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AULA 1 - Religiosidades na América Latina

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RELIGIOSIDADES NA AMÉRICA 
LATINA 
AULA 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Jefferson Zeferino 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Nesta aula, vamos falar sobre a identidade e diversidade cultural, étnica 
e religiosa dos povos latino-americanos. Para isso, exploraremos conceitos 
importantes para a compreensão do fenômeno religioso, como espaço sagrado, 
organizações religiosas, textos sagrados, mitos e símbolos, ritos, festas, vida e 
morte. Também trataremos de aspectos histórico-culturais relevantes na 
formação religiosa da América Latina, identificando suas matrizes religiosas. 
Assim, você terá ferramentas para entender a pluralidade cultural e religiosa 
característica do continente. 
TEMA 1 – SAGRADO E PROFANO 
Antes de abordarmos propriamente nossos temas, é necessário fazer 
algumas considerações sobre o que venha a ser sagrado, bem como o seu 
comumente antônimo, profano. Atenção: a oposição entre sagrado e profano não 
possui relação qualitativa de tipo moral. Apenas denotam a diferença de 
significado de um objeto, pessoa, lugar etc. a depender de seu contexto e função. 
Não podemos, em hipótese alguma, afirmar que objetos, lugares, pessoas 
etc. são maus por serem profanos, ou bons por serem sagrados. Tão somente 
descrevemos que algumas coisas são sagradas pois estão inseridas em um 
contexto religioso e possuem uma função sacra, enquanto outras não. 
Figura 1 – Templo do sol na cidade inca de Machu Pichu, Peru 
 
Créditos: avlk/Adobestock. 
 
 
3 
1.1 Espaço sagrado 
A distinção entre sagrado e profano pode gerar muitos conflitos graves. 
Quando não compreendemos o fenômeno religioso enquanto tal, em sua 
diversidade e multiplicidade, assumimos posições de superioridade epistêmica. 
Assim, corremos o risco de contribuir com análises de tipo dogmatista e fechada, 
criando confusões e desrespeito, podendo chegar até a casos de intolerância e 
violência. 
É importante entendermos que, quando falamos de sagrado, estamos 
descrevendo um objeto, uma pessoa, lugar etc. que fazem parte de uma 
realidade religiosa, uma outra modalidade de experiência; bem como falamos de 
uma dimensão própria do ser humano, que se manifesta de diversos modos. 
O ser humano é ser religioso, ou seja, a partir de uma experiência 
primordial com o mistério que não pode ser racionalmente explicado, o ser 
humano produz religião, da qual o sagrado é sua expressão simbólica; 
experimenta e dá sentido ao mundo de uma forma que obedece a uma lógica 
própria, cujo valor é em si e se apresenta como categoria da consciência humana 
anterior a qualquer experiência empírica (Otto, 2007); bem como estabelece 
doutrinas, códigos, normas, preceitos e ritos e mantém relacionamentos com os 
ser/es divino/s. 
Essa dimensão sagrada, por mais difícil de ser explicada, como diz Mircea 
Eliade (1992), é possível de ser conhecida porque ela se manifesta (hierofania). 
Assim, percebemos que as hierofanias operam não apenas um sentimento de 
maravilhamento e espanto nos indivíduos, mas sobretudo alteram o espaço. A 
pedra, em contexto religioso, não é apenas pedra, é algo mais que a diferencia 
das outras. Uma pedra pode ser sagrada, sendo venerada e adorada não por 
ser pedra, mas por manifestar o sagrado, sendo absolutamente diferente das 
outras e mediando a relação entre a realidade visível e a invisível. 
De igual modo, a manifestação do sagrado coloca um limite territorial, uma 
descontinuidade do espaço. Como afirma Eliade (1992, p. 20), “todo espaço 
sagrado implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado que tem como 
resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna 
qualitativamente diferente.”. 
O mundo, a partir dessa irrupção, se divide entre aquilo que é sagrado, 
portanto, o espaço separado, daquilo que não é e, portanto, está fora desse 
 
