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187
PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: 
SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
1. OBJETIVO
•	 Verificar	a	acentuação	da	preocupação	ética	em	detri-
mento	 da	 moral	 no	 pensamento	 de	 Schopenhauer	 e	
Nietzsche.
2. CONTEÚDOS
•	 A	ética	da	compaixão	em	Arthur	Schopenhauer.
•	 O	problema	da	valoração	moral	em	Nietzsche.
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes	de	iniciar	o	estudo	desta	unidade,	é	importante	que	
você	leia	as	orientações	a	seguir:
1)	 A	 fim	de	se	ambientar	com	o	pensamento	de	Arthur	
Schopenhauer	 indicamos	 o	 vídeo	 (dividido	 em	 par-
tes)	do	Prof.	Dr.	José	Thomaz	Brum Observações sobre 
Schopenhauer:
•	 BRUM,	J.	T. Observações sobre Schopenhauer –	Par-
te	 1.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/
watch?v=P4Px9zajVXE>.	Acesso	em:	31	ago.	2015.
UNIDADE 4
188 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Parte	
2.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/wa
tch?v=ufkcJ0MrnBs&feature=endscreen&NR=1>.	
Acesso	em:	31	ago.	2015.
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Parte	
3.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/wat
ch?feature=endscreen&NR=1&v=8kvUCPtgUiw>.	
Acesso	em:	31	ago.	2015.
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Parte	
4.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/wat
ch?feature=endscreen&NR=1&v=UCjQcIBU9Ak>.	
Acesso	em:	31	ago.	2015.
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Parte	
5.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/wat
ch?feature=endscreen&NR=1&v=Tvd59opNEjU>.	
Acesso	em:	31	ago.	2015.
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Parte	
6.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/wat
ch?NR=1&feature=endscreen&v=La5qBut9Mw0>.	
Acesso	em:	31	ago.	2015.
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Parte	
7.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/wa
tch?NR=1&feature=endscreen&v=ds7Jf-LGtGk>.	
Acesso	em:	31	ago.	2015.
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Parte	
8.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/wat
ch?v=UD6iAUXBdyc&feature=endscreen&NR=1>.	
Acesso	em:	31	ago.	2015.
189© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Parte	
9.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/wat
ch?v=ak3rp3sp4e4&feature=endscreen>.	 Acesso	
em:	31	ago.	2015.
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Par-
te	 10.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/
watch?v=Di-JA0gpwt8>.	Acesso	em:	31	ago.	2015.
•	 ______. Observações sobre Schopenhauer	 –	 Fi-
nal.	 Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/
watch?v=6VJxgpSFrdM>.	Acesso	em:	31	ago.	2015.
2)	 Sobre	 a	 Filosofia	 de	 Nietzsche,	 sugerimos	 que	 você	
assista	 ao	 episódio	 do	 Café Filosófico	 da	 TV	 Cultura	
com	palestra	da	Profª.	Viviane	Mosé.	Disponível	em:	
<http://www.youtube.com/watch?v=wszgKT2zS-c>.	
Acesso	em:	31	ago.	2015.
3)	 No	decorrer	de	seus	estudos,	talvez	você	sinta	a	neces-
sidade	 de	 conhecer	mais	 a	 respeito	 de	 determinado	
assunto.	 Por	 isso,	 seria	 interessante	que	 você	adqui-
risse	o	hábito	de	consultar	dicionários	específicos	da	
filosofia.	Sugerimos,	a	seguir,	dois	dos	dicionários	mais	
utilizados	por	aqueles	que	se	interessam	por	Filosofia	
(talvez	você	os	encontre	em	versões	mais	atualizadas):
•	 ABBAGNANO,	N.	Dicionário de Filosofia.	5.	ed.	Trad.	
Ivone	Castilho	Benedetti.	 São	Paulo:	Martins	 Fon-
tes,	2007.
•	 LALANDE,	A.	Vocabulário técnico e crítico da Filoso-
fia.	3.	ed.	São	Paulo:	Martins	Fontes,	1999.
190 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
4. INTRODUÇÃO
A	modernidade	preparou	uma	espécie	de	otimismo	em	re-
lação	ao	desenvolvimento	da	ciência	e,	atrelado	a	ele,	a	crença	
de	que	a	ciência	seria	responsável	por	uma	constante	melhoria	
da	situação	existencial	da	vida	humana.	De	Descartes	a	Kant,	te-
mos	uma	valorização	da	razão	que	se	pretende	como	a	única	ca-
paz	de	levar	a	cabo	o	projeto	de	uma	humanidade	esclarecida.	
Tal	projeto	encarna-se	como	movimento	histórico	do	chamado	
"século	das	luzes"	com	o	Iluminismo.	No	entanto,	sorrateiramen-
te,	a	mesma	modernidade	vai	fazendo	brotar	uma	compreensão	
pessimista	com	relação	a	esse	mesmo	projeto	 futurístico,	uma	
desconfiança	de	que	os	rumos	traçados	pela	razão	não	levarão	
ao	fim	desejado.
Os	 valores	 iluministas,	 a	 crença	 na	 razão,	 acabam	 levan-
do	 a	 um	esgotamento	de	 suas	 possibilidades.	 A	metafísica	 ra-
cional	chega	ao	seu	ápice	com	o	pensamento	de	Hegel,	para	o	
qual	"todo	o	real	é	 racional"	e,	ao	mesmo	tempo,	esgota	suas	
possibilidades.	Schopenhauer	e	Nietzsche,	mais	do	que	filósofos	
que	integram,	em	suas	filosofias,	a	questão	do	irracional,	da	von-
tade,	do	pessimismo	etc.,	 são	os	 filósofos	que	deixam	emergir	
os	problemas	que	apareciam	como	questões	de	segunda	ordem	
na	modernidade,	e	vislumbram	novas	possibilidades	de	filosofar	
mesmo	disparando	duros	golpes	à	razão.	A	questão	ética,	"o	ca-
ráter",	começa	a	aparecer	no	primeiro	plano	das	preocupações	
desses	 filósofos,	enquanto	o	problema	moral	vai	perdendo	es-
paço.	Assim,	 convidamos	 você	a	 acompanhar	os	pensamentos	
desses	dois	grandes	expoentes	da	Filosofia.	Vamos	lá?
191© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
5. ARTHUR SCHOPENHAUER (1788-1860)
Schopenhauer	pertencia	a	uma	família	de	ricos	comercian-
tes	e	estava	destinado	a	se	dedicar	ao	comércio.	Das	inúmeras	
viagens	na	companhia	de	seu	pai,	 fica-lhe	a	certeza	do	caráter	
trágico	da	vida	humana.	Decide,	então,	mergulhar	no	estudo	das	
obras	de	Kant.
Inscreve-se	na	Universidade	alemã	de	Göttingen	para	es-
tudar	Medicina	e	Ciências	Exatas,	porém	seu	interesse	pela	Filo-
sofia	é	maior.	Assiste,	em	Berlim,	aos	cursos	de	Fichte	(discípulo	
de	Kant,	cujo	entendimento	do	criticismo	kantiano	consiste	em	
um	idealismo	imanentista,	ou	seja,	movimento	de	pensamento	
para	o	qual	as	coisas	não	existem	em	si;	 todo	conhecimento	é	
representação).
Retira-se	para	Rudolstadt	(cidade	alemã	fundada	em	776),	
onde	medita	e	escreve	durante	cinco	anos.	Sua	obra	O mundo 
como vontade e como representação	é	publicada	em	Leipzig	em	
1818.	Após	tentar	e	não	conseguir	se	dedicar	ao	ensino	na	Uni-
versidade	de	Berlim,	instala-se	em	1831	na	cidade	de	Frankfurt.
Com	a	publicação,	em	1851,	da	obra	Parerga e paralipome-
na,	que	significa	trabalhos	menores	e	que	consiste	em	uma	série	
de	pensamentos	ordenados	sobre	diversos	assuntos,	inclusive	os	
famosos	Aforismos para a sabedoria e vida,	torna-se	conhecido.
Uma Ética da compaixão
O	 fundamento	da	moral	 em	Schopenhauer	é	a	 "compai-
xão"	–	do	latim	"compassione",	que	significa	uma	compreensão	
do	estado	emocional	de	outrem,	colocando-se	no	seu	lugar,	bus-
cando	minorar	o	seu	sofrimento.	O	princípio	ético	fundamental	
192 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
para	Schopenhauer	é:	não faças mal a ninguém, mas ajudes a 
todos que puderes.
Dentro	 do	 contexto	 do	 pensamento	 de	 Schopenhauer,	 a	
compaixão	implicaria	a	negação	do	"querer	viver"	(nichtwollen).	
Vejamos	o	porquê	no	próximo	tópico.
Vontade e representação
Para	 Schopenhauer,	 tudo	 no	 mundo	 é	 vontade	 e	
representação.
Vontade
Toda	existência	 seria	 a	manifestação	de	um	"querer"	es-
sencial.	O	conceito	de	vontade	tem,	no	pensamento	do	filósofo,	
uma	extensão	muito	mais	ampla	do	que	aquela	em	que	é	comu-
mente	entendido,	pois	a	vontade	é,	para	Schopenhauer,	o	que	
funda	toda	a	realidade.	Conhecida	de	imediato,	nada	é	mais	bem	
compreendido	por	nós	do	que	a	vontade,	diz	o	filósofo.
Na	segunda	parte	de	sua	obra	O mundo como vontade e 
como representação,	Schopenhauer	diz	que	a	solução	do	enigma	
do	mundo	deve	ser	buscada	no	homem,	uma	vez	que	é	a	expe-
riência	interior	que	nos	levará	à	essência	do	mundo.	Na	reflexão	
sobre	si	mesmo,	o	sujeito	surge	como	"querer"	e	não	como	en-
tendimento.	A	vontade	não	é	como	o	conhecimento,	comandada	
pelo	cérebro;	é	uma	força	original	que	cria	e	mantém	o	corpo	
com	suas	funções	conscientes	e	inconscientes.
A	vontadeé	o	que	está	na	origem	de	todas	as	forças	inor-
gânicas	 da	 natureza.	 "Substância"	 íntima	 e	 original,	 é	 idêntica	
quanto	à	matéria	em	todas	as	mudanças	e	movimentos	dos	cor-
193© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
pos,	em	todas	as	suas	variações,	nos	minerais,	nos	vegetais,	nos	
animais	e	nos	humanos.	 Faz	germinar	e	crescer	a	planta,	dá	a	
forma	regular	ao	cristal,	manifesta-se	na	matéria	mais	bruta	sob	
a	forma	de	peso.	Embora	todas	essas	coisas	se	deem	a	nós	dis-
tintas	umas	das	outras,	na	realidade	são	individuações	de	uma	
mesma	vontade.	O	mundo	em	si,	desde	o	inorgânico	ao	ser	hu-
mano,	seria	um	"querer	viver",	um	fluxo	perpétuo	e	eterno	de	
afirmação	da	vida,	sua	origem	e	seu	fim.
Continuando,	 o	 filósofo	 diz	 que	 o	 conhecimento	 preciso	
e	imediato	nos	é	fornecido	pelos	movimentos	de	nosso	próprio	
corpo	e	a	isso	chamamos	vontade.	A	força	que	age	e	move	a	na-
tureza	e	se	manifesta	nos	fenômenos	de	maneira	cada	vez	mais	
perfeita	eleva-se	bastante	alto	para	que	o	conhecimento	a	escla-
reça	por	meio	de	uma	luz	direta.	Em	outras	palavras,	essa	força	
que	age	e	move	a	natureza	apresenta-se	de	maneira	 cada	vez	
mais	perfeita,	até	se	tornar	passível	de	conhecimento.	Chegada	
essa	força	ao	estado	de	consciência	de	si,	revela-se	propriamen-
te	como	"vontade",	noção	da	qual	temos	conhecimento	preciso	
e	que,	por	isso	mesmo,	longe	de	ser	explicada	por	qualquer	ou-
tro	elemento	estranho,	explica-se	a	si	mesma.
