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1 Sumário Computação em saúde .......................................... 3 Temas emergentes em informática em saúde .. 10 Informática e sua aplicação em saúde ............... 11 Conceitos atuais ................................................. 13 Breve histórico: cenário brasileiro ..................... 15 Epistemologia da informática em saúde ............ 22 Domínios e competências em informática em saúde .................................................................. 24 Produção científica: congressos e conferências 27 Referências ......................................................... 31 Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 3 Computação em saúde Mesmo antes da forte presença das ciências da computação, a saúde sempre foi fortemente baseada na organização da informação. Porém, utilizar dados para nortear ações e políticas públicas na área de saúde não era uma prática corrente até o século XIX. Em uma época em que a coleta e análise de estatísticas sociais eram incomuns, a estatística e reformadora social britânica Florence Nightingale (1820-1910) aprendeu, durante a Guerra da Crimeia (1854-56), que melhorar as condições sanitárias em hospitais militares poderia diminuir a taxa de mortalidade e salvar milhares de vidas. Ela utilizou registros e análise de dados confiáveis sobre a incidência de óbitos evitáveis nos militares de forma a construir argumentos convincentes para a realização de reformas na área de Saúde (Cohen, 1984). Breve Histórico Florence Nightingale ficou conhecida por ser a pioneira no tratamento de feridos de guerra durante a Guerra da Crimeia. Ganhou o apelido de “a dama da lamparina” devido ao fato de servir-se desse instrumento para ajudar na iluminação ao auxiliar os feridos durante a noite. Nightingale lançou as bases da enfermagem profissional com a criação em 1860 de sua Escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas, em Londres, a primeira escola secular de enfermagem do mundo, agora parte do King’s College. Foi pioneira na utilização do modelo biomédico na enfermagem baseando-se na medicina praticada pelos médicos. No entanto, durante a guerra Nightingale se angustiou por suas experiências com os feridos e começou a analisar as taxas e as causas. Começou a utilizar métodos de representação visual de informações, como o gráfico setorial (tipo pizza) criado inicialmente por William Playfair. O gráfico que ela construiu mostrou que a maioria dos soldados britânicos morreu por motivo de doença em vez de por feridas ou por outras causas. Também mostrou que a taxa de mortalidade foi maior no primeiro ano da guerra e, perante a Comissão Sanitária, conseguiu melhorar a higiene nos acampamentos e hospitais. Nightingale percebeu que as estatísticas padronizadas levariam a melhorias na prática médica e cirúrgica. Sua proposta foi a de adquirir um registro padronizado de dados. Nightingale também pediu a adoção de classificação de doenças de William Farr para a tabulação de morbidade hospitalar. https://pt.wikipedia.org/wiki/Florence_Nightingale http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_da_Crimeia https://pt.wikipedia.org/wiki/Modelo_biom%C3%A9dico http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=William_Playfair&action=edit&redlink=1 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nightingale-mortality.jpg Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 4 A evolução do registro e análise de dados em saúde ocorreu a partir do desenvolvimento dos computadores nos séculos XIX e XX. A primeira aplicação prática da computação relevante para a área da saúde foi o desenvolvimento de um sistema de processamento de dados codificados em cartões perfurados, um sistema essencialmente mecânico, criado por Herman Hollerith em 1890. Inicialmente utilizado para a realização do censo dos Estados Unidos (EUA) daquele ano, o sistema foi logo a seguir adotado para processar dados de questionários nas áreas de epidemiologia e saúde pública (Shortliffe e Blois, 2001). A técnica dos cartões perfurados foi amadurecida e amplamente utilizada nas décadas de 1920 e 1930. Ao final da década de 1940 os cartões perfurados também começaram a ser utilizados como técnicas de armazenamento de sequências de instruções, que são essencialmente programas de computador. A grande revolução das máquinas de computar ocorreu em 1945 quando foi colocado em funcionamento o primeiro computador digital eletrônico programável de uso geral, construído durante a Segunda Guerra Mundial pelos Estados Unidos, o Electronic Numerical Integrator And Computer (ENIAC). Este fato iniciou a era dos computadores eletrônicos. Os avanços teóricos, práticos e tecnológicos ocorridos na computação eletrônica na década de 1950 nos EUA levaram à disseminação do uso de computadores eletrônicos na medicina e em projetos odontológicos promovidos por Robert Ledley no Escritório Nacional de Padrões (National Bureau of Standards). Nesta mesma época outras iniciativas foram promovidas pela Força Aérea Americana que desenvolveu projetos médicos nos seus computadores enquanto incentivava agências civis como a Academia Nacional de Ciências (National Academy of Sciences) e os Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health) a dar suporte a esse trabalho. Imagem: Electronic Numerical Integrator And Computer (ENIAC) https://pt.wikipedia.org/wiki/Cart%C3%A3o_perfurado https://pt.wikipedia.org/wiki/Cart%C3%A3o_perfurado http://www.computerhistory.org/revolution/birth-of-the-computer/4/78 http://www.computerhistory.org/revolution/birth-of-the-computer/4/78 https://en.wikipedia.org/wiki/National_Institute_of_Standards_and_Technology https://en.wikipedia.org/wiki/National_Institute_of_Standards_and_Technology http://www.nasonline.org/ http://www.nasonline.org/ http://www.nasonline.org/ https://www.nih.gov/ https://www.nih.gov/ https://www.computerhistory.org/revolution/birth-of-the-computer/4/78 Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 5 O marco das iniciativas acadêmicas sobre o uso de computadores em saúde ocorreu com a publicação do artigo “Fundamentos Racionais do Diagnóstico Médico” publicado originalmente em 1959 (Ledley e Lusted, 1991), que foi amplamente divulgado pela Science Magazine. Este estudo mostrava a incorporação do computador especialmente no que tangia às atividades de pesquisa, introduzindo técnicas do trabalho com computador para profissionais médicos. Este artigo continuou influente por décadas, contribuindo especialmente no campo de tomadas de decisões médicas. Guiado pelas pesquisas de Ledley no final dos anos 1950, o uso do computador na biologia e na medicina foi efetivado principalmente pela Academia Nacional de Ciências e pelo Conselho Nacional de Pesquisa dos EUA, que fizeram o primeiro grande esforço para que isso acontecesse. Um dos usos de computadores constava da quantificação de movimentos humanos, algo cientificamente precursor para medir desvios do considerado padrão no desenho de próteses. Segundo Shortliffe e Blois (2001), nessa época as possibilidades de uso dos computadores também constavam de sistemas para auxiliar os médicos na decisão clínica. Durante a metade dos anos 1960, patrocinados em grande parte pelos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Health) dos EUA, investiu-se no desenvolvimento de sistemas especialistas (expert systems), como o MYCIN e o INTERNIST-I. O MYCIN foi concebido como um sistema especialista baseado em inteligência artificial para identificar infecções severas causadas por bactérias e para recomendar o uso de antibióticos com dosagem ajustada para o peso corporal do paciente. O próprio nome do programa deriva dos antibióticos que possuem o sufixo “-mycin”. O INTERNIST-I foi desenvolvido pela Universidade de Pittsburgh. Era um sistema empregado para realizar diagnósticos em situações extremamente desafiadoras, com uma precisãoequivalente e, por vezes, superior à de médicos experientes. Em 1965 a Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA, maior biblioteca em medicina do mundo, passou a desenvolver o MEDLINE e o MEDLARS. O MEDLINE é um banco de dados bibliográficos de ciências naturais e informação biomédica que contempla informações bibliográficas de artigos e jornais acadêmicos, os quais discorrem sobre assuntos ligados à medicina, enfermagem, farmácia, odontologia, veterinária e ao cuidado em saúde. O MEDLARS é um sistema de análise e recuperação da literatura médica; é a versão computadorizada desse sistema. https://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_especialista https://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_especialista