 
4 
espaço, aquilo que é profano. Como a própria etimologia grega sugere, pro + 
fanus, o que está fora do templo. Nessa diferenciação, o espaço sagrado ganha 
uma centralidade em relação ao profano. O espaço sagrado é o centro do 
mundo, a partir de onde se abre a passagem de ligação “entre céu e terra”, se 
comunica e se relaciona através das mediações sacras, e se expande o mundo 
(Eliade, 1992, p. 24). 
É interessante notar como os templos, os santuários, as cidades santas, 
remetem a uma narrativa de criação do Cosmos (ordem) ou feito mítico, de tal 
modo que o mundo organizado seja a manifestação do sagrado e/ou produto de 
sua ação criadora (cosmogonia), a qual os humanos reproduzem, seja em seus 
edifícios e/ou rituais. Gil Filho (2012, p. 101-102) descreve, sumariamente, que 
no judaísmo, o sagrado se relaciona ao culto a YHWH e sua presença na Lei; no 
islamismo, aos locais consagrados pela presença divina e manifestações através 
do seu profeta; no cristianismo católico, em seu ato sacramental pela reunião e 
memória de seu mito fundador. 
É comum nas religiões ameríndias e afro-brasileiras, mais do que nas 
religiões semitas, a concepção da natureza (astros, rios, mares, florestas, 
montanhas etc.) como espaço sagrado, isto é, a natureza possui uma dimensão 
religiosa, manifesta o divino, media a comunicação entre o visível e o invisível e 
é uma grande harmonia criada pelos deuses da qual o ser humano forma parte. 
Essa concepção, como observa Farias (2017, p. 158), implica a proteção desses 
bens em detrimento de sua devastação. 
De todo modo não há, naturalmente, uma relação de rivalidade entre 
sagrado e profano, como se assumiu a partir da modernidade. Entre sagrado e 
profano, o conflito se coloca quando os limites (tabus) são ultrapassados, ou 
quando o caos coloca em risco a ordem. Como conclui Eliade (1992, p. 14), “o 
sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no Mundo, duas 
situações existenciais assumidas pelo [ser humano] ao longo da sua história”, 
que separa e divide aquilo que está consagrado ao culto daquilo que está fora. 
1.2 Organizações religiosas 
É, portanto, pela irrupção do sagrado que o ser humano constrói altares 
para os seus deuses, consagra objetos, pessoas e espaços para o culto, 
mantendo um relacionamento e se comunicando com o que denomina de divino. 
A partir disso, não ocorre tão somente a passagem do caos ao cosmos, mas se 
 
 
5 
produz religião. O ser humano organiza o seu mundo de tal forma que estabelece 
organizações religiosas, podendo ser, a depender das culturas, mais 
elementares ou mais complexas, com seus mitos, ritos, símbolos, festas e textos, 
doutrinas, ensinamentos, códigos, preceitos e normas. 
Em nosso mundo multicultural, há uma ampla gama de organizações 
religiosas. Cada tempo histórico e lugar geográfico em que uma comunidade 
humana se organizou produziu uma organização religiosa, podemos citar, por 
exemplo, o Hinduísmo, Jainismo, Sikhismo, Taoísmo, Confucionismo, 
Xintoísmo, Zoroastrismo, Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Fé Bahá’í, 
Candomblé, Umbanda, Quimbanda e Ameríndia, sem contar aquelas que já não 
existem. 
Importante destacar que cada uma dessas organizações tem uma 
estrutura própria, podendo conter denominações institucionalizadas. Como é o 
caso do cristianismo, em que há Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), 
Igrejas Ortodoxas Orientais, Igrejas Protestantes, Reformadas, Pentecostais e 
Neopentecostais, cada uma com uma estrutura ministerial e litúrgica diferente. 
Não nos cabe descrever todas as formas de organização religiosa, 
apenas queremos apresentar alguns elementos que demonstram sua 
diversidade. Quando falamos de organização religiosa, nos referimos, 
sobretudo, à estrutura institucional que se organiza a partir daquela experiência 
primordial e fundante como manifestação do sagrado, a qual descrevemos 
acima. 
As organizações religiosas possuem lideranças espirituais, agentes 
mediadores da ação ritual, que podem também exercer funções políticas e 
administrativas da comunidade local ou mesmo emcontexto global e formam um 
grupo à parte, constituindo um clero, uma casta sacerdotal. Porém, sua forma, 
graduação, limites e controles são bastante variados, podendo haver ministérios 
independentes, grupos autônomos, uma maior ou menor colegialidade ou 
centralização do poder ministerial. 
Apesar de majoritariamente serem homens a exercerem a liderança, 
apontando para uma estrutura patriarcal, há organizações em que se privilegia 
institucionalmente esse ofício às mulheres, como é o caso do candomblé 
testemunhado por Sueli Carneiro e Cristiane Cury (2014, p. 121) ao investigar O 
poder feminino no culto aos orixás: 
 
