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Abdome Agudo 1. Conceitos; · Abdome Agudo: condição clínica em que o paciente apresenta afecção abdominal caracterizada por dor aguda e súbita. · Dor Somática (Parietal): mais específica; no local da injúria; pele e peritônio parietal – FIBRAS MIELINIZADAS. · Dor Visceral: dor vaga, inespecífica; estímulos de nociceptores viscerais – FIBRAS NÃO MIELINIZADAS; percebida no seguimento medular correspondente; resposta vagal associada (sudorese, náuseas e bradicardia). · Dor Referida: dor que ocorre longe do local de origem. · Ombro Direito: fígado, vesícula e diafragma direito. · Bolsa escrotal: ureter. 2. INTRODUÇÃO; · Alguns autores definem o abdômen agudo como uma dor na região abdominal, não traumática, de aparecimento súbito e de intensidade variável associada ou não a outros sintomas. · Geralmente com duração de horas até quatro dias, não ultrapassando sete dias. · Em geral, necessita de intervenção médica imediata, cirúrgica ou não. · Trata-se de uma das principais emergências da prática médica, com alta incidência e elevado risco de gravidade, podendo levar ao óbito pela dificuldade de estabelecer o diagnóstico. · Quando não tratado adequadamente e no tempo correto, o paciente evolui com piora dos sintomas e progressiva deterioração de seu estado geral. · Deve-se fazer um esforço para realizar o diagnóstico específico; entretanto, em virtude de sua gravidade em alguns casos, não há tempo para a realização de muitos exames e a principal decisão é se o paciente deve ou não ser operado. · O diagnóstico correto, às vezes, é feito apenas durante a operação, após abertura e exame detalhado da cavidade peritoneal. · Para alcançar o diagnóstico correto, é fundamental obter a história clínica do episódio atual, a pregressa, o exame físico e os exames laboratoriais e de imagens. · Os exames laboratoriais e de imagem fornecem subsídios para comprovar ou não a hipótese diagnóstica, elaborada a partir dos dados colhidos na história clínica e no exame físico do paciente. 3. Etiologia e classificação; · O abdome agudo é classificado em 5 grupos de acordo com sua etiopatogenia. a) Inflamatório: apendicite aguda, colecistite, diverticulite, pancreatite e outras. b) Perfurativo: úlcera perfurada, diverticulite perfurada e outras perfurações intestinais. c) Vascular: obstrução arterial e venosa de artérias mesentérica superior ou inferior. d) Hemorrágico: gravidez ectópica rota, traumas hepático, esplênico e intestinal. e) Obstrutivo: obstrução intestinal secundária a tumores benignos e malignos, volvos, bridas e aderências intestinais. · A anamnese detalhada é muito importante para estabelecer o diagnóstico, incluindo também a idade do paciente, o sexo, doenças e cirurgias prévias, local e características da dor, irradiação, tempo em horas de evolução, alterações intestinais, febre, vômitos. · O exame físico geral permite avaliar as mucosas, a pressão arterial, a frequência cardíaca, a hidratação ou desidratação e a condição do paciente. · Já o exame físico específico avalia o local da dor, a irradiação, a presença ou não de rigidez da parede abdominal, a dor de descompressão à palpação e a distensão. · Uma causa importante de abdome agudo é o trauma abdominal fechado (fortes pancadas contra o abdome, geralmente provocadas por agressão ou acidente automobilístico). · Algumas lesões no baço podem provocar sua ruptura após algumas horas ou dias do acidente, levando à hemorragia intrabdominal. · Várias afecções podem simular abdome agudo. · Pleuropulmonares: pneumonia de base, pleurite e derrame pleural. · Geniturinárias: infecção de vias urinárias, pielonefrite aguda, calculose urinária. · Cardíacas: IAM, angina e pericardite constritiva. · Gastrointestinais: gastroenterocolite, tuberculose peritoneal e febre tifoide. · Processos infecciosos: herpes zóster e tabes dorsalis. · Metabólicas: diabete melito, uremia, saturnismo, anemia e porfiria aguda. · Hematológicas: anemia falciforme e outras neoplasias. · Colagenoses: lúpus sistêmico e poliarterite nodosa. · Outras: pacientes portadores de HIV, com regime de quimioterapia, com doenças neurológicas e intoxicações exógenas. 