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Imunoterapia para Tumores Oncologistas e imunologistas trabalham há muitos anos em abordagens imunológicas para tratar pacientes com câncer, mas foi apenas recentemente que descobertas excitantes e amplamente aplicáveis foram usadas com sucesso no tratamento de pacientes (Fig. 18.7). Um dos principais motivos para o interesse em tratamentos imunológicos é o fato de a maioria das terapias estabelecidas para o câncer serem baseadas em fármacos (quimioterapia) ou radiação que matam células em divisão ou que bloqueiam a divisão celular, além de serem tratamentos que produzem efeitos prejudiciais nas células normais em proliferação. Como resultado, o tratamento de cânceres causa significativa morbidade e mortalidade. Teoricamente, as respostas imunes aos tumores podem ser altamente específicas para células tumorais e, assim, não lesar a maioria das células normais. Dessa forma, a imunoterapia tem o potencial de ser o tratamento mais tumor-específico que é possível idealizar. Avanços recentes na identificação de antígenos tumorais e métodos para modificar geneticamente as células T de modo a torná-las específicas para esses antígenos nos aproximaram ainda mais da imunoterapia altamente tumor- específica. As abordagens inovadoras utilizadas atualmente na clínica estimulam a resposta imune para controlar tumores, não são totalmente específicas para antígenos tumorais e produzem efeitos colaterais de dano aos tecidos normais. Mesmo assim, as abordagens propiciam grande benefício a muitos pacientes. FIGURA 18.7 História da imunoterapia do câncer. Algumas descobertas importantes no campo da imunoterapia do câncer são resumidas. (Modificado de Lesterhuis WJ, Haanen JB, Punt CJ: Cancer immunotherapy – revisited. Nat Rev Drug Disc 10:591, 2011.) BCG, Bacilo de Calmette-Guérin; CAR, receptor antigênico quimérico; CTLA-4, cytotoxic T lymphocyte-associated protein 4; FDA, Federal Drug Administration; HPV, papilomavírus humano; PD-1, programmed cell death protein 1; PD-L1, PD-ligand 1. O segundo dentre os principais motivos para explorar as abordagens imunológicas no tratamento de tumores é que os fármacos citotóxicos têm fracassado em promover benefícios duradouros na maioria dos cânceres, que então acabam se espalhando pelo corpo, além de seu sítio de origem. Como a memória de longa duração é uma característica cardinal das respostas imunes adaptativas, e a imunidade é sistêmica, é possível que tão logo seja alcançada uma resposta imune adaptativa efetiva a um tumor, tal resposta seja sustentada por um longo período e seja efetiva no corpo inteiro. Nesta seção, descreveremos esses e outros modos de imunoterapia tumoral. Bloqueio de Pontos de Controle: Bloqueando Vias de Inibição das Células T O bloqueio de moléculas inibidoras da célula T emergiu como um dos métodos mais promissores para intensificar efetivamente as respostas imunes dos pacientes aos seus tumores. Essa abordagem é baseada na ideia de que as células tumorais exploram diversas vias normais de imunorregulação ou tolerância para evadir a resposta imune do hospedeiro, conforme já discutido. Como esses mecanismos de inibição estabelecem pontos de controle (checkpoints) nas respostas imunes, a abordagem de estimular respostas imunes com um fármaco que inibe os inibidores é chamada bloqueio de pontos de controle (Fig. 18.8). O primeiro fármaco dessa classe a ser desenvolvido é um anticorpo monoclonal específico para CTLA-4, o receptor inibidor em células T para B7 (Capítulo 15). A terapia com anti-CTLA-4 está aprovada para o melanoma avançado, sendo efetiva para retardar a progressão tumoral em muitos, mas não na maioria dos pacientes. Esse anticorpo pode funcionar não só bloqueando a ação de CTLA-4 como também (talvez) depletando Tregs que expressam altos níveis de CTLA-4. Conforme discutido, as respostas de células T contra tumores também podem ser inibidas pela via PD-L1/PD-1. O bloqueio de PD-1 ou seu ligante, PD-L1, com anticorpos parece ser ainda mais efetivo do que o anti-CTLA-4 na intensificação do killing tumoral pelas células T e contenção da progressão de cânceres avançados letais nos pacientes. Os anticorpos anti-PD-1 e anti-PD-L1 também causam efeitos adversos menos graves (descritos adiante) do que o anti-CTLA-4, e agora estão aprovados para uso no tratamento de vários tipos de cânceres metastáticos, incluindo