 
6 
O candomblé se constitui originalmente no Brasil numa comunidade 
eminentemente feminina, embora o elemento masculino não estivesse 
totalmente excluído. Suas fundadoras tornaram-se figuras legendárias 
que continuam vivas e atuantes na memória cultural das comunidades 
de candomblé. Esse é o caso, por exemplo, de Iyá Nasso, uma das 
fundadoras da primeira roça de candomblé (nas primeiras décadas do 
século XIX, em Salvador; de Mãe Aninha, fundadora da mais 
tradicional roça de candomblé do país, o Ilê Axé Opô Afonjá, também 
em Salvador; e de Mãe Senhora, uma das mais ilustres e veneráveis 
iyalorixás (mães-de-santo) do Brasil. A liderança dessas mulheres 
negras representa um fenômeno inusitado no seio de uma sociedade 
evidentemente patriarcal e preconceituosa como a brasileira. 
As organizações religiosas podem possuir um corpo doutrinal, que 
fundamente não apenas como serão exercidos os ministérios e funções internos 
à comunidade, mas também o que é permitido e proibido, ensinado e transmitido 
entre os membros. Essas prescrições eventualmente são tomadas, ou de modo 
literal ou segundo a interpretação de seus mitos fundadores. 
TEMA 2 – LINGUAGEM RELIGIOSA 
Anteriormente, falamos que a religião é a expressão simbólica do 
sagrado, pois a experiência primordial não pode ser completamente explicada, 
mas sim, narrada e vivenciada. Também afirmamos que as organizações 
religiosas se formam ao redor das hierofanias baseadas em suas narrativas 
míticas. Expressão simbólica e narrativa mítica antecedem a razão discursiva. 
Tanto o símbolo quanto o mito são elementos a serem considerados com 
seriedade se buscamos compreender o fenômeno religioso. 
Figura 2 – Calendário Asteca. Escultura em pedra com sol e hieroglifos 
 
Créditos: Amelia/Adobestock. 
 
 
7 
2.1 Símbolos 
O símbolo, como sugere a etimologia grega syn+bolon, significa a união 
de duas coisas, e conforme o costume grego, não está inserido no contexto 
religioso. O símbolo era uma peça de cerâmica dividida em dois ao se celebrar 
um contrato. Para legitimar uma posterior reclamação, bastava unir as partes e 
comprovar a amizade selada (Rossi; Perondi, 2020, p. 104) Assim, o símbolo, 
como entendemos atualmente, não se refere apenas à união de duas coisas 
complementares, mas no plano da linguagem e dos sentidos, as coisas 
comunicam algo além do aparente, isto é, possuem uma função simbólica. 
Em nosso mundo, há diversos símbolos. René Girard (cf. Rossi; Perondi, 
2020, p. 101) classifica os símbolos entre aqueles que usamos nas ciências 
exatas; nos emblemas convencionais; nos valores e na religião. Apesar dessa 
presença diversa dos símbolos, no estudo das religiões, eles são compreendidos 
como linguagem originária e fundantes da experiência religiosa. O símbolo é 
produto especificamente humano, que comunica o mais profundo da sua 
experiência; estabelecem a mediação entre o mundo natural e o mundo religioso, 
o visível e o invisível; e ao mesmo tempo em que aparece, também esconde. 
Os símbolos possuem cinco características: 1) polissemia: a função 
simbólica das coisas é plural; 2) relacional: pelo símbolo o ser humano se 
relaciona com o cosmo, outros indivíduos e o sagrado; 3) permanente: o valor 
simbólico das coisas permanece o mesmo ao logo dos séculos; 4) universal: o 
mesmo símbolo com o mesmo valor pode surgir em diversas culturas; e 5) pré-
hermenêutico: a significação do símbolo é inserida pelo produtor e 
posteriormente é captada pela interpretação (Rossi; Perondi 2020, p. 108). 
Cabe retomar o exemplo da pedra sagrada. É uma pedra específica que 
comunica algo para além do aparente e natural. Trata-se de um sentido simbólico 
compartilhado pelos membros de uma cultura, e está vinculado às hierofanias e 
seus mitos. 
2.2 Mitos 
Os mitos são narrativas, discursos que explicam a origem das coisas. 
Porém, não podemos confundir os mitos com uma explicação cientifica, 
tampouco carente de racionalidade. Os mitos não são discursos falsos ou pré-
científicos. 
 
