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Nota FA SESA 03-2017

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GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 
SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE 
NÚCLEO ESPECIAL DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA 
 
 NOTA TÉCNICA FEBRE AMARELA – SESA/ES 03/2017 
Assunto: Critérios de avaliação clínica dos casos de Febre Amarela conforme apresentação 
 
A Febre Amarela (FA) é uma doença viral aguda, de espectro amplo, indo desde formas 
assintomáticas até doença grave, de alta letalidade. Todas as formas de apresentação devem ser 
notificadas, na suspeita ou na confirmação, no máximo em 24 horas, para os três níveis 
conforme Portaria MS nº 204 de 17 de fevereiro de 2016. 
Estima-se que, das infecções, 40-65% são assintomáticas, 20-30% são formas leves e 
moderadas e 10-20% são formas graves, sendo que, destes últimos, 5-10% são formas malignas 
e evoluem a óbito. 
O período de incubação é de cerca de 3 a 6 dias, podendo se estender até 10 dias. A viremia se 
inicia 24-48hs antes do início dos sintomas e dura até 3-5 dias após início dos mesmos. 
Algumas pessoas desenvolvem quadros assintomáticos e outros oligossintomáticos e formas 
leves da doença, de difícil diagnóstico, exceto em vigência de epidemias ou surtos. 
Formas leve e moderada: sintomatologia incaracterística e se confunde com outras doenças 
infecciosas endêmicas, como dengue, chikungunya, malária, febre tifóide, hepatites virais, 
síndrome da mononucleose infecciosas, entre outras. 
Em geral, os sintomas na forma leve são febre baixa a moderada que pode vir acompanhada ou 
não de cefaléia discreta, astenia, indisposição, tonturas. Este quadro pode durar de horas até dois 
dias, findos os quais o paciente se recupera inteiramente e sem seqüelas. É uma forma silenciosa 
e discreta que pode se confundir até mesmo com mal estar passageiro, resfriado ou enxaqueca; 
de difícil diagnóstico mesmo em períodos epidêmicos, só possível através de provas específicas. 
Nas formas moderadas, o quadro é arrastado e visível. Caracteriza-se por início súbito de febre e 
cefaléia, náuseas (com ou sem vômitos), mialgias e artralgias que não incomodam o paciente 
nem dificultam sua locomoção. A cefaléia costuma ser duradoura e intensa, a febre se eleva e só 
cede com o uso de antitérmicos e a astenia se mostra mais pronunciada. Pelo menos um dos 
sintomas clássicos costuma acompanhar a doença. Pode ocorrer albuminúria, epistaxe, icterícia 
leve e, eventualmente, pode ocorrer o sinal de Faget (bradicardia acompanhando a febre 
elevada). O período de estado é mais longo, durando de 2 a 3 dias e a recuperação é completa, 
sem seqüelas. Estas formas são diagnosticadas em locais de surtos ou epidemias. 
 
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NÚCLEO ESPECIAL DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA 
 