4. Quadro clínico; · Todo sintoma referido pelo paciente na anamnese deve ser valorizado, devendo o médico caracterizar dor, antecedentes de náuseas e vômitos, presença de evacuação ou não e parada de eliminação de gases e fezes. · Informações importantes devem ser obtidas do paciente ou dos acompanhantes, como: · História de doença abdominal prévia (úlceras, doenças intestinais, calculose vesicular ou renal e quadros de hemorragia pregressa); · Operações abdominais anteriores; · Doenças sistêmicas associadas (DM, HAS, hipo ou hipertireoidismo, cardiopatias, hepatopatias, pneumopatias e doenças neurológicas); · Uso de medicamentos (anticoagulantes, ácido acetilsalicílico e AINEs); · Antecedentes ginecológicos e obstétricos (ciclo menstrual, tempo de puerpério, número de gestações e abortos anteriores). · A dor aguda referida, decorrente do quadro de abdome agudo, em geral anuncia o início da inflamação visceral. · Na evolução do quadro, a inflamação visceral compromete o peritônio parietal, que é ricamente inervado pelos nervos da parede abdominal adjacente e, por esse motivo, está presente na defesa e contratura muscular. · A inflamação do peritônio faz que o paciente apresente dor imediatamente, a qualquer estímulo de manipulação, palpação e descompressão do abdome. · As regiões anterior e lateral do abdome são mais sensíveis à dor, ao passo que a parede posterior e a região pélvica são menos, o que se explica pela diferença de inervação. · Durante a realização do exame físico, é fundamental e indispensável o exame minucioso de toda a parede anterior do abdome, palpando-se delicadamente todos os quadrantes, para avaliar o local ou locais mais dolorosos, se a dor é difusa, se estão presentes tumorações, bem como se há irradiação da dor referida e distensão abdominal. · Os toques retal e vaginal podem trazer informações importantes na avaliação do quadro de abdome agudo e devem fazer parte da rotina do exame físico em todos os casos. · A ausculta do abdome é imprescindível para avaliar a presença de RH – variação e intensidade – e auxilia na definição do tipo de abdome agudo que o paciente apresenta. · Os seguintes sinais, sintomas e exames devem ser valorizados e pesquisados em cada um dos tipos de abdome agudo: a) Inflamatório: febre, intervalo entre o início dos sintomas e o atendimento médico, dor súbita ou insidiosa, sinais de infecção ou sepse, quadro abdominal de peritonite evidente, hemograma e radiografias simples do abdome. b) Perfurativo: dor súbita de forte intensidade localizada, que se torna difusa com o passar das horas, intervalo entre o início da dor e o atendimento médico, sinais de infecção e sudorese, hipotensão arterial e taquicardia, sinais evidentes de peritonite à palpação e descompressão, radiografias de tórax e abdome mostrando pneumoperitônio. c) Vascular: intervalo entre o início da dor e o atendimento médico, arritmias cardíacas e doenças arteriais prévias, distensão abdominal, tendência à hipotensão arterial e ao choque, ruídos hidroaéreos ausentes à ausculta. d) Obstrutivo: náuseas e vômitos, parada de eliminação de gases e fezes, dores abdominais em cólicas e episódicas, peristaltismo abdominal visível, distensão abdominal, sinais de peritonite (acompanhados de isquemia intestinal), ruídos hidroaéreos aumentados à ausculta, radiografias simples de abdome mostrando distensão de alças intestinas e níveis hidroaéreos característicos. e) Hemorrágico: traumas anteriores, dor súbita localizada tornando-se generalizada, hipotensão, taquicardia, mucosas descoradas, choque hemorrágico, alteração significativa das dosagens de hematócrito e hemoglobina, sinais de peritonite. 5. Exames complemenares; · Os exames subsidiários que fornecem importantes elementos para o diagnóstico do abdome agudo são: exames laboratoriais e de imagem, como radiografias simples de tórax e abdome, ultrassonografiae tomografia computadorizada. · Outros procedimentos diagnósticos podem ser utilizados, como punção abdominal, lavagem peritoneal, videolaparoscopia e laparotomia exploradora. · O hemograma dará informações sobre a presença de anemia e suas características, auxiliando no diagnóstico e fornecendo ao cirurgião elementos para a indicação de transfusão de sangue, com vistas à eventual operação de urgência. · A contagem global e específica dos leucócitos fornece informações sobre a natureza do processo que está determinando o quadro de abdome agudo. · O aumento significativo do número de leucócitos ocorre, principalmente, diante de infecção bacteriana grave ou necrose tecidual. · A presença de leucopenia pode significar infecção grave e de mau prognóstico. · O exame da urina (tipo I) é muito útil para a caracterização de processos urológicos e renais, determinantes de dores abdominais agudas, por