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1 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP ABDOME AGUDO DEFINIÇÃO É uma condição clínica em que o paciente apresenta afecção abdominal caracterizada por dor aguda e súbita, que o leva a procurar imediatamente um serviço de emergência, requerendo tratamento clínico ou cirúrgico de urgência ou emergência. É uma das principais emergências da prática médica, com alta incidência e elevado risco de gravidade, podendo levar ao óbito, muitas vezes pela dificuldade de se estabelecer o diagnóstico correto. ETIOLOGIA Quanto à sua etiopatogenia, o abdome agudo é classificado em cinco grupos: 1. Infamatório (ou por infamação): apendicite aguda, colecistite, diverticulite, pancreatite e outras. 2. Perfurativo (ou por perfuração): úlcera perfurada, diverticulite perfurada e outras perfurações intestinais. 3. Vascular: obstrução arterial e venosa de artérias mesentérica superior ou inferior. 4. Hemorrágico: gravidez ectópica rota, traumas hepático, esplênico e intestinal. 5. Obstrutivo (ou por obstrução): obstrução intestinal secundária a tumores benignos e malignos, volvos, bridas e aderências intestinais. Causa importante de abdome agudo → trauma abdominal fechado (fortes pancadas contra o abdome, geralmente provocadas por agressão ou acidente automobilístico). Causas mais comuns de abdome agudo Causas mais comuns por idade 2 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP Anamnese Anamnese detalhada é muito importante para estabelecer o diagnóstico, incluindo: idade do paciente, sexo doenças e cirurgias prévias local e características da dor, irradiação, tempo em horas de evolução alterações intestinais febre, vômitos. Exame Físico Geral Avaliar as mucosas, a pressão arterial, a frequência cardíaca, a hidratação ou desidratação e a condição do paciente. Exame Físico Específico Avalia o local da dor, a irradiação, a presença ou não de rigidez da parede abdominal, a dor de descompressão à palpação e a distensão. QUADRO CLÍNICO DOR A dor representa o melhor elemento para caracterizar ou mesmo para tentar definir o abdome agudo. Dor visceral Estímulo pelas fibras C (não mielinizadas) – Vísceras intra-abdominais Essas fibras são sensíveis ao estiramento, distensão ou contração da musculatura lisa e conduzem uma dor difusa de início lento e duração longa Dor vaga e mal localizada Náuseas, vômitos, sudorese e palidez Componente emocional marcante Dor parietal Irritação do peritôneo parietal Estímulo as fibras A (mielinizadas) – condução entre T6 e L1 Dor mais intensa, bem localizada e de curta duração Componente emocional fraco Dor referida Dor distante do órgão comprometido Convergência de neurônios aferentes viscerais e somáticos Ex: dor referida no ombro resultante de processos patológicos que afetam o diafragma ou a vesícula. Náuseas e vômito Muito comuns no abdome agudo de várias etiologias. As náuseas geralmente precedem o vômito Principais causas para o aparecimento desses sintomas são: obstrução dos órgãos de musculatura lisa, irritação intensa dos nervos do peritônio e a toxemia. Durante a anamnese, é importante verificar a frequência dos vômitos, sua relação com o início da dor e o aspecto do material vomitado. Apendicite e colecistite: vômito surge após o início da dor Pancreatite aguda: vômito é frequente, intenso e persistente, surgindo com o início da dor Febre Temperatura axilar superior a 37,5°C pode estar presente em quase todos os quadros abdominais agudo. Ausência de febre não descarta o diagnóstico de abdome agudo O relato de calafrio pode significar bacteriemia, achado comum nos quadros de colangite e de peritonite. Anorexia O relato de anorexia precedendo o início da dor é comum em quadros de abdome agudo inflamatório. Anorexia precedendo o início do quadro em dias ou meses sugere doença maligna. Função intestinal Anamnese: constipação intestinal, diarreia, melena e enterorragia A constipação intestinal com parada completa da eliminação de gases e fezes associada à dor abdominal em cólica e vômito caracteriza a tríade da obstrução intestinal. Diarreia é frequente em vários tipos de abdome agudo inflamatório, como: apendicite (principalmente em crianças), abscessos paracecais e DIP (doença inflamatória pélvica). Ciclo menstrual Nas mulheres em fase reprodutiva, especialmente naquelas com vida sexual ativa, a dor abdominal deve ser correlacionada com o ciclo menstrual. Devemos interrogar sobre irregularidades nos três últimos ciclos, data da última menstruação, presença de dispareunia (dor no ato sexual), características do corrimento vaginal, contato sexual e sangramentos, diferenciando se o sangue é coagulável, ou não. Micção Durante a anamnese, é importante investigar a presença de transtorno da micção, como algúria, disúria, polaciúria e retenção urinária, bem como alteração no aspecto da urina. 3 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO DEFINIÇÃO Pode ser definido como um quadro de dor abdominal, súbito e inesperado, decorrente de um processo inflamatório e/ou infeccioso localizado na cavidade abdominal, ou em órgãos e estruturas adjacentes. Em algumas situações, o quadro apresenta-se com peritonite, sendo mandatório o manejo cirúrgico nesses casos. É o tipo mais comum de abdome agudo. Inicio do quadro → insidioso, com sintomas a princípio vagos (dor abdominal incaracterística, náuseas, anorexia, vômito, alteração do trânsito intestinal). Dor mal definida. Evoluir da doença → acometimento do peritônio parietal → dor torna-se bem localizada e piora progressivamente Comum a presença de massas à palpação Causas mais frequentes: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda e diverticulite por doença diverticular dos colos. EPIDEMIOLOGIA QUADRO CLÍNICO Dor abdominal → é o sintoma preponderante no AAI, podendo ser decorrente de um processo recente, como na apendicite aguda, ou crônico agudizado tal qual nos casos de colecistite aguda por litíase biliar ou diverticulite por doença diverticular do cólon. OBS: Dor exacerbada a movimentação é comum em abdome agudo inflamatório e indica peritonite. Náuseas e vômitos → podem ocorrer na evolução do AAI, podendo ser resultado do quadro álgico intenso ou até mesmo de estase intestinal secundária à irritação do peritônio visceral. Febre → sintoma comumente observado, podendo surgir já nas fases iniciais do processo, com temperaturas mais brandas, piorando com a evolução do quadro. Obstipação → comumente ocorre secundária à paralisia das alças intestinais. Entretanto, diarreia pode estar presente, sobretudo em casos de abscessos pélvicos. 