A	"vontade"	é,	pois,	o	que	se	expressa	das	mais	variadas	
maneiras,	em	tudo	o	que	existe	no	mundo;	é	a	essência	do	mun-
do	e	a	substância	de	todos	os	fenômenos.
Representação
Por	sua	vez,	o	mundo	existe	apenas	como	"representação",	
ou	seja,	na	relação	com	um	ser	que	percebe.	A	realidade	(seja	ela	
o	que	for)	não	seria	separável	das	formas	de	apreensão	de	um	
sujeito,	formas	como:
194 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
•	 a	do	tempo	(responsável	pela	finitude	do	mundo);
•	 a	do	espaço	(responsável	pela	multiplicidade);
•	 a	da	causalidade	(responsável	pela	necessidade).
A	vontade,	diferentemente	do	mundo	dos	fenômenos	ou	
do	 mundo	 como	 "representação",	 não	 seria	 determinada	 pe-
las	três	formas	a priori citadas,	pois	a	vontade	não	depende	do	
tempo,	porque	é	eterna;	nem	do	espaço,	porque	é	una;	nem	da	
causalidade,	porque	é	livre.	Enfim,	a	base	ou	fundamento	cons-
titutivo	de	toda	realidade	se	inscreve	na	falta	de	determinação	
temporal,	espacial	e	causal.
Segundo	o	filósofo,	o	mundo	fenomênico	ou	da	represen-
tação	é	o	espelho	da	vontade	de	vida.
A	 Vontade	 que,	 considerada	 puramente	 em	 si,	 destituída	 de	
conhecimento	é	apenas	um	ímpeto	cego	e	irresistível	–	como	
a	vemos	entrar	em	cena	na	natureza	inorgânica	e	na	natureza	
vegetal,	assim	como	na	parte	vegetativa	da	nossa	própria	vida	
–	atinge,	pela	entrada	em	cena	do	mundo	como	representação	
desenvolvida	para	o	seu	serviço,	o	conhecimento	de	sua	volição	
e	daquilo	que	ela	quer,	a	saber,	nada	senão	este	mundo,	a	vida,	
justamente	como	esta	existe.	Por	isso	denominamos	o	mundo	
fenomênico	 seu	espelho,	 sua	objetidade;	 //	 e,	 como	o	que	a	
Vontade	sempre	quer	é	a	vida,	precisamente	porque	esta	nada	
é	senão	a	exposição	daquele	querer	para	a	representação,	é	in-
diferente	e	tão	somente	um	pleonasmo	se,	em	vez	de	simples-
mente	dizermos	"a	Vontade",	dizemos	"a	Vontade	de	vida".	[...]
Onde	existe	Vontade,	existirá	vida,	mundo.	Portanto,	à	Vontade	
de	vida	a	vida	é	certa,	e	pelo	tempo	em	que	estivermos	preen-
chidos	de	Vontade	de	vida,	não	precisamos	temer	por	nossa	exis-
tência,	nem	pela	visão	da	morte	(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	358).
O	fundo	de	todas	as	formas	vivas	é,	assim,	constituído	desse	
esforço	incessante,	o	qual,	ao	alcançar	o	ponto	alto	de	suas	mani-
festações	objetivas,	seu	princípio	verdadeiro	e	mais	geral,	revela-
195© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
-se	a	si	mesmo	como	vontade	encarnada	em	um	corpo	que	 lhe	
impõe	suas	leis,	tornado	este	corpo	a	própria	vontade	de	viver.
O "querer" é a condição do surgimento do "eu"
Os	atos	de	nosso	corpo	ocorrem	no	 tempo	e	no	espaço,	
ligados	pela	lei	da	causalidade.	Ao	surgir	nossa	condição	de	sujei-
tos	cognoscentes,	devido	ao	princípio	de	individuação	(como	dis-
tintos	uns	dos	outros),	passamos	a	nos	perceber	imediatamente	
como	sujeitos	 volitivos.	O	 sujeito	 cognoscente	 ilumina	o	 sujei-
to	volitivo,	e	o	primeiro	sinal	de	consciência	de	nossa	existência	
surge	como	o	 "querer",	pois,	no	momento	em	que	queremos,	
temos	consciência	de	que	"o	ser	que	conhece"	é	o	mesmo	"ser	
que	quer".	 Portanto,	 o	querer	 é	 a	 condição	do	 surgimento	do	
"eu".	O	"querer"	não	é	"substância"	autônoma,	individual,	mas	é	
o	próprio	corpo	e	suas	ações.
A condição humana: todo querer tem por princípio uma neces-
sidade, uma carência e, portanto, uma dor
Schopenhauer	descreve	a	existência	humana	como	trágica	
e	dolorosa,	como	um	pêndulo	que	oscila,	sem	cessar,	entre	o	so-
frimento	e	o	tédio.	Seu	horizonte	é	a	morte.	Já	na	matéria	bruta,	
encontramos	um	esforço	contínuo,	sem	fim	e	sem	repouso,	os	
animais	e	os	homens	apresentam	uma	sede	insaciável	de	que-
rer.	Somos	todos	prisioneiros	da	dor	pela	própria	natureza,	pois	
todo	querer	tem	por	princípio	uma	necessidade,	uma	carência,	
portanto,	uma	dor.	Se	a	vontade	não	é	satisfeita	ou	o	desejo	não	
é	atendido,	os	homens	caem	no	tédio	e	suas	existências	tornam-
-se	intoleráveis.
196 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
Sendo	o	homem	a	mais	perfeita	das	 formas	objetivas	da	
vontade,	é	também	de	todos	os	seres	o	mais	atormentado	pelas	
necessidades	de	se	manter	vivo.	Ele	é	 inteiramente	"vontade",	
colocado	na	Terra,	 incerto	de	 tudo,	 salvo	de	sua	escravidão	às	
necessidades,	necessidades	estas	difíceis	de	satisfazer	e,	a	cada	
vez,	renovadas.
Há	ainda	outra	necessidade	trazida	pela	exigência	de	con-
servação	da	vida	e	que	é	a	perpetuação	da	espécie.	Para	a	gran-
de	maioria	dos	homens,	a	vida	é	um	combate	perpétuo	pela	so-
brevivência.	De	acordo	com	o	filósofo,	o	que	faz	o	ser	humano	
lutar	não	é	propriamente	o	amor	à	vida,	mas	a	angústia	e	o	medo	
da	morte,	sempre	à	espreita	em	qualquer	lugar	e	em	qualquer	
tempo.
Se	 a	 nossa	 existência	 não	 tem	 por	 fim	 imediato	 a	 dor,	 pode	
dizer-se	que	não	tem	razão	alguma	de	ser	no	mundo.	Porque	é	
absurdo	admitir	que	a	dor	sem	fim,	que	nasce	da	miséria	ine-
rente	à	vida	e	enche	o	mundo,	seja	apenas	um	puro	acidente,	
e	não	o	próprio	fim.	Cada	desgraça	particular	parece,	é	certo,	
uma	exceção,	mas	a	desgraça	geral	é	a	regra.	[...]
Assim	como	um	regato	corre	sem	ímpetos,	enquanto	não	encon-
tra	obstáculos,	do	mesmo	modo	na	natureza	humana,	como	na	
natureza	animal,	a	vida	corre	inconsciente	e	cuidadosa,	quando	
coisa	alguma	se	 lhe	opõe	à	vontade.	Se	a	atenção	desperta,	é	
porque	a	vontade	não	era	livre	e	se	produziu	algum	choque.	Tudo	
o	que	se	ergue	em	frente	da	nossa	vontade,	tudo	o	que	a	contra-
ria	ou	a	resiste,	isto	é,	tudo	o	que	há	desagradável	e	de	doloroso,	
sentimo-lo	ato	contínuo	e	muito	nitidamente.	Não	atentamos	na	
saúde	geral	do	nosso	corpo,	mas	notamos	o	ponto	ligeiro	onde	
o	sapato	nos	molesta;	não	apreciamos	o	conjunto	próspero	dos	
nossos	 negócios,	 e	 só	 pensamos	 numa	 ninharia	 insignificante	
que	nos	 desgosta.	 –	O	bem-estar	 e	 a	 felicidade	 são,	 portanto,	
negativos,	só	a	dor	é	positiva	(SCHOPENHAUER,	s/d.,	p.	21-22).
197© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
A experiência do desejo, a morte e a vontade de viver
Em	sua	obra	O mundo como vontade e como representa-
ção,	Schopenhauer	diz	que	a	experiência	do	desejo	é	a	ausência	
de	algo	que	falta,	e	a	vida	consiste	em	tentar	preencher	essa	fal-
ta.	Corre-se	de	objeto	em	objeto,	em	uma	perseguição	insaciável,	
indo	da	privação	(sofrimento)	para	a	experiência	do	tédio,	após	a	
posse	ou	realização	do	desejo.	Enfim,	aos	seres	vivos	pesam	suas	
naturezas	e	suas	existênciasde	maneira	intolerável.	As	angústias	
do	medo	da	morte,	 os	 sofrimentos	 e	 as	mágoas	 chegam	a	 tal	
grau,	que	a	morte	se	torna	desejável.
Esse	esforço	incessante	que	constitui	o	fundo	de	todas	as	
formas	visíveis,	revestidas	de	vontade,	chegando	ao	ponto	mais	
alto	de	suas	manifestações	objetivas,	encontra	seu	princípio	ver-
dadeiro	e	mais	geral.	A	vontade,	então,	se	revela	a	ela	mesma	em	
um	corpo	vivo,	que	lhe	impõe	uma	lei	de	ferro,	o	de	se	alimentar,	
e	esse	corpo	passa	a	ser	a	própria	vontade	de	viver	encarnada.
Quais motivos nos levam a transformar um "querer" em "ação"
O	 egoísmo	 é,	 segundo	 Schopenhauer,	 a	 potência	 mais	
determinante	 do	 agir	 humano.	 Caracteriza-se	 por	 privilegiar	 a	
realização	do	querer	individual.	É	a	potência	moral	intrínseca	à	
vontade	de	viver.
Faz	 parte	 da	natureza	da	 vontade	dominar,	 se	 apropriar,	
buscar	o	próprio	prazer	e	isso	significa	provocar	dor	no	outro.	O	
bem-estar	de	alguns,	diz	o	filósofo,	significa	o	mal-estar	de	ou-
tros:	o	lucro	desmedido	de	patrões	custa	suor	e	lágrimas	de	ou-
tros;	em	benefício	de	alguns,	impõe-se	trabalho	duro	a	crianças,	
e	há	ainda	a	escravidão	do	ser	humano	pelo	próprio	ser	humano;	
198 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
acrescenta-se	a	 isso	o	 fato	da	alimentação	da	espécie	humana	
custar	a	morte	de	outros	animais,	e	assim	por	diante.
Outro	motivo	que	nos	leva	a	transformar	um	"querer"	em	
"ação"	é	a	crueldade.	Enquanto,	no	egoísmo,	agimos	com	vistas	
ao	nosso	próprio	bem,	na	crueldade,	agimos	visando	ao	mal	do	
outro,	seja	um	ser	humano	ou	outros	seres,	como	o	animal,	por	
exemplo.
A	pior	feição	da	natureza	humana	permanece	sendo	o	deleite	
pela	desgraça	alheia,	porque	estreitamente	aparentada	à	cruel-
dade,	 se	distingue	propriamente	desta	apenas	 como	a	 teoria	
da	 prática,	 e	 localizando-se	 precisamente	 onde	deveria	 ser	 o	
lugar	da	compaixão,	que,	como	seu	oposto,	constitui	a	verda-
deira	 fonte	de	 toda	genuína	 justiça	e	amor	pela	humanidade	
(SCHOPENHAUER,	1974,	p.	104).
A compaixão (Mitleid)	seria	um	terceiro	motivo	para	agir	–	
nesse	caso,	agir	pelo	bem	do	outro.	No	ser	humano,	o	egoísmo	e	
a	crueldade	superam	em	muito	a	compaixão.