melanoma, carcinomas de pulmão, carcinomas renais, carcinomas de bexiga, carcinomas de cólon e linfoma de Hodgkin. Os anticorpos atualmente são considerados a terapia de primeira linha para alguns tumores que já metastatizaram. Um bloqueio combinado de PD-1 e CTLA-4 parece ser mais efetivo contra certos cânceres do que o bloqueio isolado de um ou outro, e seu uso está aprovado para vários cânceres. Em cada paciente, a maioria das células T antitumorais responsivas a este tipo de terapia são células T CD8+ que reconhecem neoantígenos apresentados por moléculas do MHC de classe I. FIGURA 18.8 Bloqueio de pontos de controle. Pacientes com tumor frequentemente montam respostas de célula T ineficientes contra seus tumores, devido à regulação positiva de receptores de inibição, como CTLA-4 e PD-1, nas células T tumor- específicas, bem como à expressão do ligante PD-L1 nas células tumorais. Anticorpos bloqueadores anti-CTLA4 (A) ou anti-PD-1 ou ainda anti-PD-L1 (B) são altamente efetivos no tratamento de vários tipos de tumores avançados, via liberação da inibição de células T tumor-específicas por essas moléculas. O anti-CTLA4 pode atuar bloqueando CTLA-4 nas células T efetoras (mostrado) ou em Tregs. Os efeitos adversos comuns do tratamento de bloqueio de pontos de controle para cânceres são as reações autoimunes e inflamatórias, o que é previsível à luz dos papéis conhecidos de CTLA-4 e PD-1 na manutenção de autotolerância e na regulação das respostas de célula T. As reações adversas mais frequentes são a inflamação do cólon, pulmão, fígado e vários órgãos endócrinos, embora muitos outros órgãos e tecidos, incluindo músculos e coração, possam ser afetados. Em pacientes tratados com bloqueio de pontos de controle, as reações autoimunes costumam ser incomuns, no sentido de não serem comumente vistas em pacientes que desenvolvem autoimunidade espontânea. Por exemplo, o diabetes tipo 1 instável de aparecimento agudo, as lesões da glândula hipófise e a miocardite se desenvolvem nestes pacientes tratados, mas raramente ocorrem em outro contexto. Em muitos, mas não todos os casos, essas reações podem ser controladas com medicações anti-inflamatórias, como corticosteroides, ou corrigidas com terapia de reposição hormonal. Mais de 50% dos pacientes tratados com anti-CTLA-4 ou anti-PD-1 não respondem a esses fármacos ou desenvolvem resistência após uma resposta inicial. Existem várias razões possíveis para essas falhas terapêuticas. • É improvável que a terapia de bloqueio de pontos de controle funcione em pacientes com tumores que têm relativamente poucas mutações somáticas codificando neoantígenos devido à existência de poucos clones de células T tumor-específicas que serão responsivos. • A natureza do infiltrado celular em torno do tumor é preditiva da resposta ao bloqueio de pontos de controle. Em geral, células T efetoras abundantes, mesmo quando exibem fenótipo de células disfuncionais (ou exaustas), são preditivas de uma resposta favorável, enquanto os infiltrados celulares escassos ou a abundância de Tregs são preditivos de respostas precárias. Futuramente, os ensaios para células T que expressam receptores antigênicos (TCRs, do inglês, T cell receptors) específicos para neoantígenos poderão ser combinados à análise de abundância de neoantígeno, de modo a fornecer um valor preditivo maior. • Muitos tumores não têm a vantagem da via de PD-1/PD-L1 como estratégia para evasão da imunidade antitumoral e, em vez disso, empregam outros mecanismos de imunoevasão. Consistente com esse conceito, níveis baixos de expressão de PD-L1 em alguns tipos tumorais, detectados por imuno-histoquímica, são preditivos de uma respostaprecária à terapia de anti-PD-1. • Tumores expressando PD-L1 inicialmente responsivos à terapia anti-PD-1 podem se tornar resistentes na presença da resposta imune forte. A resistência adquirida poderia se dar pelo crescimento seletivo de clones de células tumorais que expressam outras moléculas, que não PD-L1, capazes de inibir as respostas de células T. Alternativamente, podem ser selecionados clones de células tumorais que induzem as células T a expressarem outros receptores de pontos de controle além de PD-1. Uma meta importante dos oncoimunologistas e dos oncologistas é identificar biomarcadores que possam predizer quais pacientes responderão melhor a qual terapia de bloqueio de pontos de controle. Para aumentar o percentual de