 
8 
Para uma melhor compreensão, os mitos, primeiro, devem ser analisados 
com um texto, literatura, ou melhor, como uma comunicação. Os mitos possuem 
emissor e receptor, bem como surgem a partir de uma realidade sócio-histórica 
e estão passíveis a múltiplas interpretações. Segundo, precisamos considerar 
que os mitos narram acontecimentos originários, geralmente protagonizados 
pelos deuses, explicando o sentido das coisas e instaurando como elas são, 
tocando o profundo da existência humana, a partir da vida concreta, e expressam 
uma verdade existencial (cf. Rossi; Perondi, 2020). 
Portanto, o estudo do mito como fenômeno religioso deve evitar duas 
posturas: 1) negar a realidade que o mito expressa; 2) fixar-se na literalidade da 
narrativa. Conforme resume Schlögl (citado por Rossi; Perondi, 2020, p. 78): 
Os mitos são histórias sagradas. Seu texto é construído para tornar 
dizível o indizível; portanto, utiliza-se de metáforas e dos símbolos, a 
fim de exprimir suas ideias que, mais do que simples palavras, são 
compostos que mobilizam uma ampla gama de energias emocionais 
direcionada aos indivíduos para os quais o mito se apresenta. 
TEMA 3 – TEXTOS SAGRADOS 
Entre os diversos modos de manifestação do sagrado, os textos estão 
presentes em muitas religiões. Eles guardam a sabedoria da comunidade 
religiosa, reunindo doutrinas, leis para o convívio e normas para o culto. Assim, 
garantem a continuidade da fé, colaboram na transmissão do saber e 
representam o legado espiritual e filosófico da comunidade (Farias, 2017, p. 
166). 
A sacralidade dos textos, que fundamentam teologias, códigos, normas, 
preceitos, mandamentos, ritos e celebrações religiosas e expressam o núcleo 
central da fé se verifica na ação divina. As narrativas são consideradas reveladas 
e inspiradas pelos deuses e narram as relações divinas, bem como experiências 
dos grupos e/ou indivíduos com o sagrado. Os seres humanos são responsáveis 
pela conservação, transmissão, interpretação e sistematização dos textos 
sagrados. 
Além disso, como indica Farias (2017, p. 167), os textos sagrados 
constituem rico elemento de análise do fenômeno religioso. Segundo Gil Filho 
(2012, p. 33), é possível acessar a sacralidade das construções epistêmicas das 
religiões manifestadas nos textos (livros sagrados, oralidades sagradas e mitos). 
 
 
 
9 
Figura 3 – Vedas: escritura sagrada do Hinduísmo em sânscrito 
 
Créditos: liubomirt/Adobestock. 
3.1 Texto oral 
Quando falamos de texto, não nos limitamos unicamente à sua forma 
escrita. Os textos sagrados, narrativa oral, escrita, ou pictórica, relatam uma 
experiência religiosa. Os textos orais são formas primordiais da narrativa 
religiosa. De modo que as religiões organizadas com um corpo de textos escritos 
sagrados têm suas tradições (mitos, símbolos, ritos, iniciação) consolidadas pela 
fala e pela palavra, tanto no nível linguístico como prático, os quais produzem 
leituras e releituras, em um processo de sistematização, até chegar ao cânon. 
Não obstante, não se trata de um processo evolutivo universal, e ainda em 
nossos tempos, há religiões que mantêm seus textos sagrados na oralidade 
(Croatto, 2002, p. 397-400). 
Ao contrário de uma missa católica que tem um lugar, tanto no templo 
comono rito, dedicado para a leitura de um livro sagrado, entre religiões orais, a 
transmissão de sua tradição acontece através da palavra dita. Como é o caso 
dos Mbyá-Guarani, que vivem na região leste do território paraguaio, cujo 
principal dispositivo de resistência é a palavra. Não a palavra escrita, mas a 
densidade da palavra em toda sua riqueza poético-religiosa conserva a 
 