vezes excluindo outros quadros infecciosos abdominais e vice-versa. · A leucocitúria, particularmente sob forma de aglomerados de leucócitos, indica infecção no trato urinário, podendo também estar presente em processos infecciosos de vísceras abdominais que mantêm relações anatômicas com o ureter – por exemplo, a apendicite aguda. · A presença de pigmentos biliares pode indicar processos obstrutivos de vias biliares. · A ocorrência de hematúria indica a presença de cálculos urinários, necrose tubular aguda, cistite necrosante, anemia falciforme ou traumas renais. · A amilasemia e a lipasemia são muito úteis para o diagnóstico das pancreatites agudas, sua evolução ou nas recidivas agudas das pancreatites crônicas. · A amilasemia deve ser sempre solicitada a pacientes com dor abdominal aguda com antecedente de etilismo. · A hiperamilasemia acontece desde as primeiras horas de instalação da pancreatite aguda e permanece por 2 a 5 dias, decrescendo gradativamente. · Diante da suspeita de peritonite bacteriana espontânea em paciente com hepatopatia crônica e ascite, a contagem de polimorfonucleares indicará esse diagnóstico, quando for acima de 250/mm³. · Dependendo das hipóteses diagnósticas formuladas, outros exames laboratoriais devem ser solicitados, como coagulograma, provas de função hepática, teste de gravidez, teste de Watson-Schwartz ou do aldeído de Ehrlich (porfiria aguda intermitente), pesquisa de pontilhado basófilo nas hemácias (intoxicação por chumbo), sorologias específicas e outras. · As dosagens de ureia e creatinina séricas informam sobre a função renal, enquanto as determinações de sódio e potássio no plasma, além da medida do pH plasmático e a gasometria, muitas vezes são necessárias para verificar a possibilidade de distúrbios hidroeletrolíticos e do equilíbrio acidobásico. · Em relação aos exames de imagem, as radiografias simples convencionais de tórax (anteroposterior e perfil), abdome (posição ortostática e decúbito dorsal) e a tomografia computadorizada podem trazer boas informações para o estabelecimento do diagnóstico de abdome agudo. · O exame radiográfico simples do abdome, pela simplicidade e facilidade em ser realizado e pelos subsídios importantes que pode trazer para o diagnóstico de qualquer uma das causas de abdome agudo, deve ser solicitado na maioria dos casos. · Esses exames trazem elementos diagnósticos para os quadros agudos dos tipos perfurativo, inflamatório e obstrutivo. · A ultrassonografia abdominal é um exame inócuo, sem contraindicações, de baixo custo e disponível na maioria dos hospitais. É capaz de fornecer, com rapidez, imagens muito úteis e interessantes para o diagnóstico de abdome agudo. · Ela é muito útil para confirmar ou afastar hipóteses diagnósticas diante de quadro de abdome agudo inflamatório, como apendicite, colecistite e diverticulite. · A gravidez ectópica e as doenças inflamatórias pélvicas e do trato urinário são diagnosticadas com segurança. · Outras complicações, como abscessos empiemas e perfurações, também podem ser identificadas pela ultrassonografia. · É o exame de imagem de escolha nas pacientes grávidas. · A tomografia computadorizada vem ganhando importância na elucidação diagnóstica do abdome agudo. · É o exame de imagem ideal para o diagnóstico, o estadiamento e a avaliação da evolução da pancreatite aguda e do abdome agudo vascular e para o estudo de coleções líquidas intra-abdominais · Deve ser realizado preferencialmente com contraste intravenoso e, dependendo do caso, também com contraste via oral. · A tomografia computadorizada também permite a detecção de lesões inflamatórias (apendicite, diverticulite e abscessos), neoplásicas (em cólon, pâncreas, fígado, retroperitônio, ovários), vasculares (obstruções arteriais e venosas e aneurismas) e de hemorragias peritoneais e retroperitoneais (rotura de órgãos abdominais e trauma). · Outros exames e procedimentos podem ser indicados, dependendo do tipo de abdome agudo de que se está suspeitando. Assim, destacam-se a punção abdominal, o lavado peritoneal e a videolaparoscopia. · A punção abdominal é menos utilizada nos dias atuais do que já foi empregada no passado, em virtude de seus inconvenientes: elevado índice de falsonegativos, risco de puncionar alças intestinais e dificuldades em pacientes obesos. · O lavado peritoneal tem indicação no abdome agudo secundário a traumas em geral, mas está sendo gradativamente substituído pelo exame ultrassonográfico realizado nas salas de emergência (ultrassom FAST). 