pacientes responsivos ao bloqueio de pontos de controle, os oncologistas estão testando a eficácia do bloqueio concomitante de mais de um receptor de inibição, para diminuir a probabilidade de os tumores escaparem da terapia. Já foi demonstrado que a combinação de anticorpos contra CTLA-4 e PD-1 é mais efetiva do que um ou outro anticorpo isolado. Entretanto, presumivelmente, a terapia combinada leva uma incidência maior de reações autoimunes. Outras abordagens incluem a combinação do bloqueio de pontos de controle com vacinas antitumorais (discutidas posteriormente), com inibidores de quinase que bloqueiam vias oncogênicas nos tumores, ou com um anticorpo agonista estimulador específico para um receptor de ativação presente em células T. Vacinação com Antígenos Tumorais A vacinação de indivíduos portadores de tumores com antígenos tumorais pode resultar em respostas imunes intensificadas contra o tumor. As primeiras tentativas de reforçar a imunidade antitumoral foram baseadas na imunoestimulação inespecífica. Mais recentemente, vacinas compostas por células tumorais mortas, antígenos tumorais recombinantes ou células dendríticas incubadas com antígenos tumorais foram testadas em modelos experimentais com animais e em estudos clínicos com pacientes de câncer. A identificação de peptídeos reconhecidos por CTLs tumor-específicos e a clonagem de genes codificadores de antígenos tumor-específicos reconhecidos por CTLs forneceu numerosos antígenos candidatos à inclusão em vacinas antitumorais. Novas tecnologias de sequenciamento de DNA agora são amplamente usadas para determinar com rapidez todas as mutações nas sequências de DNA codificadoras de proteína (exomas) dos genomas da célula cancerosa. Os algoritmos preditivos de ligação ao MHC são aplicados a esses dados para identificar os peptídeos mutantes mais propensos a se ligarem aos alelos de MHC de cada paciente. Estes avanços técnicos hoje permitem a identificação precisa de neoantígenos tumor-específicos em tumores individuais, e isso tem estimulado esforços para o desenvolvimento de abordagens de vacinação personalizadas (Fig. 18.9). FIGURA 18.9 Detecção de neoantígenos tumorais que elicitam respostas de célula T. O DNA tumoral pode ser purificado (1), e o sequenciamento do exoma pode detectar mutações ao acaso no genoma das células cancerosas (2). O algoritmo computadorizado pode então ser usado para determinar quais mutações ocorrem em sequências de aminoácidos codificadoras de peptídeos que se ligariam aos alelos do MHC no paciente (3). A validação dos peptídeos neoantigênicos putativos pode ser testada por meio de ensaios da resposta de célula T do paciente a estes peptídeos in vitro ou testando se os complexos MHC-peptídeo multiméricos podem se ligar às células T (4). Essa abordagem está sendo usada para criar vacinas antitumorais personalizadas. As estratégias de vacinação antitumoral empregam uma variedade de adjuvantes e métodos de aplicação. • As moléculas pró-inflamatórias são usadas para intensificar os números de células dendríticas ativadas no sítio de vacinação. Esses adjuvantes incluem ligantes de receptor do tipo Toll (TLR, do inglês, Toll-like receptor), como DNA CpG e dsRNA miméticos, além de citocinas como o fator estimulador de colônias de granulócitos-macrófagos (GM-CSF, do inglês, granulocyte- macrophage colony-stimulating factor) e IL-12. • Os antígenos tumorais são entregues na forma de vacinas de células dendríticas (Fig. 18.10). Nessa abordagem, as células dendríticas são purificadas de pacientes, incubadas com antígenos tumorais e, então, inoculadas de volta nos pacientes. Uma vacina à base de células atualmente está aprovada para o tratamento do câncer de próstata avançado. A vacina é composta de uma preparação de leucócitos do sangue periférico de um paciente enriquecida para células dendríticas, as quais são expostas a uma proteína de fusão recombinante consistindo em GM-CSF e o antígeno tumor-associado fosfatase ácida prostática. O GM-CSF promove a maturação das células dendríticas, as quais apresentam o antígeno tumoral e estimulam respostas de célula T antitumorais. Os desafios técnicos com as vacinas de células dendríticas são a necessidade de coletar as células de cada paciente e, então, de ter de expandi-las em cultura celular, o que é difícil de padronizar. • As vacinas de DNA e os vetores virais codificadores de antígenos tumorais estão