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ESTADO DE NECESSIDADE 1. Introdução e Conceito: Como já analisamos na AULA 01, o estado de necessidade consiste em causa de exclusão de ilicitude legal, prevista no inciso I, do Artigo 23 e no Artigo 24, do CP. O Artigo 24, do CP define o estado de necessidade como sendo: Artigo 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se. É causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir-se. No estado de necessidade existem dois ou mais bens jurídicos posto em perigo de modo que a preservação de um deles depende do sacrifício do outro. Como o agente não criou a situação de ameaça, pode escolher, dentro de um critério de razoabilidade ditado pelo senso comum, qual deve ser salvo. Podemos dizer que o conceito de estado de necessidade é uma situação de perigo atual de interesses protegidos pelo Direito, em que o agente, para salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem outro caminho senão o de lesar o interesse de outrem. 1.a.Fundamento – Tem como fundamento um estado de perigo para certo interesse jurídico, que somente pode ser resguardado mediante a lesão de outro. Há uma colisão de bens juridicamente tutelados causada por forças diversas, como um fato humano, fato animal, acidente ou forças naturais. 1.b.Natureza jurídica- Trata-se de causa de excludente de antijuridicidade ou excludente de ilicitude. Dispõe, o já mencionado artigo 23, I do Código Penal, que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade. Portanto, embora seja típico o fato praticado pelo agente, não será considerado crime. 2. Teorias A definição legal do estado de necessidade disposta na Parte Geral do Código Penal de 1984 não sofreu nenhuma alteração, inclusive, manteve a redação original do art. 20 do Código Penal de 1940. Dessa forma, manteve-se o ordenamento penal atado à teoria unitária. Para melhor explicar, cumpre assinalar que a doutrina reconhece a existência de duas teorias (ou critérios) que podem ser utilizados pelo legislador para reconhecer a caracterização do estado de necessidade. As teorias são: a) teoria unitária e b) teoria diferenciadora. a) Teoria Unitária – Para esta teoria a caracterização do estado de necessidade esta condicionada a razoabilidade do sacrifício do bem. Assim, considerando a existência de uma situação de perigo, bem como, diante da necessidade de sacrifico de um dos bens, para ser reconhecido o estado de necessidade, avalia-se se o sacrifício é razoável. Para teoria unitária, não existe comparação de valores, pois ninguém é obrigado a ficar calculando o valor de cada interesse em conflito, bastando que atue de acordo com o senso comum daquilo que é razoável. Importante frisar, ainda, que para a teoria unitária o estado de necessidade é sempre uma excludente de ilicitude. b) Teoria Diferenciadora – Para os ordenamentos jurídicos que adotam a teoria diferenciadora, o reconhecimento do estado de necessidade deve ser realizado mediante a ponderação de valores entre os bens e deveres em conflito, de maneira que a ilicitude será excluída somente quando o bem sacrificado for reputado de menor valor. Na teoria diferenciadora prevalece o critério objetivo de diferença de valor entre os interesses. Ou seja, quando o bem destruído for de valor igual ou maior que o preservado, o estado de necessidade continuará existindo, mas como excludente de culpabilidade, enquanto modalidade supralegal de exigibilidade de conduta diversa. Somente ocorre, para teoria diferenciadora, a exclusão da ilicitude quando o bem salvo for de maior valor. No caso do náufrago, por exemplo, que sacrifica a vida do companheiro para salvar a própria. Analisando dentro do raciocínio adotado pela teoria diferenciadora, há estado de necessidade, mas não há excludente da ilicitude e, sim da culpabilidade, como modalidade supralegal de exigibilidade de conduta diversa. O Código Penal vigente adota a teoria unitária e não a teoria diferenciadora, porém, sabe-se que esta última foi adotada nos artigos 39 e 41, do Código Penal Militar. O Código Penal Militar, Decreto-lei 1.001/1969 comportou o estado de necessidade exculpante em seu art. 39, e a possibilidade de atenuação da pena, art. 41. Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoávelmente exigível conduta diversa. Art. 41. Nos casos do art. 38, letras a e b , se era possível resistir à coação, ou se a ordem não era manifestamente ilegal; ou, no caso do art. 39, se era razoávelmente exigível o sacrifício do direito ameaçado, o juiz, tendo em vista as condições pessoais do réu, pode atenuar a pena. (BRASIL, 1940). Observações Interessantes!!! Analise os fragmentos jurisprudenciais abaixo: “Para configuração do estado de necessidade faz-se imperioso o requisito da proporcionalidade entre gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico do agente ou alheio e a gravidade da lesão causada pelo fato necessitado.”( TACRIM-SP – Ap. – Rel. Feiez Gattaz – RT 724/686) “Reconhece-se o estado de necessidade na conduta do agente que, sem possuir habilitação para dirigir veículo, toma a direção de automotor para levar o filho que estava acometido de febre ao hospital, pois estão evidentes os pressupostos legais da ocorrência da descriminante, isto é, proporcionalidade entre o bem que quis preservar e o que sacrificou.” (TACRIM – Ap. – Voto Vencido Eduardo Pereira – RJD 21/127) Cabe ao juiz analisar se estavam presentes as circunstancias fáticas ensejadora do estado de necessidade. “Uma vida humana vale mais do que qualquer objeto, mesmo obras de arte ou históricas, e do que a vida de um animal irracional.” Por outro lado, não é razoável exigir atos de heroísmo ou abdicação sobre humana, por exemplo, sacrificar a própria a vida para salvar de terceiro. Nosso ordenamento jurídico não nos exige que sejamos heróis. Assim, existe liberdade tanto para o julgador interpretar a situação concreta bem como consciência coletiva reinante à época dos fatos. Nos fragmentos acima transcritos, observamos que o julgador procura reconhecer o estado de necessidade de acordo com critérios de proporcionalidade. Por exemplo, no segundo fragmento, o agente, ao conduzir o veículo sem habilitação, coloca a coletividade em risco, em situação de perigo, em contrapartida, salva vida de pessoa humana. A proteção à coletividade é sacrificada de modo razoável diante da preservação da vida humana. Não se preocupa em verificar qual o bem que possui mais valor, mas simplesmente se foi razoável o sacrifício diante do perigo. 3. Requisitos: 3.a. Perigo atual ou iminente- Perigo atual é o presente, ou seja, o que está acontecendo; já o perigo iminente é o prestes a acontecer. A lei fala que para caracterizar o estado de necessidade o perigo deva ser atual. No entanto, há de se concluir que o perigo pode ser iminente, porquanto se o perigo está prestes a acontecer, não parece correto que a lei exija que ele espere que se torne real para praticar o fato necessitado. Inclusive, pode-se afirmar que essa situação de perigo pode ter sido causada por conduta humana ou fato natural, como por exemplo, o ataque de um cachorro que se encontra perdido numa rua. A jurisprudência citada abaixo demonstra uma situação de estado de necessidade com perigo atual. “Estado de necessidade comprovado. Se alguns anos depoisde constituída, a empresa encontra dificuldades financeiras, provocada pela crise econômica por que passa o país, para se manter, o que é demonstrado com a venda de seus bens patrimoniais e de seus sócios para fazer face aos seus débitos, preferindo pagar o salário dos empregados a deixar de recolher a contribuição previdenciária, há de se reconhecer o estado de necessidade, por ela não provocado. Exclusão da Ilicitude.”(TRF 1ª Região – Ap. Rel. Tourinho Neto – j. 17.02.1998 – RTJE 166/341). A jurisprudência é nítida quanto à necessidade atual de pagar os funcionários em detrimento do recolhimento de contribuições previdenciárias. Tanto o salário como a contribuição previdenciária estavam ameaçados pela crise econômica e, diante dos critérios da razoabilidade, a empresa entendeu que o salário, em razão de seu caráter alimentar (subsistência) deveria prevalecer em relação ao adimplemento diante do fisco e, dessa forma, optou-se pelo pagamento de salário. A tese é bastante interessante, já que retira a ilicitude do não recolhimento das contribuições previdenciárias, no caso, até mesmo, impossibilitando a aplicação de multa. O fragmento não se reporta a esfera penal, mas nos dá sólida noção do perigo atual que deve caracterizar o estado de necessidade. Continuando a análise jurisprudencial para fins de exemplificação, observe-se a jurisprudência