4 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP APENDICITE Obstrução do lume apendicular, por corpo estranho (fecalito) ou processo inflamatório. Fase inicial → dor epigástrica ou periumbilical (devido a região do apêndice ser inervada pelos nervos aferentes T8 e T10), por isso no início pode-se confundir com gastrite, dispepsia. Dor do tipo visceral. Posterior → dor em quadrante inferior direito, tipo peritoneal (somática). Sintomas: Dor de caráter contínuo que piora com a movimentação, anorexia, febre e calafrios, náuseas e vômito (menos comuns). Incide → entre a 2º e 3º décadas A apendicite aguda pode ser de diagnóstico difícil nos extremos da vida ou quando o apêndice tiver topografia atípica, particularmente pélvica ou retrocecal. O estado geral costuma estar preservado, assim como as condições hemodinâmicas. A temperatura, pouco elevada nas fases iniciais. EXAME FÍSICO Inspeção: Paciente com pouca movimentação Atitude antálgica (flexão do membro inferior direito)no sentido de aliviar a dor Manobras como pular ou tossir podem desencadear ou exacerbar a dor na fossa ilíaca direita. Auscuta: Diminuição dos ruídos hidroaéreos Percussão: Iniciada num ponto distante ao de McBurney, encaminhando-se para a fossa ilíaca direita → dor → irritação peritoneal localizada Palpação: Superficial e Profunda Sinal de Blumberg e Sinal de Rovsing OBS: Sinal de Rovsing - A palpação no cólon descendente desloca os gases para o cólon ascendente, atingindo o apêndice inflamado hipersensível, provocando dor. Geralmente realiza-se esse sinal com o punho comprimindo ou com a mão espalmada. OBS: Ao realizar o sinal de Blumberg lembrar de realizar nos outros quadrantes abdominais, pois se a dor estiver presente nos demais locais além do ponto de McBurney, pode indicar uma peritonite generalizada, como na úlcera péptica perfurada. Sinais clínicos específicos para diagnóstico diferencial Sinal de Murphy Sinal de Giordano 5 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP DIAGNÓSTICO O diagnóstico é clínico, em casos de história típica e exame físico característicos da apendicite. Se houver alguma dúvida, solicita o exame complementar. Pode ser difícil nos extremos da vida (crianças e idosos) ou quando o apêndice tiver topografia atípica, particularmente pélvica ou retrocecal. Ultrassonografia de abdome Sensibilidade de 75 a 90%, confirmando o diagnóstico clínico, especialmente ao demonstrar o apêndice inflamado (a partir de 6mm). Apêndice normal: estrutura tubular compressível com diâmetro máximo de 5 mm. Apendicite: estrutura em fundo cego, imóvel, não compressível, com lúmen anecoico (cheio de liquido, por isso fica preto), mucosa ecogênica e parede muscular espessada e hipoecoica com diâmetro > 6 mm. Se utilizado Doppler colorido observa-se aumento do fluxo sanguíneo no apêndice inflamado – “anel de fogo”. Tomografia computadorizada (TC) Melhor exame complementar Sensibilidade de 87 a 100% e especificidade de 95 a 100% Utilizada quando a US não é conclusiva, avaliando diretamente o apêndice inflamado, e, principalmente, dando informações sobre diagnósticos alternativos naqueles casos atípicos. Hemograma Leucocitose discreta nas fases iniciais (em torno de 16 mil), com predomínio de neutrófilos. Pode haver desvio a esquerda nos quadros mais avançados, além de granulações tóxicas ou leucopenia. Beta-HCG em mulheres em idade fértil Urinálise Hematúria ou piúria podem estar presentes na apendicite (próximo a bexiga ou ureter) 6 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP TRATAMENTO Apendicectomia é o tratamento padrão da apendicite complicada e não complicada. Laparotomia Laparoscopia (preferida hoje em dia, recuperação precoce) Para a não complicada → apendicectomia pode ser realizada em 12 horas após o diagnóstico. Antibioticoterapia profilática até a cirurgia, com manutenção do antibiótico de amplo espectro caso haja perfuração, abscesso ou peritonite. Abordagem no pronto-socorro Hidratação Antibiótico - Não complicada: cefoxitina - Outras: ceftriaxona, ciprofloxacino, associação com metronidazol, ampicilina. Analgesia antiemética COLECISTITE Pode ser definida como a inflamação química e/ou bacteriana da vesícula biliar, na maioria das vezes desencadeada a partir da obstrução do ducto cístico. Como a litíase vesicular ou colelitíase são a principal causa dessa doença, a obstrução decorre da impactação de um cálculo na região infundíbulo- colocística, com consequente hipertensão, estase, fenômenos vasculares, inflamatórios e proliferação bacteriana. Bile fica em estase acumulada, tendo em sua composição lecitina que se transforma em lisolecitina que é tóxica e leva à uma inflamação da vesícula e favorece a infecção por enterobactérias. Dor: inicialmente caráter de cólica devido à obstrução, a seguir torna-se contínua (dor em aperto constante). localização inicial no hipocôndrio direito, segue-se irradiação para o epigástrio, dorso direito e difusa para o abdome na vigência de complicações. Náuseas, vômitos e febre raramente superior a 38°C. O estado geral costuma estar preservado, podendo apresentar