neoliberal e suas 
crenças no progresso e desenvolvimento, que fragmentam, individualizam e 
destroem memórias coletivas. Assim, no final da década de 1990, a partir da 
cosmovisão dos kichwas na Amazônia equatorial, buscou-se “sistematizar uma 
proposta para organizar seu plano de vida e a gestão de seu território” e se 
expressou como Suma Qamaña, em aymara, e Sumak Kawsay, em kichwa. 
Traduzido, geralmente, por Bem Viver. 
O Bem Viver não se restringe à região andina. Há cosmovisões correlatas 
em diversos povos da ameríndia. Consiste em considerar a vida boa, não a partir 
do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ou PIB (Produto Interno Bruto), 
mas pela harmonia, equilíbrio, cuidado, respeito, proteção e convivência com 
tudo o que existe, energias vitais, território, ancestrais, espíritos, seres da 
natureza e seres humanos (Dillenburg, 2016, p. 56). 
Para Célio Turino (2016, p. 15), equilíbrio, harmonia e convivência são 
afirmações do Bem Viver, 
O Bem Viver recupera esta sabedoria ancestral, rompendo com o 
alienante processo de acumulação capitalista que transforma tudo e 
todos em coisa. Para nossos irmãos indígenas do Xingu, o mundo é 
povoado por muitas espécies de seres, não somente dos reinos animal 
e vegetal, mas também os minerais, a água, o ar e a própria Terra, que 
contam com espírito e inteligência próprios – ou ajayu em aymara, no 
Altiplano boliviano. Todos os seres são dotados de consciência, e cada 
espécie vê a si mesma, e às outras espécies, a partir de sua 
perspectiva. Com esta sabedoria somos levados a compreender que a 
relação entre todos os seres do planeta deve ser encarada como uma 
relação social, em que cultura e natureza se fundem em Cultura Viva. 
Em suma, como aponta Dillenburg (2016, p. 117), trata-se de uma 
convivência recíproca entre comunidades, baseada, concretamente, na 
produção “daquilo que é suficiente para todas as pessoas, respeitando a 
natureza e as necessidade das futuras gerações, anulando, com isso, o mito [em 
sentido de falseamento] do progresso ilimitado”. 
NA PRÁTICA 
 
 
17 
Nessa aula, falamos um pouco sobre o povo Tupinambá, que, no século 
XVI, na época da invasão europeia, eram muitos e se estendiam por quase todo 
o litoral brasileiro. Atualmente, segundo o Censo 2010 (IBGE, 2012), há cerca 
de 5800 Tupinambás que vivem no interior da Bahia, na região de Ilhéus. Leia a 
seguir um trecho da entrevista concedida ao portal IHU-Online pelo professor 
Casé Angatu Xukuru Tupinambá. Tente destacar elementosda religiosidade dos 
Tupinambás presentes no texto. 
[...] 
IHU On-Line – Por que as lutas pela demarcação dos territórios 
indígenas são lutas que vão muito além da questão da terra? 
Casé Angatu Xukuru Tupinambá – Porque o território é sagrado. Nós 
não somos donos da terra, nós somos a terra. O direito congênito, 
natural e originário é anterior ao direito da propriedade privada. Não 
estamos lutando por reforma agrária. Pelo fato de nós sermos a terra, 
temos o direito de estarmos na terra e o direito de proteger o que 
chamamos de sagrado, a natureza, é ela que nos nutre e nós a 
nutrimos à medida que a protegemos. Fazemos isso para proteger o 
nosso sagrado, e a natureza e a terra são sagradas. Trata-se de uma 
luta por um direito natural. 
IHU On-Line – Nas cosmologias ameríndias parece haver uma 
harmonia maior entre o que é da ordem da política e o que é da ordem 
das formas de vida. Como as lutas indígenas tendem a se transformar 
em lutas por um modo de existência? 
Casé Angatu Xukuru Tupinambá – Como sou professor universitário, 
eu me deparo com as teorias decoloniais, das ideologias marxistas de 
esquerda, anarquistas etc. Nós somos tudo isso antes das teorias 
existirem. Nós somos decoloniais em nossa forma de ser, na nossa 
cosmovisão, cosmologia. Nós enxergamos a natureza não como algo 
a ser explorado, mas algo a ser vivenciado e protegido. Isso, em si, já 
antimercadológico, anticapitalista e, de certa forma, antiestatal, porque 
os Estados pregam um desenvolvimentismo que vai para cima de 
nossos territórios. 
IHU On-Line – Qual a importância de se reconhecerem os saberes 
ancestrais indígenas como conhecimentos da ordem da Ciência? 
A sabedoria é algo ligado à natureza, é algo ancestral. Digo mais, não 
é só uma questão dos povos indígenas, todos os povos têm uma 
sabedoria ancestral - Casé Tupinambá 
Casé Angatu Xukuru Tupinambá – Não tem importância nenhuma. A 
sabedoria é anterior ao conhecimento. A sabedoria é algo ligado à 
natureza, é algo ancestral. Digo mais, não é só uma questão dos povos 
indígenas, todos os povos têm uma sabedoria ancestral. Se 
respeitarmos a sabedoria ancestral, seja a do indígena, do negro, do 
europeu, do asiático, não importa, com certeza esta sabedoria será 
voltada para o respeito à natureza. Então o que tentamos fazer é que 
o universo político acadêmico perceba que o natural é o respeito à 
sabedoria ancestral. 
O desenvolvimentismo é destrutivo, vai por cima da sabedoria 
ancestral, porque ele é mercadológico. O sistema desenvolvimentista-
capitalista, em si, detona as sabedorias ancestrais. Por isso falamos 
em “decolonização”, para que as pessoas nas universidades 
descolonizem seu conhecimento, no sentido de perceber como ele 
pode servir às sabedorias ancestrais. 
IHU On-Line – De que forma as cosmologias ameríndias oferecem uma 
alternativa de relação com o universo para além do paradigma do 
extrativismo ambiental e humano? 
 