sendo testados em estudos clínicos. Essas vacinas podem ser a melhor forma de induzir respostas de CTL, porque os antígenos codificados são sintetizados no citosol de células como as células dendríticas e entram com eficiência na via do MHC de classe I da apresentação antigênica. FIGURA 18.10 Vacinas de células dendríticas. As células dendríticas, geradas in vitro com base em monócitos sanguíneos de um paciente com tumor, podem ser pulsadas com antígenos tumorais definidos e infundidas de volta no paciente, onde apresentarão o antígeno a células T específicas para este antígeno e reforçarão a resposta imune tumor-específica. Em outras abordagens, as células dendríticas são transfectadas com um gene codificador de antígeno tumoral e, às vezes, também com uma citocina promotora de respostas imunes. Essas células, então, são usadas como vacinas. De modo geral, os resultados dos estudos realizados com numerosos tipos diferentes de vacinas tumorais têm sido inconsistentes e geralmente não muito bem-sucedidos. Isso provavelmente reflete a habilidade dos cânceres de evadir a imunidade do hospedeiro inibindo as respostas imunes. Em sua maioria, as vacinas tumorais são vacinas terapêuticas que precisam ser administradas depois de o hospedeiro ter desenvolvido o tumor (diferentemente das vacinas de prevenção de infecções). Para serem efetivas, as vacinas têm de sobrepujar a imunorregulação estabelecida pelos cânceres. O sucesso das terapias de bloqueio de pontos de controle, descritas anteriormente, têm criado a esperança de que a vacinação usada em combinação com terapias para bloquear a imunorregulação proporcionará benefícios adicionais. O desenvolvimento de tumores induzidos por vírus pode ser diminuído com a vacinação preventiva usando antígenos virais ou vírus vivos atenuados. Como mencionado antes, vacinas anti-HPV recém- desenvolvidas foram efetivas em diminuir a incidência de lesões pré- malignas induzidas por HPV na cérvice. Essa abordagem tem sido extremamente bem- -sucedida em diminuir a incidência de cânceres hematológicos induzidos pelo vírus da leucemia felina em gatos, bem como em prevenir a doença de Marek, um linfoma induzido pelo herpesvírus, em frangos. Terapia Celular Adotiva com Células T Antitumorais A imunoterapia celular adotiva é a transferência de células imunes mantidas em cultura com reatividade antitumoral para um hospedeiro portador de tumor. As células imunes derivam do sangue de um paciente com câncer ou de um tumor sólido, e são então tratadas de várias formas, in vitro, para serem numericamente expandidas e assim intensificar sua atividade antitumoral, antes da reinfusão de volta no paciente. Terapia de Célula T com Receptor Antigênico Quimérico A terapia adotiva usando células T expressando receptores antigênicos quiméricos (CARs, do inglês, chimeric antigen receptors) foi comprovadamentebem-sucedida em algumas malignidades hematológicas, e essa abordagem está incluída nos estudos para outros tumores. Os CARs são receptores produzidos por engenharia genética, com sítios de ligação antígeno tumoral-específicos codificados por genes variáveis de imunoglobulina (Ig) recombinante e caudas citoplasmáticas contendo domínios de sinalização tanto do TCR como dos receptores de coestimulação (Fig. 18.11). A razão para usar uma Ig com um sítio de ligação específico para o antígeno tumoral como receptor de reconhecimento, mesmo tendo de funcionar em células T, é que isso evita o problema da restrição ao MHC dos TCRs, de modo que o mesmo construto de CAR pode ser usado em qualquer paciente. O sítio de ligação à Ig está fixo a uma cauda citoplasmática produzida por engenharia genética contendo domínios de sinalização que normalmente exerceriam papéis essenciais na ativação da célula T. Até hoje, algumas variações de construtos de sinalização foram usadas em CARs desenvolvidos em diferentes centros, mas todas contêm os motivos ITAM da cadeia ζ do TCR e os motivos sinalizadores citoplasmáticos de receptores de coestimulação, como CD28 e 4-1BB (um membro da família do receptor de TNF). A expressão desses domínios sinalizadores confere ao receptor Ig tumor- específico a habilidade de ativar células T. FIGURA 18.11 Terapia de célula T com receptor antigênico quimérico. A, Células T isoladas do sangue de um paciente são expandidas em cultura com IL-2, anti-CD3 e anti-CD28, geneticamente modificadas para expressar receptores