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ESTRATÉGIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO AULA 2 Prof. Leonardo Mercher CONVERSA INICIAL Nesta aula iremos apresentar as principais correntes teóricas da internacionalização. Mas por que precisamos saber de teoria se a internacionalização é um processo tão prático? Na verdade, muitas pessoas acreditam que as teorias são ideias e pensamentos sobre um determinado objeto, o que não deixa de ser verdade, contudo teorias são conjuntos de ideias previamente testadas para explicar a realidade. Diferente das ideias da filosofia, as teorias científicas reúnem métodos e conceitos empíricos, ou seja, vários pesquisadores já colocaram em prática as suas avaliações que colaboram para explicar o que ocorre em nosso mundo material ou real. Dessa forma, a presente etapa busca ampliar a compreensão sobre internacionalização para além da reprodução mecânica de etapas e estratégias, possibilitando, em sua formação profissional, a visão crítica e a capacidade de compreender as origens, desafios e oportunidades em nosso dia a dia. Para tratarmos de teorias da internacionalização decidimos dividir a presente rota em cinco seções, sendo elas: I) como o mercado interfere na internacionalização; II) como o comportamento interfere na internacionalização; III) dimensão cultural na internacionalização; IV) desafios e oportunidades na dimensão cultural; e V) internacionalização e novas tecnologias. Na primeira seção trataremos da dimensão econômica, ou seja, de mercado, como motivador (variável explicativa) à internacionalização e seus processos. Na segunda traz-se um olhar mais organizacional e comportamental dos motivos e processos da internacionalização, observando o comportamento de gestores e das instituições envolvidas. Na terceira e quarta seções observaremos as dinâmicas culturais e na quinta seção como a tecnologia vem alterando estratégias e processos de internacionalização. CONTEXTUALIZANDO De modo geral, as teorias de internacionalização começaram a ser formuladas ainda na Idade Moderna, ou seja, logo após as grandes navegações europeias e o Renascimento. Pensadores como David Ricardo, considerado o pai teórico do comércio internacional, defendiam que nenhuma nação possuiria tudo (bens e recursos) que sua população precisaria para alcançar o bem-estar e, portanto, todas as nações deveriam comercializar entre si. Essa ideia, bem 3 como a sua divisão internacional do trabalho (cada nação se especializa em produzir e comercializar aquilo que conseguiria com maior facilidade), legitimou a prática de internacionalização de empresas nos últimos séculos. Todavia, atualmente, possuiríamos ao menos dois grandes grupos teóricos sobre internacionalização que foram desenvolvidos cientificamente nos séculos XX e XXI, como mostra o quadro a seguir: Quadro 1 – Principais teorias sobre internacionalização de empresas 4 Fonte: Hemais; Hilal, 2004, p. 36, citados por Khauaja, 2009, p. 28-29. Nesse quadro, é possível ver o grupo teórico econômico e o organizacional. Em ambos existem os principais autores e suas ideias básicas sobre os responsáveis por executar a internacionalização. A econômica trata basicamente das forças do mercado que empurram as empresas das demais instituições a se internacionalizarem. Por exemplo, se sua empresa lida com a produção de roupas, provavelmente o mercado irá levá-la para produção em regiões onde a mão de obra seja mais barata que a da cidade original, bem como em um local estratégico na logística de escoamento para exportação. Nesse caso, o mercado determina para onde e como o processo irá ocorrer devido às necessidades financeiras e de custos. Já as teorias organizacionais e comportamentais apontam para os indivíduos e gestores a capacidade de definir para onde e como se internacionalizar, muito mais forte do que o mercado. Usando o mesmo exemplo anterior, caso os gestores de sua empresa não se sintam confiantes em investir em uma região ótima na logística e nos recursos por falta de conhecimento, mesmo o mercado indicando o melhor caminho, os gestores poderão barrar o processo e orientar para outras áreas, ou seja, o fator humano é que determinará a internacionalização e não o mercado sozinho. 