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EA D 2 Filosofia Política na Antiguidade 1. ObjetivOs • Compreender as condições de nascimento da Filosofia Política e o seu estatuto. • Analisar os principais pensamentos filosóficos do período no que concerne à política. 2. COnteúdOs • O conceito de política e a experiência da democracia. • Platão e a cidade justa. • Aristóteles e o bem comum como finalidade da vida po- lítica. 3. Orientações para O estudO da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: © Filosofia Política36 1) Lembre-se de que há muitas maneiras de pensar o con- ceito de política. As questões autoavaliativas que se- guem ao final das unidades são abertas e querem ajudar na compreensão das polissemias aí presentes. 2) Lembre-se de que, embora o ato de aprender seja soli- tário, a interação com os seus colegas pode ser de fun- damental importância para a troca de informações, para a familiarização com a linguagem filosófica pertinente e com o método filosófico argumentativo. 3) Leia os livros da bibliografia indicada para que você am- plie seus horizontes teóricos, cotejando-os com o mate- rial didático apresentado. 4) Antes de iniciar os estudos de cada unidade, pode ser interessante conhecer um pouco dos dados históricos da época e da bibliografia dos pensadores em questão. Ainda que sites de caráter genérico, tais como os enci- clopédicos, estejam muito aquém de suas necessidades, eles podem auxiliar neste aspecto. 5) Embora não tenhamos, neste CRC, dedicado espaço a correntes filosóficas do período helênico, tais como o epicurismo, o estoicismo ou o ceticismo, aquele que quiser estudar a fundo a experiência política na filosofia antiga não pode negligenciá-las. Muito menos esquecer as influências que marcaram a passagem da Antiguidade à Idade Medieval, tais como os discursos de Marco Túlio Cícero e outros pensadores do Império Romano. 4. intrOduçãO à unidade Na primeira unidade, procuramos compreender o contexto da Filosofia Política, bem como nos ambientar com as discussões sobre o conceito de política e a organização do poder. Nesta unida- de, a partir das vicissitudes da história grega, veremos como estão vinculados o conceito de política e a experiência da democracia. Estudaremos, ainda, os dois principais filósofos do período que costumamos denominar como Antiguidade: Platão e Aristóteles. Por fim, veremos como esses dois pensadores abordaram os te- mas relacionados à política e à organização da vida em sociedade. Claretiano - Centro Universitário 37© U2 - Filosofia Política na Antiguidade 5. COnCeitO de pOlítiCa e experiênCia da demO- CraCia Se quisermos ser fiéis aos principais livros de história uni- versal, precisamos indicar a Grécia Antiga como o berço do que atualmente entendemos por política. O próprio conceito de políti- ca está atrelado à experiência grega de fundação da pólis e de sua coordenação e organização. A partir dos fins do século 8º a.C., certos agrupamentos ini- ciam a construção de cidadelas para proteção contra inimigos, constituindo governos centralizados. A passagem de uma cultura agrária desarticulada e fundada sob a propriedade territorial à ins- tituição de uma oligarquia urbana, fundada economicamente sob o artesanato e o comércio, auxilia a constituição de novas cidades. Um novo modelo de organização política surge então: a Cidade- -Estado. O período clássico da cultura política grega virá, no entan- to, somente alguns séculos depois. Do século 6º a.C. ao século 5º a.C., algumas reformas realizadas por Clístenes, Efialtes e Péricles inauguram um novo regime de governo que será conhecido pelo nome de democracia. Em Atenas, surge o governo do povo pelo povo, pautado por princípios de liberdade e igualdade. As decisões importantes são tomadas em assembleias populares nas quais to- dos têm o direito à palavra e ao voto – todos aqueles que eram considerados cidadãos, isto é, os homens livres atenienses. Os car- gos de magistratura e administração da cidade tornam-se acessí- veis a todos os cidadãos interessados, preenchidos mediante um procedimento de sorteio e prova de habilidades. Mesmo os mais pobres podem a eles concorrer, uma vez que a investidura garantia a sobrevivência da família por meio de uma remuneração. Surgem, ainda, as obrigações para os governantes na medida em que ne- cessitam prestar contas das suas administrações. © Filosofia Política38 Aliadas ao desenvolvimento político e de um império marí- timo, tanto a economia como a vida intelectual e artística passam por um período de grande efervescência. Este é o século de sofis- tas ilustres como Protágoras e Górgias, o século de Sócrates, e