antigênicos quiméricos recombinantes (CARs), e transferidas de volta no paciente. B, CARs são compostos por um fragmento variável de cadeia única de Ig extracelular específico para um antígeno tumoral, e domínios sinalizadores citoplasmáticos que ativam células T, como os ITAMs de cadeia ζ do complexo TCR e os motivos no domínio citoplasmático dos receptores coestimuladores, como CD28 e 4- 1BB, que promovem ativação robusta da célula T. A terapia com células T-CAR tem sido bem-sucedida no tratamento de certas leucemias e linfomas. Nos protocolos atuais, as células T do sangue periférico de um paciente são isoladas, estimuladas com anticorpos anti-CD3 e/ou anti-CD28 para expandir todas as células T, e transfectá-las com vetores lentivirais ou retrovirais codificadores de CAR. As células T com expressão de CAR (T- CAR) expandidas são então inoculadas de volta no paciente. As células T transferidas sofrem uma robusta proliferação adicional no paciente, em resposta ao reconhecimento do antígeno tumoral por CAR. As especificidades dos TCRs nestas células T (que ainda estão presentes) se tornam irrelevantes para a meta de destruir as células tumorais, uma vez que todas as células transfectadas podem ser ativadas pelo antígeno tumoral que se liga ao sítio de ligação antigênico codificado pelo gene de CAR. O killing tumoral é conseguido por ambos mecanismos, citotóxico direto e mediado por citocina. Pacientes com malignidades de célula B, incluindo leucemia linfocítica crônica e leucemia linfoblástica aguda, têm sido tratados de forma bastante efetiva com células T-CAR específicas para CD19, um marcador pan-célula B expresso também em células tumorais. As células B normais, assim como as células B tumorais, são destruídas, porém os pacientes podem ser suplementados com um pool de imunoglobulinas para compensar a falta de células B. Como os plasmócitos produtores de anticorpo de vida longa, encontrados na medula óssea adulta e nos tecidos de mucosa, não expressam CD19 e não são destruídos, continuam conferindo imunidade mediada por anticorpo nos pacientes adultos tratados com células T-CAR CD19-específicas. As células T-CAR de memória podem persistir nos pacientes tratados durante pelo menos vários meses, de modo que a vigilância contra a recorrência tumoral é mantida. A terapia com CAR está sendo usada em vários centros médicos ao redor do mundo para tratar malignidades de célula B refratárias a outros tratamentos, tendo sido criadas diversas instituições com capacidade de produzir em pouco tempo grandes quantidades de células T-CAR para cada paciente individual. Ainda restam alguns obstáculos significativos que precisarão ser superados para a expansão bem-sucedida do uso da terapia de células T- CAR. • Um problema é a reação adversa perigosa que ocorre com frequência logo após a transferência adotiva de células T em pacientes com altas cargas tumorais. Nestes pacientes, tantas células T são ativadas ao mesmo tempo que uma intensa resposta inflamatória ocorre, chamada síndrome da liberação de citocinas, causada por citocinas secretadas pelas células T. Alguns pacientes que desenvolvem essa reação foram tratados com sucesso usando anticorpo antirreceptor de IL-6. Outros pacientes morreram de edema cerebral após a infusão de células T-CAR, por razões desconhecidas, e o risco de dano a longo prazo ao sistema nervoso central continua sendo preocupante, especialmente em crianças cujos cérebros ainda não estão completamente desenvolvidos. • Se o tumor não for totalmente erradicado, as células sobreviventes podem perder o antígeno-alvo de CAR e o tumor pode recidivar. Esse é outro exemplo de evolução clonal dos cânceres. Uma forma de minimizar o problema é introduzir dois CARs, específicos para dois antígenos tumorais, nas células T e transferir as células aos pacientes. Estudos empregando essa abordagem estão em andamento. • Em alguns pacientes, as células T-CAR transferidas parecem se tornar irresponsivas com o passar do tempo, e os tumores inicialmente controlados então recidivam. Nesses pacientes, as células que expressam CAR expressam também marcadores de disfunção (chamada exaustão; Capítulo 11), incluindo altos níveis de PD-1. Essa observação levou a estudos exploratórios usando métodos de edição de genoma para eliminar o gene PD-1 nas células T-CAR, antes da transferência. Para evitar o risco de autoimunidade induzida por células