abaixo: “Falta de habilitação para dirigir veículo em via pública – réu que toma veículo emprestado para dirigir-se a hospital onde sua esposa estava em processo de parto – paciente de organismo fraco e que não pode tomar determinados remédios – Informações de ser passadas aos responsáveis pelo parto – estado de necessidade caracterizado – absolvição mantida pela ocorrência desta hipótese” (TACRIM –SP – Ap. – Rel. René Ricupero – RT 725/593) Temos caracterizada situação de perigo atual: pessoa de organismo frágil em processo de parto e conflito de bens: saúde humana e segurança social. Outrossim, não estaria caracterizado o estado de necessidade, caso o perigo não fosse atual ou iminente, como é o caso do sujeito que porta indevidamente arma de fogo há muito tempo, sob alegação de garantia da segurança. Não é estado de necessidade, pois o perigo, no caso é futuro. Torna-se importane diferenciar perigo iminente de perigo futuro. Iminente é o que está prestes a ocorrer em razão dos desdobramentos dos fatos, já o perigo futuro é o que ocorrerá ou poderá ocorrer nos próximos horários e dias que se aproximam A jurisprudencia transcrita demonstra isso: “Porte de arma – Contravenção caracterizada – Estado de necessidade – O estado de necessidade socorre aquele que, em determinadas circunstancias pratica um ilícito penal ou contravencional. Não pode, entretanto alegar estado de necessidade pessoa que viola norma contravencional há muito tempo e não se preocupa em regularizar sua situação perante as autoridades constituídas” (TACRIM – SP – AC. – Rel. Almeidas Braga – RTJE 99/259) Portanto, o reconhecimento do estado de necessidade requer a ocorrência de perigo atual ou iminente que legitima a conduta do agente, e não um perigo em abstrato. 3.b. Ameaça a direito próprio ou alheio- estado de necessidade próprio ou estado de necessidade de terceiro. É certo que a expressão direito dever ser compreendida no seu mais amplo significado, ou seja, abrangendo qualquer bem jurídico, tais como: a vida, a integridade física, a honra, a liberdade e o patrimônio. E, neste sentido, a ocorrência do estado de necessidade pode ocorrer para salvar um bem jurídico do sujeito ou de terceiro, não se exigindo qualquer relação jurídica específica entre esses, isto é, não se exige uma relação de parentesco, amizade ou subordinação entre o agente e o erceiro necessitado. É claro que os interesses em litigío devem se encontrar protegidos pelo Direito. Se a ordem jurídica nega proteção a um dos bens jurídicos, fica afastada a ocorrência do estado de necessidade. Por exemplo, o condenado à morte não pode alegar encontrar-se em estado de necessidade, diante do carrasco. O foragido da prisão que furta roupas para não ser reconhecido não pode considerar-se acobertado pela excludente da ilicitude. 3.c. Situação de perigo não causada voluntariamente pelo sujeito. O código penal determina que pode se socorrer do estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual direito próprio ou alheio, " que não provocou por sua vontade". É fato que quem provoca uma situação danosa, não pode se socorrer do estado de necessidade para se salvaguardar. Por exemplo, um determinado passageiro causa, dolosamente, um incêndio num navio. Quando esse está afundando, o causador do incêndio mata um outro passageiro para se salvar com o salva-vidas. Nessa situação, o perigo foi provocado pelo agente que tenta se beneficiar da excludente de ilicitude e, portanto, não será permitido pelo Direito. “Não caracteriza a excludente de criminalidade do estado de necessidade a coduta de acampados “sem terra” que subtraem carga de caminhão contendo gêneros alimentícios e produtos de limpeza e higiene pois os próprios agentes, voluntariamente criaram a situação de necessidade eis que cientes de que faltariam alimentos para o sustento do grupo.”