comprometimento na dependência da intensidade do processo inflamatório. Pode haver irritação peritoneal e icterícia por impactação de cálculo no infundíbulo – essa impactação ocasiona edema e obstrução do ducto hepático comum, a chamada Síndrome de Mirizzi, e consequentemente, colestase. EXAME FÍSICO Inspeção: posição antálgica ou discreta distensão Auscuta: ruídos hidroaéreos que se encontram diminuídos ou, até, normais Percussão: dor ao nível do hipocôndrio direito Palpação: hipersensibilidade no hipocôndrio direito, defesa voluntária ou não 25% → vesícula palpável e dolorosa 7 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP Sinal de Murphy É realizada uma palpação profunda no ponto cístico (na linha hemiclavicular, abaixo do rebordo costal direito). O examinador realiza uma palpação com compressão constante e pede o paciente para inspirar profundamente (quando ele inspira o diafragma abaixa e a vesícula bate na mão do examinador, causando dor e interrompendo a respiração abruptamente. Cálculos biliares Quem tem cálculos biliares? Grupos específicos como mulheres com 40 anos, sobrepeso e multiparidade. E as mulheres apresentam maior propensão a cálculos biliares devido a uma questão hormonal (a progesterona faz com que a vesícula fique mais parética – funcione menos no segundo período do ciclo menstrual). Tipo mais comum de cálculo → cálculo de colesterol (pessoas que perdem peso) → por isso administração de sais para dissolver os cálculos Quando a vesícula biliar não se esvazia corretamente → vesícula parética (preguiçosa) → aumenta a concentração da bile → precipitação do cálculo → pacientes submetidos a cirurgia de refluxo com corte do ramo hepático do nervo vago e portadores da doença de Chagas Outro fator que leva o surgimento de cálculos são as anemias hemolíticas. TERMOS Colecistolitiase: cálculos na vesícula biliar Colelitíse: refere-se a calculo biliar de modo geral, dessa forma, pressupõe- se que é na vesícula biliar devido ser o local mais frequente. Colecistopatia calculosa: doença na vesícula biliar causada por cálculos. Colecistite: inflamação da vesícula aguda ou crônica. Coledocolitiase: calculo no colédoco. OBS: A presença de cálculos na vesícula pode ser assintomática. Nesse caso a US é possível observar cálculos móveis a mudança de decúbito, com imagem hiperecogênica com sombra acústica posterior e sem alterações da parede da vesícula biliar (sem inflamação). DIAGNÓSTICO Atualmente, o diagnóstico e o acompanhamento imagenológico das doenças biliares baseia-se na ultrassonografia (US), na tomografia computadorizada (TC), na ressonância magnética (RM) e na cintilografia. Ultrassonografia → melhor exame para avaliação. Mantém-se como o exame de escolha na avaliação inicial das doenças biliares agudas, devido a sua facilidade de execução, ampla disponibilidade e grande acurácia no diagnóstico da colecistite aguda. Observa-se na US: presença de cálculos, aumento da vesícula, delaminação na parede e coleção perivesicular. Critérios Diagnósticos da Colecistite 8 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP TRATAMENTO Tratamento é cirúrgico, com realização de colecistectomia precoce. Segundo o Consenso de Tóquio, deve-se iniciar o uso de antibiótico no momento do diagnóstico, e ele deve ser suspenso após a cirurgia, nos casos leves. A manutenção da antibioticoterapia é necessária nos casos graves. Colecistectomia: realizada nos primeiros 3 dias de evolução dadoença, por ser tecnicamente mais fácil, ou, então, depois de 4 semanas, ou mais, da crise, após regressão do processo inflamatório. Tratamento cirúrgico é indicado: Pacientes imunossuprimidos, diabéticos, pois se ocorrer complicação do quadro pode ser grave e levar a óbito. Pacientes jovens, pois ainda tem um tempo de vida longa disponível a complicações. Cálculos muito pequenos (< 0,5 cm), devido maior chance de passarem para o ducto cístico, migrar para a via biliar principal (colédoco) e levar a complicações mais graves que a inflamação da vesícula, como pancreatite aguda, colangite aguda. Calculos muito grandes (> 2 cm). PANCREATITE É uma doença que tem como substrato um processo inflamatório da glândula pancreática, decorrente da ação de enzimas inadequadamente ativadas, que se traduz por edema, hemorragia e até necrose pancreática e peripancreática. Este quadro é acompanhado de repercussão sistêmica que vai da hipovolemia ao comprometimento de múltiplos órgãos e sistemas e, finalmente, ao óbito. Na atualidade, aproximadamente 80% das pancreatites agudas estão relacionadas à doença biliar litiásica ou ao álcool, mas outras causas podem ser apresentadas, como trauma e infecções. Nem sempre o quadro clínico da pancreatite aguda é característico, o que, por vezes, torna difícil o seu diagnóstico. Sintomas: Dor: intensa, inicialmente epigástrica e irradiada para o dorso, em faixa ou para todo o abdome Náuseas e vômitos, acompanhada de parada de eliminação de gases e fezes. 9 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP EXAME FÍSICO Nas formas leves (80 a 90%) mostra: regular estado geral (REG), posições antálgicas, sinais de desidratação e taquicardia. Abdome distendido, doloroso difusamente à palpação profunda, especialmente no andar superior e ruídos hidroaéreos diminuídos. Nas formas graves (10 a 20%) o paciente se encontra: em estado geral ruim, ansioso, taquicárdico, hipotenso, dispnéico e desidratado. O abdome encontra-se distendido, doloroso difusamente e com sinais de irritação peritoneal difusa. É possível identificar equimose e hematomas em região periumbilical (sinal de Cullen) ou nos flancos (sinal de Grey Turner). Os ruídos hidroaéreos encontram-se reduzidos, ou mesmo abolidos. DIAGNÓSTICO Avaliação laboratorial: elevação da amilase e da lipase 4 vezes o valor de referência máximo. A elevação da amilase sérica ocorre de forma mais precoce, normalizando após 48h, enquanto a lipase eleva-se mais tardiamente, porém os níveis permanecem altos por mais tempo. Portanto, a amilase é mais sensível. US (identificar colelitíase), TC (avaliar parênquima pancreático) A ressonância magnética fornece informações semelhantes às da tomografia. Os achados de clínicos e laboratoriais, assim como os achados de imagem, podem ser utilizados para classificação prognóstica, pelas escalas de Apache II e classificação de Balthazar. 