Formas grave e maligna: o quadro clínico se inicia abruptamente com febre alta e cefaléia 
intensa. O sinal de Faget é evidente, as dores musculares generalizam-se e náuseas e vômitos 
estão presentes. A icterícia é franca, a albuminúria está presente, podendo se acompanhar de 
oligúria. Hemorragias podem ocorrer, sobretudo hematêmese e metrorragias. Esta forma 
costuma cursar por 5 a 7 dias. 
A forma grave é caracterizada quando pelo menos um dos sintomas clássicos (como 
hematêmese, oligúria/anúria ou icterícia) é encontrado. 
Na forma maligna, todos os três sintomas clássicos encontram-se presentes. Algumas vezes o 
quadro hepático se superpõe ao renal e a icterícia se mostra exuberante com bilirrubinas e 
aminotransferases muito elevadas, mas com aumento não muito pronunciado de uréia e 
creatinina, o que traduz pouco acometimento renal. Outras vezes se observa o inverso. No 
entanto, o mais comum é o quadro exuberante, florido, com riqueza de manifestações clínicas e 
importante envolvimento hepato-renal. O quadro evolui de modo bifásico (nem sempre 
presente) entre as quais há um período de remissão. 
A forma clássica (maligna) da doença se caracteriza por febre alta de início súbito chegando a 
39-40ºC, que não se acompanha de elevação da pulsação (sinal de Faget). Pouco tempo depois 
surge cefaléia holocraniana de forte intensidade, intensificação das dores musculares (sobretudo 
nas costas) e náuseas e vômitos freqüentes e intensos. Há intensas astenia e prostração com 
anorexia e tonturas. Esta fase, chamada de período de infecção ou prodrômico (onde há 
viremia), dura cerca de 2 a 3 dias. Em muitos pacientes, passado este período, ocorre uma 
sensação de melhora e cura iminente, com diminuição ou mesmo remissão da febre, diminuição 
das dores musculares, das náuseas e dos vômitos e a cefaléia se torna suportável. É o chamado 
período de remissão que dura geralmente 1 dia podendo se estender até 2 dias. Ao contrário dos 
indivíduos que apresentam as formas leve, moderada e grave (que realmente se curam), os 
indivíduos com a forma maligna da doença apresentam piora do quadro. Assim, se inicia o 
período de intoxicação, quando não há mais viremia e o vírus se localiza em órgãos como 
fígado, baço, coração e linfonodos entre outros. As náuseas e os vômitos retornam ou se 
intensificam, tornando-se hemorrágicos. Surgem outras hemorragias como as cutâneas, epistaxe, 
gengivorragias e melena. Acompanhando ou antecedendo as hemorragias, pode surgir 
plaquetopenia, por vezes tão intensa que pode chegar a 20.000/mm3. Eventualmente pacientes 
com plaquetopenia intensa podem não sangrar, ao passo que pacientes com plaquetopenias entre 
50.000-100.000/mm3 podem apresentar sangramentos profusos, que podem ser a causa do 
óbito. Na FA a hemorragia é de origem multifatorial, entre suas causas: plaquetopenia, 
 
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insuficiência hepática (comprometimento da síntese de fatores de coagulação) e coagulopatia de 
consumo (coagulação intravascular disseminada). A icterícia é intensa e se deve sobretudo ao 
aumento da fração direta da bilirrubina, com valores que podem chegar a 10mg/dl, podendo 
alcançar 20-30mg/dl. As aminotransferases se elevam muito, chegando, por vezes a 5000 e 6000 
U/ml, e com a concentração de TGO se elevando mais que a TGP, traduzindo o efeito citopático 
do vírus no miocárdio e na musculatura esquelética. Por volta do 5º ao 7º dia de doença, 
desenvolve-se o quadro renal, que se manifesta pela diminuição do volume urinário. Se a 
oligúria não for tratada adequadamente nesta fase, pode haver evolução para a anúria, devido à 
necrose tubular aguda. A maioria dos óbitos costuma ocorrer nesta fase. 
 
 
 
Exames laboratoriais inespecíficos para suspeita de FA: 
- Hemograma: leucopenia com neutropenia relativa, trombocitopenia (associada a coagulopatia 
de consumo), hemoconcentração precoce (com aumento de hemoglobina e hematócrito) com 
hemodiluição e hemorragias levando a queda de hemoglobina e hematócrito 
- Provas de coagulação: redução do fibrinogênio, presença de produtos de degradação da fibrina 
(indica coagulação intravascular disseminada), aumento do tempo de protrombina e do tempo 
de coagulação 
- Bioquímica: aumento da creatinina sérica, hipoglicemia (secundária a disfunção hepática), 
acidose metabólica 
 