6. TRATAMENTO; · O tratamento do abdome agudo inflamatório visa ao controle da infecção e da fonte de contaminação, com exérese do órgão ou da víscera comprometida, drenagens amplas e suturas. · A indicação de antibioterapia de amplo espectro deve ser ponderada caso a caso, dependendo da situação clínica do paciente, o que interferirá em seu prognóstico e evolução. · A morbidade e mortalidade não são desprezíveis se o diagnóstico e o tratamento clínico ou cirúrgico não forem instituídos em tempo hábil, de modo que, nos dias atuais, ainda ocorrem óbitos decorrentes de apendicite aguda, colecistite, colangite, pancreatite, diverticulite e abscessos intra-abdominais. · O tratamento e a conduta no abdome agudo perfurativo dependerão de alguns fatores: etiologia e local da perfuração, tempo de evolução, grau de contaminação da cavidade peritoneal e condições clínicas e gerais do paciente. · Na maioria dos casos, o tratamento operatório consiste em sutura simples da perfuração, lavagem exaustiva da cavidade peritoneal e drenagem adequada. · O tratamento do abdome agudo vascular ou isquêmico depende basicamente da extensão da área acometida. · Ocorrendo isquemia intestinal segmentar, a conduta será ressecção do segmento ou área isquêmica e anastomose primária para reconstrução do trânsito intestinal. · Nos casos de suspeita de obstrução da artéria mesentérica superior, está indicada a exploração do vaso com o auxílio de cateteres balão. Caso não seja possível, outra tentativa é a revascularização. · O tratamento do abdome agudo hemorrágico é imediato ao diagnóstico, pois, em um grande número de casos, o paciente estará com instabilidade hemodinâmica e em choque. · A conduta dependerá da víscera lesada, consistindo em sutura e hemostasia das estruturas, exérese parcial ou total do órgão lesado e, eventualmente, também realização de ostomias. · O sucesso do tratamento do abdome agudo depende do diagnóstico correto e precoce, da intervenção cirúrgica nos momentos e ocasiões oportunas e de o doente estar na melhor condição clínica possível para tal. · Como se trata de operação de urgência/emergência, além da correta conduta operatória, há necessidade de cuidados pós-operatórios (locais e gerais), respiratórios, metabólicos, hidroeletrolíticos, nutricionais e de adequada antibioticoterapia, que são mais bem administrados se houver o envolvimento de equipe multidisciplinar. 7. Abdome Agudo Inflamatório; · Diverticulite; · A doença diverticular do intestino delgado é relativamente comum. Ela pode se apresentar como divertículos verdadeiros ou falsos. · Um divertículo verdadeiro contémtodas as camadas da parede intestinal e em geral é de natureza congênita. · Os falsos divertículos consistem na protrusão da mucosa e submucosa através do defeito no revestimento muscular e normalmente são adquiridos. · Os divertículos podem ocorrer em qualquer porção do intestino delgado. · Os duodenais são os mais comuns entre os adquiridos e o divertículo de Meckel é o mais frequente entre os congênitos do intestino delgado. · Divertículos Duodenais: são relativamente comuns, representando o segundo local mais comum para a formação de divertículos depois do cólon. · Incidência e Causa: sua frequência ocorre 2x mais em mulheres do que em homens e são raros em pacientes <40 anos. Eles foram classificados como congênitos ou adquiridos, verdadeiros ou falsos e intraluminais ou extraluminais. Dois terços a três quartos dos divertículos duodenais são encontrados na região periampular (em um raio de até 2 cm da ampola) e projetam-se da parede medial do duodeno. · Manifestações Clínicas: a maioria dos divertículos duodenais é assintomática e em geral é notada incidentalmente em um exame radiológico do trato digestório alto realizado devido a um problema não relacionado. Menos de 5% dos divertículos duodenais necessitarão de uma operação devido a uma complicação do próprio divertículo. - Os principais problemas incluem a obstrução dos ductos biliar e pancreático, que pode contribuir para uma colangite ou uma pancreatite, respectivamente, perfuração ou, raramente, síndrome da alça cega. · Diagnóstico: pode ser obtido pela endoscopia digestiva alta ou sugerido pelas radiografias simples do abdome mostrando uma bolha gasosa atípica; a TC pode identificar divertículos volumosos. · Tratamento: a maioria dos divertículos duodenais é assintomática e benigna; e quando eles são encontrados incidentalmente, não necessitam de