(TJMS – Ap. – j. 22.09.1999 – Rel Rubens Bergonzi Bossay – RT 773/637) José Frederico Marques in Tratado de Direito Penal, Bookseller, 1997, exemplifica: “O motorista imprudente que conduz seu carro em velocidade excessiva não poderá invocar estado de necessidade se, ao surgir à sua frente, num cruzamento, outro veículo, manobrar o carro para lado oposto e apanha um pedestre. O perigo criado pela marcha que imprimia ao carro, resultou de sua vontade ...” No entanto, a doutrina não é pacifica quanto a maneira que se provoca esse perigo, isto porque o Professor Damásio de Jesus entende que somente o perigo causado de forma dolosa não pode ser beneficiado pelo estado de necessidade. Para elucidar desta posição segue-se o seguinte exemplo . “A” joga fora o cigarro que fumava e, por um descuido, falta de dever de cuidado (culpa), o fogo do cigarro provoca um incêndio. Para o Professor Damásio de Jesus, a ilicitude de “A” esta excluída, não respondendo seja pelo crime de incêndio, seja por qualquer outro dano causado em razão de sua imprudência. Resumindo, a respeito da impossibilidade de alegação de estado de necessidade quando o perigo é causado pelo próprio agente, concluímos que há duas posições a respeito do assunto: 1ª posição – se o perigo foi causado pelo próprio agente, não se reconhece a excludente da ilicitude de estado de necessidade, seja doloso ou culposo. (Prof. Damásio de Jeus) 2ª posição – se o perigo foi causado pelo próprio agente de forma culposa, o estado de necessidade poderá ser reconhecido como excludente de ilicitude. (Assis de Toledo, Nelson Hungria, José Frederico Marques) 3.d. Inexistencia de dever legal de enfrentar perigo. Não pode invocar o estado de necessidade aquele que tem o dever legal de enfrentar o perigo. A expressão dever legal é controvertida para os doutrinadores, uns entendem que se refere somente às hipóteses legais, outros interpretam com amplitude maior. De qualquer sorte, quando a lei impuser dever legal, estará obrigado a salvar o bem ameaçado sem destruir qualquer outro, mesmo que para isso tenha que correr risco inerentes à sua função. Mesmo assim, quando for nítida a inutilidade do salvamento, o que inutilizaria o risco, a pessoa detentora do dever legal poderá recusar a cumpri-lo ... “ ... de nada adianta o bombeiro atirar-se nas correntezas de uma enchente para tentar salvar uma pessoa quando é evidente que, ao fazê-lo, morrerá sem atingir seu intento ...” Importante esclarecer que se o sujeito que tem o dever legal de enfrentar o perigo se encontrar fora da sua atividade específica, não há a obrigação de expor o seu bem jurídico a perigo de dano. Por exemplo, o comandante de navio, quando viajacomo simples passageiro, não tem a obrigação legal de enfrentar o perigo. Quando surge esse dever jurídico de enfrentar o perigo? o dever jurídico surge por: a-lei b- contrato, função tutelar ou encargo sem mandato c- anterior conduta do agente causadora do perigo Assim, percebe-se que há diferença entre dever legal e dever jurídico. No entanto, o Código Penal fala em dever legal. Desta forma, surge a seguinte questão: pode-se alegar estado de necessidade quem tinha o dever contratual, imposto por contrato ou função tutelar de enfrentar o perigo? Neste caso, o dever contratual de enfrentar o perigo não exclui a possibilidade do benefício do estado de necessidade. 3.e. Inevitabilidade do comportamento lesivo. Diz o Código Penal que se considera em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, "nem podia de outro modo evitar..." Significa que o agente não tem outro meio de evitar o perigo ao bem jurídico próprio ou de terceiro que não praticar o fato necessitado. É inevitável a realização do comportamento lesivo em face da inevitabilidade do perigo de forma diversa. Se o conflito de interesses pode ser resolvido por outra maneira, como pedido de socorro a terceira pessoa ou fuga, o fato não fica justificado. É preciso que o único meio que se apresenta ao sujeito para impedir a lesão do bem jurídico seja o cometimento do fato lesivo. Não é um conceito rígido, mas relativo, que deve ser apreciado pelas circunstâncias do caso concreto em que se vê envolvido o agente. Se o perigo pode ser afastado por uma conduta menos lesiva, a prática do comportamento mais lesivo não configura a excludente. Nesse sentido a posição jurisprudencial: “Motorista de ambulância que dispondo de outras opções, com culpa em grau acima da média, em momento crepuscular, sob chuva, adentra em contramão, em velocidade, provocando a colisão do veículo contra carro, de forma a destroçá-lo e a produzir a morte de pessoas – o estado de necessidade emana do conceito jurídico que não pode atingir elastério tal para encobrir condutas iníquas de indivíduos carentes de desequilíbrio, auto-controle emocional e precipitados a tal ponto