https://www.britannica.com/technology/ENIAC https://en.wikipedia.org/wiki/Internist-I https://www.britannica.com/technology/MYCIN http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJM198208193070803 http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJM198208193070803 https://www.nlm.nih.gov/ https://www.nlm.nih.gov/ https://www.medline.com/ https://www.medline.com/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 6 Nesse mesmo período, apesar da tendência dos sistemas voltados para o apoio à decisão médica, alguns pesquisadores começaram a se preocupar com a computação para a informação hospitalar como um todo, o que viria a ser identificado como hospital information system (HIS) (Shortliffe e Blois, 2001). Uma das iniciativas para o desenvolvimento de um HIS ocorreu no Massachusetts General Hospital (MGM) em Boston, EUA. Os pesquisadores Neil Pappalardo, Curtis Marble e Robert Greene desenvolveram a linguagem de programação Multi- User Multi-Programming System (MUMPS) ou sistema multiprogramável multiusuário no Laboratório de Ciência Computacional do MGM, um centro de computação biomédica que recebeu o importante apoio dos Institutos Nacionais de Saúde para uso no ciclo de admissões e em relatórios de exames de laboratório. Durante os anos 1970 e 1980 o MUMPS foi a linguagem de programação mais utilizada para aplicações médicas. A partir de 2004 um descendente desse sistema vem sendo usado no sistema de hospitais dos veteranos de guerra dos EUA. O departamento que cuida de assuntos de veteranos de guerra nos EUA (U.S. Department of Veterans Affairs – VA) possui um renomado sistema de informática em saúde, que inclui o prontuário eletrônico médico conhecido como Veterans Health Information Systems and Technology Architecture (VistA) (Arquitetura Tecnológica do Sistema de Informação em Saúde dos Veteranos). Nos EUA o primeiro projeto de informatização hospitalar, denominado Hospital Computer Project, foi realizado em 1962 a partir de um contrato firmado entre o Massachusetts General Hospital (MGH) e uma empresa de Cambridge denominada Bolt Beranek and Newman (BBN Technologies), tendo sido financiado pelo National Institutes of Health e também pelo American Hospital. Em função desse projeto, diversos aplicativos começaram a ser desenvolvidos no MGH por Octo Barnett – um dos profissionais que mais contribuições fez para a área de informática em saúde – e seus associados. Dentre essas contribuições destacam-se programas de admissão e alta, relatórios de laboratórios e resumos de prescrições. Também durante os anos 1960 Morris Collen, médico que trabalhava para a divisão de pesquisa do grupo médico americano Kaiser Permanente, desenvolveu um sistema computadorizado para automatizar aspectos dos check-ups na área da saúde. Esse sistema se tornou o alicerce para a grande base de dados médicos que a Kaiser Permanente desenvolveu durante os anos 1970 e 1980. https://en.wikipedia.org/wiki/Hospital_information_system https://en.wikipedia.org/wiki/Hospital_information_system https://en.wikipedia.org/wiki/Hospital_information_system https://pt.wikipedia.org/wiki/MUMPS https://pt.wikipedia.org/wiki/Prontu%C3%A1rio_Eletr%C3%B4nico https://pt.wikipedia.org/wiki/Prontu%C3%A1rio_Eletr%C3%B4nico https://healthy.kaiserpermanente.org/ https://healthy.kaiserpermanente.org/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 7 Durante a década de 1970 um número crescente de empresas começou a comercializar sistemas de prontuário eletrônico e práticas de gerenciamento. Embora existissem oferta desses produtos naquela época, apenas uma pequena parcela de profissionais da área de saúde utilizava o sistema de prontuário eletrônico. Na mesma década, projetos similares começaram a ser desenvolvidos em outros hospitais americanos: Latter Day Saints Hospital (LDS) em Salt Lake City, Kaiser Permanente, Universidade de Stanford etc. Na Europa, os precursores da área foram Wagner em Heidelberg e Reichertz em Hannover (Alemanha); François Grémy em Paris (França); J. Anderson em Londres (Inglaterra); e Peterson em Estocolmo (Suécia). O professor Peter Reichertz foi um dos primeiros a escrever na década de 1970 sobre a importância da informática médica tanto na pesquisa quanto na melhora do currículo médico. Com o surgimento do microcomputador na década de 1970, a informática sofreu um notável processo de democratização e de popularização. Surgiram também as linguagens de alto nível – bastante próximas da linguagem coloquial que, associadas a poderosos sistemas operacionais, provocaram mudança radical no perfil dos usuários de computador. O acesso às máquinas menores e de menor custo e programas cada vez mais fáceis de usar contribuíram para a grande explosão de mercado da indústria da computação. O impacto dessa nova tecnologia na prática da medicina foi surpreendente. As técnicas não invasivas de produção de imagem, como a ultrassonografia, a medicina nuclear, a tomografia e a ressonância magnética, alteraram sensivelmente o processo de diagnóstico médico. Novos equipamentos de monitorização de pacientes, como videolaparoscopia e analisadores automáticos de eletrocardiogramas, fluxos sanguíneos e gasosos, globais e regionais, passaram a oferecer informações vitais que auxiliam o médico no tratamento eficaz do paciente e apoio à pesquisa. Na prática médica a informática que era utilizada basicamente para a coleta, registro e na análise de dados passou a suportar a geração do conhecimento a partir da análise desses dados. A abrangência do uso de computadores englobou todas as áreas da medicina, em nível microscópico e macroscópico, da assistência individual à saúde coletiva. Esses sistemas de informação utilizados em saúde podem monitorar o processo de assistência e aumentar a qualidade do serviço oferecido ao paciente por auxiliar no diagnóstico ou na prescrição da terapia, por permitir a inclusão de lembretes clínicos para o acompanhamento da assistência, https://pt.wikipedia.org/wiki/Prontu%C3%A1rio_Eletr%C3%B4nico Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 8 de avisos sobre interações de drogas, de alertas sobre tratamentos duvidosos e desvios dos protocolos clínicos. Em resumo, o uso de computadores em saúde nos anos 1970 foi baseado no desenvolvimento de sistemas de informação clínica em larga escala, como os sistemas de informação hospitalar e os sistemas eletrônicos de registro médico. Esses produtos começaram a aparecer em instituições acadêmicas pioneiras, seguidas posteriormente por produtos comerciais com capacidades limitadas. Os anos 1980 foram marcados pela massificação e ampliação do uso de computadores em saúde. Novos conceitos e aplicações surgiram, assim como a urgência no delineamento dos computadores em saúde como uma área de conhecimento. Além disso, técnicas de aprendizagem de máquinas, mineração de dados e métodos automatizados de descoberta passaram a ser utilizados em biomedicina. Outro importante acontecimento foi a fundação e ampliação de associações para a organização de membros profissionais como a International Medical Informatics Association (IMIA) em 1987 e da American Medical Informatics Association (AMIA) em 1988. Os anos 1990 forammarcados pelo desenvolvimento de extensas aplicações baseadas em rede, como sistemas de informações clínicas cliente-servidor que possibilitaram a adoção generalizada de aplicações clínicas baseadas em microcomputadores por hospitais e clínicas de médio a grande porte (por exemplo, exibição de dados laboratoriais, exibição de documentos textuais, troca de dados do tipo imagens radiológicas e outros). Com o advento da World Wide Web mundial em 1991, novas aplicações e conceitos foram desenvolvidos para apoio na saúde, como a telemedicina e a telessaúde. Conceitualmente, a área de telemedicina faz uso de recursos tecnológicos para desenvolver ações de saúde à distância. Nesta década, 1990, os computadores pessoais conectados à internet se tornaram um meio poderoso para o desenvolvimento da telemedicina. A área de telemedicina tem uma influência nessa perspectiva histórica, principalmente a partir dos anos 1990. Antes dessa época, a saúde sempre tentou utilizar os avanços tecnológicos das comunicações para fomentar uma ação de saúde à distância por meio de cartas, telegrafia, radiofonia, telefonia, circuitos de TV e enlaces de satélite, mas sempre caracterizados por um serviço ponto a ponto. Um dos principais propulsores foi a monitorização remota dos http://imia-medinfo.org/wp/ http://imia-medinfo.org/wp/ http://imia-medinfo.org/wp/ https://www.amia.org/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 9 astronautas e cosmonautas nos anos 1960 e 1970. No entanto, nos anos 1990, com