 
18 
Casé Angatu Xukuru Tupinambá – Por meio do convívio. O convívio 
com a natureza. Eu não estou pregando ou falando que alguém que 
vive em uma cidade urbanizada como Porto Alegre, São Paulo ou Rio 
de Janeiro volte a morar em uma oca, volte a morar no meio da 
natureza. O que estou dizendo é que essas pessoas precisam respeitar 
quem vive na floresta por um desejo de preservar a natureza. O 
respeito aos povos da mata, aos caiçaras, aos povos da terra, aos 
ribeirinhos, aos marisqueiros, aos pescadores, isto é, aqueles que 
querem viver da terra sem explorá-la é algo necessário. Para quem 
vive em um centro urbano, o respeito a estas pessoas e a tentativa de 
barrar, por exemplo, Belo Monte, já é uma grande contribuição. Onde 
tem índio, onde tem povo tradicional, como os quilombolas, há e haverá 
natureza preservada. Quando não mais tiver natureza preservada, 
estaremos diante do fim do mundo. 
[...] (Machado, 2019) 
FINALIZANDO 
Nesta aula, aprendemos: 
1. Antes da chega dos europeus, em 1492, outros povos já ocupavam a 
América, pelo menos há 12 mil anos, chegando a desenvolver culturas 
complexas com escrita, comércio, construções e tecnologias. As mais 
conhecidas são Tiahuanaco e Teotihuacán, base para os impérios Inca, 
no Peru, e Asteca, no México, respectivamente. 
2. No território brasileiro há vestígios de ocupação humana por toda sua 
extensão, chegando a desenvolver agricultura, a pelo menos, entre 4 e 2 
mil anos atrás. Os Tupi-Guarani, ocupavam quase todo o litoral brasileiro 
quando os portugueses chegaram. Viviam da caça, pesca e agricultura, 
sem um poder centralizado e ausente de hierarquia hereditária, 
organizavam-se socialmente de modo cooperativo e competitivo, como 
profundos valores guerreiros e religiosos. 
3. A origem mítica dos Tupinambás afirma que este povo descende de 
Tamendonare, gêmeo rival de Aricoute. Sua religião está baseada no 
xamanismo e profetismo, e no contato imediato com seres espirituais que 
se expressam materialmente. São povos antropofágicos. Os 
antepassados são centrais na condução moral dos indivíduos para 
acessar o além. 
4. A terra sem males, enquanto expressão religiosa, é ao mesmo tempo um 
lugar mítico e histórico, e explica as grandes migrações dos povos da 
costa rumo ao interior, mantendo vivas as culturas, como elementos de 
resistência e afirmação da identidade. 
 
 
19 
5. O Bem Viver é a sistematização da cosmovisão Andina, presente também 
em outras culturas ameríndias, em oposição ao projeto econômico de 
progresso e desenvolvimento ilimitados. Afirma-se como equilíbrio, 
harmonia e convivência entre os seres. 
 
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MACHADO, R. “Nós não somos donos da terra, nós somos a terra”. Entrevista 
especial com Casé Angatu Xukuru Tupinambá. IHU-online. 31 jan. 2019. 
 
 
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Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/582140-nos-
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