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ILICITUDE (ANTIJURIDICIDADE) 1. Introdução O ato ilícito é definido pelo Artigo 186, do Código Civil, nos seguintes termos: “Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito.” Para iniciar o estudo a respeito da ilicitude, vamos defini-la como tudo aquilo que contraria a ordem jurídica. Assim, ilicitude é a contradição entre a conduta praticada por um ser humano e o ordenamento jurídico vigente. Desta forma, em que pese alguns autores refutarem o signo antijuridicidade como sinônimo de ilicitude, é certo também que boa parte da doutrina considera aquele termo até mesmo mais correto para o assunto, já que observa que a definição de ato ilícito, trazida pelo Código Civil, não se trata apenas de sua contrariedade à lei, mas sim, ao ordenamento jurídico como um todo. Ou seja, atos violadores da moral, dos costumes, dos entendimentos jurisprudenciais, e também, de textos normativos. Portanto, em nossas exposições, em razão do Código Penal Brasileiro referir-se à matéria como ilicitude, adotaremos a definição de antijuridicidade como sendo seu sinônimo. Tendo em vista o conceito apresentado, vejamos alguns exemplos de fatos ilícitos (antijurídicos) nos mais diversos ramos do Direito: I – estacionar um veículo automotor em local proibido (antijuridicidade ao Direito Administrativo de Trânsito com sanções previstas no Código de Trânsito Brasileiro); II – deixar de pagar a prestação locatícia prevista em um contrato de locação de imóvel (antijuridicidade ao Direito Civil com sanções previstas no próprio contrato embasado na Lei de Inquilinato); III – a falta injustificada do empregado a um dia de trabalho ou a não concessão por parte do empregador ao descanso semanal remunerado de seu empregado (antijuridicidade ao Direito do Trabalho com sanções previstas na Consolidação das Leis do Trabalho), dentre outras tantas exemplificações que aqui poderia se alocar. Portanto, para analisar a ilicitude ou a antijuridicidade, há que se verificar se o ato é contrário à lei ou ao ordenamento jurídico como um todo. Transportando esse conceito para o nosso ramo de ensino, o que poderia ser apontado como ilicitude para o Direito Penal? A resposta, de imediato, seria absolutamente clara, qual seja... a prática de um fato tipificado como infração penal, tendo como sanção as penas a ele cominadas. Neste caso, estaríamos afirmando que ilicitude para o Direito Penal seria a própria tipicidade do fato. Fosse esse o conceito de ilicitude para o Direito Penal, para entender o conceito analítico de crime, precisaríamos realmente estudar a ilicitude de maneira separada da tipicidade? Por que estudar tipicidade e antijuridicidade, já que elas seriam a mesma coisa? A resposta à indagação acima nos traz o entendimento necessário do que significa a antijuridicidade para o Direito Penal. Quer dizer, na análise realizada para verificar se um fato é criminoso, em primeiro momento, pesquisa-se se ele esta assim definido em lei como infração penal. Ou seja, se o fato é típico. Em seguida, observa-se, no restante do mesmo ordenamento jurídico (exceto aquele ponto do ordenamento onde já se encontrou a tipicidade do fato), se existe alguma autorização jurídica para que o fato típico aconteça. Quer dizer, se o fato, ainda que seja típico, é jurídico (autorizado pelo Direito), ou se ele, sendo típico, não encontra qualquer amparo no restante do ordenamento jurídico, então, típico e ilícito, ou típico e antijurídico. Como exemplo, podemos citar o homicídio, explicando que se trata de um crime pois é previsto no Art. 121 do Código Penal Brasileiro (Matar alguém. Pena – reclusão, de seis a vinte anos). Mas, ao se analisar o fato no qual Maria teria matado João, para aponta-lo como crime, precisaríamos pesquisar se nas circunstâncias em que Maria matou João, não é encontrada, em algum ponto do ordenamento jurídico, uma autorização para que isso pudesse acontecer. Melhor explicando, se Maria matou João porque este tentava estuprá-la naquele exato momento, e não havia outra forma de repelir a agressão injusta que sofria, Maria teria matado João em legítima defesa. Então, Maria teria praticado homicídio (fato típico), mas não antijurídico (carente de ilicitude). Logo, Maria não teria cometido crime. Esta soma mencionada no parágrafo anterior, é explicitada por Eugenio Raúl Zaffaroni em sua definição de “tipicidade conglobante”. A tipicidade que engloba ao mesmo tempo as antijuridicidades formal (tipicidade) e material (ilicitude) do crime. 