o aparecimento dos computadores pessoais e da internet comercial, os PCs se tornaram um meio poderoso para o desenvolvimento da telemedicina. Essa convergência entre o computador e um meio de comunicação digital padronizado permitiu um modelo de serviço de muitos para muitos, tanto no alcance como na modalidade de mídias, sempre utilizando o mesmo meio mediado por computador. É impossível pensar em interoperabilidade de sistemas sem pensar em normas para a informática em saúde que a viabilizem. Entre essas normas se encontram os modelos de representação da informação de saúde, os mecanismos para troca de mensagens e objetos, as terminologias e serviços associados, e os critérios para garantir segurança e privacidade da informação. Os anos 2000 foram marcados pela ampliação da utilização de computadores para análise de dados na área de ciências biológicas, o que define, de forma superficial, a bioinformática (Luscombe et al., 2001). Os dados gerados constam de sequências de DNA, RNA e proteínas; genomas e interações biomoleculares, por exemplo. Iniciativas como o GenBank consistem em armazenar e compartilhar esses dados para pesquisa. Notadamente, a área de saúde tem sido beneficiada com esses estudos, o que pode propiciar a possibilidade de tratamentos mais específicos, por exemplo. Devido à amplitude das aplicações que utilizam a internet como plataforma, nos anos 2000 um novo conceito emergiu: e-saúde. Em todo o mundo, países vêm investindo sistematicamente em infraestrutura, sistemas, serviços, recursos humanos e em modelos de organização para tornar a e-saúde parte do cotidiano da saúde. Esse é o caso dos EUA, da Austrália, do Canadá e do Reino Unido, entre outros. Adicionalmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) evidencia a necessidade de esforços nacionais em resoluções recentes, que encorajam os países também a adotarem arquiteturas, padrões e mecanismos de interoperabilidade entre sistemas para a saúde. A OMS e a International Telecommunication Union (ITU) oferecem ferramentas para auxiliar países a desenvolverem suas estratégias para o uso de informática em saúde ou, simplesmente, e- saúde. A OMS tem se referido ao termo e-saúde (e-health) da mesma forma que outras áreas de conhecimento reconhecem nas TIC uma transformação cultural e econômica, a chamada https://ghr.nlm.nih.gov/primer/basics/dna https://www.genome.gov/genetics-glossary/RNA-Ribonucleic-Acid https://www.ncbi.nlm.nih.gov/genbank/ https://www.ncbi.nlm.nih.gov/genbank/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 10 economia do conhecimento, e atribui à e-saúde ou saúde eletrônica um papel relevante para uma forma de consumo de saúde e bem-estar. Na década de 2000, tanto a informática em saúde quanto a telemedicina foram reconhecidas pela OMS na forma de tecnologias de comunicação e informação (TIC) em saúde, essenciais para a solução do problema de acesso à saúde de qualidade e à educação para a saúde. Em 2019, com o início da elaboração da Estratégia Global de Saúde Digital (Global Strategy on Digital Health), pela OMS, a fim de potencializar a colaboração e informações de conhecimentos entre países, empresas, centros de pesquisas, organizações de saúde e cidadãos. Esta estratégia teve como objetivo unificar os conceitos de aplicação das TICs em saúde, com a inclusão da telemedicina, telessaúde, e-saúde e saúde móvel, sob o termo saúde digital, caracterizada como a área de conhecimento e prática da utilização da tecnologia que disponibiliza informações confiáveis sobre saúde. Temas emergentes em informática em saúde Apesar da variedade de temas abordados em informática em saúde, é possível destacar alguns assuntos emergentes que apresentam seu cenário atual: ● Governança da saúde digital: é uma estrutura com competência para organizar as ações, estruturas e capacitação de recursos humanos; bem como, providenciar recursos materiais, promover e garantir aderência aos aspectos éticos e legais, delegar poderes, cobrar resultados, identificar, coordenar e monitorar o progresso das atividades fundamentais na produção e disponibilização de informações confiáveis sobre o estado de saúde para quem precisa, no momento que precisa (Zara et al., 2021). ● Literacia/letramento digital: compreendida como “alfabetização digital”. Refere-se não apenas ao conhecimento sobre os recursos digitais disponíveis, mas também à capacidade de utilizar as ferramentas tecnológicas de modo eficaz, resolver problemas ou atingir objetivos (Martins, 2021). https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/344249/9789240020924-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/344249/9789240020924-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 11 ● Inteligência artificial (IA): utilizada em aplicativos e componentes do dia a dia desde o final dos anos 2000, quando a capacidade computacional das máquinas possibilitou o processamento numeroso de dados e a execução de inferências, dedução e indução, mais rapidamente. Com isto, processamento de imagens, sons e textos podem ser realizados em tempo real. Uma das técnicas mais utilizadas nestas aplicações é denominada deep learning, que consegue processar muitas camadas de dados e inferir quantidades de classes com alta acurácia e precisão. ● Interoperabilidade: refere à capacidade de diversos sistemas e organizações em acessar, trocar, integrar e usar dados de maneira coordenada por meio do uso de interfaces e padrões de aplicativos compartilhados, dentro e fora das fronteiras organizacionais, regionais e nacionais, para fornecer portabilidade de informações oportuna e perfeita e otimizar os resultados em saúde (OPAS, 2021). Informática e sua aplicação em saúde O termo “informática” foi criado em 1962 por Philippe Dreyfus por meio da fusão de dois outros termos, “informação” e “automático”, para representar a tradição milenar do automatismo (regulação e controle focados pela cibernética) sobre a informação, mas considerando o autómato programável para calcular e processar a informação. Imagem: Informação e Automático (Philippe Dreyfus) https://ismvsectioninfo.wordpress.com/2018/09/17/ah-oui-lorigine-du-mot-informatique/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 12 A informática acabou por representar muito mais para o desenvolvimentoda automação que todos os domínios que a precederam. Assim, nas sociedades contemporâneas entende-se que não é possível discutir “informação” de forma desarticulada do debate das tecnologias que lhe dão suporte, mais precisamente a informática. Cada uma delas conserva a sua especificidade epistêmica e funcional, constituindo as faces de um único movimento. Na literatura, no entanto, não há um consenso sobre a definição de informática. Apesar disso, a maioria das definições considera dados, informação e conhecimento como objetos centrais de estudo da informática. Bernstam et al. (2010) definiram a informática como sendo a ciência da informação, na qual informação é definida como dado com significado. O ponto central da informática, nesse caso, é o intervalo entre a necessidade de informação do profissional e a capacidade da tecnologia em fornecê-la/recuperá-la. Vale ressaltar que os seres humanos são excelentes em construir e processar significados enquanto os computadores e máquinas são excelentes em processar dados. No que diz respeito à área da informática aplicada à saúde, diferentes terminologias foram utilizadas para referir os estudos realizados. Nos anos 1950 os termos utilizados eram de computação clínica ou médica ou ciência da computação médica. Nos anos 1960 um termo muito comum era computação biomédica, uma mudança que pode indicar uma ampliação do domínio da área. Nos anos 1970 passou-se a discutir a indicação de termos que descrevem melhor o domínio dessa área. Nas décadas seguintes, porém, novas aplicações e usos da informática tornaram necessárias novos termos e definições como informática médica, informática biomédica, bioinformática, informática em saúde, e-saúde (e-health) ou apenas informática (em inglês, informatics), que é o termo utilizado pela AMIA. Shortliffe e Blois (2001) descrevem que a relação entre os termos informática médica e informática biomédica não está clara. Entretanto, o termo informática médica foi gradualmente substituído por informática biomédica em função da inclusão de aplicações biológicas com as quais os grupos de informática médica estavam envolvidos. Trata-se, portanto, da evolução de um termo que possibilita descrever a atuação da área de forma mais ampla. https://www.amia.org/why-informatics Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 13 Desta forma, a evolução dos conceitos mostra que a informática aplicada