Na	 compaixão,	 negamos	 essa	 pulsão	 da	 vontade,	 esse	
nosso	"querer	viver",	agindo	pelo	bem	de	outrem;	diminuímos	
a	distância	entre	nós	mesmos	e	o	outro,	nos	identificando	com	
ele.	Esse	é,	segundo	Schopenhauer,	o	nosso	único	ato	de	liber-
dade	expresso	no	mundo	da	representação,	pois,	compreenden-
do	que	o	outro	sou	eu,	eliminamos	as	ilusões	do	mundo	da	re-
presentação:	a	infinitude	e	a	liberdade.	Liberdade e compaixão 
consistem, pois, para Schopenhauer,	em negar esta pulsão da 
vontade.
Liberdade e negação do livre-arbítrio
A	posição	de	Schopenhauer	sobre	a	liberdade	é	essencial-
mente	original.	Segundo	ele,	as	ações	humanas	são	regidas	por	
199© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
rigoroso	determinismo,	determinismo	esse	que	se	deve	à	ação,	
vimos,	dos	"motivos"	(do	egoísmo,	da	crueldade)	sobre	o	caráter.
Tendo	em	vista	esse	determinismo,	o	uso	prático	da	razão	
não	é	decisivo	na	moralidade.	Em	outras	palavras,	o	fundamen-
to	de	toda	moral	é	a	vontade,	um	suprassensível	inatingível	por	
uma	razão	prática.
A	autêntica	bondade	de	disposição,	a	virtude	desinteressada	e	
a	pureza	não	se	originam	do	conhecimento	abstrato,	embora	
sem	dúvida	se	originem	do	conhecimento,	a	saber,	de	um	co-
nhecimento	imediato	e	intuitivo	que	não	pode	ser	adquirido	ou	
eliminado	via	raciocínio.	Ora,	precisamente	por	não	ser	abstra-
to,	não	pode	ser	comunicado	mas	tem	de	brotar	em	cada	um	de	
nós	(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	470-471).
A justiça e a caridade
As	virtudes	da	justiça	e	da	caridade	são	as	manifestações	
do	ato	de	negar	a	pulsão	da	vontade,	pois	são	movimentos	que	
contrariam	o	sentido	fundamental	do	"querer	viver"	que,	como	
vimos,	é	essencialmente	um	voltar-se	para	si	mesmo,	para	o	pró-
prio	bem-estar.
[...]	quem	reconhece	e	aceita	voluntariamente	o	 limite	moral	
entre	o	 justo	 e	o	 injusto,	mesmo	ali	 onde	o	 Estado	ou	outro	
poder	não	se	imponha,	quem,	conseqüentemente	[...]	jamais,	
na	afirmação	da	própria	vontade,	vai	até	a	negação	da	vontade	
que	se	expõe	em	outro	indivíduo	–	é	JUSTO.	Portanto,	não	infli-
girá	sofrimento	a	outrem	para	aumentar	o	próprio	bem-estar,	
vale	dizer,	não	cometerá	crimes,	respeitará	o	direito	e	a	proprie-
dade	alheios.	[...]	
Vimos	que	a	justiça	voluntária	tem	sua	origem	mais	íntima	num	
certo	grau	de	visão	através	do	principii individuationis;	enquan-
to	o	injusto,	ao	contrário,	permanece	completamente	envolto	
neste	princípio.	Um	tal	olhar-através-de	se	dá	não	apenas	no	
grau	exigido	pela	justiça,	mas	também	em	graus	mais	elevados,	
200 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
os	quais	impulsionam	à	benevolência,	à	beneficência	positiva,	à	
caridade:	e	isso	é	algo	que	pode	acontecer	não	importa	o	quão	
vigorosa	e	enérgica	é	em	si	mesma	a	vontade	que	aparece	em	
um	semelhante	indivíduo	(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	471-473).
Todos os seres vivos somos a expressão de uma única vontade 
de viver
Todo	indivíduo,	sentindo	a	vontade	de	viver	intensamente,	
tende	a	se	considerar	como	o	centro	do	mundo	e,	assim,	há	tan-
tos	centros	do	mundo	quanto	há	indivíduos,	centros	esses	que	se	
afrontam	mutuamente.	É	a	luta	de	todos	contra	todos.
No	entanto,	tal	luta	é	uma	agressão	a	si	mesmo,	uma	vez	
que	"todos"	é	a	expressão	de	uma	única	e	mesma	vontade	de	
viver.	Quando	o	véu	de	Maya	(o	que	representa,	no	pensamento	
hindu,	a	aparência	ilusória	que	esconde	a	realidade	propriamen-
te	dita)	é	 levantado	diante	dos	olhos	de	um	ser	humano,	este	
não	 faz	mais	nenhuma	distinção	entre	 si	mesmo	e	o	outro.	 É,	
então,	capaz	de	tomar	as	dores	do	outro	como	suas	e	sacrificar	
sua	pessoa	pelo	outro.
Reconhece	a	si	mesmo	em	cada	ser,	considera	as	infinitas	
dores	de	todo	ser	vivo	como	sendo	suas	próprias	dores,	toman-
do	para	si	a	miséria	do	mundo.	Para	tal	homem,	não	existe	mais	
essa	alternância	de	bem	e	de	mal,	na	qual	consiste	a	visão	da	
grande	maioria	dos	homens,	ainda	escravos	do	egoísmo.	Tal	ho-
mem	passa	a	conhecer	a	essência	de	todas	as	coisas	e	perceber	
que	elas	consistem	em	um	fluxo	perpétuo,	em	um	esforço	esté-
ril,	em	uma	contradição	íntima	e	em	um	sofrimento	contínuo.
Schopenhauer,	então,	pergunta:	como,	conhecendo	assim	
o	mundo,	pode	tal	homem,	por	meio	de	incessantes	atos	de	von-
tade,	afirmar	a	vida,	ligando-se	a	ela	cada	vez	mais	estreitamen-
201© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
te,	aliviando	o	seu	peso?	O	filósofo	responde	que,	quando	isso	
acontece,	a	vontade	se	desliga	da	vida	e	 tal	homem	alcança	o	
estado	de	abnegação	voluntária,	resignando-se	e	vivenciando	a	
verdadeira	calma	e	o	término	do	querer.
Se,	 como	 exceção	 rara,	 encontramos	 um	 homem	 dotado	 de	
uma	considerável	fortuna,	mas	que	usufruiu	muito	pouco	dela,	
doando	todo	o	resto	aos	necessitados,	enquanto	ele	mesmo	re-
nuncia	a	muitos	gozos,	ao	conforto,	se,	a	partir	disso,	tentamos	
elucidar	para	nós	mesmos	o	seus	atos,	notaremos	que,	tirante	
no	todo	os	dogmas	pelos	quais	ele	mesmo	quer	tornar	conce-
bível	seus	atos	à	sua	razão,	em	verdade,	a	expressão	simples	e	
geral	e	o	caráter	essencial	de	sua	conduta	é	que	ele	ESTABELE-
CE	MENOS	DIFERÊNÇA	DO	QUE	A	USUALMENTE	ESTABELECIDA	
ENTRE	SI	MESMO	E	OS	OUTROS.	Se	esta	diferença	mesma,	aos	
olhos	de	muitos,	é	tão	grande	que	o	sofrimento	alheio	se	tor-
na	para	o	malvado	uma	alegria	 imediata	e	para	o	 injusto	um	
meio	bem-vindo	ao	próprio	bem-estar;	e,	ainda,	se	o	homem	
//	justo	se	furta	a	provocar	semelhante	sofrimento;	por	fim,	se	
em	geral	a	maioria	dos	homens	sabe	e	conhece	em	sua	proxi-
midade	inumeráveis	sofrimentos	de	outros	seres	sem	entretan-
to	se	decidirem	a	aliviá-los,	visto	que	assim	sofreriam	alguma	
privação;	se	portanto,	em	todos	esses	casos,	parece	instituir-se	
em	diferença	poderosa	entre	o	eu	pessoal	e	o	eu	alheio–	ao	
contrário,	naquele	homem	nobre	que	temos	em	mente	tal	dife-
rença	é	insignificante.	O	principii individuationis,	a	forma	do	fe-
nômeno	não	mais	o	enreda	tão	firmemente,	mas	o	sofrimento	
visto	em	outros	o	afeta	quase	tanto	como	se	fosse	seu;	procura,	
então,	restabelecer	o	equilíbrio:	renuncia	aos	gozos,	aceita	pro-
vações	para	aliviar	o	sofrimento	alheio.	O	homem	nobre	nota	
que	a	diferença	entre	si	e	outrem,	que	para	o	mau	é	um	grande	
abismo,	pertence	apenas	a	um	fenômeno	passageiro	e	ilusório;	
reconhece	imediatamente,	sem	cálculos,	que	o	Em-si	do	seu	fe-
nômeno	é	também	o	Em-si	do	fenômeno	alheio,	a	saber,	aquela	
Vontade	de	vida	constitutiva	da	essência	de	qualquer	coisa,	que	
vive	em	tudo;	sim,	que	ela	se	estende	até	mesmo	aos	animais	
e	à	toda	a	natureza,	logo,	ele	também	não	causará	tormento	a	
animal	algum	(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	473-474).
202 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
A completa inversão da negação da vontade: o suicídio
O	suicídio	é,	para	Schopenhauer,	a	inversão	completa	des-
sa	negação	da	vontade	descrita	anteriormente.
§	69
Nada	mais	 difere	 tão	 amplamente	 da	 negação	 da	 Vontade	 de	
vida	exposta	suficientemente	nos	limites	do	nosso	modo	de	con-
sideração,	e	que	constitui	o	único	ato	de	liberdade	da	Vontade	
a	entrar	em	cena	no	fenômeno,	[...]	do	que	a	afetiva	supressão	
de	seu	fenômeno	individual,	na	efetividade,	pelo	SUICÍDIO.	[...]	
O	suicida	quer	a	vida;	porém	está	insatisfeito	com	as	condições	
sob	as	quais	a	vive.	Quando	destrói	o	fenômeno	individual,	ele	de	
maneira	alguma	renuncia	à	Vontade	de	vida,	mas	tão-somente	à	
vida.	Ele	ainda	quer	a	vida,	quer	a	existência	e	a	afirmação	sem	
obstáculos	do	corpo,	porém,	como	a	combinação	das	circunstân-
cias	não	o	permite,	o	resultado	é	um	grande	sofrimento.	O	suicí-
dio,	em	realidade,	é	a	obra-prima	de	Maia	na	forma	do	mais	gri-
tante	índice	de	contradição	da	Vontade	de	vida	consigo	mesma.	
[...]	O	sofrimento	se	aproxima	e,	enquanto	tal,	abre-lhe	a	possi-
bilidade	de	negação	da	Vontade,	porém	ele	a	rejeita	ao	destruir	
o	 fenômeno	da	Vontade,	o	corpo,	de	tal	 forma	que	a	Vontade	
permanece	inquebrantável	(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	504).	
O único caminho de salvação é conhecer a própria essência da 
vontade para suprimi-la
A	salvação	só	se	daria	com	a	supressão	da	vontade,	pois	
esta	é	a	razão	do	sofrimento	e	da	dor.	E,	para	suprimi-la,	é	neces-
sário	que	a	vontade	apareça	livremente	como	tal.	Livremente	e	
não	por	violência.	Isso	só	acontece	quando	a	vontade	alcança	o	
conhecimento	de	si	mesma,	libertando-se	do	mundo	dos	fenô-
menos	e	de	toda	motivação,	verificando-se,	assim,	o	que	os	cris-
tãos	chamam	de	recebimento	da	"Graça"	e	renascimento.	Esse	
estado,	 em	que	 "o	desejo	 se	 detém	e	 se	 cala",	 Schopenhauer	
chama	de	"bem	absoluto"	e	seria	o	único	que	nos	liberta.
203© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
A	Vontade	não	pode	ser	suprimida	por	nada	senão	o	CONHECI-
MENTO.	Por	isso	o	único	caminho	de	salvação	é	este:	que	a	Von-
tade	apareça	livremente,	a	fim	de,	neste	fenômeno,	CONHECER	
a	sua	essência.	Só	em	conseqüência	deste	conhecimento	pode	
suprimir	a	si	mesma	e,	assim,	também	pôr	fim	ao	sofrimento	in-
separável	de	seu	fenômeno.	Isso,	entretanto,	não	é	possível	por	
violência,	como	a	destruição	do	embrião,	a	morte	do	recém-nas-
cido,	o	suicídio.	A	natureza	conduz	a	Vontade	à	luz,	porque	só	na	
luz	a	Vontade	pode	encontrar	a	sua	redenção.	Eis	por	que	se	deve	
fomentar	de	 todas	as	 formas	os	 fins	da	natureza,	desde	que	a	
Vontade	de	vida,	o	seu	íntimo,	tenha	decidido	(SCHOPENHAUER,	
2005,	p.	506).	
§	70
Pois	 exatamente	 aquilo	 que	 os	 místicos	 cristãos	 denominam	
EFEITO	DA	GRAÇA	e	RENASCIMENTO	é	para	nós	a	única	e	ime-
diata	exteriorização	da	LIBERDADE	DA	VONTADE.	Esta	só	entra	
em	cena	quando	a	Vontade,	após	alcançar	o	conhecimento	de	
sua	essência	em	si,	obter	dele	um	QUIETIVO,	quando	então	é	
removido	o	efeito	dos	MOTIVOS,	os	quais	residem	em	outro	do-
mínio	de	conhecimento	cujos	objetos	são	apenas	fenômenos.	
(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	515-516).	
Só	o	conhecimento	da	essência	do	mundo	como	vontade	
permite	a	resignação,	o	desprendimento	e	a	serenidade.	O	ódio	
e	a	maldade	partem	do	egoísmo	e	este	advém	da	 sujeição	da	
inteligência	ao	princípio	da	individuação.	O	critério	de	uma	ação	
verdadeiramente	boa,	dotada	de	valor	moral	seria	a	ausência	de	
toda	motivação	egoísta.
Em	um	grau	superior	de	desenvolvimento,	a	justiça,	a	do-
çura	e	a	generosidade,	no	que	elas	têm	de	mais	elevado,	se	ori-
ginam	na	inteligência,	que	compreende	o	princípio	de	que,	su-
primindo	toda	diferença	entre	nós	como	indivíduos	e	os	outros,	
torna-se	possível	a	intenção	perfeitamente	boa.
204 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
Na	medida	em	que	se	dá	a	compreensão	desse	princípio,	
diz	 Schopenhauer,	 nossa	 influência	 sobre	 a	 vontade	 cresce.	 O	
desvelamento	do	princípio	de	 individuação	 libera	o	homem	da	
distinção	egoísta	entre	ele	e	o	outro.	Esse	homem	que	reconhece	
em	cada	ser	o	que	há	de	mais	íntimo	e	verdadeiro	em	si	mesmo	
é	capaz	de	tomar	para	si	a	miséria	do	mundo	inteiro.	A	partir	de	
então,	nenhum	sofrimento	 lhe	é	alheio	e	desconhecido.	Todas	
as	dores	dos	outros,	todos	os	sofrimentos	que	ele	vê	e	que	rara-
mente	pode	sanar,	todos	os	sofrimentos	que	ele	sabe	possíveis	
pesam	sobre	seu	coração	como	se	fossem	seus.	Tudo	o	toca	de	
perto.	Passa	a	perceber	a	essência	das	coisas	como	sendo	o	per-
pétuo	desenrolar	do	sofrimento	contínuo	de	uma	humanidade	
miserável	e	de	um	universo	que	desaparece	se	transformando.
A	Vontade	então	se	desliga	da	vida,	o	homem	chega	"ao	es-
tado	de	abnegação	voluntária,	de	resignação,	de	verdadeira	cal-
ma	e	de	parada	total	e	absoluta	do	'querer'".	(SCHOPENHAUER,	
1956,	p.	203-204).
A negação e a supressão do "querer" abririam uma passagem 
para o nada
A	supressão	do	"querer"	levaria	ao	nada,	entendendo	por	
nada,	como	observa	Schopenhauer,	não	uma	negação	absoluta,	
mas	uma	negação	relativa	ao	mundo	como	representação,	mun-
do	este	que	é	o	espelho	da	vontade,	e	que	é	nós	mesmos	e	tudo	
o	que	existe.	Não	mirando	mais	a	vontade	nesse	seu	espelho	que	
é	o	mundo,	a	vontade	se	perde	no	nada.
Após	a	nossa	consideração	finalmente	ter	chegado	ao	ponto	em	
que	a	negação	e	supressão	do	querer	apresentam-se	diante	de	
nossos	olhos	de	um	mundo	cuja	existência	inteira	se	apresenta	
como	 sofrimento,	 daí	 se	 abriria	 uma	passagem	para	 o	NADA	
vazio.	//	Mas,	sobre	isso,	tenho	antes	de	observar	que	o	con-
205© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
ceito	de	NADA	é	essencialmente	relativo	e	sempre	se	refere	a	
algo	determinado,	que	ele	nega.	[...]	Porém,	numa	considera-
ção	mais	acurada,	não	existe	o	nada	absoluto,	não	existe	o	nihil 
negativum propriamente	dito,	nem	sequer	ele	é	pensável;	mas,	
de	qualquer	nada	deste	gênero,	considerado	de	um	ponto	de	
vista	 superior,	 ou	 subsumido	 em	 um	 conceito	mais	 amplo,	 é	
sempre	apenas	o	nihil privativum.	Qualquer	nada	o	é	apenas	
quando	pensado	em	relação	a	outro.	Até	mesmo	uma	contradi-
ção	lógica	é	um	nada	relativo:	embora	não	seja	um	pensamento	
da	razão,	nem	por	isso	é	um	nada	absoluto.	Trata-se	ali	de	uma	
combinação	de	palavras,	de	um	exemplo	do	não	pensável,	ne-
cessariamente	requerido	na	lógica	para	demonstrar	as	leis	do	
pensamento	[...].//	O	universalmente	tomado	como	positivo,	o	
qual	denominamos	SER,	e	cuja	negação	é	expressa	pelo	concei-
to	NADA	na	sua	significação	mais	geral,	é	exatamente	o	mundo	
como	 representação,	que	demonstrei	 como	a	objetividade,	o	
espelho	da	Vontade.	Esta	Vontade	e	este	mundo	são	justamente	
nós	mesmos,	e	ele	pertence	a	representação	em	geral	como	um	
de	seus	lados.	A	forma	desta	representação	é	espaço	e	tempo;	
e	assim,	deste	ponto	de	vista,	tudo	o	que	existe	tem	de	estar	em	
algum	lugar,	num	dado	tempo.	Negação,	supressão,	viragem	da	
Vontade	é	 também	supressão	e	desaparecimento	do	mundo,	
seu	 espelho.	 Se	nãomiramos	mais	 a	Vontade	neste	 espelho,	
então	perguntamos	debalde	para	que	direção	ela	se	virou,	e	em	
seguida,	já	não	há	mais	onde	e	quando,	lamentamos	que	ela	se	
perdeu	no	nada	(SCHOPENHAEUR,	2005,	p.	515-517).	
O recurso à arte e à contemplação estética
Schopenhauer	 vê,	 na	 contemplação	estética,	 a	 oportuni-
dade	de	um	desapego	das	coisas	do	mundo,	do	egoísmo	e	do	
desejo,	uma	vez	que	o	conhecimento	do	belo	é	uma	representa-
ção	que	não	está	submissa	ao	princípio	da	razão.	Trata-se	de	um	
saber	intuitivo,	não	empírico,	desvinculado	de	qualquer	conhe-
cimento	interessado.
206 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
Em	sua	obra,	já	citada,	O mundo como vontade e como re-
presentação	e	na	obra	Metafísica do belo,	Schopenhauer	expõe	
sua	filosofia	da	arte.
Vimos	que,	para	o	 filósofo,	os	objetos	do	mundo	são	re-
presentações	e,	como	tais,	estão	sujeitas	às	formas	do	princípio	
da	razão	suficiente,	ou	seja,	o	tempo,	o	espaço	e	a	causalidade,	
representações	que	são	elaboradas	pelo	sujeito.	O	próprio	corpo	
é	um	objeto	e	os	órgãos	dotados	de	sensibilidade	são	os	objetos	
imediatos.
Vimos,	também,	que	a	Vontade	é	a	coisa-em-si,	cuja	exis-
tência	não	depende	do	sujeito	e	que	todos	os	objetos	são	mani-
festações	da	vontade.	O	acesso	à	natureza	da	coisa-em-si	é	feito	
pelo	sujeito	e	não	pelos	objetos.
O	primeiro	estágio	de	objetivação	da	vontade,	em	que	ela	
se	manifesta	como	fenômeno,	é,	segundo	Schopenhauer,	consti-
tuído	do	que	Platão	denominou	"ideias",	ou	seja,	os	arquétipos	
eternos	de	 tudo	o	que	existe	no	mundo.	A	arte	 seria	 a	 repre-
sentação	dessas	 ideias.	Assim,	a	 arquitetura	 representa	as	 leis	
físicas,	a	pintura	as	formas	dos	objetos.
Em	 alguns	 homens,	 o	 conhecimento	 pode	 libertar-se	 da	
escravidão	da	vontade,	permanecendo	ele	mesmo,	independen-
temente	de	todo	alvo	voluntário,	como	puro	e	claro	espelho	do	
mundo.	Esses	são	os	homens	capazes	de	produzir	arte.	A	genia-
lidade	do	artista	consiste	em	reproduzir	a	ideia	por	trás	de	um	
objeto	do	mundo;	assim,	um	retrato	representa	a	ideia	única	e	
eterna	do	caráter	da	pessoa.
A	obra	de	arte	permite	que	as	pessoas	comuns	percebam	
essas	ideias	eternas,	mesmo	não	tendo	a	genialidade	do	artista.	
O	saber	do	artista	procede	da	vontade	e	pertence	à	essência	dos	
207© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
graus	mais	elevados	de	seu	processo	de	objetivação.	Compara	
a	existência	da	maior	parte	dos	homens	a	uma	espera	tola,	ple-
na	de	sofrimentos	inúteis,	"uma	marcha	titubeante	pelas	quatro	
idades	de	vida,	 funcionam	sem	saber	por	que".	A	arte	possui-
ria	o	poder	de	suprimir,	ainda	que	por	um	tempo	limitado,	essa	
submissão	do	conhecimento	à	vontade.	Na	experiência	estética,	
absorvido	em	contemplação	profunda,	o	sujeito,	antes	domina-
do	pelo	querer,	torna-se	"sujeito	puro	do	conhecer",	 isento	de	
vontade.
O	 princípio	 de	 individuação	 torna-se,	 então,	 inoperante;	
esquecemo-nos	 de	 nossa	 individualidade,	 de	 nossa	 vontade	 e	
subsistimos	 como	puro	 sujeito,	 como	claro	espelho	do	objeto,	
como	se	só	o	objeto	existisse,	sem	ninguém	que	o	percebesse,	
sujeito	e	intuição	confundindo-se	no	mesmo	ser.
O	sujeito,	na	obra	de	arte,	forma	com	os	objetos	represen-
tados	uma	unidade	da	essência	comum	de	que	compartilham,	a	
vontade.	A	vontade	passa	a	ser	uma	só	no	indivíduo	e	no	objeto	
contemplado.	Ao	elevar-se	a	tal	contemplação,	dá-se	a	consciên-
cia	de	si	mesmo	como	puro	sujeito,	tornando-se	a	vontade	que	
se	conhece	a	si	mesma.
O	 conhecimento,	 originariamente	 servidor	 da	 vontade,	
passa	a	ser	desinteressado,	pois,	com	a	supressão	da	individuali-
dade,	a	vontade	renuncia	a	seus	fins.
O	"belo"	é,	para	Schopenhauer,	tudo	o	que	na	arte	e	na	na-
tureza	é	capaz	de	causar	um	estado	contemplativo	que	escape	à	
ditadura	do	"querer".	Todo	objeto	pode	se	tornar	belo,	caso	um	
gênio	veja	nele	suas	ideias,	fixando-as	em	sua	obra,	tornando-as	
acessíveis	aos	demais.	O	grande	gênio	da	arte	é	um	professor	
de	resignação,	um	mestre	a	guiar	a	humanidade	no	caminho	do	
conhecimento	e	da	renúncia	à	vontade	tirânica.