10 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP TRATAMENTO É essencialmente clínico, com hidratação venosa vigorosa, jejum e analgesia Nutrição enteral após o quinto dia caso não tolere dieta oral; Antibioticoterapia em caso de infecção documentada a partir da segunda semana de suporte clínico; Estão indicadas terapias minimamente invasivas nos casos de complicações a partir da quarta semana, como a ultrassonografia endoscópica em vigência de pseudocisto pancreático; CPRE nos casos de pancreatite secundária a colelitíase com evidência de colangite sobreposta. Cirurgia → reservada aos casos complicados (necrose infectada, abscesso). DIVERTICULITE DOS COLOS A diverticulite dos colos caracteriza-se pelo processo inflamatório de um ou mais divertículos, podendo estender-se às estruturas vizinhas e causar uma série de complicações. Geralmente desencadeado pela abrasão da mucosa do divertículo por um fecalito. Esse processo inflamatório rapidamente envolve o peritônio adjacente, a gordura pericólica e o mesocolo. Manifestações clínicas: irritação peritoneal até quadros de peritonite generalizada Sintoma principal: dor localizada na fossa ilíaca esquerda ou na região suprapúbica. Dor: tipo contínua e outras do tipo cólica Febre e constipação intestinal (as vezes diarreia), anorexia e náuseas Localização mais comum da diverticulite é no sigmoide, onde, associados ao cólon descendente, encontram-se 90% dos divertículos do cólon. Comum em idosos Quando o processo inflamatório atinge a bexiga ou o ureter, o doente manifesta sintomas urinários do tipo disúria e polaciúria. EXAME FÍSICO Paciente febril, pouco taquicárdico Abdome: discretamente distendido Ruídos hidroaéreos diminuídos Palpação: sinais de irritação peritoneal (descompressão brusca positiva, percussão dolorosa) Muitas situações, é possível palpar uma massa dolorosa na fossa ilíaca esquerda. Toque retal: dor em fundo-de-saco Pode assumir características de abdome agudo perfurativo ou, mesmo, abdome agudo obstrutivo. 11 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP DIAGNÓSTICO TC (método de escolha) Colonoscopia (evitar devido risco de perfuração) TRATAMENTO É clínico, observando-se melhora após 48 a 72 h de antibiótico, com cobertura para flora anaeróbica e aeróbica gram-negativa. Analgesia; Reposição volêmica; Dieta zero para repouso intestinal, com retorno em 2 a 3 dias; Orientar dieta rica em fibra; Cirurgia para os casos de complicação. ABDOME AGUDO OBSTRUTIVO DEFINIÇÃO Abdome agudo obstrutivo (AAO) é uma situação de emergência na qual se encontra um fator obstrutivo em trato gastrointestinal (TGI) responsável pelo quadro clínico. Apresenta gravidade variável e caráter evolutivo necessitando de rápida intervenção, em sua maioria, cirúrgica. As causas de AAO podem ser divididas em mecânicas e funcionais, originadas no intestino delgado ou grosso, conforme tabela abaixo: OBS: Síndrome de Ogilvie → ocorre pseudo-obstrução intestinal com distensão colônica por disautonomia nervosa, sem fator mecânico. Pode levar a sofrimento vascular e isquemia intestinal. Causa funcional de obstrução do intestino grosso. EPIDEMIOLOGIA É a segunda síndrome abdominal aguda mais frequente, ficando entre Abdome Agudo Inflamatório (1º) e Perfurativo (3º). Cerca de 80% dos casos de abdome agudo obstrutivo envolvem o intestino delgado. 12 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP Aderências (bridas) → fator etiológico mais comum em países desenvolvidos e são secundárias a cirurgias prévias na cavidade abdominal. Nos países em desenvolvimento (PED), as hérnias compõem a primeira causa (30 a 40%) seguida por bridas (30%), tuberculose e doença de Crohn (10%). Câncer de cólon representa a principal causa de obstrução no intestino grosso, além de volvo de sigmoide que se apresenta como frequente causa de obstrução intestinal baixa em nosso meio. OBS: O megacólon chagásico configura uma frequente causa de obstrução intestinal no Brasil, habitualmente através da formação de fecaloma, devido à alta prevalência de doença de Chagas no país. CLASSIFICAÇÃO Obstrução alta Obstrução acima do ligamento de Treitz (divide o duodeno do jejuno). Obstrução média Entre o ligamento de Treitz e a válvula ileocecal. Obstrução baixa Abaixo da válvula ileofecal. QUADRO CLÍNICO Obstrução intestinal alta (Intestino delgado) A parada de eliminação de fezes e gases é um sinal que ocorre tardiamente durante a evolução da obstrução, uma vez que o conteúdo colônico é esvaziado normalmente nas fases iniciais. Dor abdominal → cólica difusa (momentos de melhora e piora); Náuseas e vômitos precoces e em grande quantidade devido a obstrução ser perto do estômago aqual libera suco gástrico, além da papila de Vater no duodeno que libera a bile. Pouca distensão abdominal comparado a obstrução baixa, pois não tem muita metragem de intestino para causar muito volume e distensão; Distúrbios hidroeletrolíticos (perda de sais minerais, ácidos e bases); Tempo curto de história; Ruídos hidroaéreos podem estar aumentados inicialmente na tentativa de vencer o fator obstrutivo, a chamada peristalse de luta, apresentando aumento do timbre, conhecido caracteristicamente como som metálico, e gradualmente podem desaparecer devido à fadiga da musculatura lisa. 13 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP Obstrução intestinal baixa (transição