5 Diante desses dois grupos de explicações sobre a internacionalização, veremos mais adiante como cada qual nos traz ferramentas de compreensão sobre o processo. TEMA 1 – COMO O MERCADO INTERFERE NA INTERNACIONALIZAÇÃO A perspectiva mais tradicional surge com explicações na dimensão do mercado. A própria compreensão inicial de globalização advém da intensificação comercial entre os povos. Por isso, para compreender a internacionalização como resposta às dinâmicas do mercado foi o que Hymer, Vernon, Buckley, Casson e Dunning trouxeram em seus trabalhos ideias e conceitos mais contemporâneos, como visto anteriormente no Quadro 1. Segundo Khauaja (2009), Hymer traz consigo o poder de mercado, enquanto que Vernon trata do ciclo do produto, Buckley e Casson da internacionalização advinda dos custos e Dunning, do paradigma eclético. É provável que, em outros momentos, você já tenha lido ou tido contato com as explicações de mercado por serem amplamente difundidas na gestão de empresas. Isso porque o mercado é o grande palco de ação das empresas e de outras instituições públicas, como os próprios governos, que precisam decidir políticas econômicas e comerciais de apoio ou de proteção aos seus mercados. Com base nessa concepção, é possível destacar as principais ideias desses autores que sustentam explicações a partir de custos, logística, demandas externas e concorrência por mercados. No caso do poder de mercado de Hymer (1983), a concorrência é um fator chave para compreender por que e como as empresas se internacionalizam. Para ele, a livre concorrência leva empresas mais competitivas (produtos melhores e baratos) a conquistarem posições melhores, especialmente se internacionalizando por meio de investimentos diretos em mercados estrangeiros. Ele defendia, no pós-Segunda Guerra Mundial, que as empresas, como firma, possuiriam o poder de mercado, ou seja, elas buscariam a internacionalização para controlarem empresas competidoras advindas de outros mercados estrangeiros por meio de compras, fusões e quebras comerciais competitivas. O autor defenderia que: 6 os investimentos diretos das firmas são motivados por suas atividades domésticas, e não somete pela taxa de juros. Como há imperfeições no mercado (risco, incerteza e barreiras), é mais vantajoso coordenar as atividades de produção dentro da firma, de certa forma internacionalizando essas imperfeições do mercado. A teoria do poder de mercado tratou o fluxo de capital nas operações internacionais (Hymer, citado por Khauaja, 2009, p. 24). Nesse sentido, a internacionalização ocorreria por uma consequência do mercado, ou seja, uma empresa teria sucesso no mercado nacional e passaria a investir em mercados estrangeiros, especialmente nas empresas concorrentes em potencial, para facilitar sua ampliação de mercado. Uma vez que empresas estrangeiras estariam vinculadas à empresa em questão, seu crescimento ao nível global seria muito mais fácil. Logo, a internacionalização ocorre por investimentos para diminuir a concorrência internacional. Já Vernon (1966) defendeu que a internacionalização seria um processo natural de três etapas: criação de um produto no mercado nacional, inserção desse produto em mercados estrangeiros e maturação do produto, ou seja, a sua produção e consumo em outras nações que não a original. Apesar de inúmeras críticas (Khauaja, 2009, p. 24), Vernon (1966) traz a ideia de que a internacionalização poderia ser um processo natural e sistemático de empresas bem-sucedidas com seus produtos e serviços. Se alguém lança umproduto de tecnologia (como eletroeletrônicos) e esse vai bem no mercado doméstico, por que não o lançar posteriormente no mercado estrangeiro? E, após seu consumo consolidado nos mercados estrangeiros, por que não transferir a produção para mercados com mão de obra barata e aumentar o faturamento de lucros? Contudo, essa proposta pode ser considerada determinista e um pouco superficial se pensarmos nas ideias de Buckley, Casson (1976) e Dunning (1988). Buckley e Casson (1976) trataram dos custos como base explicativa da internacionalização. Isso significa que uma empresa buscaria a internacionalização não apenas por obter sucesso no mercado doméstico, mas por ver atrativos de ganhos (custos baixos em administrar os investimentos, produtos e serviços) em procedimentos no estrangeiro. A internacionalização ocorreria por capacidade de lucros e, para isso, seria preciso identificar padrões o crescimento do mercado, vistas de lucros iminentes e mercados a serem explorados com sucesso. 