208 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
O	gênio	da	arte	é	um	contemplador	das	ideias	eternas,	li-
bertando	o	conhecimento	originariamente	submisso	à	vontade.	
A	essência	do	gênio	é	essa	aptidão	para	a	contemplação	absorvi-
da	no	objeto,	exigindo	esquecimento	completo	da	personalidade	
e	de	suas	relações,	aptidão	que	permite	manter-se	na	intuição	
pura,	aí	se	perdendo,	libertando	o	conhecimento	originariamen-
te	submisso	à	vontade.
O	objeto	é	belo	quando	consegue	despertar	no	observa-
dor	um	estado	contemplativo,	de	intuição	pura,	durante	o	qual	
se	calam	temores,	esperanças,	ânsias	e	preocupações.	Dentre	as	
artes,	a	música	é,	para	Schopenhauer,	a	que	melhor	pode	preen-
cher	essa	função;	é	a	linguagem	universal	que	penetra	a	intimi-
dade	do	indivíduo.
Observação: existem excelentes trabalhos acessíveis na internet 
sobre essa relação da Ética e da estética em Schopenhauer. 
Dentre outros, citamos o de João Coviello, intitulado O vínculo 
entre Ética e estética no pensamento de Schopenhauer com 
um olhar especial sobre a arte contemporânea. Disponível 
em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede//tde_busca/arquivo.
php?codArquivo=477>. Acesso em: 1 set. 2015.
Schopenhauer, hinduísmo e budismo
Três	são	as	principais	influências	recebidas	por	Schopenhauer,	
e	 por	 ele	 reconhecidas,	 na	 elaboração	 de	 seu	 pensamento:	 os	
Upanishads	(uma	das	partes	do	Vedanta),	Platão	e	Kant.
A	 filosofia	de	KANT,	portanto,	é	a	única	cuja	 familiaridade	 ínti-
ma	é	requerida	para	o	que	aqui	será	exposto.	–	Se,	no	entanto,	
o	 leitor	 já	 freqüentou	a	escola	do	divino	PLATÃO,	estará	ainda	
mais	preparado	e	receptivo	para	me	ouvir.	Mas	se,	além	disso,	
iniciou-se	no	pensamento	dos	Veda (cujo	acesso	permitido	pela	
Upanixad,	aos	meus	olhos,	é	a	grande	vantagem	que	este	século	
209© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
ainda	jovem	tem	a	mostrar	aos	anteriores,	pois	penso	que	a	in-
fluência	da	literatura	sânscrita	não	será	menos	impactante	que	
o	renascimento	da	literatura	grega	no	século	XV),	e	se	recebeu	
e	assimilou	o	espírito	da	milenar	sabedoria	indiana,	então	estará	
preparado	da	melhor	maneira	possível	para	ouvir	o	que	tenho	a	
dizer.	Não	lhe	soará,	como	a	muitos,	estranho	ou	mesmo	hostil.	
Gostaria	até	de	afirmar,	caso	não	soe	muito	orgulhoso,	que	cada	
aforismo	isolado	e	disperso	que	constitui	as	Upanixad pode	ser	
deduzido	como	conseqüência	do	pensamento	comunicado	por	
mim,	embora	este,	inversamente,	não	esteja	lá	de	modo	algum	
contido	(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	23).	
O	pensamento	de	Schopenhauer	se	estrutura	dentro	da-
quele	 contexto	 do	 pensamento	 oriental	 hindu,	 fundamentado	
na	meta	do	encontro	de	uma	sabedoria	que	se	define	essencial-
mente	como	um	"mergulhar"	em	si	mesmo,	em	busca	do	princí-
pio	mesmo	de	nossos	desejos,	sofrimentos,	prazeres	(karma)	e	
virtudes	(Dharma).	Uma	sabedoria	que	"transforma",	Uma	sabe-
doria	que	não	pode	ser	atingida	pelo	esforço	intelectual.
Schopenhauer	 tomou	 contato	 com	 os	 Upanishads	 por	
meio	da	leitura	da	obra	em	latim	Oupnek'hat.	Pode-se	dizer	que	
Schopenhauer	 é	 o	 único	 grande	 filósofo	 ocidental	 a	 assimilar	
ideias	do	pensamento	oriental	em	seu	sistema	filosófico.
Diz	Schopenhauer:
Os	leitores	da	minha	Ética sabem	que	para	mim	o	fundamento	
da	moral	repousa	em	última	instância	sobre	aquela	verdade	que	
está	expressa	no	Veda	e	Vedanta	pela	fórmula	mística	tat twam 
asi (isto	és	tu),	que	é	afirmada	com	referência	a	todo	ser	vivo,	
seja	homem	ou	animal,	denominando-se	então	o	Mahavakya,	o	
grande	verbo	(SCHOPENHAUER,	1974,	p.	107).
"Vedas"	 é	 uma	 palavra	 sânscrita	 (o	 sânscrito	 é	 uma	 das	
línguas	oficiais	da	Índia,	usada	por	várias	religiões)	que	significa	
"conhecimento".	Os	Vedas	são	constituídos	dos	livros	sagrados	
210 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUERE NIETZSCHE
do	Hinduísmo.	Vedanta,	por	sua	vez,	significa	o	último	dos	Vedas	
e	é	a	essência	do	que	entendemos,	hoje,	por	Hinduísmo.
Sobre	a	frase	tat twam asi	("isto	és	tu"),	alguns	dos	maio-
res	especialistas	no	pensamento	da	Índia,	como	Zimmer,	assim	
interpreta	o	seu	significado:
•	 "tat"	significaria	a	essência	eterna,	ilimitada	e	imutável	
do	universo;
•	 "twam"	(ou	tvam)	significa	"tu",	é	o	indivíduo,	ser	limi-
tado,	temporal	e	mutável;
•	 "asi"	(és)	verbo.
Trata-se	da	afirmação	da	unidade	do	universo.	A	essência	
do	pensamento	dos	Vedas	seria,	segundo	Zimmer,	a	busca	dessa	
"unidade"	na	"multiplicidade".	Zimmer	(1991,	p.	18)	diz	que:
A	principal	motivação	da	 filosofia	 védica,	desde	o	período	dos	
mais	remotos	hinos	filosóficos	(preservados	nas	partes	mais	re-
centes	do	Rig-Veda)	tem	sido,	sem	alteração,	a	busca	de	uma	uni-
dade	básica	que	fundamente	a	multiplicidade.
Essa	teimosa	persistência	em	buscar	uma	unidade	na	mul-
tiplicidade	dos	seres	do	universo	vem	de	uma	consciência	mís-
tica	de	que	tudo	e	todos	pertencem,	em	essência,	a	algo	Uno,	
gerador	de	 toda	multiplicidade.	Um	sentir-se	parte	do	Cosmo,	
uma	experiência	de	si	mesmo	como	presença	e	não	simplesmen-
te	como	presente,	ou	seja,	a	sensibilidade	ao	fato	de,	apesar	das	
diferenças	dos	seres	entre	si,	estarmos	todos	presentes,	ao	mes-
mo	tempo,	em	comunhão	existencial.
No	indivíduo	limitado,	temporal	e	mutável,	encontra-se	o	
Ãtman	(o	Eu,	não	o	ego),	fundado	na	eterna	imutabilidade	que	
comanda	o	universo.	O	texto	a	seguir	ilustra	essa	ideia	da	unida-
de	na	multiplicidade	no	pensamento	védico:
211© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
Diz	o	velho	sábio	brâmane	Aruni	a	seu	filho:
[...]	Traze-me	um	figo	de	lá.
Aqui	está,	senhor.
Divide-o.
Está	dividido.
Que	vês	aí?
Estas	sementes	muito	pequenas.
Divide	uma	delas,	por	favor.
Está	dividida.
Que	vês,	aí?
Absolutamente	nada,	senhor.
Então,	disse-lhe,	 [o	pai]:	Em	verdade,	meu	querido,	esta	suti-
líssima	essência	que	tu	não	percebes,	em	verdade,	meu	queri-
do,	dessa	sutilíssima	essência	é	que	surge	esta	grande	figueira	
sagrada.
Acredita-me,	meu	querido	–	disse	ele	–	 isso	que	é	a	essência	
mais	sutil,	este	mundo	inteiro	tem	isso	como	seu	Eu.	 Isso	é	a	
Realidade.	Isso	é	ãtman. Aquilo	és	tu.
Poderias,	senhor,	poderias	instruir-me	ainda	mais!
Assim	seja,	meu	querido	–	disse	ele.	Coloca	este	sal	na	água.	
Pela	manhã	vem	ter	comigo.
Assim	o	fez.
Então	disse-lhe	o	pai:	O	sal	que	puseste	na	água	ontem	à	noite,	
traga-me	aqui,	por	favor.
Então	 ele	 quis	 pegá-lo,	 mas	 não	 o	 encontrou	 porque	 estava	
completamente	dissolvido.
Por	 favor,	 sorve	 a	 água	 deste	 lado	 –	 disse-lhe	 {o	 pai}.	 Como	
está?
Salgada.
212 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
Sorve	deste	lado	–	disse-lhe.	Como	está?
Salgada.
Deixe-a	de	lado.	Logo,	vem	ter	comigo.
Ele	assim	o	fez,	dizendo:	Ela	é	sempre	a	mesma!
Então,	disse-lhe	{o	pai}:	Em	verdade,	na	realidade,	meu	queri-
do,	tu	não	podes	perceber	o	Ser	aqui.	Em	verdade,	na	realida-
de,	meu	querido,	Ele	está	aqui.
Aquilo	que	é	a	essência	sutilíssima,	este	mundo	inteiro	tem.
Aquilo	como	seu	Eu.	Aquilo	é	a	Realidade.	Aquilo	é	ãtman.
Tu,	Svetaketu,	és	Aquilo	(ZIMMER,	1991,	p.	239-240).
Schopenhauer	 dá	 a	 essa	máxima	 da	 unidade	 imutável	 e	
única	uma	dimensão	ética	e	moral.	Para	ele,	ela	expressa	a	ideia	
de	compaixão,	já	vista	por	nós,	porque,	compreendendo	que	a	
essência	do	universo	é	única,	o	homem	passa	a	amar	seu	próxi-
mo,	pois	ambos	são	um	só.
Conceitos	do	hinduísmo	e	do	budismo	surgem	em	toda	a	
obra	do	 filósofo.	No	segundo	parágrafo	de	sua	obra	Parerga e 
paralipomena,	diz:
Eis	 Sansara,	 e	 tudo	 em	 seu	 interior	 o	 anuncia:	 mais	 do	 que	
tudo,	porém,	o	mundo	dos	homens,	em	que	moralmente	do-
minam	a	maldade	e	a	infâmia,	intelectualmente	a	incapacidade	
e	a	estupidez,	em	medidas	assustadoras.	Contudo	nela	se	apre-
sentam,	embora	esporadicamente,	mas	sempre	de	novo	a	nos	
surpreender,	manifestações	da	franqueza,	da	bondade	e	mes-
mo	da	generosidade,	e	também	do	entendimento	abrangente,	
do	espírito	pensante,	e	mesmo	do	gênio.	Estas	nunca	se	extin-
guem	completamente:	brilham	ao	nosso	encontro	quais	pontos	
luminosos	isolados	da	grande	massa	obscura.	Devemos	tomá-
-las	como	garantia	de	que	existe	um	princípio	bom	e	redentor	
neste	Sansara,	que	pode	atingir	o	rompimento,	e	preencher	e	
libertar	o	todo	(SCHOPENHAUER,	1974,	p.	106-107).
213© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
"Sansara"	significa,	em	sânscrito,	"perambulação"	ou	o	flu-
xo	de	renascimentos	através	dos	mundos	materiais.	No	Vedan-
ta,	é	a	transmigração	do	"Ãtman"	(alma	individual	ou	verdadei-
ro	"Eu",	o	mais	elevado	princípio	humano,	a	Essência	divina) na	
matéria.	O	ego	ignorante	e	iludido,	considerando-se	distinto	de	
tudo	e	de	todos,	peregrina	por	várias	existências	até	compreen-
der	que,	na	verdade,	ele	e	a	Essência	divina	são	"Um	só".