 
10 
identidade tribal, nomeia as coisas segundo seu ser divino e se expressa, como 
explica o antropólogo Pierre Clastres (1979, p. 155-164), na convicção religiosa 
e na promessa dos deuses dita pelos “senhores das palavras” – caciques-
xamãs-profetas – de que os Guarani, recusando o Um como essência universal, 
habitarão a Ywy mara-ey, a Terra sem Mal. Os Guarani cultivam o gosto pela 
palavra, que é sua salvação, e como descreve Clastres (1979, p. 160-164), ao 
amanhecer o pai se coloca em prece em busca das “ñe’e porä tenonde, as belas 
palavras originais, linguagem divina em que se abriga a salvação dos homens”, 
para que os deuses reconhecendo seus esforços falem a Palavra que abre o 
caminho para Ywy mara-ey. 
3.2 Texto escrito 
Os textos sagrados mais conhecidos e acessíveis são aqueles que 
passaram por uma sistematização e se expressam de forma escrita. Diversas 
religiões possuem um conjunto de textos sagrados, como descreve Farias (2017, 
p. 166): 
Para o hinduísmo, são denominados de Vedas ou Escrituras Védicas; 
o cristianismo tem na Bíblia o seu livro sagrado; o conjunto dos escritos 
sagrados do judaísmo é chamado de Tanach; o Corão é o livro sagrado 
da religião islâmica; para o budismo, temos o Sutra de Lótus e o Pali 
Tripitaka; e o Kitáb-I-Aqdas da Fé Bahá’í, entre outros. 
Cada texto sagrado possui uma história de formação, compreendendo um 
período amplo desde a manifestação religiosa, inspiração sagrada, mediação, 
transmissão oral, produção escrita até sua sistematização canônica. As histórias 
sagradas contadas e recontadas, lidas e relidas nos espaços sagrados em 
diversos tempos e contextos, sofrem influências das culturas em que circulam, 
até chegar à sua versão final e aceita pelas comunidades que participam da 
organização religiosa. 
A passagem da oralidade para a escrita não significa a superioridade de 
uma organização religiosa em relação a outra. Como aponta Croatto (2002, p. 
499), o texto escrito é comum em tradições religiosas que se expandiram no 
espaço e no tempo. “A escritura constitui um meio privilegiado para a 
comunicação e transmissão das crenças”, (Croatto, 2002, p. 416) apresentadas 
de forma fixa que devem ser preservadas, com valor em si mesma e referência 
de autoridade, bem como preservam a oralidade, porém podem sofrer censuras 
ou acréscimos no processo de sistematização. 
 
 
11 
TEMA 4 – RITOS, FESTAS, VIDA E MORTE 
Todas as religiões, comunidades, sociedades e grupos humanos 
possuem ritos e festas. Cerimônias com formas fixas, repetitivas e prescritas em 
textos escritos ou preservadas pela tradição oral. Eles podem ter um caráter 
sagrado ou profano, oferecendo sentido e identidade aos indivíduos e marcando 
o ritmo da vida social. 
Figura 4 – Festa do Bumba meu Boi em São Luís do Maranhão, nordeste 
brasileiro. 
 
Créditos: Ericatarina/Adobestock. 
4.1 Ritos e festas 
Quando o sagrado, isto é, quando um rito é vivido no interior de uma 
comunidade de fé, ele opera a fragmentação do espaço e do tempo e está 
intimamente em relação com seus mitos. A comunidade, por meio de suas 
práticas rituais, é inserida no espaço e no tempo sagrado, os quais obedecem a 
uma lógica própria. Objetivamente, os ritos são um conjunto de ações – gestos 
e palavras – normatizadas com um determinado fim. São celebrações, 
cerimônias, cultos, orações, gestos, devocionais (Rossi; Perondi, 2020). 
 