à saúde é uma área de conhecimento em evolução, cujo foco tem sido ampliado em virtude da necessidade e de novas aplicações relacionadas. Conceitos atuais Devido à evolução dos termos e à ampliação do escopo de atuação da área, novos conceitos têm sido propostos. A seguir são apresentadas diferentes definições referentes aos conceitos utilizados internacionalmente, essencialmente informática biomédica, informática médica e e- saúde. A definição de informática em saúde, termo mais utilizado no Brasil, será tratada na seção referente à epistemologia da informática em saúde. Shortliffe e Blois (2006) definiram a informática biomédica como ...campo científico que lida com informações biomédicas, dados e conhecimento - seu armazenamento, recuperação e uso ótimo para resolução de problemas e tomada de decisão. Uma nova definição, moldada pela necessidade de adequação às disciplinas da área, foi proposta em 2012: A informática biomédica é o campo interdisciplinar que estuda e busca os usos efetivos de dados, informações e conhecimento biomédico para pesquisas científicas, resolução de problemas e tomada de decisões, direcionados pelos esforços para melhorar a saúde humana. Em relação ao conceito de informática médica, Greenes e Shortliffe (1990) propuseram uma definição baseada em tarefa e domínio da área: O campo que se ocupa das tarefas cognitivas, de processamento de informação e de comunicação da prática médica, educação e pesquisa, incluindo a ciência da informação e a tecnologia para apoiar essas tarefas. Bernstam utiliza a definição de Musen e Van Bemmel (1999): ...desenvolver e avaliar métodos e sistemas para aquisição, processamento e interpretação de dados de pacientes com a ajuda de conhecimento obtido na pesquisa científica. Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 14 Kulikowski et al. (2012) propuseram uma definição que especifica com exatidão o escopo do conceito: ... refere-se apenas ao componente de pesquisa e prática em informática clínica que se concentra em doenças e envolve predominantemente o papel de médicos. Observa-se que o conceito de informática médica evoluiu nas últimas três décadas. Um dos aspectos importantes é que se tornou parte de outro campo de pesquisa, com amplo domínio tecnológico, restrito ao estudo de doenças e envolvendo predominantemente médicos. Atualmente devido à ampla utilização das TIC o conceito de e-saúde (e-health) tem sido utilizado amplamente para descrever aplicações e pesquisas. Eysenbach (2001) definiu: ...é um campo emergente na interseção de informática médica, saúde pública e negócios, referente a serviços de saúde e informações entregues ou aprimoradas através da Internet e tecnologias relacionadas. Moghaddasi (2012), porém, ressalta que o conceito de e-saúde pode ter diferentes significados em diferentes países e a variação semântica está relacionada ao nível de desenvolvimento e implementação. O conceito de e-saúde está diretamente vinculado à tecnologia. Representa o uso combinado de informática e de tecnologias da comunicação eletrônica em saúde, ampliando sua definição em decorrência do avanço tecnológico. Com a Estratégia Global de Saúde Digital, o conceito de saúde digital passou a englobar o conceito de e-saúde, apresentando um domínio mais amplo que este. O conceito de saúde digital abrange não somente o uso das tecnologias de informação e comunicação na área da saúde, mas também processos de governança, infraestrutura, investimentos, serviços e recursos humanos com o apoio das estruturas das TICs. No Brasil, a definição adotada pelo Ministério da Saúde mostra o foco da saúde digital na solução de problemas e no uso da infraestrutura tecnológica disponível. Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 15 … compreende o uso de recursos de TIC para produzir e disponibilizar informações confiáveis sobre o estado de saúde para os cidadãos, profissionais de saúde e gestores públicos. (Brasil, 2019) Além de reduzir a fragmentação das aplicações da tecnologia em saúde, a saúde digital amplia o seu entendimento, buscando uma mudança da gestão de instituições de saúde para a gestão da saúde de populações e de que forma isso impacta indivíduos e populações. A saúde digital compreende o uso avançado de recursos de TIC para produzir e disponibilizar informações confiáveis sobre o estado de saúde para quem precisa, no momento em que precisa. Incorpora os recentes avanços na tecnologia como conceitos e aplicações de redes sociais, uso de dispositivos pessoais, big data, internet das coisas (IoT - internet of things), blockchain, chatbots, realidade virtual, impressão 3D e 4D, IA, entre outros (OMS, 2021). Um histórico dos termos utilizados na área e subáreas geralmente mencionadas em eventos brasileiros são apresentados na tese de livre-docência do Prof. Ivan Pisa (Pisa, 2013, capítulo 2 - seção 2.1, pág. 12) a partir de um estudo epistemológico aliado a uma análise estatística de publicações do Pubmed e de pesquisa de opinião com profissionais e pesquisadores experientes na área. Um estudo comparativo (Colepícolo, 2008), realizado no grupo brasileiro de pesquisa Saúde 360º, entre aspectos teóricos e práticos considerando como etapas os estudos estatístico, terminológico e epistemológico, expõe que a área da informática em saúde é uma tecnociência interdisciplinar que se ocupa da solução de problemas de um amploleque de domínios e fatos das ciências da vida, das ciências da saúde e da prática do cuidado em saúde, por meio da pesquisa científica proveniente de outras áreas do conhecimento e do desenvolvimento de suas próprias tecnologias para uso na sociedade. Breve histórico: cenário brasileiro As primeiras aplicações de informática em medicina e no tratamento de saúde no Brasil começaram por volta de 1968 com a instalação dos primeiros computadores de grande porte (mainframes) nos hospitais e universidades públicas e com o uso de calculadoras programáveis http://saude360.com.br/ http://saude360.com.br/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 16 em aplicações de pesquisas científicas. Minicomputadores, como o IBM1130, foram instalados em diversas universidades e as primeiras aplicações foram desenvolvidas a partir deles, como o censo hospitalar na Escola de Medicina de Ribeirão Preto e os arquivos principais dos pacientes (patient master files) no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, respectivamente nas cidades de Ribeirão Preto e São Paulo. Foto: IBM 1130 Daniel Sigulem, professor titular em informática em saúde na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e um dos pioneiros no Brasil, em sua tese de livre-docência afirma que, no Brasil, a situação dessa especialidade era bastante diversa do que ocorria na quase totalidade dos países do hemisfério norte e da Europa onde a informática médica implicava hardware e software avançados e abundância de recursos para o desenvolvimento e a manutenção de sistemas que utilizavam tecnologia de ponta. Apesar das restrições impostas inicialmente pelo estabelecimento de uma comissão para a Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico (CAPRE) em 1972 e, depois, pela Lei Nacional de Informática institucionalizada em novembro de 1984, a área de informática aplicada à saúde foi estudada, acompanhada e desenvolvida por grupos isolados em todo o país. Destacam-se, entre outras, as iniciativas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), da Universidade de São Paulo (USP), da Escola Paulista de Medicina (EPM) e do próprio Governo Federal. Durante os anos 1970 vários minicomputadores foram instalados nos hospitais públicos e nos hospitais das forças armadas, sendo utilizados mais intensamente nas unidades de tratamento http://ibm1130.org/ http://www.fmrp.usp.br/?lang=en http://www.fmrp.usp.br/?lang=en http://hcnet.usp.br/ https://pt.wikipedia.org/wiki/IBM_1130 Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 17 intensivo, no diagnóstico cardiológico bem como no monitoramento do paciente e em outras aplicações. Com a chegada dos microcomputadores mais baratos no começo dos anos 1980 ocorreu um intenso surgimento de aplicações em saúde para computadores. Em 1986 a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS) foi fundada. O I Congresso Brasileiro de Informática em Saúde (CBIS) ocorreu e o Jornal de Informática em Saúde brasileiro foi publicado. No Brasil tivemos duas universidades pioneiras no ensino e na pesquisa de informática médica. Tanto a USP quanto a EPM ofereciam programas de graduação altamente qualificados na área, assim como programas de extensão de graduação (mestrado e doutorado). Sigulem descreve em 1997 um pouco da história do início da informática