que perpetrem desatinos exculpação, de todo descabida. Somente verte aceitável o estado de necessidade na existência de alternativa razoável capaz de evitar infortúnio maior. Apenas se materializa quando for o único meio presente no momento apto a conjurar o inesperado, dotado este de ingrediente lesivo imediato.” (TARS – Rel. Luiz Gonzaga Pila Hofmeister – JRARS 73/32) O estado de necessidade para justificar uma ação típica deve ser da mais alta gravidade, sendo imperioso, ainda, a necessidade imprescindível do agente para salvar o bem. A jurisprudência também nos apresenta hipótese do sujeito que passa a desenvolver atividade criminosa alegando dificuldades financeiras. Contudo, a ação criminosa deve ser a última saída para salvaguardar o bem “subsistência” a que o exemplo se refere. Entende-se que existem vários outros modos de garantir a subsistência diferentes do crime e, portanto, a hipótese não se trataria de estado de necessidade. 3.f. Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado. Só é possível o estado de necessidade para salvaguardar interesse próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se (art. 24, caput, in fine, do Código Penal). É o requisito da proporcionalidade entre a gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico do agene ou alheio e a gravidade da lesão causada pelo fato necessitado. Como exemplo, não se admite a prática de homicídio para impedir a lesão de um bem patrimonial de valor ínfimo. Não se estabelece diferença entre bem jurídico pessoal e patrimonial. A situação de perigo e a prática do fato necessário, que apresenta o conflito de interesses, devem ser analisadas também do ponto de vista do tempo de medir o valor dos bens em litígios. Não há tempo para calcular, ponderar, mas sim para agir. Sobre o assunto, a Exposição dos motivos do Código Penal de 1940 diz o seguinte: " O estado de necessidade não é um conceito absoluto: deve ser reconhecido desde que ao indivíduo era extramamente difícil um procedimento diverso do que teve. O crime é um fato reprovável, por ser a violação de um dever de conduta, do ponto de vista da disciplina social ou da ordem jurídica. Essa reprovação deixa de existir e não há crime a punir, quando, em face das circunstâncias em que se encontrou o agente, uma conduta diversa da que teve não podia ser exigida do homo medius, do comum dos médios". Portanto, em tese, admite-se a excludente mesmo quando o fato necessário lesa um bem jurídico de valor maior que o protegido, desde que esteja presente o requisito da proporcionalidade. 3.g. Elemento subjetivo do estado de necessidade conhecimento da situação o do fato justificante. A excludente do estado de necessidade não pode ser analisada somente sob enfoque objetivo. Isto significa que, além da verificação dos pressupostos objetivos, é mister, para sua caracterização, que se analise o elemento subjetivo da justificação, ou melhor, a opinião ou crença do agente no momento em que atua em situação de necessidade. O agente DEVE atuar PARA SALVAR O BEM AMEAÇADO, ou seja, deve ter consciência da situação de perigo e agir para evitar lesão. A inexistência desse requisito faz desaparecer o estado de necessidade, sendo a ação antijurídica. Assim, não age em estado de necessidade quem furta um medicamento raro e valioso para fins puramente lucrativos e, ao chegar em casa, o subministra a seu cônjuge que, nesse intervalo, havia contraído uma enfermidade delicada, só suscetível de regressão por esse meio ao qual o delinquente não poderia recorrer em outras circunstancias, dada a exigibilidade de seus recursos. Se na mente do agente cometia um crime, ou seja, se a sua vontade não era salvar alguém mas provocar um mal, inexiste estado de necessidade, mesmo que, por uma incrível coincidência, a ação danosa acabe por salvar um bem jurídico. 