ileocecal e intestino grosso) Na obstrução do cólon, normalmente há parada de eliminação de fezes e flatos precocemente associada à distensão abdominal importante; Dor abdominal → cólica difusa Vômitos tardios e fecaloides; Distensão abdominal pronunciada; Maior tempo de história. Sinais que sugerem complicações Dor contínua Peritonite difusa: pode ser sinal de isquemia de alça ou perfuração Febre: paciente pode estar tendo translocação bacteriana ou perfuração com quadro infeccioso Sepse Sinal de Jobert DIAGNÓSTICO Pode ser feito a partir de anamnese e exame físico minucioso. Exames complementares auxiliam no diagnóstico diferencial e na diferenciação entre obstrução funcional ou mecânica, sítio da obstrução e identificação de complicações. Exames de Imagem Radiografia em decúbito dorsal e ortostase podem evidenciar dilatação de alças com nível líquido intraluminal proximais à obstrução, sugerindo o nível do processo obstrutivo. Dilatação do jejuno → válvulas coniventes com aspecto de empilhamento de moedas. Dilatações ileais apresentam válvulas menos demarcadas. Na dilatação colônica, normalmente verifica-se dilatação com padrão de “moldura” delineando a parede abdominal marginalmente. Não se evidencia gás no reto abaixo do fator obstrutivo. No vólvulo de sigmoide identifica-se a dilatação da alça associada ao megacólon. Ainda nesses casos pode haver impactação fecal com imagens em “miolo de pão” dentro da alça. 14 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP Estudos contrastados O trânsito intestinal e enema opaco podem auxiliar no diagnóstico e manejo, principalmente em obstruções parciais do intestino delgado. Dado o risco potencial de perfuração, contrastes hidrossolúveis devem ser preferidos ao bário, uma vez que o extravasamento desses pode ocasionar peritonite grave. Exames Laboratoriais TRATAMENTO Os objetivos do tratamento do abdome agudo obstrutivo são: 15 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP Clínico (causas funcionais) → suporte clínico – analgesia, reposição hidroeletrolítica, descompressão gastrointestinal com sonda nasogástrica sob aspiração Cirúrgico (causas mecânicas) → definitivo OBS: Obstruções do intestino delgado dificilmente se resolverão sem cirurgia caso não apresentem resolução dentro de 48 horas de tratamento conservador. ABDOME AGUDO HEMORRÁGICO INTRODUÇÃO Inúmeras são as causas de hemorragia intra-abdominal. Possui etiologias variadas abrangendo desde traumatismo abdominal, ruptura de aneurismas da aorta ou de alguma artéria visceral, neoplasias malígnas até processos inflamatórios erosivos. EPIDEMIOLOGIA Incomum, estando presente em apenas 2% dos pacientes que procuram atendimento de emergência com dor abdominal. A etiologia varia de acordo com a idade e sexo. 16 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP ETIOLOGIAS Abdome Agudo Hemorrágico Vascular Ruptura de aneurisma de aorta abdominal Presente em 5-7% dos indivíduos acima dos 60 anos; Principais fatores de risco: Idade >65 anos Hipertensão arterial (HAS) Tabagismo, doença pulmonar obstrtiva crônica (DPOC) Aterosclerose Síndrome de Marfan, síndrome de Ehlers-Danlos Antecedente familiar da doença Manifestação clínica Muitos pacientes são assintomáticos e o diagnóstico é suspeitado no exame físico pela palpação de massa pulsátil, distensão abdominal e dor à palpação. Metade dos pacientes → desconforto ou dor abdominal mal caracterizada, podendo apresentar também dor na região dorsal. Náuseas e vômitos. Quando ocorre ruptura, a hipotensão arterial está presente em 25% dos casos no atendimento inicial. Tratamento inicial Estabilização hemodinâmica Ruptura de aneurisma das artérias viscerais abdominais Aneurisma da artéria esplênica: É o mais comum Mais frequente no sexo feminino Fatores de risco: gravidez, fibrodisplasia e hipertensão venosa portal. Aneurisma da artéria hepática: Mais comum em homens Fatores de risco: arteriosclerose, traumatismo, degeneração da camada média Aneurisma da artéria mesentérica superior: Mais comum em < 50 anos Se distribui igualmente entre os sexos Fatores de risco: endocardite, traumatismo e arteriosclerose Ruputura de Gravidez Ectópica CONCEITO: Toda gravidez com implantação e desenvolvimento fora da cavidade endometrial. Principais fatores de risco: Cirurgias tubárias, gravidez ectópica prévia, uso de DIU, tabagismo ≥ 20 cigarros por dia; técnicas de reprodução assistida e endometriose. 95% dos casos → ocorre nas trompas Também pode ocorrer nos ovários e na cavidade abdominal. Sintomas: Atraso menstrual Geralmente o útero é menor do que o esperado Dor abdominal intensa, súbita, inicialmente em baixo ventre, que pode irradiar para ombro (Sinal de Lafond). Instabilidade hemodinâmica, hipotensão, taquicardia e choque hipovolêmico. OBS: Sinal de Lafond – dor referida no ombro por sangue acumulado em região subdiafragmática devido irritação do nervo frênico. 17 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP Exame físico Presença de dor à palpação abdominal, dor aguda ao toque do fundo de saco de Douglas. Sinal de Cullen. Sintomas da gravidez inicial normal: aumento da sensibilidade mamária, náuseas e polaciúria. Tratamento Reposição volêmica e tratamento do choque hipovolêmico Abordagem cirúrgica de urgência, sendo realizado muitas vezes laparotomia exploratória com salpingectomia. DIAGNÓSTICO Exames laboratoriais Depende da etiologia Contagem do número de plaquetas é obrigatória Estudo global da coagulação. A atividade da protrombina, a tromboplastina parcial ativada e a trombina são os mais utilizados. Teste de gravidez (quando a suspeita de prenhez ectópica rota) Exames de imagem US de abdome, TC e ressonância magnética ABDOME AGUDO VASCULAR/ISQUÊMICO Síndrome clínica caracterizada por dor abdominal, não traumática, de início súbito ou intermitente, de intensidade variável, representado