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- Urinálise: níveis elevados de proteína urinária e aumento do urobilinogênio urinário 
- Testes de função hepática: aumento das transaminases (níveis de TGO superiores aos de TGP) 
que precede a icterícia. Aumento dos níveis de bilirrubina direta. O nível de disfunção hepática 
na fase aguda pode ser preditivo do curso clínico. 
- Outros: hipoalbuminemia (ocasionada por albuminúria, diminuição da síntese hepática de 
albumina e extravasamento de albumina através de dano endotelial), radiografia de tórax (pode 
demonstrar edema pulmonar ou infecções secundárias), exames de imagem de crânio como 
tomografia ou ressonância (podem evidenciar hemorragias intracranianas ou sinais deacometimento do sistema nervoso central por ação viral direta – encefalites) e eletrocardiograma 
e monitoramento cardíaco (arritmias) 
A literatura não fornece qualquer parâmetro laboratorial definidor de gravidade menor ou maior 
da FA. No entanto, o acometimento hepático é quase universal na FA grave e na FA maligna, o 
que permite a utilização de critérios de classificação de falência hepática, ainda que não 
formalizados para a FA. Para avaliação prognóstica de quadros de falência hepática aguda há o 
“Model for End-Stage Liver Disease” – MELD – que pode ser utilizado e calculado através do 
endereço eletrônico https://www.mdcalc.com/meld-score-model-end-stage-liver-disease-12-
older 
A mortalidade em 3 meses de acordo com o cálculo do MELD é a seguinte: 
 
Tratamento da FA: é basicamente de suporte, pois, até o momento, não há qualquer droga 
eficaz contra o vírus propriamente dito. Assim, recomenda-se repouso, hidratação, analgesia 
(evitando-se derivados do ácido acetil salicílico e antiinflamatórios que podem favorecer 
hemorragias e causar deterioração de função renal) e proteção gástrica (inibidores do receptor 
H2 ou inibidores de bomba de prótons). 
Valor do MELD Probabilidade de 
mortalidade
40 71,3%
30-39 52,6%
20-29 19,6%
10-19 6%
≤ 9 1,9%
https://www.mdcalc.com/meld-score-model-end-stage-liver-disease-12-older
https://www.mdcalc.com/meld-score-model-end-stage-liver-disease-12-older
 
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Casos leves e moderados: podem ser acompanhados em nível ambulatorial, com orientação e 
atenção especial ao período em que há melhora do quadro, devido ao risco de se desenvolver o 
período de intoxicação dentro dos 2 a 3 dias subseqüentes. Pode haver necessidade de 
internação em enfermaria de alguns casos para controle de dor, sintomas como náuseas e 
vômitos, assim como hidratação. Casos, ainda que moderados, que apresentem alterações 
laboratoriais importantes conforme acima descritos, indicadores de curso clínico desfavorável, 
devem ser internados em enfermaria, independente do restante do quadro clínico. A história 
clínica e o exame físico devem ser diários, detalhados e comparativos no evoluir da doença. 
Sinais de sepse, insuficiência hepática aguda, insuficiência renal ou hemorragias indicam 
necessidade de tratamento em nível de terapia intensiva. 
Casos graves e malignos: devem ser internados em leito de terapia intensiva, com estreito 
acompanhamento clínico e laboratorial, assim como casos de FA que apresentem manifestações 
menos comuns como acometimento de sistema nervoso central (encefalites) e miocardites. 
 
Tálib Moysés Moussallem – talibmoussallem.sesa@gmail.com 
Theresa Cristina Cardoso da Silva – theresa.cardoso10@gmail.com 
 
Referências: 
- Monath, TP. Treatment of Yellow Fever. Antiviral Research 78 (2008) 116-124 
- Monath, TP; Vasconcelos, PFC. Yellow Fever. Journal of Clinical Virology 64 (2015) 160-
173 
- Vasconcelos, PFC. Febre Amarela. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 
36:2 (2003) 275-293 
- Tomori, O. Yellow Fever: the Recurring Plague. Critical Reviews in Clinical Laboratory 
Sciences 41:4 (2004) 391-427 
- Gardner, CL; Ryman, KD. Yellow Fever: a Reemerging Threat. Clinics in Laboratory 
Medicine 30 (2010) 237-260 
 
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- Kamath, PR; Kim, WR. The Model for End-Stage Liver Disease (MELD). Hepatology 45:3 
(2007) 797-805 
- CDC: https://www.cdc.gov/yellowfever/index.html 
- OMS: http://www.who.int/topics/yellow_fever/en/ 
https://www.cdc.gov/yellowfever/index.html
http://www.who.int/topics/yellow_fever/en/

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