T PD-1-negativas, uma ideia é eliminar também os TCRs endógenos das células T-CAR. Isso criará células T contendo apenas o receptor antigênico tumor- específico introduzido, com seus domínios de sinalização, e também eliminará um importante mecanismo de ponto de controle. Até o momento, a terapia com células T-CAR somente alcançou êxito contra cânceres hematológicos, provavelmente porque as células T injetadas têm pronto acesso às células tumorais circulantes. Essa abordagem está em desenvolvimento para outras malignidades, como o mieloma múltiplo, tumores cerebrais e alguns carcinomas. Para tratar tumores sólidos com sucesso, será necessário encontrar métodos para fazer com que as células T injetadas entrem no sítio tecidual tumoral, mas isso continua inviável até o presente. Do mesmo modo, será necessário projetar células T-CAR que sejam específicas para as células cancerosas e que não matem células normais. Uma abordagem consiste em identificar pares de antígenos que comumente são expressos juntos apenas nas células tumorais, e usar células T-CAR biespecíficas cuja ativação necessite do reconhecimento de ambos os antígenos. Terapia Celular Adotiva com Células T Tumor- específicas Células T específicas para antígenos tumorais podem ser coletadas do tecido tumoral ou do sangue de um paciente, expandidas e ativadas in vitro, e então reinoculadas em pacientes com câncer. Essa abordagem geral tem sido usada em vários estudos por muitos anos, contudo, apresentou sucesso limitado provavelmente porque as células isoladas de pacientes contêm poucas células T tumor-específicas potentes. Com o advento das tecnologias discutidas anteriormente para a identificação de neoantígenos que dirigem respostas de célula T tumor-específicas em pacientes individuais, há um interesse renovado pela terapia adotiva com células T específicas para esses antígenos. A abordagem envolverá a coleta de células T do sangue ou de tumores de pacientes, estimulação das células com o antígeno in vitro para aumentar os números e a atividade funcional das células específicaspara os neoantígenos tumorais, e finalmente a transferência das células T ativadas de volta no paciente. Alguns êxitos já foram conseguidos em pequenos estudos que empregaram a abordagem em pacientes com melanoma. Imunoterapia Passiva com Anticorpos A terapia passiva com anticorpos envolve a transferência de anticorpos tumor-específicos em pacientes, sendo uma abordagem rápida e, teoricamente, muito específica (que com frequência é chamada, de forma até entusiástica, “balas mágicas”), mas que não leva à imunidade duradoura. Paul Ehrlich escreveu sobre o potencial de tratar tumores com anticorpos há mais de um século. Alguns anticorpos monoclonais têm estado em uso no tratamento de cânceres há mais de 20 anos, sendo que muitos outros atualmente estão aprovados para uso ou estão em fase avançada de desenvolvimento (Tabela 18.1). Embora os reagentes de bloqueio de pontos de controle discutidos anteriormente sejam anticorpos monoclonais, a maioria não se liga às células tumorais, e seu modo de ação, que consiste em bloquear os inibidores da ativação da célula T, é fundamentalmente diferente dos mecanismos dos anticorpos aqui discutidos. • Alguns anticorpos antitumorais se ligam a moléculas da superfície celular presentes nas células tumorais e engajam mecanismos efetores do hospedeiro que destroem as células tumorais. Esses mecanismos incluem a citotoxicidade mediada pela célula NK, a lise mediada pelo complemento, e a fagocitose mediada por complemento ou pelo receptor Fc realizada pelos macrófagos. Vários anticorpos antitumorais atualmente aprovados para o tratamento de certos cânceres agem desse modo. Por exemplo, conforme mencionado antes, o anti-CD20 é usado para tratar linfomas de célula B e atua depletando todas as células que expressam CD20, incluindo as células B e as células de linfoma derivado de célula B, principalmente via citotoxicidade celular dependente de anticorpo e, talvez, também via ativação do complemento. • Outros anticorpos monoclonais usados na terapia do câncer se ligam a receptores de fatores de crescimento presentes nas células cancerosas e interferem na sinalização requerida para o crescimento e sobrevida tumoral. O anti-Her2/Neu é um anticorpo monoclonal aprovado usado para tratar cânceres de mama que superexpressam Her2/Neu, uma molécula de sinalização do fator de