pela isquemia mesentérica ou intestinal resultante de um fornecimento inadequado de oxigênio para o intestino, que necessita de intervenção médica imediata por ser potencialmente fatal. Patologia mais comum em idosos, associado a aterosclerose. A isquemia mesentérica crônica é mais comum em mulheres. A rapidez do diagnóstico está intrinsecamente ligada ao sucesso do tratamento e prognóstico. A taxa de mortalidade é elevada, com cerca de 30% nos casos de trombose e 75-80% nos casos de obstrução arterial atribuído ao diagnóstico tardio. FISIOPATOLOGIA A isquemia mesentérica pode ser aguda ou crônica, mesentérica (acomete o intestino delgado) ou colônica (acomete o intestino grosso). As três principais síndromes de isquemia intestinal são: 1. Isquemia colônica (70-75%) 2. Isquemia mesentérica aguda (20-25%) 3. Isquemia mesentérica crônica (5%) Na isquemia mesentérica aguda, temos também as três principais (imagem 1): 1. Oclusão da Artéria Mesentérica Superior (AMS) por êmbolo (50%) ou trombo(15-25%) 2. Trombose da Veia Mesentérica Superior (VMS) (5%) 3. Isquemia mesentérica não-oclusiva (20-30%) As regiões mais propensas à isquemia são as áreas pobres em circulação colateral, como a flexura esplênica e junção retossigmoide. 18 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP A lesão intestinal se dá por dois mecanismos: 1. Hipoperfusão com hipóxia: o comprometimento da oferta de oxigênio se dá com uma redução do fluxo intestinal maior que 50%. 2. Reperfusão: devido a ação de espécie reativas do oxigênio. De uma forma geral, o intestino consegue compensar até 75% de hipoperfusão por até 12h sem dano substancial, pelo aumento da extração de oxigênio e circulação colateral. Se houver manutenção da hipoperfusão, temos: vasoconstricção e redução do fluxo colateral Em alguns casos, mesmo após restauração do fluxo a vasoconstricção é mantida. A sequência de eventos está resumida no fluxograma abaixo: Principais fatores de risco: Cirurgia cardiovascular, doença cardíaca (em especial IAM), hemodiálise, trombofilias, DAOP Medicações vasoconstrictoras: constipantes como opiódes, imunomoduladores, cocaína. Má formações arteriovenosas ISQUEMIA COLÔNICA O cólon recebe menor suprimento sanguíneo em relação ao resto do TGI, por isso é o segmento mais acometido. Existem 3 mecanismos principais: Isquemia colônica não oclusiva (95% dos casos) Oclusão arterial por êmbolos ou trombos – a maioria com isquemia do intestino delgado concomitantemente. Trombose da veia mesentérica (Raramente envolve o cólon) Evolução: É mais prevalente em mulheres e deve ser suspeitada em pacientes com dor em abdome inferior e diarreia ou hematoquezia. ISQUEMIA MESENTÉRICA AGUDA Oclusão da MAS (artéria mesentérica superior) Por êmbolos: mais comum e costuma ter melhor prognóstico, já que a obstrução é mais distal do que na trombose, com infartos menos extensos, geralmente poupando o delgado. Os êmbolos são provenientes de trombos do átrio esquerdo, ventrículo esquerdo, valvas cardíacas ou aorta proximal, tendo como fator de risco IAM, fibrilação atrial ou estenose mitral. Por trombos: é devido a doença intrínseca da camada íntima dos vasos, sendo a aterosclerose o principal fator. Também pode estar associado a doenças do tecido conectivo, trauma abdominal, sepse ou dissecção de aorta. Pode ser considerada uma isquemia mesentérica crônica que agudizou. Isquemia mesentérica não oclusiva: Também conhecida como Vasoconstricção mesentérica. Decorrente de um grave e prolongado vasoespasmo associado ao uso de drogas (digitálicos, cocaína) ou doenças sistêmicas graves, como: choque, insuficiência cardíaca grave, sepse, hipóxia grave. Se baseia na associação de estados de baixo fluxo sanguíneo e uso de droga vasoconstrictoras. A ICC (insuficiência cardíaca congestiva) é a etiologia isolada mais frequente. Trombose da VMS (veia mesentérica superior): Principal causa de isquemia de delgado em pacientes jovens com doenças cardiovasculares. 19 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP A obstrução aguda do fluxo venoso causa sequestro do fluido intestinal, hipovolemia e hemoconcentração, gerando vasoconstricção arteriolar e redução da perfusão intestinal. Pode ser primária ou secundária se tiver associada a algum dos seguintes fatores (Tríade de Virchow): Estados de hipercoagulabilidade: neoplasias, deficiência de proteína C e S, policitemia vera, deficiência de antitrombina III, uso de anticoncepcionais orais, síndrome antifosfolípide. Estase venosa: hipertensão portal e ICC Lesão venosa direta: pós-operatório de esplenectomia, após trauma abdominal, sepse. ISQUEMIA MESENTÉRICA CRÔNICA Decorrente de episódios constantes de hipoperfusão, típico de pacientes com oclusões e estenoses de vasos mesentéricos causados por aterosclerose. Outras causas raras são: Compressão do tronco celíaco pelo ligamento mediano arqueado (síndrome da compressão do tronco celíaco), displasia fibromuscular, dissecção de aorta ou artéria mesentérica, vasculites e fibrose retroperitoneal. Por ser uma doença crônica, o curso insidioso permite a formação de vasos colaterais. Os sintomas ocorrem quando duas ou mais artérias estão comprometidas, apenas 5% decorrem de obstrução completa de uma única artéria. É caracterizada pela angina mesentérica ou intestinal nas primeiras horas após alimentar-se. Temos duas explicações para isso: 1. Desequilíbrio entre a demanda metabólica e fluxo sanguíneo esplâncnico. 