 
12 
O rito faz o que os mitos narram. Através da repetição de gestos, palavras 
e às vezes músicas, como explicam Rossi e Perondi (2020, p. 16), citando Mircea 
Eliade, a comunidade abole o tempo cronológico se voltando para um tempo 
imemorial, o tempo de seus mitos. O rito é uma ação simbólica que imita a ação 
cosmogônica dos deuses, fazendo da comunidade o centro do universo, que 
reorganiza o caos, articula e dá identidade ao grupo, e estabelece uma relação 
com a transcendência. 
Faria (2015, p. 162), citando Santidrián, apresenta três categorias de ritos: 
“a) Ritos de comportamento: tabu, de purificação, de passagem; b) Ritos 
mágicos: feitiços, encantamentos que põem em ação forças mágicas; c) Ritos 
religiosos: oferendas, sacrifícios, preces.”. Há ritos comuns a todas as culturas 
que marcam o ritmo da vida social e a situação existencial dos indivíduos no 
grupo, por exemplo, nascimento, matrimônio, sazonais, iniciação e morte. 
As festas são fortes expressões da cultura humana. Suas origens 
costumam ser sagradas, estando relacionadas aos ciclos temporais, ao culto a 
uma divindade, ou a um espaço sagrado. As festas rompem com a rotina e 
reorganizam o corpo social, muitas vezes através da transgressão e rebeldia 
vividas ritualmente. 
Porém, nem todas as festas são religiosas, ou perderam seu sentido 
sagrado, pois é próprio dessas manifestações certa fluidez. Movimentos 
históricos influenciam essas expressões, transformando e renovando a memória 
das tradições, bem como mantendo vivo o risco de que várias línguas, 
sabedorias, ritos, festas, religiões e culturas desapareçam em dado momento. 
4.2 Vida e morte 
O nascimento e falecimento são comuns a todos os seres vivos. O ser 
humano como produtor de símbolos busca dar sentido a essas experiências. O 
nascer e o morrer são um dilema da existência. Assim, esse ciclo é vivido 
religiosamente, e todas as culturas possuem ritos de passagem, que 
compreendem momentos fortes da existência. 
Não obstante sua diversidade, os ritos de passagem obedecem a uma 
lógica universal: alteram o estado das pessoas, após um tempo de “morte”, criam 
um ser novo, conhecedor e submetido às regras e saberes do grupo (Rossi, 
2020, p. 28). A morte, para o ser humano religioso, não necessariamente é 
entendida como fim, mas como passagem definitiva, em que 
 
 
13 
O término da viagem é um mundo subterrâneo ou celeste mais ou 
menos inverso ao dos vivos, onde às vezes o status social é o mesmo 
que o daqui (África, Peru antigo, China) e onde às vezes o falecido é, 
ao contrário, julgado e sentenciado segundo seus méritos (hinduísmo, 
budismo, religiões abraâmicas). (Tolra; Warnier, citados por Rossi; 
Perondi, 2020, p. 29) 
TEMA 5 – FORMAÇÃO RELIGIOSA DA AMÉRICA LATINA 
Pensar a formação religiosa da América Latina é pensar a história dos 
povos que habitaram e habitam a maior parte do continente americano. América 
Latina é um território complexo, compreende mais de 20 mil km², desde o golfo 
do México, no Hemisfério Norte até a Patagônia, no Hemisfério Sul, cujas 
primeiras ocupações humanas datam de cerca de 12 mil anos atrás (Pivetta, 
2012). De modo que não podemos reduzir a análise do fenômeno religioso a 
conceitos genéricos e anônimos que reduzem contribuições importantes, com o 
risco de mantermos o silêncio violento, bem como a caricatura sob o véu 
ideológico da branquitude, como alertara Lélia Gonzalez (1988, p. 70) 
Figura 5 – Mulheres Quechua sobre um antigo muro inca em Chinchero, Cusco, 
Peru 
 
Créditos: SL-Photography/Adobestock. 
5.1 Pluralismo e diversidade na América Latina 
O território da América Latina é historicamente habitado por uma 
multiplicidade de povos. Os habitantes da Abya Yala (Terra Madura), como os 
povos originários chamam o território (Porto-Gonçalves, 2015), são muitos e 
diversos e se estendem por todos o continente, como poetiza Pedro Casaldáliga 
e Pedro Tierra (1980): Povos dos Andes, das Selvas, dos Pampas, do Mar, do 
 