crescimento de superfície celular. Um anticorpo que se liga e bloqueia a função do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR, do inglês, epidermal growth factor receptor) está aprovado para uso no tratamento de cânceres colorretais metastáticos e cânceres de cabeça e pescoço. Outro anticorpo em uso clínico para vários cânceres bloqueia não uma molécula da célula tumoral mas um fator de crescimento, o VEGF, que estimula a angiogênese requerida para manutenção do crescimento tumoral. • Os engajadores de célula T bi-específicas (BiTEs, do inglês, bispecific T cell engagers) facilitam o direcionamento das células T do hospedeiro de qualquer especificidade para o ataque às células tumorais. Esses reagentes são anticorpos recombinantes obtidos por engenharia genética, de modo a expressarem dois sítios de ligação antigênica distintos, um específico para um antígeno tumoral, e outro específico para uma molécula de superfície da célula T, em geral CD3. Em muitos desses anticorpos, cada sítio de ligação antigênica é composto por um fragmento variável de cadeia única contendo os domínios variáveis das cadeias pesada e leve de Ig, de modo similar aos CARs descritos anteriormente. O provável mecanismo de ação dos BiTEs, com base em estudos in vitro, é a formação de sinapses imunes entre as células tumorais e as células T, aliada à ativação das células T pela ligação cruzada de CD3. Um BiTE CD19-específico está aprovado para uso no tratamento da leucemia linfocítica aguda. Foram desenvolvidos BiTEs específicos para muitos outros antígenos tumorais, incluindo CD20, EpCAM, Her2/Neu, EGFR, CEA, receptor de folato e CD33, os quais estão em vários estágios de estudos pré- clínicos e clínicos. • As imunotoxinas, ou anticorpos monoclonais conjugados, são anticorpos específicos para antígenos tumorais ligados a um fármaco quimioterápico ou a um radioisótopo. A lógica para o uso desses agentes é a possibilidade de administrar grandes concentrações locais de fármacos citotóxicos ou de isótopos às células tumorais, devido à especificidade do anticorpo. Anticorpos conjugados a fármacos aprovados e específicos para Her2/Neu e CD30 são aprovados para uso no tratamento do câncer de mama e do linfoma de Hodgkin, respectivamente. Um número muito maior de anticorpos conjugados foram desenvolvidos, mas falharam em estudos clínicos por apresentarem uma significativa toxicidade sistêmica decorrente do acúmulo inespecífico do componente toxico em vários tecidos. Tabela 18.1 Anticorpos Monoclonais Antitumorais Aprovados para Uso Clínico Especificidade do Anticorpo Nome do Fármaco Forma de Anticorpo Usada Uso Clínico HER2/Neu (EGFR) Trastuzumabe Humanizado Câncer de mama CD19 Blinatumomabe Anticorpo CD19/CD3- biespecífico Leucemia linfoblástica aguda CD20 Rituximabe Ofatumumabe Quimérico Humano Leucemias e linfomas de célula B Leucemia linfocítica crônica CD20 90Y-Ibritumomabe tiuxetana Conjugado a radioisótopo, murino Linfoma não Hodgkin de célula B transformada ou de baixo grau CD30 Brentuximabe vedotina Conjugado com fármaco, quimérico Linfoma de Hodgkin ou de célula grande anaplásica sistêmico CD33 Gemtuzumabe ozogamicina Humanizado Leucemia mieloide aguda CD52 Alemtuzumabe Humanizado CLL, CTCL e linfoma de célula T CTLA-4 Ipilimumabe Humano Melanoma metastático PD-1/PD-L1 Nivolumabe Pembrolizumabe Humanizado Humanizado Melanoma metastático; câncer de pulmão EGFR Cetuximabe Panitumumabe Nimotuzumabe Quimérico Humano Humanizado Câncer colorretal, de mama e de pulmão; outros tumores Câncer colorretal Câncer de cabeça e pescoço VEGFA Bevacizumabe Humanizado Câncer colorretal e de pulmão CD254 (RANK ligante) Denosumabe Humano Metástases ósseas de tumor sólido CLL, Leucemia linfocítica crônica; CTCL, linfoma de célula T cutâneo; EGFR, epidermal growth factor receptor; VEGEFA, vascular endotelial growth factor A. Outras Abordagens para Estimular a Imunidade Antitumoral Diversas abordagens adicionais têm sido usadas para intensificar a imunidade do hospedeiro contra tumores, alcançando graus variáveis de sucesso. Terapia de Citocinas Os pacientes de câncer podem ser tratados com citocinas que estimulam a proliferação e diferenciação de linfócitos T e células NK. Essas citocinas podem intensificar a ativação de células dendríticas e células T tumor- específicas, particularmente de CTLs CD8+. Muitas citocinas também têm o potencial de induzir respostas inflamatórias