2. Ilicitude x Injusto Quando se estuda a definição de crime, seja sob o enfoque bipartido ou tripartido da teoria finalista da conduta, a tipicidade e a ilicitude sempre são vistas como componentes essenciais do conceito analítico da infração penal. Por sua vez, diverge a doutrina no tocante à alocação da culpabilidade dentro deste conceito. Como já observado, a tipicidade consiste na observação da previsão do fato na lei, e a ilicitude, na sua contrariedade frente ao restante do ordenamento jurídico. Ambas não comportam gradações ou escalonamentos, isto é, o fato é típico ou atípico, lícito (jurídico – autorizado pelo ordenamento jurídico) ou ilícito (antijurídico). Neste sentido, um crime de lesão corporal, por ser contrário à lei, é tão ilícito quanto um latrocínio. Quer dizer, as constatações da tipicidade e da ilicitude estão relacionadas às suas contrariedades à lei e ao ordenamento jurídico como um todo. Em contrapartida, o injusto é a contrariedade do fato em relação ao sentimento social de justiça, ou seja, pode ser considerado como uma quantificação da reprovabilidade do agente criminoso pelo fato típico e antijurídico praticado. Quer dizer, o injusto pode ser graduado como maior, menor, ou, até mesmo, inexistente. Desta forma, o sentimento daquilo do quanto um fato é injusto, deve ser medido na análise de culpabilidade do agente. Por outro lado, observe- se também que não há que se confundir a existência de uma justificativa para prática de um fato típico (afastamento da ilicitude) com a medição explicada neste parágrafo. Concluindo, a medição de injustiça é um dos pontos a serem considerados no estudo da culpabilidade do agente pelo fato. Já a justificativa para a prática do fato típico é circunstância que afasta a antijuridicidade da conduta, excluindo a tipicidade conglobante, fazendo com que o acontecimento deixe de ser considerado infração penal. 3. Ilicitude formal x ilicitude material I) Ilicitude Formal – é a previsão legal direta e abstrata daquilo que é considerado ilícito ou contrário ao ordenamento jurídico para o Direito Penal. Neste caso, quando se fala em ilicitude ou antijuridicidade formal esta a se analisar a tipicidade do fato. Quer dizer, ao se observar um homicídio como um fato em abstrato, verifica-se que esta previsto na lei penal como crime. Portanto, é formalmente antijurídico. Logo, é típico. II) ilicitude material: é a análise do fato em concreto, já verificado como típico (formalmente ilícito ou antijurídico), frente ao restante do ordenamento jurídico como um todo. Assim sendo, já houve uma análise que o fato se amolda à uma previsão legal criminal, cabe, então, a verificação se existe algum ponto na ordem jurídica que autorize aquele fato a acontecer na forma como se apresentou. Por exemplo, se analisarmos a conduta de Maria quando matou João, podemos concluir de imediato que se configura formalmente ilícita, ou seja, proibida. Porém, se for detectada a presença de alguma circunstância que algum outro ponto da normatização autorize aquele acontecimento (tal como a legítima defesa ou o estado de necessidade), o fato será formalmente ilícito (típico), mas materialmente lícito (jurídico). Diante da comparação, verifica-se que o Direito Penal Brasileiro analisa a ilicitude sob seu enfoque material, restando à antijuridicidade formal, o estudo da tipicidade. 4. Ilicitude objetiva x ilicitude subjetiva I) Ilicitude objetiva:é a ilicitude observada sob o enfoque concreto do fato. Traduz-se pela visão externa ao agente sobre antijuridicidade do acontecimento. Quer dizer, trata-se da antijuridicidade percebida pelos olhos da sociedade, ainda que possa acontecer do agente não perceber o caráter ilícito daquilo que praticou. II) Ilicitude subjetiva: definida pela visão do próprio agente em relação à conduta que praticou. É a análise da consciência da ilicitude do fato aos olhos da pessoa que o praticou. Diante da comparação, percebe-se que o Direito Penal Brasileiro analisa a ilicitude sob o enfoque objetivo. Por sua vez, estudar a ilicitude subjetiva, nada mais é do que pesquisar a culpabilidade do agente, verificando o seu conhecimento da antijuridicidade acerca do fato que praticou. 