7 Os procedimentos da internacionalização não seriam diferentes dos anteriores (comércio, investimentos e abertura de filiais), mas os dois autores priorizam três procedimentos de acordo com o tamanho dos mercados (custos e lucros possíveis): I. exportação (para mercados pequenos que manteria o controle administrativo da firma); II. licenciamento (para mercados de tamanho médio e por controle contratual, como franquias); e III. joint venture e IED (pra mercados maiores, via aquisição de uma empresa estrangeira ou greenfield – quando a empresa investe e começa do zero em um mercado estrangeiro). Em Dunning (1988), são reforçados os reflexos do mercado na internacionalização empresarial, como o deslocamento de empresas para mais próximo de recursos mais baratos, pontos estratégicos da logística internacional e saturação do mercado local e, com isso, busca por mercados estrangeiros. Mas o seu paradigma eclético ganhou o maior destaque ao organizar em três situações os motivos e estratégias da internacionalização: I. vantagens em propriedade, representado pela letra O (ownership); II. localização, representado pela letra L; e III. internalização, representado pela letra I (vantagens de integrar as transações no interior da empresa em quatro critérios de decisão: risco, controle, retorno e recursos). O próprio Dunning, em um segundo momento (Khauaja, 2009, p. 26), irá defender que a internacionalização segue os reflexos OLI, mas também é preciso pensar em procedimentos de gestão que integrem a empresa a redes e a outros meios de cooperação com empresas estrangeiras, reconhecendo que não basta apenas reagir aos sinais do mercado, mas também preparar a capacidade dos gestores e da empresa em se reconhecer em possíveis mercados interdependentes. A interdependência aqui se colocaria como relações mútuas, em que uma empresa não estaria agindo sozinha no mercado, mas interconectada em relações positivas e negativas com muitas outras empresas e também agentes (governos, agências de risco etc.). De forma mais simples e objetiva, o mercado para esses teóricos teria a capacidade de determinar o comportamento e as escolas dos gestores, que 8 tenderiam sempre a seguir para o menor custo/maior lucro na expansão de seus negócios internacionalmente. Um outro fator de mercado que explicaria a maior propensão à internacionalização de uma empresa ou dos mercados no mundo seria o aspecto de barreiras tarifárias próximas de 0% (imposto de importação). Isso quer dizer que quando impostos estão baixos ou inexistentes para a importação, por exemplo, aquele mercado (ou nação) é tida como mais liberalizada economicamente. Com a financeirização da globalização (liberalização dos mercados e menos protecionismo estatal), a partir dos anos 1980 e 1990, liderados pelos Estados Unidos da América (Ronald Reagan) e do Reino Unido da Grã-Bretanha (Margareth Thatcher), muitas nações passaram a diminuir suas barreiras tarifárias, a atrair maiores investimentos e a favorecer o processo de internacionalização – inicialmente das grandes empresas e, atualmente das PMEs. Para muitos dos teóricos de mercado, a liberalização e a diminuição de tarifas à importação explicariam o comportamento decisor da internacionalização. Mas será que é sempre assim? Será que, por escolhas racionais em dados do mercado, empresas seguiriam caminhos semelhantes? Outros grupos de teóricos, como os organizacionais e comportamentalistas, apostam que não. Por mais que o mercado interfira e seja relevante na tomada de decisão, o preparo pessoal dos gestores e as dinâmicas de contatos pessoais podem interferir singularmente em cada caso de internacionalização. TEMA 2 – COMO O COMPORTAMENTO INTERFERE NA INTERNACIONALIZAÇÃO Já vimos como o mercado pode ser compreendido pelas teorias de internacionalização. Contudo, olhar apenas para o mercado poderia ser muito determinista e não conseguiria avaliar riscos profundos segundo os teóricos organizacionais e comportamentalistas. De modo geral, a perspectiva organizacional se fortalece no norte da Europa, mais precisamente na Suécia. Na Universidade de Uppsala, uma das mais antigas da Europa, os pesquisadores de administração traçaram explicações para a internacionalização, questionando as explicações meramente mercadológicas. Johanson e Vahlne foram os dois pesquisadores que trouxeram ganhos 9 importantes para essa abordagem teórica sobre a realidade empírica das instituições que se internacionalizavam. É possível resumir as contribuições de Johanson e Vahlne em três conceitos que já foram mencionados no Quadro 1: I. distância psíquica; II. internacionalização incremental; e III. formação de networks. A distância psíquica seria o grau de conhecimento e de segurança que um gestor teria sobre um mercado