 
14 
Colorado, de Tenochtilan, de Machu Pichi, da Patagônia, do Amazonas, dos Sete 
Povos do Rio Grande. São Apache, Azteca, Aymara, Araucano,Maia, Inca, Tupi, 
Tucano, Yanomani, Aymore, Irantxe, Karaja, Terena, Xavante, Kaingang, 
Guarani e outros mais, cada qual com uma expressão religiosa própria. 
O empreendimento colonial promovido pelos povos europeus, sobretudo 
ibéricos, a partir do século XVI, mas também anglo-saxões e franceses, impôs 
outra cultura, bem como foi responsável pela escravização e tráfico de milhões 
de pessoas da África (Hall, 2017). É importante notar que África não é um país, 
mas um continente vasto com variedades e complexidades próprias. A América 
Latina recebeu, até o final do século XIX, homens e mulheres, como apresenta 
Hall (2017), de diversas etnias africanas e variadas regiões, as mais 
proeminentes são povos da Costa do Benin no Haiti, os Bantu em Cuba e Nagô 
no Brasil. 
O racismo científico da passagem do século XIX para o XX pôs em 
marcha um processo de branqueamento dos povos latino-americanos. O Estado 
brasileiro é um ótimo exemplo, não obstante nações como a argentina terem sido 
mais efetivas neste empreendimento eurocêntrico. Negros, índios e mestiços 
foram identificados como a causa dos problemas para o desenvolvimento das 
jovens nações do continente. Foi preciso, portanto, apagar as contribuições 
desses povos e trazer trabalhadores europeus e japoneses, fugidos das guerras 
e dos ciclos de fome, para construir uma América Latina branca e promissora. 
5.2 Matrizes religiosas 
A América Latina é este lugar complexo de encontro de culturas. Não um 
encontro pacífico. Colonialismo e racismo marcam nossa formação enquanto 
povo e estruturam nossas nações. Apenas nas últimas décadas voltamos o olhar 
para nossas culturas sem a visão romântica de convivência pacífica e 
harmoniosa, que produziu uma cultura mestiça, para compreender que a 
despeito de toda tentativa de destruir a cultura dos africanos e seus 
descendentes, bem como as dos povos ameríndios, elas sobrevivem. 
Ao lado do cristianismo, sobretudo o católico, mas também protestante e 
pentecostal, as religiões ameríndias e afro-diaspóricas são as principais matrizes 
religiosas da América Latina. Porém, uma análise mais específica deve atentar 
para os contextos sócio-históricos de cada região do continente; bem como, para 
um olhar mais atual, deve-se considerar a cada vez maior proeminência dos 
 
 
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pentecostalismos e a presença de grupos religiosos minoritários. 
Posteriormente, você terá a oportunidade de aprofundar alguns desses 
aspectos. 
NA PRÁTICA 
A partir do que aprendemos, procure identificar como a negação da 
sacralidade de determinadas experiências religiosas produz intolerância e 
violência, desconsiderando a identidade e diversidade cultural, étnica e religiosa 
dos povos latino-americanos. 
A colonização e escravização dos povos ameríndios e africanos foi 
justificada por organizações religiosas, não reconhecendo sua condição 
humana. Ainda hoje é possível identificar esse racismo religioso: quando, em um 
combate espiritual do bem contra o mal, espaços sagrados e membros de 
religiões afro-diaspóricas são destruídos e violentados quando, em nome do 
progresso e desenvolvimento, espaços sagrados para as religiões ameríndias 
são devastados; quando, em soberbo racionalismo, reduzimos mitos, símbolos, 
ritos, festas etc. a folclore. 
Estas e outras situações podemos encontrar em diversos espaços sociais. 
Daí a importância de um entendimento aberto do fenômeno religioso 
considerando a identidade e diversidade dos povos. 
FINALIZANDO 
Nesta aula, aprendemos: 
• Sagrado e profano são duas modalidades do ser no mundo. Distinção que 
se estabelece pela manifestação do sagrado (hierofania), organizando 
tempos e espaços e instituições variadas com mitos, ritos, símbolos e 
festas próprias. 
• A linguagem religiosa é simbólica e mítica. O símbolo comunica algo mais 
do que o aparente e remete ao sagrado. O mito narra acontecimentos 
originários revelando uma verdade existencial. 
• Os textos sagrados garantem a continuidade da experiência sagrada, 
colaborando na transmissão e representando seu legado. São revelados 
e inspirados pelos deuses e expressam o núcleo da fé. Podendo ser textos 
escritos ou orais. 
 
 
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• Todas as religiões possuem ritos e festas vinculados aos seus mitos. São 
expressões religiosas que marcam a vida dos indivíduos e o ritmo social, 
oferecendo identidade e experiências com o sagrado. 
• A América Latina é um território complexo e diverso, com povos plurais. A 
formação continental está marcada pelo colonialismo e racismo, com três 
principais matrizes culturais: cristianismo, povos originários ameríndios e 
povos afro-diaspóricos. 
 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
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