o século de renomados escritores trágicos como Ésquilo, Sófocles e Eurípides. O período perdura até o esgotamento com a Guerra do Pe- loponeso e o domínio final por Filipe e Alexandre da Macedônia. Tucídides, historiador grego incomodado com os acontecimentos da época, constatando a degeneração do regime democrático ateniense e sua incapacidade em conduzir a guerra e gerir seus problemas internos, registra suas impressões num livro intitulado História da Guerra do Peloponeso, livro que será posteriormente traduzido para a língua inglesa por Thomas Hobbes. Platão, nasci- do na segunda metade do século 5º a.C., assiste ao declínio da ex- periência democrática grega e sua filosofia levará em consideração o sabor amargo que dela restou. Vamos, agora, nos ocupar de Platão e Aristóteles. 6. platãO e a Cidade justa Consternado pela condenação à mor- te do mais justo dos cidadãos de Atenas e pela corrupção que assolava a cidade grega e a levaria definitivamente à ruína, Platão pre- tende erigir uma Filosofia Política sob uma base científica sólida. Os acontecimentos de sua época exigem um esforço para se pen- sar uma política distinta daquela preconiza- da pelos sofistas, amantes da retórica e das técnicas de oratória, mas negligentes com relação ao compromisso com a verdade. A constituição de uma cidade em que se possa bem viver supõe uma ciência do político. Figura 1 Platão (428/427- 348/347). Claretiano - Centro Universitário 39© U2 - Filosofia Política na Antiguidade Platão expõe sua teoria sobre a política basicamente em três obras: na República, no Político e nas Leis. Contudo, podemos no- tar que sua Filosofia Política possui uma relação visceral tanto com a sua ética, quanto com toda a sua teoria do conhecimento. Neste momento, vamos nos ater somente aos aspectos mais importan- tes para compreendermos a teoria política platônica. Para aqueles que desejarem um estudo mais aprofundado do tema, aconselha- mos que recorram à história da filosofia antiga. No Político, ao final de uma longa discussão que segue o ca- minho de uma dialética ascendente, Platão traz uma definição até hoje muito utilizada. Política seria a ciência que sabe reunir os con- trários, separar os diferentes e juntar os semelhantes, e transfor- mar a discórdia em concórdia. O político seria, então, aquele que domina a ciência da proporção e da harmonia. Será na República, no entanto, que Platão exporá de modo detalhado o que entende por política e por justiça, oferecendo um modelo de cidade ideal. Para facilitar a compreensão da Filosofia Política platônica, propomos iniciar o seu estudo pela leitura do seguinte parágrafo do Livro II da República (369b-370c). Sócrates assim conduz o seu diálogo com Adimanto: – Ora – disse eu – uma cidade tem a sua origem, segundo creio, no fato de cada um de nós não ser auto-suficiente, mas sim ne- cessitado de muita coisa. Ou pensas que uma cidade se funda por qualquer outra razão? – Por nenhuma outra – respondeu. – Assim, portanto, um homem toma outro para uma necessidade, e outro ainda para outra, e, como precisariam de muita coisa, reú- nem numa só habitação companheiros e ajudantes. A essa associa- ção pusemos o nome de cidade.Não é assim? – Absolutamente. – Mas se uma pessoa participa numa sociedade com outra, se dá ou recebe algo, é na convicção de que isso é melhor para ela? – Certamente. – Ora vamos lá! – disse eu – Fundemos em imaginação uma cidade. Serão, ao que parece, as nossas necessidades que hão de fundá-la. © Filosofia Política40 – Como não? – Mas por certo que a primeira e a maior de todas as necessidades é a obtenção de alimentos, em ordem a existirmos e a vivermos. – Inteiramente. – A segunda é a habitação; a terceira, o vestuário e coisas no gê- nero. – Assim é. – Ora – prossegui. Como é que a cidade bastará para a obtenção de tantas coisas? Existirá outra solução que não seja haver um que seja lavrador, outro pedreiro, outro tecelão? Acrescentar-lhes- -emos também um sapateiro e qualquer outro artífice que se ocu- pe do que é relativo ao corpo. – Com toda certeza. – Logo, o mínimo que se pode chamar uma cidade compõe-se de quatro ou cinco homens? – Assim parece. – E agora? Deve cada um destes homens executar o seu trabalho próprio, para ser comum a todos? Por exemplo, o lavrador, sozinho, fornecerá trigo para quatro e gastará o quádruplo do tempo e do esforço com a obtenção do trigo para partilhar com os outros, ou preocupar-se-á apenas consigo, e preparará a quarta parte deste trigo, na quarta parte do tempo, e os outros três quartos gastá- -los-á um na construção de uma casa, outro na confecção de um manto, outro ainda de calçado, e, sem