estrangeiro específico. Por exemplo, se sou brasileiro, o quanto conheço do mercado e costumes indianos para lá investir? Se conheço muito, me sentirei mais seguro e minha distância psíquica será baixa. Agora, se conheço pouco, nunca fui e nem conheço ninguém por lá que poderia me ajudar com informações, minha insegurança é alta assim como minha distância psíquica. Distâncias psíquicas elevadas geralmente tendem a impedir investimentos no estrangeiro, isso inclui tanto investimento direto (capital) quanto exportação, franquias e outras práticas. Por isso, mesmo que o melhor lugar para abrir minha filial seja na Índia, se eu não conheço bem e me sinto inseguro (alta distância psíquica), eu tendo a não investir por lá. Com esse conceito, a perspectiva organizacional questiona as teorias de mercado, colocando nos indivíduos e suas capacidades de mensurar riscos e de fazer escolhas pela empresa ao mesmo grau – ou até mais elevado – que os sinais do mercado. Por isso, o processo de internacionalização seria incremental e processual, ou seja, a internacionalização não parte de uma única decisão, mas é um conjunto de decisões ao longo do tempo que irá resultar em um grau primário, secundário e até mais profundo e amplo nos mercados estrangeiros. Em uma pequena firma ou microempreendedor, a decisão de exportar pode ser única e direta, definindo a internacionalização. Mas em empresas de médio e grande porte, precisam passar por várias análises e decisões. Porém, em ambos os casos, ao menos é tomada a decisão de avaliação do mercado estrangeiro e a decisão em si de executar a internacionalização. Dessa forma é possível defender a internacionalização como processual em ambos os casos. Já a formação de networks diz respeito aos contatos, ou seja, às redes de contatos que os gestores de sua empresa possuem com outros profissionais, empresários e nativos do mercado estrangeiro em questão. Por mais que se 10 tenha baixa distância psíquica inicial, como a internacionalização é processual,é possível ir aprendendo e coletando informações com nativos e amigos em mercados estrangeiros que facilitarão a internacionalização por lá. Outro ponto importante nas redes de contatos é que eles podem trazer demandas de mercados reprimidos (existem compradores, mas não existem empresas que os atenda). Além disso, as redes de contato exercem uma atração que pode superar os índices e sinais do mercado. Quando possuímos uma rede de contatos na Indonésia, por exemplo, mesmo diante de sinais do mercado de nos internacionalizarmos pela Índia, podemos optar pela Indonésia e não Índia. Isso porque obteríamos maiores informações e seguranças para aquele país. Com isso, vem o conceito e critério de mensurar e avaliar riscos. Para teóricos comportamentalistas e organizacionais isso é muito importante, por se tratar de decisões e escolhas individuais e humanas dos gestores. Esse critério estaria intimamente associado ao fator empreendedor, tratado por Andersson (Khauaja, 2009, p. 28). Andersson (2000) reformulou os conceitos da Escola de Uppsala e incluiu o fator empreendedorismo na avaliação da internacionalização. Para ele, alguns gestores podem empreender nos processos decisórios da empresa ou instituição, classificando-os em três tipos: I. o empreendedor técnico (aquele que busca introduzir novos conceitos, modos de produção e produtos no mercado estrangeiro); II. empreendedor de marketing (aquele que busca ampliar e encontrar novos mercados para os produtos e serviços avaliando o público-alvo); e III. empreendedor estrutural (que modifica a organização da indústria). Nos três casos é possível perceber que o executivo/gestor se torna o fator mais importante para a entrada da instituição em uma nova nação. Contudo, é importante destacar que os nossos valores do que sejam qualidades e defeitos podem mudar de acordo com a nação e a região de nosso planeta. Nesse âmbito, decidimos tratar um pouco melhor a dimensão cultural, seus desafios e suas oportunidades nas duas seções a seguir. TEMA 3 – DIMENSÃO CULTURAL NA INTERNACIONALIZAÇÃO A dimensão cultural deve ser compreendida como a diversidade de valores, costumes e anseios que emanam das nações e seus povos e que, de 11 diversas formas, interferem nos processos de negociação, comercialização, cooperação e internacionalização. Compreender que a cultura faz parte da compreensão teórica e prática da internacionalização será nosso objetivo nessa seção. Para facilitar a sua compreensão, utilizaremos alguns critérios teóricos