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AULA 6 - Novas expressões religiosas, pluralismo e trânsito religioso

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RELIGIOSIDADES NA AMÉRICA 
LATINA 
AULA 6 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Jefferson Zeferino 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Nesta aula, vamos aprender sobre noções contemporâneas do campo 
religioso. Se em outras ocasiões aprendemos sobre conceitos fundamentais 
para o estudo do fenômeno religioso, as matrizes da religiosidade latino-
americana, bem como a presença e desenvolvimentos dos grupos religiosos, 
nesta aula queremos apresentar as expressões religiosas contemporâneas, as 
características do contexto pluralista contemporâneo, como trânsito religioso, 
dupla pertença, sincretismos, religiosidades populares, intolerância religiosa e 
diálogo inter-religioso. 
TEMA 1 – NOVAS EXPRESSÕES RELIGIOSAS 
A partir da segunda metade do século XX, na Europa e EUA, surge uma 
nova onda espiritual, segundo Libânio (1997, p. 7-9), produto da grande 
decepção política, econômica, cultural e religiosa com as promessas da 
modernidade. A chamada Nova Era (New Age), como ficou conhecida, não pode 
ser descrita como um movimento único e coeso, pelo contrário, trata-se de 
diversos movimentos religiosos alternativos às religiões hegemônicas, 
marcados, como descreve Libânio (1997, p. 12) por tendências ecléticas, 
gnósticas, terapêuticas e globais. Olhemos para esse complexo fenômeno 
religioso, a fim de compreender seu surgimento e desenvolvimento, bem como 
sua presença na América Latina. 
A partir do movimento contracultura dos anos 60 irá surgir no campo 
religioso ocidental uma porção de experiências místicas de tendências ecléticas, 
gnósticas, terapêuticas e globais, que ficaram conhecidas como religiões de 
Nova Era. 
Conforme Wouter Hanegraaff (citado por Guerriero et. al., 2016, p. 13), as 
origens da Nova Era têm relação com a expectativa milenarista e astrológica da 
chegada da Era de Aquário, e daí vem seu nome. Trata-se da superação da Era 
de Peixes, marcada pelo dualismo e materialismo. Se a nova sociedade não 
chega, diversas comunidades surgem, buscando ressignificar os valores 
tradicionais, sobretudo entre a juventude ocidental insatisfeita com os rumos do 
capitalismo, unindo a crítica à cultura ocidental com esoterismo, elementos da 
espiritualidade oriental e noções psicologizantes. Assim, a Nova Era está 
intimamente conectada ao movimento de contracultura dos anos 60 e 70. 
 
 
3 
De acordo com Duarte [...], esta rebelião se torna político-mística, 
“onde os jovens manifestam o desejo de mudar o mundo a partir de um 
movimento que vem de dentro para fora, onde era necessário mudar o 
cotidiano, valorizando a liberdade individual” [...]. Desta forma, os 
jovens ligados ao movimento contracultural, que ficaram conhecidos 
posteriormente como hippies, procuraram criar uma “sociedade 
alternativa”, na qual se estabelecessem os seus ideais libertários. 
(Cordovil; Castro, 2014, p. 118) 
Se incialmente os movimentos espirituais da Nova Era eram 
explicitamente anticapitalistas, difusos, sem instituições etc., com a globalização 
neoliberal se adquire aspectos de bem de consumo, ganhando espaço no 
mercado religioso, nos negócios e na indústria cultural. Heelas e Woodhead 
(citados por Guerriero, 2016, p. 15-16) adotam o termo Espiritualidades de Vida 
para explicar o desenvolvimento das práticas da Nova Era. 
Segundo os autores, de uma espiritualidade de contracultura passou-se 
para uma espiritualidade de seminários, adotando elementos da sociedade 
convencional, aliando o consumo e elementos mundanos ao despertar espiritual 
e conhecimento de si. Daí decorre a espiritualidade de prosperidade individual, 
onde “o dinheiro é uma expressão da dimensão espiritual, e a espiritualidade 
passa a ser aplicada ao sucesso de uma carreira profissional” (Heelas; 
Woodhead citados por Guerriero, 2016, p. 16). Finalmente, a última fase é das 
espiritualidades de bem-estar, em uma integração holística do Eu, natureza e os 
outros em busca de harmonia, cura, sabedoria. 
Cordovil e Castro (2014, p. 120) observam que a recusa da 
institucionalização se transforma posteriormente em adesão a organização das 
crenças, hierarquia, local de culto, multiplicando centros, templos, sedes, e, 
constituindo assim, uma religião, bem como uma busca de estabilidade pelo 
discurso exclusivista que exige a conversão total dos adeptos. Conforme 
Fabiano Birchal (2006, p. 100): 
O retorno à religiosidade, neste sentido, ocorre através da difusão 
destas práticas e conceitos esotéricos, ocultos e mágicos. Sociedades 
iniciáticas, ordens, confrarias e correntes espiritualistas passam a 
difundir um novo conhecimento religioso, que bebe de diversas fontes. 
Um retorno plural ao sagrado, à dimensão transcendental, num 
movimento individual que tem por objetivo mover o coletivo rumo a 
níveis mais elevados de consciência, ativando nos homens a ideia de 
que tudo e todos estão intimamente conectados. 
Ainda, segundo Guerriero et. al. (2016), as espiritualidades da Nova Era 
ultrapassam as dimensões puramente religiosas e se disseminam no meio 
cultural, influenciando tanto religiões tradicionais como a cultura secular, 
constituindo um novo ethos. De modo que eventos, workshop, feiras místicas e 
 