5. Ilicitude e Caráter Indiciário do Fato Típico Segundo o Professor Fernando Capez: “O tipo penal possui uma função seletiva, segundo a qual o legislador escolhe, dentre todas as condutas humanas, somente as mais perniciosas ao meio social, para defini-las em modelos incriminadores”. O fato típico, por si só, é considerado ilícito, isto é, o fato típico, por si só, é considerado ato atentatório à ordem jurídica. Isto porque o direito penal tratou de separar todas as condutas que são consideradas mais danosas à sociedade, portanto, resta lógico, que se o fato típico prevê ação extremamente danosa aos bens mais relevantes da sociedade, evidentemente, que se configurado, por conseqüência, será ilícito. Por exemplo, tenha em mente o tipo penal do homicídio, qual seja, “matar alguém”. A mera leitura do tipo ou a constatação da conduta na vida prática já nos faz pressupor que a conduta contraria a ordem jurídica. No entanto, a conduta “matar alguém” só não apresentará contradição à ordem jurídica, ou melhor, só não será ilícita, se apresentar uma causa que exclua a sua ilicitude (excludente de ilicitude). Concluindo, o tipo penal é por natureza formalmente ilícito. Já o fato típico só deixará de configurar um crime caso nele seja encontrada alguma causa que exclua sua antijuridicidade sob o aspecto material. Essas causas de exclusão serão estudadas nos próximos itens e nos módulos seguintes a este. 4. Causas de exclusão da ilicitude (descriminantes) Conforme abordado no item anterior, pressupõe-se, desde início, que todo fato típico é ilícito, salvo se presente algo (uma causa) que exclua materialmente sua ilicitude, afastando, assim a sua tipicidade conglobante. A estas causas, em razão de afastarem o caráter de crime do fato, são conferidos os nomes de excludentes de ilicitude (antijuridicidade), descrimantes ou justificantes. Jamais confundi-las com as denominadas exculpantes, que são as causas de afastamento da culpabilidade do agente, a serem estudadas nos módulos destinados à culpabilidade. Na legislação, é possível diferenciar uma descrimante de uma exculpante por meio da sua redação. Por exemplo, o Art. 23 do Código Penal Brasileiro, ao definir as causas de exclusão genéricas da ilicitude, expõe que: “Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.” Note-se: “Não há crime quando o agente pratica o fato...”. Verifica-se ser uma descriminante em razão do dispositivo expressar que fica afastado o caráter de crime do fato. O mesmo ocorrendo com o Art. 128: “Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.” que ao prever as causas legais de aborto necessário e humanitário, assim expressa “Não se pune o aborto praticado por médico...”. Quer dizer, o aborto (fato) deixa de ser punível, ou seja, outro apontamento relacionado a uma descriminante, que faz com que o fato, apesar de tipificado pelo artigo 126 do Código, tenha a sua ilicitude excluída, afastando, assim, seu caráter de criminoso. Por sua vez, as exculpantes são identificadas através da isenção de pena ou não punibilidade do agente. Basta observar o exemplo do Art. 26, ao definir a inimputabilidade: “Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” Salta aos olhos que: “é isento de pena o agente...”. Ou seja, diferencia-se da descriminante por se referir à impunibilidade do agente, e não do fato. 5. Causas supra legais de exclusão da ilicitude: Muito embora a legislação imponha numero determinado de causas que excluem a ilicitude, sabe-se que o direito é o equilíbrio da vida social, sendo que este, em virtude de costumes ou até mesmo do sentimento coletivo de moral, pode impor normas que possibilitem a exclusão do antijurídico. Esta mencionada causa supra legal de exclusão de ilicitude esbarra mesmo em confusão com a descriminante prevista como exercício regular de direito. Isto porque, se considerarmos esta justificante poderíamos supor que o mencionado exercício seria uma conduta prevista em lei como algo autorizado. Mas e se esta autorização não estiver prevista em texto normativo, e for apenas um costume socialmente adotado ou aprovado pelas moral e ética comum? Isto quer dizer que as hipóteses que permitem a exclusão da ilicitude não são limitadas ao rol legal, mas podem ser estendidas diante dos costumes, da moral e da ética da própria sociedade. Suponha que o recém nascido de sexo feminino tem suas orelhinhas furadas para inserção de brinco. Os pais, o farmacêutico ou o médico estariam praticando crime de lesão corporal??? Evidentemente que não, já que por costume social a ilicitude, nesse caso é excluída, não por causa legal (pois não esta expressa na lei) mas por causa supra legal (advinda dos costumes da sociedade). 6. Causas legais de exclusão da ilicitude Consistem nas causas, expressas na legislação, que, se constatadas, excluem a ilicitude do fato e, portanto, seu caráter de crime. São elas: - estado de necessidade - legítima defesa - estrito cumprimento do dever legal - exercício regular de um direito
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