como de Geert Hofstede, que avaliou para a IMB as dimensões culturais em negócios internacionais. A teoria da cultura de Geert Hofstede baseia-se num dos maiores estudos empíricos já desenvolvidos sobre diferenças culturais no cenário internacional. Nos anos 1970, a IBM (a essas alturas, já uma empresa multinacional de tecnologia e da informação e sistemas) tinha dificuldades de compreender como seus funcionários, de origens nacionais (e culturais) distintas, mesmo seguindo padrões das regras e procedimentos da empresa, apresentavam comportamentos distintos. A empresa, muito intrigada, iniciou uma extensa pesquisa para tentar explicar por que as suas filiais (no Brasil e no Japão, por exemplo) continuavam a ser geridas de maneira muito diferente, apesar de tantos esforços desenvolvidos para implementar regras comuns de sua matriz. Foi nessa situação que Geert Hofstede foi acionado e tentou identificar as diferenças no funcionamento dessas empresas. Como resultado, o pesquisador chegou à conclusão de que as diferenças identificadas adviriam da cultura dos empregados e, em grande parte, da cultura da nação de acolhimento. Ou seja, a cultura de cada indivíduo determina o seu comportamento enquanto indivíduo, mas também cria uma cultura coletiva (ao longo dos processos históricos e sociais) que determinarão características de gerir negócios e de recepcionar negócios de maneiras distintas. Basicamente o que Hofstede defendeu é que não importaria ser a regra igual a todos, pois cada cultura a aplicaria de maneira distinta – cumprindo-a plenamente, parcialmente ou encontrando maneiras de não as cumprir, mas alcançar os mesmos resultados objetivados pela matriz. Imagine agora que sua empresa busca se internacionalizar. Segundo esses estudos, é evidente que a mesma empresa, com as mesmas regras, pode não ser gerida e atuar da mesma forma que aqui no Brasil – irá depender sempre de seus funcionários e da cultura vigente. Por isso, algo muito importante para se internacionalizar é conhecer a cultura do outro. Hofstede defendia que a cultura seria como uma “programação coletiva dos espíritos que distingue os membros de um grupo humano do outro”. Dessa forma, uma gestão padronizada e universal seria inviável – quem busca se internacionalizar precisaria adaptar 12 ou recriar regras e procedimentos para alavancar o sucesso em sua internacionalização em cada nação que se empreendesse. No caso da percepção teórica organizacional, a cultura (organizacional), para Hofstede, seria um fenômeno em si mesmo, ou seja, além da cultura nacional de um povo, existiria uma cultura da empresa e essa deveria ser repensada sob os valores da cultura nacional envolvida. Não necessariamente a cultura organizacional deveria ser extinta para dar lugar apenas aos valores e práticas da cultura nacional estrangeira, mas sim buscar um equilíbrio entre ambas. Digamos que nossa empresa exija 44h semanais de trabalho, de segunda a sábado, mas no lugar em que buscamos nos internacionalizar e atuar, não se pode trabalhar no sábado por princípios religiosos, por exemplo. Nesse caso, devemos respeitar essa prática e transferir as demais horas de sábado para o domingo ou distribuí-las ao longo dos demais dias da semana. Para facilitar essa compreensão, Hofstede tentou tipificar os grandes grupos de valores culturais. Em outras palavras, buscou criar grandes grupos de modelos de padrões culturais para classificar nações e facilitar os processos de negociação e internacionalização ao redor do mundo. Essa criação, conhecida como modelo das dimensões culturais de Geert Hofstede, é um quadro- referência que descreve cinco tipos (dimensões) de diferenças/perspectivas de valores entre as culturas nacionais ao redor do mundo (Santana; Mendes; Mariano, 2014): I. Distância ao poder: também chamada de distância hierárquica, é uma medida do quanto os membros menos poderosos de uma civilização aceitam e esperam distribuição desigual de poder na sociedade. Ou seja, será que o chefe é uma autoridade ou apenas um colega com melhor capacidade de decisão? Cada cultura tende a ter maior ou menor grau de submissão à figura de autoridades. Ela é medida a partir dos sistemas de valores daqueles que têm menos poder. A dimensão distância do poder está diretamente relacionada com a forma encontrada por diferentes sociedades para lidar com a questão fundamental de gerir as desigualdades entre os indivíduos. Pode ser associada com a corrupção também, por exemplo, uma sociedade que não aceita corrupção é uma