 
4 
até mesmo a internet são espaços de divulgação, promoção e encontro destas 
religiões, bem como a indústria do entretimento, com programas de televisão, 
telenovelas, publicidades, mercado editorial, cinema e celebridades que 
divulgam valores “como o poder da magia, a busca espiritual para além das 
instituições religiosas, a integração holística entre ser humano e universo e a 
perspectiva de evolução do ser humano a um estágio espiritual superior” 
(Guerriero et. al., 2016, p. 21). 
O Cipó amazônico, conhecido como Jagube, a partir do qual se produz a 
Ayahuasca – bebida sagrada consumida durante os rituais de Santo Daime, no 
Brasil. 
As religiosidades da Nova Era são também um retorno às práticas 
anteriores de civilizações que antecedem a presença cristã, como por exemplo, 
egípcias, gregas, nórdicas, celtas, indianas, japonesas, ameríndias etc. 
Conforme Guerriero et. al. (2016, p. 18): 
Ao mesmo tempo que os buscadores espirituais demonstravam 
interesse pelos segredos esotéricos e pelas terapias orientais 
(principalmente da Índia e do Tibete), paralelamente estabeleceram um 
encontro com a magia xamânica (inicialmente a dos índios norte-
americanos, como os Lakota, e posteriormente da América do Sul). 
Dessas interações nasceram novos híbridos entre Nova Era e as 
culturas nativas ou tradicionais. 
Nesse sentido, a pesquisa de Daniela Cordovil e Dannyel Teles de Castro 
sobre a presença e expansão das Religiões de Nova Era em Belém do Pará 
pode contribuir para compreendemos a difusão destas religiosidades no nosso 
continente. Segundo as autoras (2014, p. 120-121), os elementos comuns 
destas religiões são 1) origem na contracultura; 2) saberes ancestrais e/ou de 
civilizações extintas; 3) integração com a natureza; e 4) ênfase no 
autoconhecimento. Não obstante, se pode classificá-las em a) bruxaria e 
neopaganismo: que reúne religiões como Wicca, Druidismo e Odinismo; b) 
religiões orientais, como Sokka Gakai, Seicho-no-ie, Hare Krishna, Igreja 
Messiânica e Ananda Marga; c) religiões ayahuasqueiras, como o Santo Daime; 
e d) grupos místicos e esotéricos, como Nova Acrópole, Rosacruz e Vale do 
Amanhecer. 
Algumas destas tem sua origem e desenvolvimento nos países do Norte, 
sobretudo os EUA, e chegaram por meio de eventos, workshop místicos ou pela 
internet, porém religiões como Santo Daime, Nova Acrópole e Vale do 
Amanhecer são religiões latino-americanas. Se as duas últimas são produto de 
 