2. Hipoperfusão intestinal devido ao desvio do sangue para o estômago → teoria mais consistente devido a correlação temporal da dor. QUADRO CLÍNICO As formas de apresentação e gravidade dependem do leito acometido (arterial ou venoso), grau de obstrução, duração, presença de colaterais e a extensão de vísceras acometidas. Pode variar desde um quadro súbito (infartos) a quadros de angina abdominal crônica. Náuseas, vômitos, diarreia e constipação são sintomas variáveis. Sangramentos podem ocorrem na isquemia mesentérica crônica e na isquemia colônica. Principal característica: dor abdominal referida é desproporcional ao exame físico. A tríade da isquemia mesentérica crônica consiste em: A dor abdominal é bastante variável: Início: súbito, indicativo de êmbolos ou trombos em território arterial, ou insidioso nos casos de trombose da VMS. Intensidade: branda, indicativo de isquemia mesentérica não oclusiva, ou intensa, indicativo de êmbolos ou trombos. Localização: localizada ou difusa. Epigástrica ou mesogástrica: território da MAS Quadrantes inferiores, região retal ou sacral: território da AMI. Isquemia colônica: geralmente no lado esquerdo. Como diferenciar isquemia aguda mesentérica da isquemia colônica? 20 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP Exame físico: Inicialmente o abdome pode estar normal, com dor leve a moderada. Peristalse normal ou aumentada inicialmente - a primeira reação à hipóxia é o peristaltismo. Com a progressão da isquemia, temos: Distensão abdominal Timpanismo aumentado Diminuição dos ruídos hidroaéreos Fezes sanguinolentas se necrose Sinais de choque e peritonite generalizada são achados tardios e indicam mau prognóstico. DIAGNÓSTICO Qualquer paciente com dor abdominal aguda e acidose metabólica tem isquemia intestinal até que se prove o contrário! O diagnóstico precoce depende de: reconhecer população de risco + alto índice de suspeita clínica. Os exames laboratoriais são inespecíficos, podendo apresentar leucocitose em 75% dos casos, hemoconcentração, acidose metabólica, elevação do lactato, fosfato (80% dos casos) e amilase sérica (50% dos casos e não é tão elevado quanto na pancreatite). Se houver necrose: ↑ LDH, CPK, Fosfatase Alcalina (fração intestinal). Exames de imagem Devem ser solicitados nos casos de pacientes estáveis. O exame de primeira escolha é a TC com contraste de abdome, pois identifica aterosclerose e exclui outras causas de dor abdominal aguda. Podemos observar nos casos de obstrução arterial: Espessamento da parede intestinal e dilatação da víscera Pneumatose intestinal ou portomesentérica – indica perfuração Infarto de órgãos sólidos Falha de enchimento arterial Oclusão e trombos. Imagem 1 e 2: TC com bolhas de ar na parede do intestino delgado (setas brancas) e espessamento da parede. Nos casos de trombose da VMS, podemos ver: Estenose ou oclusão de dois ou mais vasos mesentéricos Presença de vasos colaterais dilatados Espessamento e realce da parede intestinal Ingurgitamento da VMS Trombo na VMS Imagens 4: TC (fase venosa) com defeito nítido do contraste na VMS (círculo), com oclusão por um trombo. Edema em íleo (4b) com redução do contraste em sua parede. Ausência degás livre. Angiografia É o exame padrão ouro na isquemia mesentérica aguda e crônica, porém muitas vezes não é necessária devido o diagnóstico pela TC. 21 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP A vantagem da angiografia é que pode ser usada de forma terapêutica, por exemplo em uma abordagem endovascular ou injeção direta de papaverina como vasodilatador. Deve ser realizado nos casos suspeitados em outros exames de imagem. Além dos achados vasculares já descritos, podemos encontrar: “Sinal do menisco”: oclusão abrupta da AMS, visto na oclusão por êmbolos. Estreitamento na origem dos vasos mesentéricos Irregularidades nos ramos intestinais Espasmos das arcadas arteriais Outros exames disponíveis são: USG com doppler: também pode ser feito como exame inicial nos casos de isquemia mesentérica crônica. Possui um valor preditivo negativo acima de 90%. Menos utilizado que a TC como exame inicial devido as suas desvantagens (examinador-dependente, interposição gasosa, cirurgia abdominal prévia). Colonoscopia: pode ser solicitada nos casos de isquemia colônica para confirmação diagnóstica. Deve ser feito com insuflação mínima para evitar distensão excessiva e somente nos casos estáveis, sem sinais de peritonite ou evidência de isquemia irreversível. Podemos visualizar: Edema, eritema, mucosa friável, nódulos hemorrágicos, úlcera linear única no eixo longitudinal (sugestivo de isquemia). TRATAMENTO Nos pacientes instáveis, o tratamento não deve ser postergado visando confirmação diagnóstica com exames de imagem. Tratamento clínico O manejo inicial inclui monitorização cardíaca e dos parâmetros ventilatórios, acesso venoso com reposição volêmica individualizada, correção de distúrbios hidroeletrolíticos, analgesia e antibiótico venoso de amplo espectro. Antibiótico venoso: protege contra translocação bacteriana e reduz inflamação intestinal por reduzir a flora intestinal. Anticoagulantes: nos casos de oclusão arterial ou venosa e em alguns casos de isquemia mesentérica não oclusiva para evitar a formação de trombos e sua propagação, exceto nos casos de sangramento ativo. A papaverina pode ser utilizada nos casos de vasoconstricção, colocado diretamente na AMS. Deve haver suspensão de drogas vasoconstrictoras de uso prévio. Tratamento cirúrgico O tratamento definitivo é cirúrgico e pode ser necessário ressecção das alças isquemiadas. A exploração cirúrgica está indicada nos casos de: Sinais de irritação peritoneal Sinais de infarto intestinal em imagem Dúvida diagnóstica Isquemia mesentérica aguda com alça intestinal não viável (seta), sendo necessário a ressecção. Pode ser necessário uma segunda reabordagem (“second look”) em 24-48h para reavaliar a persistência da isquemia. Nos casos de oclusão arterial mesentérica: Com êmbolos: Laparotomia com embolectomia Com trombos: revascularização aberta ou angioplastias com trombólise endovascular (in situ) Revascularização: pode ser tentada em alguns casos – utiliza-se a veia safena. Na isquemia mesentérica crônica geralmente o tratamento é conservador visando a prevenção da progressão da aterosclerose com terapia antiplaquetária e anticoagulação nos casos de trombos. 