Ao	falar	da	Vontade	de	vida,	diz	Schopenhauer:
A	 Vontade	 de	 vida	 aparece	 //	 tanto	 na	 morte	 auto-imposta	
(Shiva),	 quanto	no	prazer	 da	 conservação	pessoal	 (Vishinu)	 e	
na	volúpia	da	procriação	(Brahma).	Essa	é	a	significação	íntima	
da	UNIDADE	DO	TRIMURTI,	que	cada	homem	é	por	inteiro,	em-
bora	no	tempo	seja	destacada	ora	uma,	ora	outra	de	suas	três	
cabeças	(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	504).	
O	"Trimurti"	é	a	Trindade	hindu.	É	constituída	de:
•	 "Brahma":	primeira	divindade	do	Trimurti.	É	o	Deus	(ener-
gia)	de	todos	os	seres,	tem	o	poder	de	criar	por	emana-
ção.	É	a	origem,	a	causa,	a	essência	de	todo	o	universo.
•	 "Vishinu":	 segunda	 divindade	 do	 Trimurti.	 É	 o	 Deus	
(energia)	 redentor,	 preservador	 e	 mantenedor	 do	
universo.
•	 "Shiva":	terceira	divindade	do	Trimurti.	É	a	energia	des-
truidora	e,	ao	mesmo	tempo,	construtora,	pois	a	des-
truição	aqui	é	uma	exigência	da	própria	criação.	A	dança	
de	Shiva,	bastante	conhecida,	representa	as	cinco	ativi-
dades	divinas:	a	criação,	a	conservação,	a	destruição,	a	
encarnação	e	a	liberação	das	almas.
Outra	 influência	 do	 hinduísmo	 no	 pensamento	 de	
Schopenhauer	é	certamente	a	noção	de	Maya	(Deusa	da	ilusão).	
Nos	textos	indianos	mais	antigos,	Maya	significa	"arte,	sabedoria,	
214 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
poder	extraordinário".	Nos	textos	indianos	mais	recentes,	adquiriu	
os	significados	de	ilusão,	irrealidade,	magia,	imagem	ilusória	e	se	
torna	o	maior	obstáculo	para	o	desapego	das	seduções	do	mundo	
sensorial.	Maya	é	a	base	do	mundo	objetivo	criado	pelo	Absoluto	
(Brachman),	mas	dele	se	distingue.
Vimos	que	Schopenhauer	concebe	o	mundo	fenomênico,	
da	 representação,	 como	 ilusório.	 Para	 o	 filósofo,	 o	mundo	 re-
presentado	pode	criar	a	ilusão	de	que	a	causa	última	dos	fenô-
menos	ou	a	essência	do	mundo	representado	esteja	na	própria	
representação	e	que,	consequentemente,	nada	mais	existe	além	
da	representação.	Cria-se,	assim,	uma	realidade	ilusória.	Porém,	
como	o	caráter	ilusório	da	representação	dela	não	advém,	mas	
sim	da	vontade	que	governa	tudo	o	que	existe	(da	vontade,	vi-
mos,	advém	toda	objetividade,	aparência,	o	mundo	como	repre-
sentação),	o	homem	poderá	 romper	 com	essa	 ilusão	e	 refletir	
sobre	a	Vontade.	Portanto,	é	Maya	acreditar	que	se	possa	ces-
sar	o	desejo	que	atormenta	e	traz	dor,	consumando-o,	ou	seja,	
objetivando-o.
§	68
Se	aquele	Véu	de	Maia,	o	principii individuationis,	é	de	tal	ma-
neira	retirado	aos	olhos	de	um	homem	que	este	não	faz	mais	di-
ferença	egoística	entre	a	sua	pessoa	e	a	de	outrem,	no	entanto	
compartilha	em	tal	intensidade	dos	sofrimentos	alheios	como	
se	fossem	os	seus	próprios	e	assim	é	não	apenas	benevolente	
no	mais	elevado	grau,	mas	está	até	mesmo	pronto	a	sacrificar	
o	próprio	indivíduo	tão	logo	muitos	outros	precisem	ser	salvos;	
então,	daí,	segue-se	automaticamente	que	esse	homem	reco-
nhece	em	todos	esses	seres	o	próprio	íntimo,	o	seu	verdadeiro	
si-mesmo,	e	desse	modo	tem	de	considerartambém	os	sofri-
mentos	 infinitos	 de	 todos	 os	 seres	 viventes	 como	 se	 fossem	
seus:	 assim	 toma	para	 si	mesmo	as	dores	de	 todo	o	mundo;	
nenhum	sofrimento	lhe	é	estranho.
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[...]	o	homem	que	vê	através	do	principii individuationis e	reconhece	
a	essência	em	si	das	coisas,	portanto	o	todo,	não	é	mais	suscetível	a	
um	semelhante	consolo.	Vê	a	si	em	todos	os	lugares	ao	mesmo	tem-
po,	e	se	retira.	–	Sua	Vontade	se	vira;	ela	não	mais	afirma	a	própria	
essência	espelhada	no	 fenômeno,	mas	a	nega.	O	acontecimento,	
pelo	qual	isso	se	anuncia,	é	a	transição	da	virtude	à	ASCESE.	[...]	não	
mais	adianta	amar	os	outros	como	a	si	mesmo,	por	eles	fazer	tanto,	
como	se	fosse	por	si,	mas	nasce	uma	repulsa	pela	essência	da	qual	
seu	fenômeno	é	expressão,	vale	dizer,	uma	repulsa	pela	Vontade	de	
vida,	núcleo	e	essência	de	um	mundo	reconhecido	como	povoado	
de	penúrias	(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	481-482).	
Schopenhauer e Kant
São	vários	os	temas	e	posições	que	Schopenhauer	herda	
de	Kant	sobre	a	temática	da	moral.	Começa	por	elogiar	Kant	por	
ter	 "purificado	 a	 ética	 de	 todo	 eudemonismo"	 (eudemonismo	
ou	eudaimonismo,	do	grego	eudaimonia,	significa	felicidade	–	os	
filósofos	da	Antiguidade	concebiam	a	felicidade	como	meta	e	cri-
tério	supremo	da	Ética).
Diz	Schopenhauer:
O	grande	mérito	de	Kant	na	ética	foi	tê-la	purificado	de	todo	Eu-
demonismo.	A	ética	dos	antigos	era	eudemonista,	e	a	dos	moder-
nos,	na	maioria	das	vezes,	uma	doutrina	da	salvação.	Os	antigos	
queriam	 demonstrar	 virtude	 e	 felicidade	 como	 idênticas;	 estas,	
porém,	eram	como	duas	figuras	que	não	se	recobrem,	não	impor-
ta	o	modo	como	as	coloquemos.	Os	modernos	querem	colocá-las	
numa	ligação,	não	de	acordo	com	o	princípio de identidade,	mas	
com	o	de razão suficiente,	fazendo,	portanto	da	felicidade	a	conse-
qüência	da	virtude.	No	que,	entretanto,	tiveram	de	recorrer,	quer	
a	um	outro	mundo	que	não	conhecido	de	modo	possível,	quer	a	
sofismas.	Apenas	Platão	faz	exceção	entre	os	antigos:	sua	ética	não	
é	eudemonista,	por	isso,	contudo	torna-se	mística.	Em	contrapar-
tida,	até	mesmo	a	ética	dos	cínicos	e	dos	estóicos	é	tão-somente	
um	eudemonismo	de	tipo	especial	(SCHOPENHAUER,	1995,	p.	17).
216 © ÉTICA II
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No	 que	 diz	 respeito	 à	 questão	 da	 Ética	 e	 da	 moral,	
Schopenhauer,	 à	 semelhança	 de	 Kant,	 sentiu	 a	 necessidade	
de	 manter	 uma	 instância	 transcendental	 (a	 instância	 de	 um	
princípio	"a priori").	Segundo	Kant,	o	determinismo	da	ciência	é	
incompatível	com	a	responsabilidade	moral;	esta	só	poderia	ser	
pensada	via	um	saber	transcendental.
Para	Kant,	sabemos,	só	podemos	conhecer	a	coisa	em	nós,	
não	a	coisa-em-si.	Esta	é	"independente	do	conhecimento	que	
temos	dela",	desligada	de	qualquer	subjetividade.	Distingue	o	fe-
nômeno	(a	coisa	em	nós,	a	interpretação,	o	mundo	da	represen-
tação)	e	a	coisa-em-si.	Schopenhauer	assimila	a	noção	kantiana	
de	coisa	em	si.
A	 instância	 da	 coisa	 em	 si	 seria,	 em	 ambos,	 a	 instância	
transcendental.	 Buscaram,	 dessa	 maneira,	 salvaguardar	 a	 in-
dependência	da	dimensão	ética	e	moral	de	toda	 ingerência	da	
Teologia	e	do	conhecimento	especulativo,	pensando	a	 realida-
de	do	mundo	e	a	idealidade	(conhecimento	especulativo)	como	
distintas	entre	si,	uma	vez	que,	com	o	conceito	de	"coisa-em-si",	
mantém-se	a	existência	de	um	real	distinto	da	instância	da	ideia	
e,	consequentemente,	de	todo	conhecimento	especulativo.	Por	
sua	vez,	o	 conceito	de	 "coisa-em-si"	possibilitaria	 limitar	o	 co-
nhecimento	 ao	 fenômeno,	 abrindo	 espaço	 para	 a	moralidade,	
isto	é,	para	a	possibilidade	de	postular	a	liberdade	(Kant)	ou	de	
negá-la	(Schopenhauer).
Reencontramos,	 pois,	 em	 Schopenhauer	 o	 que	 já	 vimos	
em	Kant:	a	presença	de	uma	dimensão	ética	propriamente	dita,	
uma	dimensão	transcendental,	não	passível	de	ser	trabalhada	à	
luz	de	uma	razão	abstrata	generalizante,	o	que	viria	a	corroborar,	
mais	uma	vez,	a	linha	mestra	desta	obra,	que	é	mostrar	a	existên-
cia	de	uma	distinção	essencial	entre	o	ethos	com	"e"	longo	que	
217© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
define	a	instância	de	uma	"morada	interior"	da	realidade,	de	ní-
vel	transcendental,	do	ethos	com	"e"	breve,	referente	à	"morada	
exterior",	dos	fenômenos	e	fatos.
Porém,	Schopenhauer	irá	discordar	de	Kant	em	pontos	fun-
damentais.	Assim,	por	exemplo,	vimos	que	Kant	procurou	mos-
trar	que	existe,	no	campo	transcendental,	uma	ordem	superior	
capaz	de	responder	pela	dimensão	ética	e	moral	do	ser	humano	
e	que	essa	ordem	é	a	de	uma	razão	prática.	Tal	razão	é	autônoma	
e	independente	de	qualquer	capacidade	cognitiva,	não	necessi-
tando	igualmente	dos	dados	da	sensibilidade.	Sendo	o	princípio	
da	moral	puro,	a priori,	não	se	apoiando	em	nada	empírico	ou	
em	algo	objetivo	do	mundo	exterior	ou	mesmo	subjetivo	(senti-
mento,	impulso	ou	inclinação),	Kant	fundamenta	a	lei	moral	na	
sua	própria	forma,	que	é	a	da	legalidade,	universal	para	todos.
Embora	 Schopenhauer	 concorde	 com	 a	 distinção	 kantia-
na	entre	 fenômeno	e	 coisa-em-si,	 essa	 concepção	kantiana	da	
dimensão	 transcendental	 como	sendo	a	de	uma	razão	prática,	
porém,	significará	para	Schopenhauer	uma	recaída	no	dogmatis-
mo.	Segundo	ele,	o	imperativo	categórico,	base	da	razão	prática	
ou	moral	 em	Kant,	 não	 contemplaria	o	 sentido	moral	da	 ação	
humana,	uma	vez	que	a	razão	não	é	fator	decisivo	na	moralida-
de,	ou	seja,	ser	dotado	de	razão	e	utilizá-la	adequadamente	não	
é	ser	necessariamente	moral.	Muitos	indivíduos,	observa,	usam	
corretamente	a	razão	e,	no	entanto,	cometem	ações	não	morais.	