em saúde na Unifesp: Na Escola Paulista de Medicina, hoje Universidade Federal de São Paulo, a informática começou a ser implantada em 1976 graças à visão, em nossa opinião revolucionária na época, de um de seus médicos, o Prof. Dr. Sílvio Borges. Ciente das necessidades de coleta padronizada da informação e de seu adequado armazenamento, esse professor criou o Serviço de Informática, que mais tarde se transformou no Centro de Processamento de Dados (CPD) da Escola Paulista de Medicina. Diversos protocolos de coleta sistematizada de informações foram idealizados pelo Prof. Silvio e são referidos até hoje por sua engenhosidade e adequação, e por revelarem uma visão de futuro extremamente precisa. No entanto, muito pouco foi implementado. O professor vivia em uma época muito além da sua – não havia nem máquinas, nem aplicativos, nem recursos humanos adequados para permitir que suas ideias fossem colocadas em prática. O CPD da EPM, hoje Departamento de Processamento de Dados (sic), tem como tarefas o gerenciamento das informações administrativas da instituição e também o das informações do seu Hospital Universitário – o Hospital São Paulo (HSP). A informática em saúde começou a ser concebida, em 1985, na pequena sala de informática instalada na Disciplina de Nefrologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina, criada devido à sensibilidade, ao incentivo e ao apoio da chefia dessa disciplina. Começamos com vantagens em relação a diversos precursores da informática médica do mundo, já na era da microinformática. Acreditávamos firmemente que a informática médica ocuparia um lugar cada vez mais importante dentro das instituições de saúde. Tínhamos um sonho viável, porém ambicioso, e para concretizá-lo necessitávamos conhecer os fundamentos teóricos da área e acompanhar o que estava sendo desenvolvido em centros de excelência. A primeira oportunidade de conhecer o estado da arte ocorreu em 1986 quando a Organização Pan- americana de Saúde (OPAS) patrocinou uma viagem de estudos de um grupo de jovens administradores da América Latina. Durante 15 dias de intensa convivência e de discussões, participamos do Fifth Congress on Medical Informatics, do Tenth Annual Symposium on Computer Applications in Medical Care (SCAMC) e do workshop International Collaboration on the Application of Medical Informatics em Washington. Nessa visita conhecemos alguns institutos de pesquisa em informática em saúde como a National Library of Medicine (NLM), sediada no National Institutes of Health. Essa visita causou um grande impacto em todo o grupo devido a sua incrível infraestrutura de informática composta, nessa ocasião por 2.200 microcomputadores e quatro mainframes IBM http://sbis.org.br/ http://sbis.org.br/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 18 3090. A NLM já era informatizada e possuía centenas de microcomputadores à disposição do público. Ainda nessa viagem conhecemos o projeto pioneiro da Lister Hill National Center for Biomedical Communications que desenvolvia a metodologia para gravar o acervo do MEDLINE em CD-ROM. Tivemos ainda durante esse seminário contato com a área da inteligência artificial e nos emocionamos com a frase do Prof. Marvin Minsky referindo-se a uma biblioteca do ano 2020 citada na abertura do SCAMC pelo Prof. Edward A. Feigenbaum: você pode imaginar que no passado havia bibliotecas onde os livros não conversavam uns com os outros?. Participamos de discussões em um ambiente onde a informática médica já estava consolidada há mais de 15 anos e com profissionais experientes na área. Vimos alguns resultados e muitos projetos em desenvolvimento, contudo era difícil absorver as dificuldades não só porque não as conhecíamos, mas, sobretudo, porque experiência não se aprende – adquire-se. Não temos hoje a menor dúvida de que essa viagem nos marcou profundamente e definiu o rumo de nossas pesquisas. Conscientes da imensa distância existente na área entre a situação brasileira e a dos países desenvolvidos, os grupos de pesquisadores mapeados, agregados e estimulados pelo Dr. Reginaldo de Holanda Albuquerque, superintendente da área de ciências da vida do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), começaram a movimentar-se e a mostrar ao país que era preciso preocupar-se com a informática em saúde. Em fevereiro de 1988 a Secretaria Especial de Informática (SEI) do Ministério da Ciência e Tecnologia – por meio da Comissão Especial de Informática em Saúde composta por dezenas de representantesdo setor de saúde do país, dos governos federal, estaduais e municipais, de hospitais, universidades, centros de pesquisa e associações profissionais – apresentou a proposta de Plano Setorial de Informática em Saúde, visando à orientação do uso da informática tanto nos aspectos da aplicação da tecnologia para a solução dos problemas relativos à promoção, prevenção e recuperação da saúde da população quanto nos aspectos de produção de equipamentos, programas e serviços necessários a essa aplicação. Várias necessidades estão evidenciadas nesse documento: a de formar profissionais especializados na área e a de equipar os centros de pesquisa já existentes, bem como a de dar suporte a grupos emergentes, entre outras. Em 1986, com o apoio da então diretoria da EPM e com a predisposição dos órgãos governamentais e de fomento de dar suporte aos centros de pesquisa de informática em saúde, o Centro de Informática em Saúde da Escola Paulista de Medicina (CIS-EPM) deixava de ser um ideal de poucos e passava a ser uma necessidade institucional e um compromisso com a sociedade. Em março de 1988 o CIS-EPM foi oficialmente inaugurado. O CIS foi responsável, em seus primeiros dez anos de existência, pela disseminação da cultura da informática em saúde da Unifesp, bem como pela implantação da infraestrutura física de comunicação da rede de TI da universidade. Nesse período também foi criada a Disciplina de Informática em Saúde para os cursos de graduação da universidade. Além disso, foram investigados e desenvolvidos diversos sistemas e aplicativos orientados ao gerenciamento da informação em saúde e à educação a distância. A partir de 1999 o CIS passou a se chamar Departamento de Informática em Saúde (DIS), integrando os departamentos acadêmicos da Unifesp. Em 2002 o DIS recebeu aprovação da CAPES para os cursos de mestrado e doutorado - a primeira pós-graduação stricto sensu em informática em saúde na América Latina e Caribe.” O Brasil utiliza sistemas de informação de reconhecida qualidade: o sistema bancário, o sistema de votação eletrônica e o sistema de declaração de ajuste de renda por meio da internet são exemplos de sistemas críticos que atendem ambientes complexos. Além disso, é o terceiro mercado em volume de transações eletrônicas, segundo o Relatório Mundial sobre http://www.dis.epm.br/institucional/historia http://www.dis.epm.br/institucional/historia http://www.dis.epm.br/institucional/historia https://www.capgemini.com/br-pt/news/estudo-da-capgemini-revela-que-meios-de-pagamento-digitais-devem-crescer-10-no-mundo/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 19 Pagamentos 2016, publicado pela consultoria Capgemini em parceria com o BNP Paribas. Entretanto, na área da saúde, ainda há muito a ser desenvolvido. No Brasil, considerando que a saúde é um direito universal, a área da informática em saúde é um serviço para a sociedade, para a justiça social e o exercício para garantir atenção integral à saúde com qualidade igualmente distribuída. Informações e informática em saúde produzidas, desenvolvidas, geridas e disseminadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) constituem um bem público e um patrimônio da sociedade brasileira, que são determinados pelo contexto histórico, político, social, econômico e científico em que são gerados e desenvolvidos pelas articulações federativas, pesquisas em torno das condições de saúde-doença-cuidado de indivíduos, de populações e de seus determinantes no mínimo cumprindo a Lei de Acesso à Informação – Lei 12.527/2011 - e a democratização da informação em saúde como direito de todos e como um dos alicerces da cidadania. A história brasileira da informática em saúde, os estudos sobre as experiências de implantação dos sistemas de informações de saúde de base nacional, as diversas iniciativas do Cartão Nacional de Saúde (CNS) desde 1999, os diferentes esforços para uma Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS) são exemplos de algumas referências a serem questionadas e analisadas com o propósito de melhorar a informação, assim como da informática em saúde no Brasil. A análise da construção histórica da informação e da informática em saúde evidencia