22 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP ABDOME AGUDO PERFURATIVO Síndrome clínica caracterizada por dor abdominal, não traumática, de início súbito, devido a perfuração de víscera oca. Uma das causas mais frequentes de cirurgia abdominal de urgência. Dor: tem início súbito, geralmente dramático, já começando de forma intensa, rapidamente atingindo seu pico. Do tipo somática (visceral) vem da irritação química do peritônio, e, quanto menor o pH, maior a irritação. Os pacientes costumam precisar a hora exata do início do sintoma. FISIOPATOLOGIA A perfuração pode ser decorrente de processos inflamatórios, como ulceras pépticas e doenças inflamatórias intestinais, processos neoplásicos, obstrutivos e infecciosos (como infecções por Salmonella tiphy, citomegalovírus, tuberculose intestinal etc). Inicialmente o problema advém do extravasamento de secreção contida no trato gastrintestinal para a cavidade peritoneal, o que traduz inflamação peritoneal de natureza química. Posteriormente ocorre invasão bacteriana secundaria e progressivo processo infeccioso, com repercussões locais e sistêmicas. As bactérias comumente encontradas são: Pseudomonas aeruginosa, Klebisiella sp, E. coli. No ESTÔMAGO e DUODENO → as úlceras agudas e crônicas são as etiologias mais comum. A perfuração nestes casos geralmente está associada a ingestão de álcool, corticoides e AINES. Outras causas importantes são neoplasias e corpos estranhos. No INTESTINO DELGADO → as perfurações proximais geram peritonite química inicialmente, já que há extravasamento de enzimas ativas, e as perfurações mais distais são acompanhadas de peritonite bacteriana. As principais causas são: abdome agudo obstrutivo com necrose intestinal, infarto intestinal, infecções, divertículo de Merkel, doença inflamatória intestinal e corpo estranho. No INTESTINO GROSSO → a peritonite é bacteriana desde o início. Além disso, a perfuração no cólon direito é mais grave que do esquerdo, devido à alta virulência dos germes e pela consistência líquida das fezes. Nas obstruções mecânicas pode ocorrer o fenômeno de alça fechada, quando a válvula ileocecal é competente (em 80% dos casos), ou seja, não permite refluxo do conteúdo cecal para o íleo, gerando distensão progressiva do ceco até sua perfuração. As principais causas são: progressão da diverticulite ou apendicite, neoplasias, obstrução intestinal em alça fechada, volvos de ceco e sigmoide, doença inflamatória intestinal, megacólon tóxico, isquemia e necrose, corpo estranho, Síndrome de Ogilvie. As perfurações podem ocorrer em peritônio livre com extravasamento do liquido e difusão por toda a cavidade, florindo o quadro clinico típico, ou então pode se apresentar com dor e sinais localizados, representando a forma bloqueada, havendo um retardo no diagnóstico. QUADRO CLÍNICO Depende do local e tempo de perfuração, tipo de secreção extravasada e condições clínicas prévias. De um modo geral, temos: Intervalo curto entre o início da dor e a chegada a emergência Dor súbita, de forte intensidade, com difusão rápida para todo o abdome Dor indolente pode ocorrer nos casos de abcesso e fístula Sinais de sepse, hipotensão ou choque são comuns Desconforto respiratório: o acumulo de gás pode comprometer a musculatura diafragmática A dor pode ser lombar, nos casos de perfurações retroperitoneais, ou irradiarem para os ombros nos casos de perfuração em abdome superior que irritam o diafragma. 23 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP No exame físico averiguamos: Sinais de peritonite Pode ser focal nos casos de perfuração contida “Abdome em tábua”: devido contratura involuntária generalizada da parede abdominal por peritonite difusa Distensão abdominal Ausência de macicez hepática: Sinal de Jobert Ausência de ruídos hidroaéreos DIAGNÓSTICO Se baseia na história clínica minuciosa, exame físico criterioso e exame de imagem. Exames laboratoriais são inespecíficos. Diagnóstico por imagem A característica principal é a presença de ar e/ou líquido na cavidade peritoneal, retroperitônio ou na parede dos órgãos. Em 75-80% dos casos há pneumoperitônio Em 20-25% não achamos o pneumoperitônio devido ao bloqueio no local da perfuração (com o epíplon, por exemplo) ou a ausência de gás no segmento perfurado. A radiografia simples é o exame inicial de escolha. O quadrante superior direito é onde mais frequentemente vemos ar livre – deve ser avaliado cuidadosamente. Sensibilidade varia entre 50-70% - pode ser elevada se o paciente permanecer na posição da incidênciapor 10-20 minutos. A tomografia computadorizada é um método excelente, com sensibilidade e especificidade elevada. Tem como características: Sensibilidade superior a radiografia simples Localização precisa e distribuição do gás – utiliza-se a “janela pulmonar” Visualização de abcessos, sinais sugestivos de obstrução ou de isquemia A videolaparoscopia pode ser útil principalmente nos pacientes em unidade intensiva onde não há os parâmetros dos sinais e sintomas clínicos. TRATAMENTO A abordagem inicial consiste em medidas de suporte, com monitorização e manejo inicial dos casos de hipotensão e choque. A antibioticoterapia de amplo espectro pode ser feita antes do tratamento definitivo ou no intraoperatório, podendo manter-se posteriormente. O tratamento é cirúrgico e objetiva a sutura da perfuração, com ou sem epiplonplastia nos casos de úlcera péptica perfurada, ou a ressecção da área comprometida, podendo fazer ressecção com anastomose primária ou com ostomia (na impossibilidade de se realizar a anastomose: imunossupressão, desnutrição, infecção). 24 MARC 11 – Heloísa Paraíso 6ºP REFERÊNCIAS Sanarflix Medcel Tratado de Gastroenterologia
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