Para	Schopenhauer,	a	razão,	pelo	contrário,	aprimora	os	recursos	
imorais,	por	meio	dos	quais	os	homens	abusam	e	exploram	uns	
aos	outros.
Ainda,	em	sua	crítica	à	Kant,	 Schopenhauer	observa	que	
cabe	à	reflexão	filosófica	sobre	o	ético	buscar	o	esclarecimento	
218 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
do	dado,	isto	é,	daquilo	que	o	comportamento	ou	a	ação	éticos	
são	e	não	de	como	deveriam	ser,	como	o	faz	Kant.
O	"próton pseudós"	 [primeiro	passo	em	falso	de	Kant]	está	no	
seu	conceito	da	própria	ética	que	encontramos	exposto	de	modo	
mais	 claro	 (p.	 62):	 "numa	 filosofia	 prática	 não	 se	 trata	 de	 dar	
fundamentos	daquilo	que	acontece,	mas	 leis	daquilo	que	deve 
acontecer, mesmo que nunca aconteça".	 Isto	 já	é	uma	"petitio 
principii"	[petição	de	princípio]	decisiva.	Quem	nos	diz	que	há	leis	
às	quais	nossas	ações	devem	submeter-se?	Quem	vos	diz	que	
deve acontecer o que nunca acontece? O	que	vos	dá	o	direito	de	
antecipá-lo	e	logo	impor	uma	ética	na	forma	legislativo-imperati-
va	como	a	única	para	nós	possível?	Digo,	contrapondo-me	a	Kant,	
que	em	geral	tanto	o	ético	quanto	o	filosófico	têm	de	contentar-se	
com	o	esclarecimento	do	dado,	portanto	com	o	que	é,	com	o	que	
acontece	realmente,	para	chegarem	ao	seu	entendimento,	e	que	
eles	aí	têm	muito	o	que	fazer,	muito	mais	do	que	foi	feito	desde	
há	séculos	até	hoje.	De	acordo	com	a	acima	citada	"petitio princi-
pii"	kantiana,	admite-se	no	Prefácio	referente	ao	tema,	antes	de	
qualquer	investigação,	que	existem	leis	morais	puras;	depois,	tal	
suposição	continua	firme	e	é	a	mais	profunda	fundamentação	de	
todo	o	sistema.	No	entanto,	queremos	antes	investigar	o	concei-
to	de	uma	lei.	O	seu	significado	próprio	e	originário	limita-se	à	lei 
civil	("lex",	"nomos"),	uma	instituição	humana	que	repousa	sobre	
o	arbítrio	humano.	O	conceito	de	lei	tem	um	significado	segundo,	
tropológico	(figurativo)	e	metafórico,	quando	aplicado	à	nature-
za,	cujos	modos	de	proceder	conhecidos	em	parte	"a priori",	em	
parte	dela	apreendidos	 "a posteriori",	que	 se	mantêm	sempre	
constantes,	nós	os	chamamos	metaforicamente	leis	da	natureza.	
É	apenas	uma	parte	bem	pequena	dessas	 leis	da	natureza	que	
se	dá	a	ver	"a priori",	e	é	isto	que	constitui	o	que	Kant	isolou	de	
modo	perspicaze	excelente	e	reuniu	sob	o	nome	de	Metafísica 
da natureza.	Para	a	vontade humana existe	 também	por	certo	
uma	lei,	desde	que	o	homem	pertence	à	natureza,	e	mesmo	uma	
lei	estritamente	demonstrável,	inviolável,	sem	exceções,	irrevo-
gável,	 que	não	 traz	 consigo	nenhuma	necessidade	 "vel quase"	
(de	uma	certa	maneira)	como	o	imperativo	categórico,	mas	uma	
necessidade	efetiva	(SCHOPENHAUER,	1995,	§4,	p.	23).
219© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
É	essencial	à	Ética	como	filosofia	manter	uma	atitude	con-
templativa	e	não	prática,	inquirindo	e	não	prescrevendo	regras	
ou	buscando	moldar	o	caráter.
§	53
Na	minha	opinião,	contudo,	toda	a	filosofia	é	sempre	teórica,	
já	que	lhe	é	sempre	essencial	manter	uma	atitude	puramente	
contemplativa	[...],	e	sempre	inquirir,	em	vez	de	prescrever	re-
gras.	Tornar-se	prática,	conduzir	a	ação,	moldar	o	caráter:	eis	aí	
pretensões	antigas	que	uma	intelecção	mais	perspicaz	fará	por	
fim	a	filosofia	abandoná-las.	Pois	aqui,	quando	se	trata	do	valor	
ou	da	ausência	de	valor	da	existência,	da	salvação	ou	da	perdi-
ção,	os	mortos	não	decidem,	e	sim	a	essência	mais	 íntima	do	
homem:	seu	demônio	que	o	conduz	e	que	ele	mesmo	escolheu	
(como	diz	Platão)	em	vez	de	ser	escolhido,	seu	caráter	inteligí-
vel,	como	//	Kant	se	expressa.	A	virtude	é	tão	pouco	ensinada	
quanto	o	gênio;	sim,	para	ela	o	conceito	é	tão	infrutífero	quanto	
para	a	arte	e	em	ambos	os	casos	deve	ser	usado	apenas	como	
instrumento.	Por	conseguinte,	seria	tão	tolo	esperar	que	nossos	
sistemas	morais	e	éticos	criassem	caracteres	virtuosos,	nobres	
e	santos,	quanto	que	nossas	estéticas	produzissem	poetas,	ar-
tistas	plásticos	e	músicos	(SCHOPENHAUER,	2005,	p.	354).
Considerações
Schopenhauer	foi	um	dos	mais	influentes	pensadores,	so-
bretudo	até	a	segunda	metade	do	século	20.	Porta-voz	do	irra-
cionalismo	 (corrente	 filosófica	 que	 sustenta	 que,	 quanto	mais	
supera	os	limites	do	racional,	mais	o	homem	é	capaz	de	apreen-
der	a	realidade),	combateu	o	racionalismo	absoluto	do	idealismo	
de	Hegel	(1770-1831),	segundo	o	qual	a	contradição	entre	racio-
nal	e	irracional	não	é	senão	aparente,	pois	a	razão	se	realiza	no	e	
pelo	seu	contrário,	o	irracional.
220 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
Alguns	se	referem	a	Schopenhauer	como	o	"filósofo	sem	
público".	De	fato,	o	reconhecimento	de	sua	obra	demorou	bas-
tante	a	chegar.	Talvez	essa	demora	se	deva	ao	fato	de	que	sua	
obra,	como	muitos	observam,	não	se	enquadra	em	nenhuma	das	
filosofias	vigentes.	Porém,	sua	influência	foi	grande:
•	 Freud	 (1856-1939,	médico	 neurologista	 judeu-austría-
co)	reconheceu	que	a	análise	da	repressão	(processo	de	
fuga	e	condenação	de	impulsos	do	instinto	no	conscien-
te)	fora	feita	antes	dele	por	Schopenhauer;
•	 nas	artes,	particularmente	na	música,	o	famoso	Richard	
Wagner	 (1813-1883,	 compositor	alemão)	declarou	 ter	
escrito	a	ópera	Tristão e Isolda	como	reação	à	leitura	de	
Schopenhauer;
•	 na	literatura,	influenciou	Léon	Tolstoi	(1828-1910,	escri-
tor	russo),	Anton	Tcheckov	(1860-1904,	escritor	russo),	
Émile	Zola	(1840-1902,	escritor	francês)	e	outros,	inclu-
sive	o	nosso	Machado	de	Assis,	no	que	concerne	sobre-
tudo	ao	sentimento	de	uma	inexorabilidade	do	destino,	
como	observa	Eugênio	Gomes	(1897-1972,	crítico	lite-
rário	brasileiro).
E	Nietzsche,	o	filósofo	que	estudaremos	a	seguir,	na	segun-
da	parte	desta	Unidade	4,	disse	tornar-se	filósofo	devido	à	leitu-
ra	de	Schopenhauer,	a	quem	chamava	de	"cavaleiro	solitário".
6. WILHELM FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900)
Nietzsche	nasceu	de	uma	família	de	clérigos,	sendo	seu	pai	
ministro	protestante;	ficou	órfão	de	pai	ainda	bem	jovem	e	foi	
educado	por	sua	mãe	e	por	sua	irmã	mais	velha.
221© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
Aos	25	anos,	 após	estudos	brilhantes	de	 Filologia	 e	 Teo-
logia,	é	nomeado	professor	na	Universidade	de	Basiléia	(Suíça),	
na	fronteira	com	a	Alemanha	e	França,	onde	lecionou	de	1869	a	
1879.
Dois	acontecimentos	influenciaram	grandemente	Nietzsche	
em	sua	maneira	de	pensar:	a	leitura,	quando	estudante,	da	obra	O 
mundo como vontade e como representação,	de	Schopenhauer,	e	
sua	amizade	com	o	grande	compositor	Richard	Wagner.
Segundo	estudiosos,	Schopenhauer	influenciou	Nietzsche	
de	diversas	maneiras	–	por	exemplo,	no	sentido	de:
•	 buscar	 uma	 nova	maneira	 de	 ver	 o	mundo,	 diferente	
dos	valores	morais	escravos	de	uma	visão	metafísica;
•	 pensar	sob	o	modelo	da	vida;
•	 subordinar	o	intelecto	à	vontade;
•	 considerar	a	vontade	como	cega	e	arbitrária	e,	em	con-
sequência,	o	mundo	como	caótico	e	despojado	de	todo	
e	qualquer	caráter	divino;
•	 considerar	a	arte	como	sendo,	em	sua	essência,	uma	li-
beração	ou	afastamento	de	todo	processo	racional.
Alguns	autores	observam,	ainda,	que	o	fato	de	Schopenhauer,	
como	os	gregos	antigos,	estabelecer	uma	relação	entre	o	gênio	e	
a	loucura	levará	Nietzsche	a	uma	atitude	particular	com	relação	à	
sua	própria	condição	de	doente	com	distúrbios	mentais.	Possuía	
uma	 visão	 de	 toda	 doença	 como	 sendo	 apenas	 um	 exagero	
dos	 fenômenos	 normais	 da	 vida.	 Não	 haveria,	 dessa	 maneira,	
diferença	de	essência	entre	o	normal	e	o	patológico	–	a	diferença	
seria	apenas	de	grau.	Chega	a	conceber	como	consequência	de	sua	
vivência	de	distúrbios	mentais	sua	visão	da	vida	como	"vontade	de	
potência".
222 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
Para	 Schopenhauer,	 vimos,	 a	 capacidade	de	 captar	o	 es-
sencial	e	torná-lo	objeto	da	arte	é	uma	característica	do	gênio.	
Associa	essa	capacidade	ao	fato	do	intelecto	sair	do	âmbito	das	
coisas	particulares	e	apreender	o	universal	no	que	existe	(O mun-
do como vontade e como representação,	Tomos	I	e	II).	Essa	carac-
terística	do	gênio	seria	contrária	à	própria	natureza	humana,	na	
qual,	segundo	Schopenhauer,	a	razão	ou	intelecto	está	a	serviço	
da	vontade	e,	por	essa	razão,	o	gênio	seria	muito	mais	susceptí-
vel	a	um	desequilíbrio	diante	dos	afetos	e	paixões.
Nietzsche e a questão da moral
Em	sua	obra	La généalogie de la morale	(1971,	p.	56,	tra-
dução	nossa),	Nietzsche	expressa	o	quanto	considera	importante	
e	central	a	questão	da	moral	para	os	filósofos	e	cientistas.