 
5 
um processo de bricolagem de diferentes elementos de diversas culturas em 
busca do aperfeiçoamento humano, o Santo Daime ou as religiões 
ayahuasqueiras, como explica Amanda Vicentini (2021), a partir do xamanismo 
indígena e do catolicismo popular, se produz uma religião terapêutica quecombina a ayahuasca (bebida produzida a partir do cipó Jagube) e hinos em 
seus rituais, cujos efeitos direcionam o caminho, as tarefas, os comportamentos 
e os sentimentos que precisam conduzir a vida do indivíduo, produzindo curas 
de enfermidades, males e desequilíbrios. 
TEMA 2 – PLURALISMO RELIGIOSO 
Após nossos encontros, nos parece óbvio afirmar a diversidade de 
religiões, bem como a diversidade interna às comunidades. Se olharmos as 
grandes religiões, que congregam maior número de fiéis no mundo, tal 
diversidade é patente. Apenas entre os cristãos, por exemplo, há as igrejas 
ocidentais e orientais, os católicos, protestantes históricos, igrejas de missão, 
pentecostais, neopentecostais, ortodoxos. O mesmo acontece em grupos 
religiosos minoritários que cada vez mais ganham expressão com a internet. 
Figura 1 – Em contexto de pluralismo religioso, compreende-se que as religiões 
são não apenas genuinamente diferentes, mas também autenticamente 
preciosas 
 
Crédito: Vector_S/Adobe Stock. 
Diante desta diversidade, é comum se deparar com comparações 
valorativas, ou emissão de juízos que determinam se este ou aquele grupo é 
uma religião se obedecem aos critérios mínimos para participar do grupo das 
religiões. As observações de David Tracy sobre as dificuldades postas por 
 
 
6 
leituras simplistas reducionistas e totalizantes das religiões contribuem para 
pensarmos o fenômeno religioso no contexto de pluralismo, pois “a percepção 
das características das religiões particulares é que permite a criação de um 
quadro mais amplo daquilo que se pode compreender por religião” (Zefferino; 
Sinner, 2019, p. 684). 
Conforme José Maria Vigil (2015, p. 1765), este contexto de pluralismo ou 
paradigma pluralista é produto das conquistas modernidade, sobretudo das 
chamadas liberdades individuais e a superação dos conflitos religiosos 
europeus. Inicialmente, se passou de um paradigma exclusivista – somente 
minha religião é verdadeira – para um inclusivista – a verdade das outras 
religiões participa da verdade da minha. 
O exclusivismo quase sempre levou as religiões a atitudes 
imperialistas, coloniais, hegemônicas, agressivas... “em nome de 
Deus” e “para sua maior glória”. As cruzadas, as guerras santas, as 
conquistas para expandir a fé, a violência cruel contra os infiéis, para 
instaurar o Reino de (nosso) Deus na terra... somente são possíveis 
em religiões que se autocompreendem a si mesmas desde um modelo. 
O complexo de superioridade [...], a infravalorização das outras 
religiões, o fechamento no próprio modo de ver e crer, a recusa das 
contribuições das demais religiões, a incapacidade de dialogar inter-
religiosamente... são atitudes derivadas caracteristicamente do 
inclusivismo. Entretanto, dependendo do contexto social, corre várias 
coisas: uma hemorragia constante e massiva de pessoas abandona as 
religiões que resistem a adotar formas religiosas de pensamento e de 
espiritualidade de acordo com a visão pluralista da sociedade atual 
civil, ou melhor, outras pessoas, sobretudo pessoas jovens de profunda 
religiosidade são atraídas a posições fundamentalistas e extremistas, 
dispostas a dar literalmente a vida na tarefa de implantar sobre os 
infiéis, a sangue e fogo, o projeto de uma sociedade religiosa exclusiva 
à maior glória de Deus. (Vigil, 2015, p. 1779) 
Em um contexto de pluralismo religioso se aceita que as pessoas são 
livres para aderir a um grupo religioso, que as religiões são livres em suas 
práticas religiosas, bem como que todas as religiões são iguais. Neste 
paradigma, como explica Faustino Teixeira (2005, p. 30), “as religiões são 
compreendidas não apenas como genuinamente diferentes, mas também 
autenticamente preciosas. Há que honrar esta alteridade em sua especificidade 
particular”. Desde modo, o campo religioso é mais complexo e mais rico, e o 
indivíduo tem diante de si muitas opções ou formas de expressar sua 
religiosidade, como literariamente expressou João Guimarães Rosa em seu 
clássico Grandes Sertões Veredas: 
Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. 
Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só para mim é pouca, 
talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e 
 