sociedade que tem menor distância aos gestores (poder), enquanto que sociedade mais flexíveis a práticas duvidosas podem ter o valor de 13 distância maior ao poder (sensação de indiferença aos assuntos em questão); II. Individualismo versus coletivismo: até que ponto as pessoas sentem que têm de tomar conta de si próprias, das suas famílias ou organizações a que pertencem, ou seja, essa dimensão indica se uma sociedade é uma rede social sem relação entre os indivíduos, na qual cada um é suposto interessar-se apenas por si mesmo, ou se ela oferece um tecido social fechado no qual os indivíduos se dividem entre membros e não membros de grupos e esperam que o grupo ao qual pertencem os proteja; III. Masculinidade versus feminilidade: até que ponto a cultura é maisconducente do predomínio, assertividade e aquisição de coisas versus uma cultura que é mais conducente das pessoas, sentimentos e qualidade de vida. Refere-se também a em que medida o sexo determina os papéis dos homens e das mulheres na sociedade; IV. Evitar a incerteza: Hofstede definiu essa dimensão como o grau de ameaça percebido por membros de uma cultura em situações incertas ou desconhecidas, ou seja, reflete o sentimento de desconforto que as pessoas sentem ou a insegurança com riscos, caos e situações não estruturadas. Uma cultura que teme o risco tende a não aceitar facilmente investimentos e negócios cujos resultados são incertos ou dependam da sorte de outros fatores envolvidos; V. Orientação a longo prazo versus a curto prazo: indica em que medida uma sociedade baseia as suas tradições sobre os acontecimentos do passado ou do presente, sobre os benefícios apresentados ou ainda sobre o que é desejável para o futuro. Sintetizando, longos prazos serão os valores orientados para o futuro, como poupanças e persistência; curto prazo serão os valores orientados para o passado e o presente, como respeito pela tradição e cumprimento de obrigações sociais. Com essas cinco dimensões é possível cruzar diversas informações e identificar nações e suas culturas de forma distinta. Cada cultura teria graus diferentes para cada uma dessas dimensões e, portanto, precisaria ser tratada de forma única pelos investidores e gestores envolvidos com a internacionalização. Mas lembre-se de que essa divisão teórica pode ser um pouco simplista para compreender a complexidade da realidade. Portanto, 14 busque sempre informações adicionais sobre a região em que irá atuar e se envolver. TEMA 4 – DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA DIMENSÃO CULTURAL Agora que conhecemos melhor as dimensões de Geert Hofstede, é possível identificar desafios e oportunidades na internacionalização vinculadas à diversidade cultural. Segundo Santana, Mendes e Mariano (2014), “a distância cultural aumenta as dificuldades nas relações entre empresas. E quanto maior esta distância, maiores são as diferenças nas práticas organizacionais e de interpretar e responder a questões estratégicas” (Ariño et al., 1998 citado por Santana; Mendes; Mariano, 2014, p. 2). Segundo os autores, toda instituição que busca atuar internacionalmente deve adaptar sua forma de se comunicar e de fazer negócios, bem como sua cultura organizacional e também o seu produto. Não é possível vender produtos artesanais que utilizem determinados ingredientes proibidos ou pouco interessantes para o mercado externo. Da mesma forma não se pode ofertar serviços de aplicativos ou de ensino para comunidades que não lidam bem com as regras formais de ensino (presencial ou EaD) ou das tecnologias em celulares e computadores. Para isso, é preciso pensar no produto/serviço diante do público-alvo, para só então pensar nos desafios de parcerias, legislação e custos. Desafios de custos com burocracias quase sempre surpreendem um gestor pouco preparado. Isso se dá por não conhecer a fundo a dimensão cultural do mercado e da comunidade em que passa a atuar. Podemos conhecer bem a legislação e as regras e impostos em nossa localidade, mas não pense que o resto do mundo funciona da mesma forma. Em alguns lugares podem não ser cobrados impostos sobre nossa atuação, como ocorreria no Brasil, mas os documentos exigidos e a burocracia de liberação podem ser muito mais complexas – exigindo processos e documentos que para o estrangeiro ficaria difícil de obter sem apoio de estrangeiros locais. Outro desafio comum são os hábitos: será que possuem o mesmo ritmo de alimentação que nós (três a quatro refeições, por exemplo)? Será que, mesmo falando português (Portugal ou Angola), eles compreenderão termos nos contratos e propagandas ou até mesmo no rótulo do produto? É preciso pensar com calma todas essas questões para sanar desafios que parecem simples, mas no calor da realização da internacionalização podem ser esquecidos. Além 15 dessas outras questões (como gênero, cores, símbolos, mistura de alimentos sagrados e tradição), que podem comprometer estratégias de internacionalização. Se pensarmos nas dimensões de Hofstede, podemos mensurar que no Brasil existe o desafio de europeus se internacionalizarem para cá quando tratarem os chefes brasileiros como os demais funcionários da instituição – o brasileiro tem uma valorização maior ao chefe do que os europeus teriam e, em gestão, o chefe brasileiro poderia se sentir diminuído ao ser tratado como um outro funcionário qualquer. Já no caso da dimensão de risco, não seria interessante buscar ofertar serviços como investimentos de alto risco para japoneses que prezam a segurança em seus investimentos. Portanto, essas questões culturais devem ser observadas antes de iniciarmos a internacionalização. TEMA 5 – INTERNACIONALIZAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS Agora que percebemos que existem possibilidades diversas de se internacionalizar, precisamos entender que as novas tecnologias facilitam e muito esse processo. De modo geral, a internacionalização demanda conhecer a burocracia e obter informações do cenário exterior. Com o advento das novas tecnologias, isso é possível em apenas alguns cliques. Por exemplo, se alguém busca conhecer quais são as principais empresas, ONGs ou universidades presentes em uma determinada localidade, basta procurar na internet. Se precisa identificar a documentação e trâmites legais para começar a atuar se inserir em um mercado estrangeiro, é possível encontrar, em muitos casos, páginas oficiais do governo listando todas as informações úteis. Por essa razão, as novas tecnologias da informação revolucionaram e popularizaram as práticas de internacionalização das últimas décadas. É possível pensar em internacionalização sem os grandes custos que a mobilidade internacional traz consigo. Por exemplo, compartilhar pesquisas e resultados via internet e outros aplicativos barateia e muito os gastos com reuniões internacionais. A coleta de informações também diminui a necessidade de pagar por empresas terceirizadas que coletem informações sobre as regras e procedimentos externos. Até mesmo o idioma, com as devidas proporções, pode ser facilitado por meio de sites de tradução simultânea e formatação e correção de texto. Também, por meio das redes de vídeo e de periódicos 16 científicos, é possível assistir e escutar relatos de experiências anteriores de outras empresas, alertando para possíveis erros e acertos. A tecnologia permite hoje maior controle sobre filiais e subsidiárias, além de acompanhar notícias do sistema financeiro, econômico e político mundiais para investimentos e novas parcerias. A negociação, como comunicação, foi facilitada, e a internacionalização, como uma consequência da negociação, hoje colhe esses mesmos frutos positivos. Mas cuidado: nem tudo que a nova tecnologia traz são flores. É preciso entender que os riscos aumentaram, especialmente em atividades mais impulsivas, bem como surgem novas ameaças às informações das instituições envolvidas. Programas de espionagem e vazamento de dados, dentre outros, podem comprometer estratégias de inserção internacional junto às concorrentes, por exemplo. Como um dos pilares da globalização, o avanço tecnológico contribui na diminuição de custos, na agilidade do processo e na facilitação em criar (ou reforçar) networks e responder às demandas do mercado com maior consciência sobre as dinâmicas reais. Incentivar a informatização, automação e outros investimentos tecnológicos, mesmo que simples, em sua instituição é um caminho necessário hoje para se internacionalizar. Pense se sua instituição precisa de um site e se sua proposta de internacionalização demandará conteúdo bilíngue – mesmo já existindo hoje tradutores automáticos de conteúdosescritos, como o Google Tradutor. Também pense se vale a pena criar páginas nas redes sociais, como o Facebook, Istagram, LinkedIn e Academia.edu, ou se precisa ter um site próprio, dado o tamanho e as responsabilidades de sua instituição. TROCANDO IDEIAS Saiba mais 1. O artigo a seguir contribuirá para entender um pouco mais sobre internacionalização de instituições brasileiras voltadas à inovação e à tecnologia, complementando assim a seção anterior. FRANCISCHINI, S. S. N.; FURTADO, J.; GARCIA, R. Tecnologia e trajetórias de internacionalização precoce: análise de casos na indústria brasileira. Gestão e Produção, São Carlos, v. 22, n. 2, p. 267-279, 2015. 