inespecíficas que, por si sós, podem apresentar atividade antitumoral. A maior experiência clínica é a administração de uma dose alta de IL-2 por via intravenosa, que tem sido efetiva na indução de uma regressão tumoral mensurável em cerca de 10% dos pacientes com melanoma avançado e carcinoma de células renais, sendo atualmente uma terapia aprovada para esses cânceres. O uso de IL-2 em altas doses, entretanto, é limitado por estimular a produção de quantidades tóxicas de citocinas pró-inflamatórias, como TNF e IFN-γ, que atuam em células endoteliais vasculares e outras células levando a uma grave síndrome de extravasamento vascular. O IFN-α é aprovado para uso no tratamento de vários cânceres, incluindo melanoma maligno, certos linfomas e leucemias, e o sarcoma de Kaposi associado à Aids. Os mecanismos dos efeitos antineoplásicos do IFN-α provavelmente incluem a inibição da proliferação celular tumoral, atividade citotóxica aumentada de células NK, e expressão aumentada do MHC de classe I nas células tumorais, tornando-as mais suscetíveis ao killing por CTLs. Outras citocinas, como TNF e IFN-γ, são agentes antitumorais efetivos em modelos animais, porém seu uso nos pacientes é limitado por seus efeitos colaterais tóxicos. Osfatores de crescimento hematopoiéticos, incluindo GM-CSF e G-CSF, são usados em protocolos de tratamento de câncer para encurtar os períodos de neutropenia e trombocitopenia após a quimioterapia ou o transplante de medula óssea autólogo. Estímulos Inflamatórios Inespecíficos As respostas imunes aos tumores podem ser estimuladas pela administração local de substâncias inflamatórias ou pelo tratamento sistêmico com agentes que atuam como ativadores policlonais de linfócitos. Um dos exemplos mais antigos de imunoterapia antitumoral era praticado por volta do século XIX, pelo médico William Coley, que tratava seus pacientes com câncer usando misturas de bactérias mortas, conhecidas como “toxina de Coley”. Essa abordagem pode ter sido intermitentemente bem-sucedida devido à indução de respostas imunes fortes, causando uma inflamação aguda que destruía as células tumorais. A imunoestimulação inespecífica dos pacientes com tumores por meio da injeção de substâncias inflamatórias, como o bacilo de Calme�e-Guérrin (BCG) morto, em sítios de crescimento tumoral tem sido usada há muitos anos. As micobactérias BCG ativam macrófagos e, assim, promovem o killing das células tumorais pelos macrófagos. Além disso, as bactérias atuam como adjuvantes e podem estimular respostas de célula T aos antígenos tumorais. A BCG intravesicular atualmente é usada para tratar o câncer de bexiga. As terapias com citocinas, já discutidas, representam outro método de intensificar as respostas imunes de um modo inespecífico. Efeito Enxerto-Versus-Leucemia Em pacientes com leucemia, a administração de células T e de células NK juntas com células-tronco hematopoiéticas oriundas de um doador alogênico pode contribuir para a erradicação do tumor. O efeito de enxerto versus leucemia mediado pela célula T é dirigido para as moléculas presentes nas células hematopoiéticas do receptor, incluindo as células leucêmicas, as quais são reconhecidas como estranhas pelas células T administradas. As células NK do doador respondem às células tumorais porque os tumores podem expressar níveis baixos de moléculas do MHC de classe I ou expressam alelos do MHC de classe I que não são reconhecidos pelas células NK do doador. Lembre que o reconhecimento do MHC de classe I próprio normalmente inibe a ativação das células NK (Capítulo 4). O desafio no uso desse tratamento para melhorar o resultado clínico é minimizar o desenvolvimento da perigosa doença do enxerto versus hospedeiro que pode ser mediada pelas mesmas células T do doador (Capítulo 17). Os notáveis avanços recentes em Imunologia do câncer prometem mudar drasticamente o cuidado prestado aos pacientes com estas temidas doenças. O êxito do bloqueio de pontos de controle para muitos tumores sólidos, bem como da infusão de células T-CAR para malignidades hematológicas revitalizou o campo da Imunologia tumoral. Apesar das limitações e problemas que ainda restam, o enorme esforço que está sendo investido neste campo torna provável a ocorrência de avanços adicionais em um futuro muito próximo. Capítulo 18: Imunidade aos Tumores Imunoterapia para Tumores
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