 
7 
aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de 
Cardéque. Mas quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é 
crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, 
cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer 
sombrinha me refresca, mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o 
tempo todo (Rosa, 2019, p. 19). 
As disposições da personagem de Guimarães Rosa podem ser descritas 
com sincréticas ou de múltipla pertença, noções que teremos a oportunidade de 
ver adiante. Não obstante, importa considerar que o contexto pluralista aponta 
para uma nova configuração da dimensão religiosa da existência marcada, 
conforme Roberlei Panasiewicz e Gilbraz Aragão (2015, p. 1858-1859) por uma 
lógica transreligiosa, favorecendo a “percepção de uma experiência comum, 
entre e para além das religiões. [...] um fiel pode reconhecer nas outras religiões 
caminhos de busca do sagrado pelo ser humano, que questiona e procura. ” 
TEMA 3 – TRÂNSITO RELIGIOSO 
A pluralidade não apenas constitui o contexto latino-americano, mas 
incide no fenômeno religioso. Ora, diante desta multiplicidade de religiosidade, 
aliada a lógica da sociedade de mercado e o individualismo, que se consolidou 
após a dissolução da URSS, a vitória do neoliberalismo, bem como a 
problematização dos paradigmas da modernidade, cresce o fenômeno 
denominado trânsito religioso: a migração de indivíduos de uma religião para 
outra. 
O mais simples exemplo de trânsito que identificamos é a mudança de 
pertença religiosa. Isso pode ser dar no exemplo de um cristão que se 
torna espírita, budista ou islâmico – e não tem sido raro esse fenômeno 
no Brasil –, ou de alguém que deixa a pertença religiosa da Umbanda 
para assumir a cristã, ou vice-versa, ou mesmo a passagem dentro do 
universo cristão de uma confissão católica para uma de natureza 
evangélica (Ribeiro, 2018, p. 110). 
O campo religioso, no século XXI, está marcado pela circulação de 
indivíduos entre religiões sem se vincular a qualquer delas, bem como a abertura 
para novas combinações sincréticas. 
Segundo Birchal (2006, p. 101), atendendo a nova demanda de consumo 
do ser humano cria-se “um supermercado religioso, no qual há ofertas de todos 
os gêneros, para os mais variados buscadores”. No mesmo sentido, Francisco 
(2011, p. 462), ao analisar o trânsito religioso no interior do Brasil, observa que 
“os novos contextos, a concorrência e diversidade na oferta, ao mesmo tempo 
 
 
8 
em que têm destacado a busca de filiação ao grupo, têm suscitado, por outro 
lado, formas de filiação cada vez mais individualizadas, mais transitórias”. 
Parece-nos que a conclusão da personagem de Guimarães Rosa é 
exemplar: “Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca, 
mas é só muito provisório”. Deste modo, podemos entender os movimentos no 
campo religioso, como o crescimento dos brasileiros que se declaram sem 
religião, pois, como explica Marcelo Camurça (2017, p. 58), não significaria 
adesão ao ateísmo, mas representam “no Brasil, o processo de “desfiliação 
religiosa” relacionado a uma (pós) modernidade religiosa (Camurça, 2006: 44-
45) já consagrada na frase de Gracie Davies: “believe but not belong” (“acreditar, 
mas não pertencer”). É entre os “sem religião” que se verifica “um trânsito entre 
as religiões estabelecidas sem se vincular a qualquer delas” e “forte disposição 
para o trânsito religioso e para novas combinações sincréticas” (Camurça, 2017, 
63-64). 
Aliado a isso, as considerações de Claudio de Oliveira Ribeiro (2018, p. 
113) sobre trânsito religioso demonstram que a recomposição de diferentes 
sistemas de crenças pode gerar processos de duplaou múltipla pertença: 
Desse modo, diferentes tipos podem ser caracterizados: o das pessoas 
que afirmam determinada pertença e admitem experimentar outras 
expressões religiosas, as pessoas que declaram uma religião, mas por 
algum motivo exercem outra, as pessoas que vivenciam de forma 
integrada mais de uma tradição religiosa, as pessoas que não aderem 
a uma religião específica, mas transitam por mais de uma, e aquelas 
que, mesmo mantendo a sua pertença religiosa, articulam elementos 
simbólico-rituais de outras religiões. 
Neste contexto, a própria a matriz cultural e religiosa brasileira – e, por 
extensão, a latino-americana – como vimos anteriormente e conforme Ribeiro 
(2018, p. 113), facilita os processos de dupla ou múltipla pertença religiosa, bem 
como, segundo Panasiewicz e Aragão (2015, p. 1861), forma um conjunto 
complexo de vivências espirituais, reunindo as crenças ameríndias, o catolicismo 
ibérico e as religiões africanas com outras denominações cristãs, religiões 
orientais, islamismo, judaísmo e novas expressões religiosas. 
TEMA 4 – SINCRETISMO E RELIGIOSIDADES POPULARES 
Os fenômenos religiosos contemporâneos que temos estudado também 
apontam para um fato tão antigo quanto as próprias religiões, aliás, poderíamos 
afirmar que é constitutivo de todas as expressões religiosas. Trata-se do 
 