17 Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/gp/v22n2/0104-530X-gp-0104- 530X1387-14.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2018. 2. Já para saber mais sobre Geert Hofstede e suas dimensões culturais de forma aplicada busque ler o artigo dos autores Daniela Santana, George Mendes e Ari Mariano (2014): SANTANA, D. L. de; MENDES, G. A.; MARIANO, A. M. Estudo das dimensões culturais de Hofstede: análise comparativa entre Brasil, Estados Unidos e México. C@LEA – Revista Cadernos de Aulas do LEA, Ilhéus, n. 3, p. 1-13, nov. 2014. Disponível em: <http://www.uesc.br/revistas/calea/edicoes/rev3_artigo1.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2018. NA PRÁTICA Na prática dessa etapa de aprendizagem, sugerimos observar as duas imagens a seguir e buscar descrever, por meio da escrita, quais as características de aproximam e diferem o Brasil dos EUA e do México de acordo com as dimensões culturais de Hofstede: Figura 1 – Gráfico dos graus das dimensões culturais de Hofstede (1) Fonte: Santana; Mendes; Mariano, 2014, p. 7-8. 18 Figura 2 – Gráfico dos graus das dimensões culturais de Hofstede (2) Fonte: Santana; Mendes; Mariano, 2014, p. 7-8. Observe que o Brasil é sempre a primeira coluna, os EUA a segunda e o México a terceira. Nesse sentido, qual sociedade seria mais individualista? Qual seria a menos masculina? É sempre bom, após compreender um gráfico ou imagem, dissertar sobre as informações para que no futuro possa lembrar de seu processo pessoal de aprendizagem. Esperamos que, com esse conteúdo, você possa avançar mais solidamente para as próximas etapas da compreensão e execução da internacionalização. FINALIZANDO Vimos, nesta aula, que a internacionalização passa por diversos aportes teóricos, desde as explicações do mercado até as organizacionais e comportamentais. Tendo em vista essa diversidade teórica, não podemos afirmar categoricamente que no mundo globalizado todos atuam da mesma forma ou que a cultura se homogeneizou. Ao contrário, as dimensões culturais ainda são extremante válidas para traçar a estratégia – não só do local e do mercado local estrangeiro, mas também dos funcionários e das flexibilidades que deveremos ter para que nosso processo de internacionalização prospere. 19 Com o quadro explicativo das principais teorias de internacionalização, bem como das dimensões culturais de Geert Hofstede, esperamos que desenvolva seu senso crítico sobre as propostas teóricas explicativas da internacionalização de empresas, universidades, ONGs e outras instituições públicas e privadas. Seja olhando mais para o mercado ou mais para os processos decisórios dos indivíduos, busque sempre apoio na experiência de outras instituições que quase sempre estão relatadas em artigos científicos, como mencionados na presente aula. 20 REFERÊNCIAS ANDERSSON, S. The internationalization of the firm from an entrepreneurial perspective. International Studies of Management and Organization. n. 30, v. 1, p. 63-92, 2000. BUCKLEY, P.; CASSON, M. The future of the multinational enterprise. London: Macmillan, 1976. DUNNING, J. The eclectic paradigm of international production: a restatement and some possible extensions. Journal of International Business Studies, USA, v. 19, n. 1, p. 1-31, 1988. HEMAIS, C.; HILAL, A. O processo de internacionalização da firma segundo a Escola Nórdica. In: ROCHA, A (Org.) A internacionalização das empresas brasileiras: estudos de gestão internacional. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. HYMER, E. Empresas multinacionais: a internacionalização do capital. Rio de Janeiro: Graal, 1983. KHAUAJA, D. Gestão de marcas na estratégia de internacionalização de empresas: estudo com franqueadoras brasileiras. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Estadual de São Paulo – USP, São Paulo, 2009. SANTANA, D. L. de; MENDES, G. A.; MARIANO, A. M. Estudo das dimensões culturais de Hofstede: análise comparativa entre Brasil, Estados Unidos e México. C@LEA – Revista Cadernos de Aulas do LEA, Ilhéus, n. 3, p. 1-13, nov. 2014. VERNON, R. International Investment and International Trade in the Product Cycle. The Quarterly Journal of Economics, v. 80, n. 2, 1, p. 190-207, 1966.
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