tratamento. Vários procedimentos cirúrgicos foram descritos para o tratamento do divertículo duodenal sintomático. O mais comum e eficaz é a diverticulectomia, que pode ser obtida realizando-se uma ampla manobra de Kocher, para expor o duodeno. · Divertículos Jejunais e Ileais: os divertículos do intestino delgado são muito menos comuns do que os divertículos duodenais, com uma incidência variando de 0,1% a 1,4% quando referidos por séries de necropsia e 0,1% a 1,5% nos estudos gastrointestinais. Os divertículos jejunais são mais comuns e são de tamanho maiores que os do íleo. · Incidência e Causa: esses falsos divertículos, que ocorrem principalmente em um grupo etário mais idoso (após a sexta década de vida). Estes divertículos são múltiplos, geralmente fazem uma protrusão na borda mesentérica do intestino e podem deixar de ser observados durante a operação, pois estão entre os folhetos do mesentério do intestino delgado. · Fisiopatologia: acredita-se que a causa da diverticulose jejunoileal seja uma disfunção motora do músculo liso ou do plexo mioentérico, resultando em contrações desordenadas do intestino delgado, gerando uma pressão intraluminal aumentada e resultando na herniação da mucosa e da submucosa através da porção mais fraca do intestino. · Manifestações Clínicas: a maioria é assintomática. A sintomatologia inclui dor abdominal crônica e vaga, má absorção, pseudo-obstrução funcional e hemorragia gastrointestinal crônica de pequena monta. - As complicações agudas são a diverticulite, com ou sem abscesso ou perfuração, a hemorragia gastrointestinal e a obstrução intestinal. - A estase do fluxo intestinal com o supercrescimento bacteriano, devida a uma discinesia jejunal, pode levar a uma desconjugação dos sais biliares e captação da vitamina B12 pela flora bacteriana, resultando em esteatorreia e anemia megaloblástica, com ou sem neuropatia. · Diagnóstico: são geralmente encontrados incidentalmente na laparotomia ou durante um estudo radiológico baritado gastrointestinal alto. · Tratamento: para os divertículos jejunoileais achados incidentalmente, assintomáticos, não é necessário nenhum tratamento. O tratamento das complicações da obstrução, do sangramento e da perfuração em geral é feito pela ressecção intestinal e pela anastomose termino-terminal. · Divertículo de Meckel: é a anomalia congênita mais encontrada no intestino delgado, ocorrendo em cerca de 2% da população. · Incidência e Causa: está localizado na borda antimesentérica do íleo, 45 a 60 cm proximal à válvula ileocecal e resulta de um fechamento incompleto do conduto onfalomesentérico, ou vitelínico. Uma incidência igual é encontrada em homens e mulheres. - O divertículo de Meckel pode existir em diferentes formas, variando de um pequeno abaulamento que facilmente deixa de ser diagnosticado até uma projeção longa que se comunica com o umbigo por um cordão fibroso persistente ou, muito menos comumente, por uma fístula. · As células que revestem o ducto vitelínico são pluripotenciais; portanto, não é raro o encontro de um tecido heterotópico dentro do divertículo de Meckel, o mais comum destes sendo a mucosa gástrica (presente em 50% de todos os divertículos de Meckel). · A mucosa pancreática é encontrada em quase 5% dos divertículos; menos comumente, estes divertículos podem abrigar uma mucosa colônica. · Manifestações Clínicas: a maioria dos divertículos de Meckel é benigna e é descoberta incidentalmente. A apresentação clínica mais comum é o sangramento gastrointestinal, que ocorre em 25% a 50% dos pacientes que se apresentam com as complicações; a hemorragia é o achado sintomático mais comum em crianças com idade de dois anos ou menos. Outro sintoma comum do divertículo de Meckel é a obstrução intestinal, que pode ocorrer como resultado de um volvo do intestino delgado ao redor de um divertículo associado a uma brida fibrótica presa na parede abdominal, intussuscepção ou, raramente, encarceramento do divertículo em uma hérnia inguinal. · Diagnóstico: em crianças, o teste diagnóstico isolado mais acurado para o divertículo de Meckel é a cintilografia com pertecnetato sódico de ⁹⁹ᵐTc. Em adultos esse exame é menos acurado, utilizando-se agentes farmacológicos (pentagastrina) para melhorar a sensibilidade e especificidade. · Tratamento: deve ser a intervenção cirúrgica imediata, com ressecção do divertículo ou remoção do segmento do íleo que contém o divertículo caso seja sintomático. · Apendicite Aguda; · A apendicite aguda é uma