 
9 
sincretismo, um dado presente no campo religioso, porém controverso, como 
observa Sanchez (2016, p. 69) ao analisar as contribuições de Afonso Maria 
Ligorio Soares sobre o sincretismo religioso. 
Figura 2 – Sincretismo: Aialorixá segura nas mãos um cesto com pipoca e a 
imagem de São Jorge em frente à Igreja. 
 
Crédito: AlfRibeiro/Adobe Stock. 
É comum vincular o sincretismo às religiões dos povos colonizados. Há 
leituras ingênuas, preconceituosas e pejorativas que concebem o sincretismo 
como contaminação de uma religião que se pretende pura. No âmbito 
acadêmico, há análises que o consideram instrumento de resistência e 
sobrevivência de religiosidades subalternizadas em contextos de exclusivismo 
religioso, bem como posições que o percebem como um elemento positivo do 
fenômeno religioso. “Entre rejeição e aceitação, o sincretismo se reinventa para 
dar coerência – nem sempre reconhecida pelas religiões estabelecidas – às 
leituras do mundo realizadas pelas pessoas” (Sanchez, 2016, p. 70). 
Não é difícil recordar mais uma vez Guimaraes Rosa: “Muita religião, seu 
moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de 
todo rio... Uma só para mim é pouca, talvez não me chegue”. 
 
 
10 
Nesse sentido, o sincretismo é compreendido a partir de sua densidade. 
Como define Sanchez (2016, p. 70), o sincretismo é “o conjunto de conexões 
interculturais e inter-religiosas que são expressões de vivências religiosas 
fundamentais para as pessoas”. De modo que todas as religiões são sincréticas, 
isto é, o sincretismo é próprio da manifestação do sagrado que é sempre 
fragmentada, bem como a expressão da fé sempre é mediada pela cultura. Ceci 
Mariani (2016, p. 165) explica a positividade do sincretismo de Afonso Maria 
Ligorio nesses termos: 
Afonso, olhando para as religiões sincréticas ou para o sincretismo nas 
religiões, vê o sincretismo como um processo de diálogo que resulta 
em uma liberdade criativa e que deve ser compreendido no âmbito da 
teologia não em contraposição, mas em interação com a inculturação 
e também com a evangelização. 
No contexto brasileiro, o sincretismo sempre foi marcante no campo 
religioso, pois “uma tendência à hibridização teria como causa o encontro 
desigual de três povos desenraizados, encontro marcado pela dominação 
europeia portuguesa sobre o nativo e o africano” (Mariani, 2016, p. 164). Se do 
ponto de vista institucional europeu e cristão, de modo geral, o sincretismo era a 
contaminação da fé, por outro lado, entre as religiosidades populares, “as 
religiões populares são capazes de incorporar elementos religiosos diversos e 
dão aos seus membros sentido e capacidade para entenderem o mundo e 
organizarem suas vidas” (Sanchez, 2016, p. 69). 
Assim, podemos entender a maneira sui generis das experiências 
religiosas populares que escapa às estatísticas, como explica Faustino Teixeira 
(2005, p. 29): “A forma de ser católico no Brasil é bem distinta do modo de 
inserção em outros lugares. Os processos de dupla filiação religiosa, de trânsito 
e sincretismo são comuns no Brasil, e nem sempre os Censos conseguem captar 
tal realidade”. Recordemos Guimaraes Rosa: “Bebo água de todo rio... [...] Rezo 
cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu 
Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas quando posso, vou no Mindubim, 
onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, 
e ora, cantando hinos belos deles”. 
 