partilhar com os outros, terá as suas coisas, fazendo por si mesmo o que é seu? Adimanto declarou: – Talvez seja mais fácil do primeiro modo que do segundo, ó Sócrates. – Por Zeus, que nada me admira! – disse eu – Ao ouvir-te falar, pen- so também que, em primeiro lugar, cada um de nós não nasceu igual ao outro, mas com naturezas diferentes, cada um para a exe- cução de sua tarefa. Ou não te parece? – Parece-me. – Como assim? Uma pessoa fará melhor em trabalhar sozinho em muitos ofícios, ou quando for só um a executar um? – Quando for só um a executar um. – Mas julgo eu que é também evidente que, se alguém deixar fugir a oportunidade de fazer uma coisa, perde-a. – É evidente. Claretiano - Centro Universitário 41© U2 - Filosofia Política na Antiguidade – É que, creio eu, a obra não espera pelo lazer do obreiro, mas força é que o obreiro acompanhe o seu trabalho, sem ser à maneira de um passatempo. – É forçoso. – Por conseguinte, o resultado é mais rico, mais belo e mais fácil, quando cada pessoa fizer uma só coisa, de acordo com a natureza e na ocasião própria, deixando em paz as outras (2001). O texto fala por si mesmo. De acordo com Platão, uma cida- de existe para que os homens possam coordenar os seus traba- lhos e viver melhor. Quanto mais correta for a divisão de ofícios no interior de uma cidade, melhor ela estará organizada e de maior harmonia gozará. A conclusão encontrada por Sócrates e seu interlocutor le- vará a uma série de outras consequências teóricas. O conceito de justiça será definido tendo em vista o cenário de uma cidade justa. Nela, cada um desempenha a sua função. Uma ordem proporcio- nal nos leva a crer que numa cidade justa, cada um deve ocupar-se de uma tarefa, aquela para a qual está mais preparado. E, numa cidade assim concebida, a finalidade da política não será o exercí- cio puro e simples do poder, mas a realização da justiça para o bem comum da comunidade de homens reunidos pela cidade. A quem Platão entregaria o governo de uma cidade que se pretenda justa? Quem poderia conhecer a totalidade das funções, coordenar as diferenças, saber em que consiste o bem da cidade? O governo de uma cidade deverá ser exercido por aquele que es- teja mais preparado para a função: o filósofo. Já podemos entender então por que o conceito de uma ci- dade justa está aliado ao conceito de alma justa. O princípio é o mesmo: a melhor parte deve governar a pior. Assim como a parte racional deve dominar a parte irracional da alma, coisa que se con- clui, por exemplo, da leitura do Mito do Cocheiro exposto no Fe- dro, uma elite intelectual deve orientar o funcionamento de uma cidade para que ela atinja a sua finalidade, qual seja, proporcionar uma vida boa a seus componentes. © Filosofia Política42 Tendo em vista o seu conceito de uma cidade justa e as dife- rentes classes de uma sociedade, Platão sugere um extenso pro- grama educacional para que se determine a que função deve cada um se dedicar. Embora pareça anacrônico o projeto platônico, po- demos nele visualizar certas inovações importantes: não há mais distinção entre crianças de diferentes classes sociais, nem entre meninos e meninas. Uma mesma educação deve ser dada a todas as crianças, que serão selecionadas segundo sua natureza e suas habilidades ao final de cada etapa do curso de aprendizado. As menos dotadas pertencerão à classe dos agricultores, artesãos e comerciantes, outras pertencerão à classe dos guardiães e guerrei- ros, e apenas as que se saírem melhor poderão estudar as ciências de formação do raciocínio e se tornarem magistrados para a admi- nistração pública. Se notarmos bem, o programa para a educação das crianças em uma cidade justa está intimamente vinculado à teoria do co- nhecimento. As etapas de formação seguem não somente a divi- são interna de classes de uma cidade organizada, como a estrutura dos modos de conhecer, a preparação do espírito para que con- temple a verdade. De início, todas as crianças recebem a mesma educação: ginástica e dança, jogos pedagógicos para iniciação na leitura e na matemática, poesia épica. Aos sete anos, passando por um processo de seleção, as mais bem dotadas seguirão seus estu- dos, sendo alfabetizadas e aprendendo artes marciais e técnicas de luta. Aos vinte anos, uma nova seleção distingue as mais bem dotados. Alguns seguirão pelo estudo das matemáticas, astrono- mia e da música, ciências das grandezas proporcionais estáveis. Aos trinta e cinco anos, serão submetidos a nova prova e somente os que se mostrarem mais aptos deverão seguir adiante, estudan- do ética, física, política, dialética. Aos cinquenta anos, se aprova- dos, os alunos estarão