patologia caracterizada pela inflamação no apêndice, tratando-se de um quadro muito frequente quando há uma obstrução na luz apendicular. · Fisiopatologia: acredita-se que a obstrução do lúmen seja a maior causa de apendicite aguda. Isso pode ocorrer em razão de fezes espessadas (fecalito e apendicolito), hiperplasia linfoide, matéria vegetal ou sementes, parasitas ou um neoplasma. · O lúmen do apêndice é pequeno com relação ao seu comprimento, e essa configuração pode predispor a obstrução de alça fechada. · A obstrução do lúmen apendicular contribui para o supercrescimento bacteriano, e a secreção continuada de muco causa distensão intraluminal e maior pressão da parede. · A distensão luminal produz a sensação de dor visceral experimentada pelo paciente como dor periumbilical. · O dano subsequente da drenagem venosa e linfática leva à isquemia mucosa. · Esses achados em combinação promovem um processo inflamatório localizado que pode evoluir para gangrena e perfuração. · A inflamação do peritônio adjacente dá origem a dor localizada no quadrante inferior direito. · Embora exista variabilidade considerável, a perfuração ocorre tipicamente após pelo menos 48h do início dos sintomas e se acompanha por uma cavidade de abscesso envolvido pelo intestino delgado e pelo omento. · Raramente, ocorre perfuração livre do apêndice na cavidade peritoneal, que pode ser acompanhada de peritonite e choque séptico e pode ser complicada pela formação subsequente de múltiplos abscessos intraperitoneais. · Bacteriologia: a natureza polimicrobiana da apendicite perfurada está bem estabelecida. Escherichia coli, Streptococcus viridans e espécies de Bacteroides e Pseudomonas são frequentementeisolados, e muitos outros micro-organismos podem ser cultivados. · Manifestações Clínicas: os pacientes com apendicite aguda tipicamente parecem doentes e ficam deitados no leito. · Febre baixa é comum (≈ 38° C). · O exame do abdome em geral revela RH reduzidos e sensibilidade focal com retraimento voluntário. · A localização exata da sensibilidade é diretamente sobre o apêndice – Sinal de Blumberg. · Dor a descompressão do ponto de McBurney. · A irritação peritoneal pode ser desencadeada no exame físico pelos achados de retraimento voluntário e involuntário, percussão, ou sensibilidade de rebote. · Qualquer movimento, inclusive tosse (sinal de Dunphy), pode causar aumento da dor. · Diagnóstico: clínico + laboratorial + exame de imagem. · Laboratorial: a contagem de leucócitos é elevada, com mais de 75% de neutrófilos na maioria dos pacientes. A urinálise pode também ser útil na exclusão de pielonefrite ou nefrolitíase. Piúria mínima, frequentemente observada em mulheres idosas, não exclui apendicite do diagnóstico diferencial porque o ureter pode estar irritado adjacente ao apêndice inflamado. Embora a hematúria microscópica seja comum na apendicite, a hematúria macroscópica é incomum e pode indicar a presença de um cálculo renal. · Imagem: a TC é o exame padrão ouro para diagnóstico da apendicite, possuindo uma sensibilidade de cerca de 90% e uma especificidade de 80% a 90%. A USG em uma sensibilidade de cerca de 85% e uma especificidade de mais de 90% para o diagnóstico de apendicite aguda. · Tratamento: a apendicite aguda é tratada por remoção cirúrgica imediata do apêndice. · Pancreatite Aguda; · A pancreatite aguda representa um distúrbio de caráter inflamatório reversível, com acometimento do pâncreas e do tecido peripancreático, desenvolvendo edema focal, necrose gordurosa e necrose hemorrágica difusa. · Incidência e Causa: a maioria dos pacientes apresenta uma evolução branda e autolimitada; entretanto, de 10% a 20% dos pacientes têm uma resposta inflamatória rapidamente progressiva associada à duração prolongada da estadia no hospital, além da morbimortalidade significativa. - Possui maior incidência em homens, com 10 a 30% da prevalência, que em mulheres, com a mortalidade geral variável entre 2 a 10%. - Entre 40 e 65% dos casos de pancreatite aguda são decorrentes de obstrução transitória do ducto pancreático em consequência de litíase biliar. - A pancreatite decorrente da ingestão prolongada e abusiva de álcool é responsável por 25 a 40% dos casos. - A hipertrigliceridemia é uma etiologia frequente em gestantes e bastante incidente na rotina hospitalar. · Fisiopatologia: acredita-se que a PA é o resultado final da ativação enzimática pancreática anormal dentro das células acinares. · A ativação enzimática pancreática intra-acinar