 
 
11 
TEMA 5 – O PROBLEMA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E O DIÁLOGO 
INTER-RELIGIOSO 
O contexto pluralista que temos descrito não é tão pacífico quanto possa 
parecer. Segundo Marion Brepohl, se há um movimento global de ações 
afirmativas de retorno ao religioso, onde “observa-se a progressão de novas 
espiritualidades que vêm ganhando terreno em vários grupos sociais, muitas 
vezes, independentemente das instituições eclesiásticas” (Brepohl, 2016, p. 
140), também é visível hoje com pelo menos quatro fundamentalismos: a) o 
combate católico romano contra o laicismo europeu e marxismo latino-
americano; b) o protestantismo norte-americano com sua postura anticomunista, 
promotora do American Way Of Life e militância pró-vida e pró-família; c) o 
sionismo judeu, na Palestina, contra a presença árabe; e d) o islamismo que 
pretende re-islamizar os territórios edificando um governo segundo o alcorão. 
Se o trânsito religioso e o sincretismo podem ser compreendidos em 
expressões da cultura popular e no indivíduo leigo, posições exclusivistas e 
elitistas emergem a partir de lideranças e instituições religiosas pela imposição 
de programas particulares na agenda pública, como é o caso de setores cristãos 
no cenário brasileiro (Zeferino; Andrade, 2020). 
Nas políticas internas de diversos países, em nome da fé (discurso não 
necessariamente autorizado pelos fiéis e pela maioria do clero, em 
alguns casos), presenciam-se conflitos entre convicções religiosas e 
seculares (o que até pode ser fecundo), e conflitos bem mais tensos 
entre diferentes confissões religiosas, como os muçulmanos e hindus, 
disputando a região de Caxemira entre Índia, Paquistão e China; as 
guerras civis entre muçulmanos e cristãos na Nigéria; os ataques à 
umbanda e ao candomblé no Brasil. Na política internacional, a 
“guerra” entre muçulmanos talibãs e o governo norte-americano; o 
massacre de cristãos em diversas regiões do mundo (Brepohl, 2016, 
p. 142). 
Ao observar o fenômeno de intolerância religiosa, João Décio Passos 
(2017, p. 17) argumenta que, ao mesmo tempo em que “as religiões são 
canteiros privilegiados de germinação e perpetuação das intolerâncias por se 
tratar de tradições que se definem a partir de fundamentos, organização grupal, 
normas e objetivos explícitos”, elas próprias deveriam produzir a solução por 
meio da a) revisão dos fundamentos da fé; b) superação do autocentramento da 
comunidade e c) o diálogo permanente como método (Passos, 2017, p. 21-25). 
 
 
12 
Nesse sentido, é bastante conhecida a noção de que o mundo só terá paz 
se houver paz entre as religiões. Por isso, o diálogo inter-religioso é tão urgente 
como necessário. 
Figura 3 – Papa Francisco, líder da Igreja Católica Apostólica Romana, visita 
Templo do Monte, em Jerusalém, e se encontra com lideranças muçulmanas 
 