disputas ao longo desse processo. Observam-se as diferentes concepções de saúde e de política de saúde, o que inclui as opções em torno das tecnologias de informação adotadas e, eventualmente, até a pressão do mercado da computação e das telecomunicações. Nessas disputas a informação em saúde é trabalhada como recurso/instrumento (matéria-prima) que agrega valor a produtos e processos, um insumo fundamental para os processos dos sistemas de saúde, como também a tecnologia da informação tem mudado a forma de se oferecer serviços de saúde. A saúde depende de conhecimento e de tecnologia para ampliar o alcance e a qualidade dos seus serviços. O Brasil tem larga experiência no uso de sistemas de informação em saúde. Esforços significativos têm sido realizados para melhorar e adequar os sistemas de informação às três esferas de governo. São necessários, entretanto, esforços a longo prazo, já que a experiência https://www.capgemini.com/br-pt/news/estudo-da-capgemini-revela-que-meios-de-pagamento-digitais-devem-crescer-10-no-mundo/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 20 internacional aponta que os resultados do investimento começam a surgir, em média, cerca de sete anos depois de iniciados os programas nacionais de e-saúde. Em 1996 foi criada a Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA), instituída por iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Em 2015 a RIPSA foi inativada e em agosto de 2023 em parceria com a OPAS, Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI), Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) foi reativada. A RIPSA apresenta como propósito promover a disponibilidade adequada e oportuna de dados básicos, indicadores e análises sobre as condições de saúde e suas tendências, visando aperfeiçoar a capacidade de formulação, gestão e avaliação de políticas e ações públicas pertinentes. É responsável por articular com as entidades representativas dos segmentos técnicos e científicos nacionais envolvidos na produção, análise e disseminação de dados, viabilizando parcerias capazes de propiciar informações úteis ao conhecimento e à compreensão da realidade brasileira e de suas tendências, a fim de aprimorar as ações no âmbito do SUS. Em 2012, após o Ministério da Saúde redefinir o Comitê de Informação e Informática em Saúde (CIINFO) em 2011, foi elaborada uma nova versão da PNIIS cujo texto apresenta princípios e diretrizes, tendo como base a melhoria do acesso e da qualidade no SUS; a transparência e a segurança das informações; o suporte da informação para tomada de decisão por parte do gestor e profissional de Saúde; e, por fim, o desenvolvimento institucional do SUS. A interoperabilidade dos sistemas de informação em saúde é condição central nessa política; sendo assim, a PNIIS visa uma melhor governança no uso da informação em saúde e dos recursos de informática, integrando- se ao conceito de governo eletrônico. A mais recente revisão da PNIIS foi realizada em 2021, por meio da portaria GM/MS nº 1.768 e, entre outras mudanças, adota o conceito de saúde digital, em substituição ao conceito de e- saúde, amplia o alcance das diretrizes às soluções digitais para a saúde com foco no cidadão como protagonista de sua saúde utilizando recursos tecnológicos, reconhece a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) como a plataforma digital para a saúde e repositório nacional de dados para a continuidade do cuidado e alinha às diretrizes da PNIIS às prioridades da Estratégia de Saúde Digital Visão2020-2028 (Brasil, 2020). https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/seidigi/demas/ripsa Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 21 Desde 2006, as TICs em saúde avançaram com o lançamento de dois projetos nacionais de telessaúde, a saber: a Rede Universitária de Telemedicina (RUTE) e o Telessaúde Brasil Redes. A Rede Universitária de Telemedicina (RUTE), uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) apoiada pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e pela Associação Brasileira de Hospitais Universitários (ABRAHUE), sob a coordenação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), visa contribuir com a melhoria de acesso e com o aprimoramento da infraestrutura para a telemedicina já existente em hospitais universitários e de ensino, bem como promover a integração de projetos entre as instituições participantes. Por outro lado, o Telessaúde Brasil Redes é o programa do Ministério da Saúde para apoiar a consolidação das Redes de Atenção à Saúde (RAS), que são ordenadas pela Atenção Básica do SUS por meio de teleconsultoria, telediagnóstico, segunda opinião formativa e tele-educação. Ambos os projetos ampliaram a disseminação do conceito de tecnologia de informação e comunicação na saúde por meio dos núcleos e das unidades de telessaúde, pontos de serviços de saúde a partir dos quais os trabalhadores e profissionais do SUS demandam telessaúde. O Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) de 2010 incluiu a cobertura total de todos os estabelecimentos de saúde nos seus objetivos de conectividade pelo país para a economia do conhecimento da sociedade brasileira. Outro fator que promoveu a ampliação dos serviços foi a regulamentação dos serviços de telemedicina. O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou em 2022, no Diário Oficial da União, a resolução nº 2.314/2022, que “define e regulamenta a telemedicina, como forma de serviços médicos mediados por tecnologias de comunicação”. A partir da publicação, a prática da telemedicina passou a ser liberada em caráter permanente e não apenas de forma provisória. A prática da telessaúde encontra-se substancializada na Lei 14.510, de 2022, a qual refere sobre a fiscalização das normas éticas profissionais e os princípios na prestação remota de serviços de saúde. Adicionalmente, destaca-se que a partir de 2019 o Ministério da Saúde passou a promover uma Estratégia de Saúde Digital, empreendendo ações nacionais, como o Programa Conecte SUS e a RNDS, assim como uma revisão da PNIIS para incorporar a saúde digital. A portaria GM/MS nº 1.434/2020, o governo federal criou a RNDS, com a proposta de integrar informações da atenção primária até 2028. Esta rede é coordenada pelo Departamento de Informática do SUS da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde (DATASUS/SE/MS) (Fantonelli et al., 2020). O http://rute.rnp.br/ http://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:lei:2022-12-27;14510 http://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:lei:2022-12-27;14510 Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 22 Conecte SUS é um programa desenvolvido pelo Governo Federal do Brasil que presume a informatização e integração dos dados de saúde dos cidadãos entre estabelecimentos de saúde públicos e privados. Em 2020, foi institucionalizado pela portaria GM/MS nº 1.434, de 28 de maio de 2020, uma plataforma de saúde coordenada pelo DATASUS/SE/MS vinculada ao Ministério da Saúde, e tem como objetivo efetivar a Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028 (Brasil, 2020). A Estratégia de Saúde Digital 2020-2028 (Brasil, 2020) estabelece planos de ação para a saúde digital no Brasil nos próximos oito anos. O documento sistematiza publicações e iniciativas governamentais, com o objetivo de nortear e alinhar as diversas atividades e projetos públicos e privados, em direção à transformação dessa área no país. (BRASIL, 2020). Em 2023, foi criada por meio do Decreto 11.358, de 1º de janeiro de 2023, a SEIDIGI, responsável por formular políticas públicas orientadoras para a gestão da saúde digital. Segundo esse decreto, a SEIDIGI “tem a competência de apoiar as secretarias do Ministério da Saúde, gestores, trabalhadores e usuários no planejamento, uso e incorporação de produtos e serviços de informação e tecnologia da informação e comunicação (telessaúde, infraestrutura de TIC, desenvolvimento de software, interoperabilidade, integração e proteção de dados e disseminação de informações) ”. Epistemologia da informática em saúde Informática em saúde integra a tecnologia da informação e as diferentes áreas da saúde com o propósito de investigar a estrutura e as propriedades da informação médica. Adaptando a definição de Shortliffe (Shortliffe e Blois, 2001) da informática biomédica para a informática em saúde, termo utilizado no Brasil, temos a área da informática em saúde como o campo científico que trata do armazenamento, recuperação e uso otimizado da informação biomédica, de dados e do conhecimento para o apoio à tomada de decisões visando à solução rápida de problemas. É uma área que fica entre a arte e o conhecimento estruturado, em grande parte, pela pesquisa científica. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11358.htm Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 23 Jacques Wainer (Wainer et al., 2006) discute o assunto e apresenta algumas considerações sobre a estruturação da pesquisa na área. De modo restrito considera o termo “pesquisa” como a busca sistemática de respostas a indagações científicas e soluções tecnológicas às necessidades da vida diária, entendendo o termo “ciência” como atividade restrita à pesquisa de novos conhecimentos e ampliação do entendimento daqueles já existentes. Pesquisas podem ainda ser classificadas como teóricas ou experimentais em função do objeto de estudo e método utilizado. Entende o termo “tecnologia” como o desenvolvimento e análise de novos materiais, equipamentos e métodos de execução de determinadas tarefas. Considera que as expressões “informática médica” e “informática em saúde” têm sido usadas como sinônimos. Aponta que as atividades relativas à saúde abrangem não só a medicina, mas também a enfermagem, a nutrição, a veterinária e a odontologia. A Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS) utiliza o termo mais amplo “saúde” em vez de “médica” ao contrário do que se faz na Europa, na Ásia e nos EUA. Nessas regiões o adjetivo “medical” é utilizado em sentido tão amplo quanto o termo “saúde” que adotamos. A expressão “informática médica” tem sua origem entre 1968 e 1970 na Rússia, na França e em países de língua inglesa ao se referir, inicialmente, a uma interface entre disciplinas, como ciências da computação aplicada à medicina ou ciência da informação médica. De um modo simplificado pode-se dizer que: Informática em saúde é o estudo e o uso de computadores e sistemas de comunicação e informação na assistência médica, no ensino e em pesquisa na área da saúde; são áreas correlatas à informática em saúde, em particular às áreas de engenharia biomédica, bioinformática e modelagem computacional de fenômenos biológicos/cognitivos, as quais, embora próximas, têm suas próprias práticas científicas. Além disso, Wainer ainda apresenta uma classificação de pesquisa em informática em saúde: • pesquisa empírica; • pesquisa semi empírica; • meta-análises e reanálises; • criação de um sistema computacional • sistema inovador ou, pelo menos, incomum na saúde; http://www.sbis.org.br/ http://www.sbis.org.br/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 24 • sistema deve ser potencialmente útil para a saúde, mas não é preciso prová-lo; • sistema com um componente computacional central; • sistema de elaboração não trivial; • estudos de implantação e utilização de sistemas no processo da saúde. Domínios e competências em informática em saúdeCom o objetivo de estimular os programas de formação de profissionais em informática biomédica e saúde (biomedical and health informatics - BMHI) a IMIA, em 2022, indicou uma revisão das recomendações que refletem as mudanças sociais relacionadas com a globalização, a digitalização e a transformação digital em geral e na saúde especificamente, e centra-se nas necessidades educacionais para o força de trabalho de saúde, cientistas da computação e tomadores de decisão para adquirir conhecimento e habilidades do BMHI em vários níveis. (Bichel-Findlay et al., 2023) A IMIA (Bichel-Findlay et al., 2023) sugeriu seis domínios de conhecimento necessários à formação dos profissionais de BMHI: 1. Princípios básicos: compreende suporte à decisão clínica, governança de dados, padrões e interoperabilidade, vocabulários e terminologias, métodos de pesquisa e paradigmas, telemedicina e telessaúde. 2. Ciências e serviços de saúde: biomedicina, epidemiologia, anatomia e fisiologia humana, segurança do paciente, saúde pública, dentre outros. 3. Ciência da computação, dados e informação: compreende itens como inteligência artificial, blockchain, computação em nuvens, visualização de dados, internet das coisas e outros. 4. Ciências sociais e comportamentais: literacia digital, ética, segurança e privacidade, literacia em saúde, solução de problemas, experiência do usuário. Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 25 5. Ciência da gestão: alinhamento de negócios, economia em saúde, liderança, gestão de projetos, gestão de qualidade, gestão de risco e outros. 6. Tópicos específicos: processamento de imagens e sinais, modelagem e simulação, nanoinformática, bioinformática e biologia computacional, bioinformática translacionais dentre outros. Os domínios de conhecimento devem estar presentes na formação de profissionais desde a graduação até programas de pós-graduação em nível de doutorado. Além do mapeamento de domínios de conhecimento é necessário estabelecer as competências necessárias à atuação na área de informática em saúde, tanto de profissionais de tecnologia quanto de saúde. Em 2016, a SBIS referenciou um conjunto de competências para que o profissional de informática em saúde execute com segurança e eficácia as suas atividades, em uma diversidade de ambientes e cenários reais. Esse conjunto representa uma combinação de conhecimentos, atitudes, capacidades e habilidades obtidas a partir de uma variedade de disciplinas que inclui a tecnologia da informação, saúde e gestão, entre outras. As competências foram descritas em três eixos básicos. Neste texto, apenas uma competência do profissional de informática em saúde foi associada a cada subárea. O texto completo está disponível no documento Competências Essenciais do Profissional de Informática em Saúde. ● Tecnologia ○ Gestão da informação: contribui e defende a gestão dos sistemas de informação como um recurso estratégico fundamental para a área de saúde. ○ Tecnologia da informação: compreende os conceitos-chaves de tecnologia da informação e seus componentes (por exemplo, redes, dispositivos de armazenamento, sistemas operacionais, recuperação de informação, armazenamento de dados, aplicação, conectividade e firewalls, entre outros) e suas interrelações, padrões usados correntemente no mercado, harmonização e inter conversão de padrões, conectividade e conceitos semelhantes. ● Saúde http://www.sbis.org.br/site2014/images/ProTics/Competencias_Informatica_Saude_SBIS_proTICS_v_2_0-rev-MS.pdf Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 26 ○ Serviços clínicos e de saúde: conhece as terminologias básicas, abreviaturas comuns e siglas normalmente utilizadas nos serviços de saúde. ○ Sistema de saúde brasileiro: compreende como as tecnologias de informação e comunicação podem contribuir para o direcionamento estratégico das organizações e como se articulam com os demais protagonistas do sistema de saúde, em nível nacional, regional e internacional. ● Gestão ○ Gestão de projetos: compreende os princípios e práticas de gestão de projetos e os aplica de forma adequada (por exemplo, abertura do projeto, escopo, ciclo de vida, orçamentos, recursos, prazos, metas, monitoramento e relatórios de status e otimização do tempo e recursos), em especial no que diz respeito a projetos próprios da área de Informática em Saúde na organização. ○ Gestão organizacional e comportamental: contribui para os planos e estratégias organizacionais de modo a garantir que as informações e os sistemas existentes estejam alinhados com os objetivos da organização ○ Monitoração e avaliação: identifica, sistematiza e qualifica os requisitos de análise da informação coletada e gerada pelos sistemas de informação, em colaboração com as partes interessadas, de modo a satisfazer as suas necessidades rotineiras ou sob demanda Adicionalmente, a informática em saúde também é considerada uma das competências a ser desenvolvida pelos profissionais de saúde. Segundo a IOM (Institute of Medicine), EUA, as cinco maiores competências a serem desenvolvidas pelos profissionais da saúde prestar assistência centralizada no paciente; trabalhar com equipes interdisciplinares; medicina baseada em evidência; foco na qualidade do cuidado e informática em saúde (Colicchio, 2020). Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 27 Produção científica: congressos e conferências Originalmente a informática médica e a bioinformática eram duas disciplinas totalmente independentes com currículos educacionais e interesses acadêmicos distintos. No entanto, tópicos de interesse comum às duas disciplinas surgiram principalmente nas áreas de pesquisa genômica e medicina pessoal. Com o aumento do número de pesquisas e publicações envolvendo ambas as disciplinas se iniciou uma convergência das mesmas dando origem à disciplina de informática biomédica (informática em saúde) (Hersh, 2009). Atualmente há um consenso de que as interações entre as disciplinas da informática biomédica estão constantemente amadurecendo, levando a um aumento das oportunidades de estudo e educação nessa área. Os principais congressos na área de informática biomédica surgiram, na realidade, a partir dos congressos originais da área de informática médica, que são: World Conference of Medical Informatics (MedInfo), Medical Informatics Europe (MIE) e American Medical Informatics Association (AMIA). Esses três congressos originalmente tratavam de pesquisas na área de informática médica e com a evolução das disciplinas tornaram-se atualmente a referência para publicações de informática biomédica. É importante lembrar que os três congressos estão diretamente relacionados com as associações profissionais locais e/ou internacionais, respectivamente, International Medical Informatics Association (IMIA), European Federation for Medical Informatics (EFMI) e American Medical Informatics Association (AMIA). Uma vez que as publicações científicas são um indicador para avaliar e classificar o mérito acadêmico de instituições e pesquisadores é importante verificar como se comportam os congressos e as publicações na área. Em dois dos três congressos citados anteriormente verifica-se um predomínio de publicações de autores “locais”, isto é, no congresso norte- americano (AMIA) há uma predominância de autores de origem norte-americana. O mesmo ocorre no MIE no qual há uma predominância de autores da comunidade europeia. No MedInfo, por sua vez, ocorre um equilíbrio maior de publicações norte-americanas e europeias; no entanto vale salientar que o MedInfo é um congresso bianual enquanto AMIA e MIE têm edições anuais. http://medinfo2017.medmeeting.org/en http://medinfo2017.medmeeting.org/en http://informaticsforhealth.org/ https://www.amia.org/amia2017 https://www.amia.org/amia2017 http://imia-medinfo.org/wp/ https://www.efmi.org/https://www.efmi.org/ https://www.efmi.org/ https://www.amia.org/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 28 Entre 19 e 23 de agosto de 2015 a 15a edição do MedInfo foi realizada em São Paulo. O tema central foi saúde baseada em e-saúde (eHealth-enabled health). Foram realizadas diversas palestras, painéis, apresentações de trabalhos completos e pôsteres com a participação de pesquisadores brasileiros. Durante a abertura do evento o Prof. Dr. Daniel Sigulem foi homenageado por suas contribuições à informática em saúde. Em 2017, entre 21 e 25 de agosto o MedInfo ocorreu em Hangzhou, China, com o tema assistência em saúde de precisão por meio da informática (precision healthcare through informatics). O 17º MedInfo - IMIA foi realizado em Lyon, França, em agosto de 2019, com o tema “Redes eletrônicas de saúde e bem-estar para todos”. No ano de 2020, a AMIA foi realizada em formato virtual devido à crise da pandemia de COVID- 19. Esse simpósio explanou a necessidade da importância ao acesso à informação para melhorar a saúde e os cuidados de saúde, e a necessidade de os profissionais utilizarem e aplicarem essa informação para transformar os cuidados de saúde. Referiu também, sobre as diferentes abordagens para a adaptação ao “novo normal” em muitas áreas. O MedInfo 2021 também ocorreu em formato virtual devido a pandemia, entre 2 a 4 de outubro, o 18º World Congress on Medical and Health Informatics, sob o tema “Um mundo, uma saúde – parceria global para inovação digital". Em 2023, o MedInfo, 19º World Congress on Medical and Health Informatics, foi realizado de 8 a 12 de julho, em Sydney, Austrália, e apresentou como tema “O Futuro Acessível”, a fim de implementar ações coletivas para um sistema de saúde acessível no qual os médicos e os pacientes possam estar digitalmente habilitados. No Brasil, na década de 1980, aconteceu o I Congresso Brasileiro de Informática em Saúde em Brasília, por iniciativa do Ministério da Saúde. Os pesquisadores presentes resolveram então se organizar e fundaram em novembro de 1986 a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS). Esta sociedade tornou-se o foco principal da atividade profissional brasileira na área da informática em saúde, sendo a organizadora de congressos nacionais, regionais e especializados. No ano de 2018, houve o XVI Congresso Brasileiro de Informática em Saúde - CBIS, entre o dia 01 e 04 de outubro, em Fortaleza/CE, com o tema “Saúde Digital para a Cidadania”. O programa contemplou temas significativos para a formação acadêmica e integração dos participantes, http://imia-medinfo.org/wp/medinfo-2015-ehealth-enabled-health/ http://imia-medinfo.org/wp/medinfo-2015-ehealth-enabled-health/ http://imia-medinfo.org/wp/medinfo-2015-ehealth-enabled-health/ http://imia-medinfo.org/wp/medinfo2017-august-21-25-hangzhou-china/ http://imia-medinfo.org/wp/medinfo2017-august-21-25-hangzhou-china/ Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 29 profissionais de diversas formações, mas com o mesmo objetivo de transformar a saúde utilizando as TICs. Neste congresso, pela primeira vez, houve a apresentação do Showcase de interoperabilidade, onde reuniu o Ministério da Saúde (DATASUS), hospitais públicos e privados, prestadores de serviços e sistemas a fim de verificar o conhecimento e a capacidade técnica para a integração e interoperabilidade, da atenção básica até a terciária, do registro eletrônico de saúde dos cidadãos. Em 2020, o XVII Congresso Brasileiro de Informática em Saúde (CBIS) foi realizado pela primeira vez no formato virtual, de 7 a 11 de dezembro de 2020, devido a pandemia do COVID-19, sob o tema: “Tecnologia PARA Saúde, Tecnologia NA Saúde: a convergência é possível? ”. Em abril de 2021, ocorreu o Seminário HL7, sobre o tema “Certificado de Vacinação Interoperável”. A OMS formou um grupo de especialistas para a elaboração de especificações técnicas a fim de que pudessem ser emitidos os Certificados Internacionais de Vacinação Inteligentes, por meio de soluções digitais, que permitissem a interoperabilidade dos dados de vacinação contra o COVID-19. Neste mesmo ano, 2021, aconteceu o 1º Concurso Nacional de Projetos Digitais, com o tema: “Uso da tecnologia na luta contra o COVID-19”, que foi uma iniciativa da SBIS e teve como objetivo incentivar a inovação de alta qualidade em projetos digitais para o COVID-19 na pandemia, estimular o desenvolvimento de talentos e premiar os melhores trabalhos em saúde digital. Em novembro de 2022, em Campinas/SP, ocorreu o primeiro evento presencial pós- pandemia da SBIS, XIX Congresso Brasileiro de Informática em Saúde. Sob o tema “Sistemas Inteligentes para Saúde: Desafios da Ética e Governança”, relacionado a Inteligência Artificial (IA) e os seus desafios. Esses desafios abordaram que os computadores não substituem os especialistas em nenhuma área, apenas são ferramentas de apoio à decisão, ampliando as alternativas para a tomada de decisão final do profissional. De forma geral nas universidades e faculdades de medicina e ciências da saúde é dada maior importância para publicações realizadas em periódicos na área em detrimento das publicações realizadas em conferências e congressos. Apesar disso, os três congressos anteriormente citados encontram-se indexados em algumas bases de dados, como ISI e Citeseer X, não aparecendo indexados no Pubmed/Medline. A baixa classificação do MedInfo, MIE e AMIA nesses rankings em contraste com conferências da área de bioinformática (que aparecem com Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 30 uma classificação muito superior) parece indicar um baixo reconhecimento das pesquisas de informática biomédica fora da área. Faz-se necessário, portanto, um esforço maior por parte da comunidade de informática biomédica para que essas conferências e congressos tenham maior visibilidade para proporcionar um maior reconhecimento da disciplina na comunidade científica em geral. É relevante salientar que nas instituições de ensino vinculadas à ciência da computação, é atribuída uma maior importância e valor científico às publicações em conferências e congressos. Isso, por conseguinte, tende a contribuir positivamente para o prestígio e classificação superior das conferências dentro dos índices de publicações na área. Especialização em Informática em Saúde (UAB/Unifesp) 31 Referências Bernstam EV, Smith JW, Johnson TR. What is biomedical informatics? J Biomed Inform. 2010 Feb;43(1):104-10. doi: 10.1016/j.jbi.2009.08.006. Epub 2009 Aug 13. PMID: 19683067; PMCID: PMC2814957. Bertotti BM, Blanchet LA. Perspectivas e desafios à implementação de saúde digital no Sistema Único de Saúde. International Journal of Digital Law. 2021; 2(3): 93-111. Bichel-Findlay J, Koch S, Mantas J, Abdul SS, Al-Shorbaji N, Ammenwerth E, Baum A, et al. 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