induz a autodigestão do parênquima pancreático normal. · Em resposta a esse insulto inicial, as células acinares liberam citosinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral-α (TNF-α), interleucinas (IL-1, -2 e -6), e mediadores anti-inflamatórios (antagonista receptor IL-10 e IL-1). Esses mediadores não iniciam a lesão pancreática, mas propagam sistematicamente a resposta local. · Como resultado, o TNF-α, IL-1 e IL-7, neutrófilos e macrófagos são recrutados para o parênquima pancreático e provocam a liberação de mais TNF-α, IL-1, IL-6, metabólitos de oxigênio reativo, prostaglandinas, fator ativador de plaquetas e leucotrienos. · A resposta inflamatória local futura agrava a pancreatite porque aumenta a permeabilidade e produz lesão da microcirculação do pâncreas. · Em casos graves, a resposta inflamatória provoca hemorragia local e necrose pancreática. Além disso, alguns mediadores inflamatórios liberados pelos neutrófilos agravam a lesão pancreática porque provocam a ativação enzimática pancreática. · A cascata inflamatória é autolimitada em aproximadamente 80%-90% dos pacientes. · Fatores de Risco: os cálculos biliares e o abuso de etanol representam de 70% a 80% dos casos de PA. Em pacientes pediátricos, o trauma fechado abdominal e as doenças sistêmicas são as duas condições mais comuns que levam à doença. A pancreatite autoimune e a induzida por medicamentos devem ter um diagnóstico diferencial de pacientes com condições reumatológicas como lúpus eritematoso sistêmico e síndrome de Sjögren. · Manifestações Clínicas: o sintoma cardinal da PA é a dor epigástrica e/ou periumbilical que se irradia para as costas. Até 90% dos pacientes têm náusea e/ou vômito, que normalmente não aliviam a dor. A natureza da dor é constante; portanto, se a dor desaparecer ou diminuir, outro diagnóstico deve ser considerado. · A desidratação, o turgor cutâneo, a taquicardia, a hipotensão e as membranas mucosas secas são comuns em pacientes com PA. · Com a pancreatite leve, o exame físico do abdome pode ser normal ou revelar somente a sensibilidade epigástrica discreta. A distensão abdominal significativa, associada com rebote e rigidez abdominal, está presente na pancreatite grave. É importante que se observe que a natureza da dor descrita pelo paciente pode não estar relacionada com o exame físico ou com o grau de inflamação pancreática. · Os achados raros incluem equimose do flanco e periumbilical (sinais de Grey Turner e de Cullen, respectivamente). - Ambos são indicativos de sangramento retroperitoneal associado com pancreatite grave. · Diagnóstico: a base do diagnóstico de PA são os achados clínicos associados a uma elevação dos níveis das enzimas pancreáticas no plasma. Uma elevação de três vezes ou mais dos níveis de amilase e lipase confirma o diagnóstico. · Imagem: a TC com contraste é considerada o exame padrão-ouro para avaliar o pâncreas, sobretudo se o estudo for realizado por um aparelho de TC multidetector. · Critérios de Ranson: foi o primeiro escore a ser utilizado em larga escala para estratificar a gravidade de uma pancreatite aguda, e sua utilização é de grande valor para avaliar o prognóstico do paciente acometido por essa patologia. - Na presença de 3 ou mais critérios, o paciente já pode ser classificado com uma pancreatite aguda grave. - Existe ainda outra correlação entre a quantidade de critérios presentes e a taxa de mortalidade: 0 – 2: 2% 3 – 4: 15% 5 – 6: 40% > 7: > 90% · Tratamento: independente da causa ou da gravidade da doença, a base do tratamento da pancreatite crônica é a reposição agressiva de líquidos e eletrólitos pelo uso de uma solução isotônica de cristaloides. A taxa de reposição deve ser individualizada e ajustada com base na idade, comorbidades, sinais vitais, estado mental, turgor cutâneo e débito urinário. - Os pacientes que não respondem à reposição inicial por hidratação ou têm comorbidades renais, cardíacas ou respiratórias significativas, muitas vezes exigem monitoramento invasivo com acesso venoso central e um cateter de Foley vesical. - Dieta zero (se paciente não tolerar VO ou se quadro grave) + analgesia + reposição volêmica + corrigir distúrbios hidroeletrolíticos. · Colecistite; · A colecistite aguda é uma patologia que gera estase da bile, isquemia, edema da parede da vesícula e gangrena, devido ao esvaziamento inadequado da vesícula biliar. · Incidência e Causa: a colecistite ainda é uma das doenças mais frequentes nas emergências em todo o mundo. A