aptos a pertencerem à classe dos magistra- dos e dirigentes políticos. Esses são os filósofos, capazes de usar a razão com todo o seu esplendor, conhecer as ideias perfeitas, conhecer o bem em si. O Claretiano - Centro Universitário 43© U2 - Filosofia Política na Antiguidade amor à verdade e o esforço pelo conhecimento do mundo inteligível serão os traços distintivos de uma classe apta a organizar o funcio- namento de uma cidade e conduzi-la pelos caminhos do bem. Essa é a conclusão de Sócrates em República (473d-473e): – Enquanto não forem, ou os filósofos reis nas cidades, ou os que agora se chamam reis e soberanos filósofos genuínos e capazes, e se dê esta coalescência do poder político com a filosofia, enquanto as numerosas naturezas que atualmente seguem um destes caminhos com exclusão do outro não forem impedidas forçosamente de o fa- zer, não haverá trégua dos males, meu caro Gláucon, para as cidades, nem sequer, julgo eu, para o gênero humano, nem antes disso será jamais possível e verá a luz do sol a cidade que há pouco descreve- mos. Mas isto é o que eu há muito hesitava em dizer, por ver como seriam paradoxais essas afirmações. Efetivamente, é penoso ver que não há outra felicidade possível, particular ou pública (2001). 7. aristóteles e O bem COmum COmO finalida- de da vida pOlítiCa Ética e política possuem uma vigorosa im- bricação em Aristóteles. A cidade será o local privilegiado da vida virtuosa e o político exem- plar será aquele afeto à disposição da prudên- cia. As páginas de Ética a Nicômaco serão não somente a principal referência para a compre- ensão de uma ética prática, segundo a qual a virtude consiste na escolha do justo meio en- tre dois extremos, encontrado pela prudência, educado pelo hábito, mas também serão responsáveispela passa- gem da ética à política. Essa passagem é realizada pela introdução de um conceito que parece ter sido esquecido ao longo da história da filosofia: a amizade. Já não acreditamos mais no amor desinteressado e a gasta palavra amizade, usada à exaustão por discursos maliciosos, já não comove tanto quanto no seu frescor inicial. Para os gregos, no entanto, a amizade continha ainda um sabor especial. Figura 2 Aristóteles (384-322). © Filosofia Política44 Os livros VIII e IX da Ética a Nicômaco a ela se dedicam, distinguindo o vício da virtude: akrasía, a incontinência, falta de domínio sobre si, e philía, amizade. Enquanto a amizade consiste na benevolência, na busca do prazer do outro, na entrega desin- teressada, o vício busca obter o próprio prazer, sempre de modo imoderado e arbitrário, por vezes mascarando-se de amizade para ludibriar e conseguir uma maior vantagem. Por isso, para Aristóte- les, a amizade só pode existir entre prudentes e virtuosos, entre aqueles que são semelhantes no desejo de fazer bem a outrem. Assim entendemos o porquê da passagem da vida ética à vida política. Muito natural que os homens virtuosos e dados à amizade se unam em busca de um bem comum. A amizade será, então, ao mesmo tempo condição e consequência da vida em co- munidade, "argamassa" na construção da vida justa e feliz. A principal obra de Aristóteles no que diz respeito à Filosofia Política, no entanto, traz como título A Política. No decorrer dos livros que integram o corpo da obra, o filósofo oferece uma análise detalhada do que vem a ser a constituição de uma sociedade polí- tica e quais são as suas características. Entre os mais relevantes princípios legados à história do pensamento político do Ocidente, encontra-se aquele segundo o qual o homem é um animal político por natureza – zóon poliktikon. Sendo um animal gregário, como as abelhas e as formigas, todo homem possui uma inclinação natural à vida em comunidade. Po- demos ler no livro primeiro, capítulo 1, de A Política: Sabemos que toda cidade é uma espécie de associação, e que toda associação se forma tendo por alvo algum bem; porque o homem só trabalha pelo que ele tem em conta de um bem. Todas as socie- dades, pois, se propõem qualquer lucro – sobretudo a mais impor- tante delas, pois que visa a um bem maior, envolvendo todas as demais: a cidade ou sociedade política. (...) É evidente, pois, que a cidade faz parte das coisas da natureza, que o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade, e aquele que, por instinto, e não porque qualquer circunstância o inibe, deixa de fazer parte de uma cidade, é um ser vil ou superior ao homem (1988). Claretiano - Centro Universitário 45© U2 - Filosofia Política na Antiguidade Há uma tendência natural no homem para a vida comunitá- ria. Sendo carente, ele precisa da companhia dos outros homens, não somente para