4. Formas de Estado de Necessidade A doutrina nos apresenta três critérios quanto a forma pela qual o estado de necessidade é demonstrado: a) quanto à titularidade do bem protegido: a.1 – próprio – quando o bem jurídico próprio é defendido. Ex: “tabua da salvação – náufragos” a.2 – de terceiro – quando o bem jurídico pertencente a terceiro é protegido. Ex: o marido para salvar a esposa, dirige veículo, mesmo sem habilitação, para levá-la ao hospital. b) quanto ao aspecto subjetivo do agente: b.1 – real – a situação de perigo existe. b.2 – putativo – a situação de perigo é imaginária (nesse caso, é necessário nos reportar à aula de “erro de tipo” , a existência ou não do crime estará condicionada na inevitabilidade do erro) c) quanto ao terceiro que sofre a ofensa: c.1- defensivo – a agressão dirige-se contra o provocador dos fatos. Ex: náufragos – tabua da salvação, onde um tenta matar o outro para sobreviver. c.2 - agressivo – o agente destrói bem pertencente a terceiro inocente. Observe abaixo situação prática e real interessantíssima em que se verifica a existência do estado de necessidade agressivo: “Se o agente, ferido a faca no peito e com sangramento preocupante – sem ter ninguém a lhe prestar socorro – utiliza- se do próprio veículo em busca de assistência médica, age, justificadamente, sob estado de necessidade, não lhe sendo de imputar culpa por atropelamento, devido à imprudência (excesso de velocidade) ou imperícia (desgoverno do conduzido), máxime em virtude de sofrer perda dos sentidos no momento do acidente. E, se sacrificar o próprio semelhante pode não ser moral, certamente é jurídico, pois o Direito não pode desconhecer o instinto da conservação.” (TACRIM – SP – AC – Rel. Gonçalves Nogueira – JUTACRIM 96/156) No exemplo prático contido na jurisprudência transcrita temos que a integridade física de terceiro foi sacrificada para salvar a vida doagente. Houve agressão a bem de terceiro para salvar outro, seguindo os critérios da razoabilidade. 5. Causa de diminuição de pena. O parágrafo 2o do artigo 24 do Código Penal diz: Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços". Significa dizer que, embora reconheça que o sujeito estava obrigado a uma conduta diferente, pelo que não há estado de necessidade e deve responder pelo crime, o juiz pode reduzir a pena. Quando se encontrar numa situação fronteiriça deve o juiz afastar a excludente de ilicitude e reduzir a pena. Em outras oalavras, significa que, mesmo não se tratando de estado de necessidade, mas diante das circunstâncias, que não justificam o crime, diminui-se a censurabilidade da conduta, autorizando a redução da pena. É, portanto, uma culpabilidade diminuída. 6.Observações Finais: Para fins de complementação é interessante realizar a abordagem de três outras situações bastante comentadas no estudo do “estado de necessidade”, senão vejamos: a) Crimes Habituais e permanentes - Em regra, não se admite, em razão da ausência de atualidade no perigo. Observe os julgados abaixo: “Jogo do bicho – Alegado estado de necessidade – a alegação consistente em ter o agente agido em estado de necessidade não encontra amparo no direito, posto não ser esta justificativa compatível com as infrações de caráter permanente.” (TACRIM – SP – AC – Rel. Jacobina Rabello – JUTACRIM 82/467) Contudo, analise o julgado abaixo: “O reconhecimento do estado de necessidade para quem exercita ilegalmente a arte dentária na zona rural é admissível quando não há profissional habilitado em região afastada dos grandes centros.” (TAMG – HC – Rel. Gudesteu Bíber – RTAMG 26-27/526 e RT 623/348) Note-se que a jurisprudência e, acrescente-se que, também a doutrina admitem o estado de necessidade mesmo em crimes habituais e permanentes em casos extremos, como o de um particular que exerce ilegalmente a medicina em uma ilha onde não há profissional habilitado tampouco ligação com mundo externo. b) estado de necessidade e dificuldades econômicas – a maior parte da jurisprudência não admite a mera alegação de miserabilidade do agente como causas excludentes da ilicitude. Somente, em se tratando de furto famélico, se comprovada a necessidade emergencial do furto de alimento para saciar, urgentemente, a fome do agente, é, em regra, aceita a excludente da ilicitude consistente no estado de necessidade. “O fato do autor do delito estar passando por dificuldades, situação da maioria dos brasileiros, não permite o reconhecimento do estado de necessidade, pois, para sua caracterização, não basta invocar os problemas dos dias em que vivemos, caso contrário, estar-se-ia legalizando a conduta dos marginais que, por não exercerem profissão que lhes garanta a subsistência, atacam o patrimônio alheio.” (TACRIM – SP – Ap. – Rel. Eduardo Goulart – j. 28.05.1998 – RJTAcrim 39/130)
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