obstrução do ducto biliar por um cálculo, em 90% dos casos, leva à inflamação aguda da vesícula na maioria dos casos. - Mais prevalente em mulheres. · Fisiopatologia: é subdividida em litiásica e alitiásica. · Litiásica: a colecistite aguda está associada à colelitíase em mais de 90% dos casos. O quadro ocorre devido à obstrução do ducto cístico por um cálculo. · Existem outros fatores que podem levar à obstrução do ducto, por exemplo, uma lesão durante uma intervenção cirúrgica da vesícula ou tumores. Causas mais raras de obstrução incluem a infecção parasitária por Ascaris lumbricoides ou Clonorchis sinensis. · O processo inflamatório inicia-se com espessamento da parede, eritema e hemorragia subserosa. Surgem hiperemia e áreas focaisde necrose. Na maioria dos casos, o cálculo se desloca e o processo inflamatório regride. Se o cálculo não se move, o quadro evolui para isquemia e necrose da parede da vesícula em cerca de 10% dos casos. · A formação de abscesso e empiema dentro da vesícula é conhecida como colecistite aguda gangrenosa. · Com a infecção bacteriana secundária, principalmente por anaeróbios, há formação de gás que pode ocorrer dentro ou na parede da vesícula. Esse é um quadro mais grave conhecido com colecistite enfisematosa. · Alitiásica: corresponde a cerca de 5% dos casos. Tem uma evolução mais rápida e frequentemente evolui para gangrena, empiema ou perfuração. · Ocorre em pessoas idosas ou em estado crítico após trauma, queimaduras, nutrição parenteral de longa data, cirurgias extensas, sepses, ventilação com pressão positiva e a terapia com opioides também parece estar envolvida. · A etiologia é confusa, mas a estase, a isquemia, a injúria por reperfusão e os efeitos dos mediadores pró-inflamatórios eicosanoides são apontados como causas. · Manifestações Clínicas: o quadro se inicia com uma cólica biliar caracterizada como dor no hipocôndrio direito com irradiação para escápula direita e região epigástrica. · Como sintoma mais comum, o paciente apresenta dor e pressão no hipocôndrio direito, mais duradoura das que nas crises de cólica biliar a que ele frequentemente se refere. Esse é o primeiro sinal de inflamação da vesícula. · A dor pode intensificar-se quando a pessoa respira profundamente e muitas vezes estende-se à parte inferior da escápula direita e à região epigástrica. · A febre, assim como náuseas e vômitos, que podem ser biliosos, são habituais em 70% dos pacientes. · O exame abdominal está alterado com dor à palpação do hipocôndrio direito com defesa voluntária nessa região. Com o comprometimento peritoneal, o exame fica mais alterado com rigidez local. · Diagnóstico: clínica + exame laboratorial + imagem. · O hemograma habitualmente apresenta leucocitose com desvio à esquerda. · O hepatograma está alterado com elevação das transaminases, da fosfatase alcalina, bilirrubinas e amilase. · A hiperbilirrubinemia pode ser devido à compressão extrínseca pelo processo inflamatório grave, pela coledocolitíase ou pela síndrome de Mirizzi, que é causada pela impactação de um cálculo no infundíbulo que pode fistulizar para o colédoco e obstruí-lo. · A hiperamilasemia pode ocorrer devido à obstrução do ducto pancreático levando à pancreatite concomitante. · A ultrassonografia é o exame inicial e permite a identificação de alterações que não são visíveis no exame físico e permite uma classificação. É considerado o exame “ouro” nesses casos. Tem alta sensibilidade para a detecção de cálculos e o espessamento da parede que é considerado anormal quando > 4 mm. · Também pode haver visualização de líquido perivesicular, distensão da vesícula, cálculos impactados no infundíbulo e o sinal de Murphy ultrassonográfico. · A tomografia computadorizada (TC) helicoidal e a ressonância nuclear magnética também ajudam na identificação de alterações mal diagnosticadas pelo ultrassom. · Tratamento: é feito pela drenagem percutânea, que é curativa na colecistite alitiásica. A colecistectomia é indicada nos pacientes com colelitíase associada à colecistite aguda. 8. Referências; 1. ZATERKA, Shlioma; EISIG, Jaime Natan. Tratado de gastroenterologia: da graduação a pós-graduação. São Paulo: Atheneu, 2011. 2. BRUNETTI, Adriano; SCARPELINI, Sandro. Abdômen agudo. Biblioteca Escolar em Revista, v. 40, n. 3, p. 358-367, 2007. 3. BASTOS, Ricardo Wischral et al. Abdome agudo: diagnóstico sindrômico. Acta Méd., Porto Alegre [Internet], v. 35, n. 6, p. 2-7, 2014.
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