suprir suas necessidades básicas, mas para al- cançar a completude a que aspira. Não é possível ao homem ser feliz sozinho. O ser humano só se realiza em comunidade. Ainda que existam comunidades cronologicamente anterio- res às cidades, tais como as famílias ou as pequenas aldeias, Aris- tóteles acredita que a comunidade propriamente dita só se cons- titua na cidade, na comunidade política. Será a cidade constituída com a finalidade do bem comum e da vida justa o paradigma do seu programa político. Mas atente para o seguinte: Embora a Cidade seja natural, isso não significa que a natureza a produza espontaneamente. Assim como a phýsis dá ao indivíduo o desejo, isto é, a inclinação natural para o bem – mas a ética precisa intervir como ação voluntária e deliberada para que essa finalidade seja alcançada por meio das virtudes –, assim também o Estado (ou pólis) nasce da ação deliberada e voluntária dos homens, e por isso a política não é uma ciência teorética e sim uma ciência prática, em que a ação tem a si mesma como seu fim. Assim como ninguém nasce virtuoso, mas se torna virtuoso, assim também ninguém nasce cidadão, mas se torna cidadão pela educação, que atualiza a inclinação potencial e natural dos homens à vida comunitária ou social (CHAUÍ, 2002, p. 467). O homem precisa, então, tornar-se um cidadão. Mas note que, para Aristóteles, a palavra cidadão difere substancialmente em sentido do que entendemos atualmente pelo termo. Para o filósofo, cidadão era aquele que efetivamente participava da polí- tica, excluídos as mulheres, as crianças, os idosos, os estrangeiros e os escravos. Os direitos políticos só eram destinados a uma mi- noria que participava diretamente do governo, seja participando das discussões públicas, seja decidindo rumos para a condução dos negócios públicos. A adoção de um regime de governo será definida pela quan- tidade de cidadãos que ocuparem o poder soberano. Se for o go- verno de um só cidadão, será ele a realeza. Se for de alguns, será a © Filosofia Política46 aristocracia. Se for de todos, será a república. A degeneração pelos vícios gera, contudo, versões corrompidas dos governos perfeitos. A realeza converte-se em tirania, a aristocracia em oligarquia, a república em democracia. Antes de terminarmos esta unidade, convém salientar um aspecto do pensamento aristotélico caro às teorias da justiça que se seguirão. Independentemente de sua constituição, a cidade existe para que os homens tenham condições de gozar de uma vida jus- ta e harmoniosa. Na avaliação das cidades, um critério tem proe- minência: a justiça. Uma cidade justa, segundo Aristóteles, deve tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade. Tratar a todos com absoluta igualdade não contempla as exigên- cias da justiça. Uma distribuição proporcional dos bens deve ter o princípio da justiça como fio condutor. Por isso, duas instituições de justiça são necessárias às cida- des: uma justiça distributiva e outra comutativa. A primeira realiza a partilha dos bens disponíveis, tratando a cada um segundo os ditames da proporcionalidade. A segunda corrige os erros da pri- meira, estabelecendo leis e aplicando regras do direito e penalida- de aos delinquentes. 8. questões autOavaliativas Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade: 1) Quais os principais elementos do surgimento da democracia na Grécia An- tiga? 2) Como pensar o conceito de política para Platão? 3) Como pensar o conceito de política para Aristóteles? 4) É possível comparar democracia contemporânea e democracia clássica? Claretiano - Centro Universitário 47© U2 - Filosofia Política na Antiguidade 9. COnsiderações Nesta unidade, trabalhamos com a Filosofia Política na Anti- guidade. Na próxima unidade, estudaremos a Filosofia Política na Idade Média. Conheceremos os pensamentos de Agostinho e To- más de Aquino a respeito da política. 10. e-referências lista de figuras figura 1 Platão (428/427-348/347). Disponível em: <http://www.dialogocomosfilosofos. com.br/category/platao/>. Acesso em: 26 jun. 2012. figura 2 Aristóteles (384-322). Disponível em: <http://www.filosofiaonline.com/ filosofia/?tag=aristoteles>. Acesso em: 26 jun. 2012. 11. referênCias bibliOgráfiCas ARISTÓTELES. A política. Tradução de Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988. ______. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1973. v. 4. (Coleção Os pensadores). CHÂTELET, F., DUHAMEL, O.; PISIER-KOUCHNER, E. História das idéias políticas. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. COULANGES, F. A cidade antiga. Tradução de Fernando de Aguiar. 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