Crédito: Roman Yanushevsky/Shutterstock. 
A noção de religião de David Tracy (1994) supera as definições 
totalizantes e compreende a religião com as questões da existência humana e a 
busca por uma existência autêntica, que se traduzem em linguagem e constituem 
asreligiões particulares. Neste horizonte, cada religião possui seus clássicos, 
aqueles textos, eventos, símbolos, imagens, rituais que expressam uma 
determinada experiência religiosa e que sempre comunicam algo, possuem um 
excesso de sentido, não são exauridos por uma interpretação única. Assim, 
podemos entender a conversação entre as religiões como diálogo com seus 
clássicos pela busca da verdade e reconhecimento das diferenças e alteridades, 
ou semelhança na diferença. 
Não uma conversa reducionista que tenta eliminar as diferenças 
dizendo que todas as religiões são iguais, mas uma conversa que leva 
a sério as diferenças e a possibilidade do encontro de semelhanças. E 
talvez a forma mais clara de reducionismo seja uma abordagem 
totalizante, que admite apenas uma forma de compreensão do 
fenômeno religioso. A imaginação analógica tracyana indica uma 
vontade de se entrar na conversa com a disposição de se arriscar 
certas pressuposições à medida em que se considera o outro (este 
outro também pode ser identificado como o clássico religioso) 
seriamente em sua alteridade – com suas diferenças, semelhanças e 
pretensões de verdade – para que se possa, de fato, compreendê-lo. 
Mesmo assim, esta aproximação do outro – por mais aberta e desejosa 
 
 
13 
de aprender do outro ou do clássico que seja – sempre será apenas 
relativamente adequada. (Zeferino; Sinner, 2019, p. 693) 
Em resumo, a esperança da interpretação está na conversação com os 
clássicos, na perspectiva de interpretação da situação contemporânea, na 
possibilidade de encontrar nos clássicos alguma iluminação que auxilie a pensar 
uma existência humana não centrada em si mesma, mas voltada para a 
solidariedade. Como aponta Veliq (2019, p. 57), “a capacidade de ouvir o outro 
se mostra como tarefa mais que necessária em nossos dias e somente com essa 
disposição é que qualquer diálogo poderá, de alguma forma, produzir frutos que 
gerem vida para o mundo em que vivemos”. 
NA PRÁTICA 
A partir dos elementos estudados, busque avaliar seu conhecimento 
sobre as religiosidades da América Latina. Assista o filme “Deus é Brasileiro” de 
Carlos Diegues, e tente identificar elementos da religiosidade como sincretismo, 
trânsito religioso, dupla pertença, pluralismo, exclusivismo, diálogo inter-
religioso, bem como referências a religiosidades particulares na obra. 
FINALIZANDO 
Nesta aula aprendemos que: 
1. A partir da segunda metade do século XX, surge no campo religioso novos 
movimentos espirituais contestatórios das instituições religiosas 
hegemônicas, que ficou conhecido como Nova Era, cujas características 
são tendências ecléticas, gnósticas, terapêutica e globais. 
2. As espiritualidades Nova Era são diversas, mas podem ser descritas a 
partir dos seguintes elementos: a) origem na contracultura; b) resgate de 
saberes ancestrais e/ou de civilizações extintas; c) integração com a 
natureza; e d) ênfase no autoconhecimento e práticas terapêuticas. 
3. No Brasil, espiritualidades do tipo Nova Era estão presentes em uma 
diversidade de grupos e religiões, estrangeiras e nacionais, e podem ser 
assim classificadas: a) bruxaria e neopaganismo; b) religiões orientais; c) 
religiões ayahuasqueiras; e d) grupos místicos 
4. O Santo Daime é uma religião originário do Brasil do tipo ayahuasqueira, 
constituída por elementos das religiosidades cristãs e ameríndias, com 
 
 
14 
rituais que combinam a ayahuasca e hinos, cujos efeitos são terapêuticos 
e éticos. 
5. O campo religioso contemporâneo é caracterizado pelo paradigma do 
pluralismo, cuja compressão implica no reconhecimento de que todas as 
religiões são genuinamente diferentes e autenticamente preciosas, bem 
como a liberdade de credo para grupos e indivíduos. 
6. O trânsito religioso também é característico do momento atual. Diante de 
uma variedade de ofertas religiosas, os indivíduos circulam entre religiões 
sem desenvolver propriamente noções de pertencimento institucional, 
e/ou favorecendo processos de dupla ou múltipla pertença. 
7. O sincretismo longe de ser marca de inferioridade ou um perigo para uma 
suposta pureza da fé, constitui elemento próprio das religiões. 
8. Mesmo em um contexto pluralista, sincrético e com trânsito religioso, 
noções exclusivistas ainda marcam o campo religioso. O diálogo inter-
religioso é condição necessária para a construção de um mundo mais 
pacífico e solidário. 
 
 
 
 
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