Observação.	Aproveito	 a	 ocasião	que	me	dá	 esta	 dissertação	
para	formular	publicamente	e	expressar	um	desejo	que	não	ex-
pus	até	o	momento	presente	senão	eventualmente	em	meus	
diálogos	com	os	cientistas:	que	uma	faculdade	de	Filosofia	ad-
quire	mérito	ao	encorajar,	por	meio	de	concursos	acadêmicos,	
os	estudos	de história da moral:	quem	sabe	este	livro	possa	dar	
um	 rigoroso	 impulso	 nesse	 sentido.	 Em	 vista	 de	 tal	 eventua-
lidade,	proponho	a	questão	seguinte,	merecedora	da	atenção	
não	apenas	dos	filósofos	propriamente	ditos,	mas	também	dos	
filólogos	e	historiadores.
Quais indicações a linguística e, sobretudo, a etimologia nos 
fornecem para a história da avaliação dos conceitos morais? 
Por	outro	lado,	não	é	certamente	menos	interessante	obter	a	
participação	de	fisiologistas	e	de	médicos	no	estudo	desses	pro-
blemas	(concernentes	ao	valor	das	avaliações	que	se	deram	até	
o	momento	presente).	 [...]	De	fato	todo	o	repertório	de	valo-
res,	todos	os	"tu	deves"	que	a	história	ou	a	etnologia	conhecem	
teriam	necessidade	antes	de	mais	nada	de	ser	esclarecidos	e	
interpretados	 pela	 fisiologia mais	 ainda	 do	 que	 pela	 psicolo-
223© ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
gia;	todos	reclamam	também	a	crítica	das	ciências	médicas.	A	
questão	de	saber	o	que	vale tal	ou	tal	lista	de	valores,	esta	ou	
aquela	moral,	demanda	que	sejam	colocadas	sob	as	perspecti-
vas	as	mais	diversas;	principalmente,	não	se	analisará	com	su-
ficiente	escrúpulo	a	questão	"bom	por	quê?".	[...]	O	bem-estar	
da	maioria	e	o	bem-estar	da	minoria	são	critérios	de	avaliação	
opostos:	acreditar	que	o	primeiro	possui	em si um	valor	supe-
rior	é	o	que	deixaremos	à	ingenuidade	dosbiologistas	ingleses.	
Todas as	ciências	a	partir	de	agora	têm	a	preparar	a	tarefa	do	
filósofo,	entendendo	por	esta	tarefa	o	seguinte:	ao	filósofo	cabe	
resolver	o	problema do valor, cabe	determinar	a	hierarquia dos 
valores.
O "espírito histórico" escaparia aos historiadores e aos filósofos
Nietzsche	acusa	a	filosofia	de	até	então	considerar	a	reali-
dade	desprovida	da	dimensão	histórica,	do	"vir	a	ser".	Descon-
siderando	 a	 dimensão	 histórica,	 tornam	a	 realidade	 uma	 "sub 
specie aeterni"	(uma	subespécie	do	eterno).	Toda	mudança	é	por	
eles	refutada,	diz	o	filósofo,	"o	que	é	não	vem	a	ser;	o	que	vem	
a	ser	não	é".
Tomando	como	exemplo	o	conceito	de	"bom",	Nietzsche	
procura	mostrar	que	a	origem	do	conceito	moral	de	"bom",	apre-
sentada	por	historiadores	e	filósofos,	contém	sinais	de	reações	
pessoais	ou	características	dos	psicólogos	ingleses,	os	quais	atri-
buem	à	"utilidade",	ao	"esquecimento",	ao	"hábito"	e	ao	"erro"	
a	condição	de	base	de	um	valor,	no	caso,	o	valor	moral	"bom".
Na	 origem,	 decretam	 eles,	 as	 ações	 desinteressadas	 foram	
louvadas	e	denominadas	boas	por	aqueles	em	favor	dos	quais	
elas	 tinham	 sido	 realizadas,	 consequentemente	 para	 aqueles	
aos	 quais	 tinham	 sido	 úteis;	 mais	 tarde,	 esquecendo que	 ti-
nham	provindo	do	elogio,	simplesmente	sentiu-se	como	boas	
as	ações	não	egoístas	porque	 tinham	sido	por hábito sempre	
224 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
louvadas	 como	 tais,	 como	 se	elas	 fossem	algo	de	bom	em	si	
(NIETZSCHE,	1971,	p.	21,	tradução	nossa).
Argumenta	que	tal	teoria	vai	buscar	onde	não	se	encontra	a	
verdadeira	morada	do	conceito	de	"bom",	geneticamente	falando.
[...]	o	 julgamento	de	"bom"	não vem daquilo	com	relação	ao	
qual	manifesta-se	a	"bondade".	São	os	próprios	"bons",	isto	é,	
os	nobres,	os	poderosos,	os	homens	de	condição	superior	e	de	
alma	elevada,	que	se	sentiram	eles	mesmos	bons	e	considera-
ram	seus	atos	bons,	ou	seja,	de	primeira	ordem,	em	oposição	
a	tudo	que	é	baixo,	mesquinho,	comum	e	vulgar	(NIETZSCHE,	
1971,	p.	21,	tradução	nossa).
A	 formação	universitária	 básica	de	Nietzsche	 foi	 a	 Filologia	
(ciência	que	estuda	uma	língua,	literatura,	cultura	ou	civilização	sob	
uma	visão	histórica).	Para	ele,	o	verdadeiro	método	para	encontrar	
o	surgimento	dos	conceitos	de	"bom"	e	"mau"	é	o	da	etimologia.	
Referindo-se	às	expressões	de	bom	e	mau	em	diversas	línguas,	diz:
[...]	encontrei	que	todas	remetem	à	mesma transformação dos 
conceitos, em	todas	elas	"distinto",	"nobre",	no	sentido	de	clas-
se	social,	é	o	conceito	fundamental	de	onde	nascem	e	se	desen-
volvem	necessariamente	as	ideias	de	"bom"	significando	"alma	
distinta"	 e	 "nobre"	 no	 sentido	 de	 "alma	 superior",	 de	 "alma	
privilegiada".	 Essa	 evolução	 se	 faz	 paralelamente	 àquela	 que	
acaba	por	transformar	as	ideias	de	"comum",	"popular",	"vil",	
na	de	"mau"	(NIETZSCHE,	1971,	p.	24,	tradução	nossa).
Diante	de	tais	fatos	que	mostram	a	origem	de	julgamentos	
de	valor	destinados	a	estabelecer	hierarquias,	falar	de	utilidade,	
conclui	Nietzsche,	seria	apresentar	a	sensibilidade	pobre	de	uma	
inteligência	calculadora.
Como	acabo	de	dizer,	o	pathos	da	nobreza	e	da	distância,	senti-
mento	geral	tão	fundamental,	tão	preponderante,	tão	vivaz	em	
uma	espécie	superior	e	dominante	em	suas	relações	com	uma	
espécie	inferior,	com	algo	"embaixo"	–	eis	a	origem	da	oposição	
entre	"bom"	e	"mau"	(NIETZSCHE,	1971,	p.	22,	tradução	nossa).
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Observação: pathos é uma palavra grega que significa paixão, 
assujeitamento. Esse conceito foi cunhado por Descartes para 
designar algo que acontece ou o que é passivo de um aconteci-
mento. Nietzsche quer significar, com essa palavra, a distância 
e o domínio que acontece entre a classe nobre e a classe baixa 
e inferior dos seres humanos.
Na	origem	da	oposição	"bom	e	mau",	portanto,	não	haveria,	
"a priori",	ligação	necessária	entre	a	palavra	"bom"	e	as	ações	não	
egoístas,	como	querem	os	genealogistas	da	moral.	É	apenas	quan-
do	os	julgamentos	de	valor	aristocráticos	declinam	que	se	impõe,	
pouco	a	pouco,	a	famosa	oposição	"egoísta"/"não	egoísta".
Não há fatos morais, todo julgamento moral é falso
De	sua	análise	etimológica	de	valores	como	a	origem	do	
"bom"	e	do	"mau",	Nietzsche	conclui	que	não	existem	fatos	mo-
rais,	 porém	 todo	 julgamento	moral	 é	um	"sintoma"	–	 sintoma	
aqui	não	no	sentido	médico	da	palavra,	mas	no	sentido	de	um	
significante	(o	que	significa)	sem	nenhum	significado	fixo.	Cabe	
ao	filósofo	situar-se	além	do	bem	e	do	mal,	colocar-se	acima	da	
ilusão	 do	 julgamento	moral.	O	 julgamento	moral	 e	 o	 religioso	
têm	em	comum	o	fato	de	crerem	em	realidades	que	não	existem.
Sabe-se	o	que	exijo	do	filósofo:	colocar-se	além	do	bem	e	do	
mal	–	colocar	abaixo	a	ilusão	do	julgamento	moral.	Essa	exigên-
cia	é	o	resultado	de	um	exame	que	realizei	pela	primeira	vez:	
cheguei	à	conclusão	de	que	"não	há	fatos	morais".	O	juízo	mo-
ral	tem	em	comum	com	o	juízo	religioso	crer	em	realidades	que	
não	existem.	A	moral	não	é	senão	a	interpretação	de	certos	fe-
nômenos,	mas	uma	falsa	interpretação.	O	juízo	moral	pertence,	
como	o	juízo	religioso,	a	um	grau	de	ignorância	em	que	a	noção	
de	realidade,	a	distinção	entre	o	geral	e	o	imaginário	nem	mes-
mo	existem;	de	maneira	que,	em	um	tal	grau,	a	"verdade"	de-
226 © ÉTICA II
UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
signa	coisas	que	chamamos	hoje	de	"imaginação".	Eis	porque	o	
juízo	moral	não	deve	nunca	ser	tomado	ao	pé	da	letra:	literal-
mente	ele	seria	sempre	um	contrassenso.	Mas	como	"lingua-
gem"	permanece	inestimável:	revela,	pelo	menos	para	aquele	
que	sabe,	as	realidades	mais	preciosas	sobre	culturas	e	talentos	
de	gênio	que	não	"sabiam"	o	bastante	para	"compreender"	a	
eles	mesmos.	A	moral	não	é	senão	a	linguagem	dos	sinais,	uma	
sintomatologia:	é	preciso	 saber	do	 "que"	 se	 trata	para	poder	
se	beneficiar	(NIETZSCHE,	1952a,	§17,	p.	126,	tradução	nossa).
Não há consciência moral, toda consciência nada mais é do que 
um acidente
Segundo	Descartes,	a	consciência	é	o	centro	do	"eu",	seu	
núcleo	substancial,	e	o	"eu"	subjetivo	é	o	"eu"	pensante.	A	cons-
ciência,	para	Nietzsche,	é	um	acidente,	não	é	o	essencial	da	sub-
jetividade.	De	acordo	com	Nietzsche,	nós	nos	deixamos	enganar	
quando	achamos	que	é	o	nosso	"eu"	que	pensa	e,	mais,	que	o	
sujeito	da	frase	"eu	penso"	seja	uma	substância	ou	algo	em	si.	
Em	seu	livro	Além do bem e do mal,	observa	que	um	pensamen-
to	não	vem	senão	quando	quer	e	não	porque	é	o	eu	quem	quer:	
"Alguma	coisa	pensa,	mas	acreditar	que	esta	coisa	seja	o	'eu'	é	
pura	suposição".
Além	disso,	observa	que	o	caráter	"geral"	do	conceito	não	
é	capaz	de	expressar	a	singularidade	da	subjetividade	e	esta,	por	
sua	vez,	jamais	coincide	com	ela	mesma:	quando	digo	"eu",	ex-
presso	o	que	tenho	em	comum	com	todos	os	outros	"eu".
De	fato,	o	projeto	genealógico	de	Nietzsche	destrói	a	noção	
do	"eu"	como	sujeito	autoconsciente	e	uno	(ver,	no	tópico	E-refe-
rências,	o	texto A noção da dissolução do sujeito em Nietzsche,	de	
Ângela	Zamora).
227© ÉTICA II
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Investigando	a	história	da	humanidade,	Nietzsche	procura	
mostrar	que	o	surgimento	da	autoconsciência,	do	pensamento	
e	 da	 linguagem	é	de	natureza	histórica.	 Para	 sobreviver,	 o	 ser	
humano	teve	que	se	reunir	a	outros	seres	humanos,	formando	
agrupamentos.	 Surgiu,	 então,	 a	 necessidade	 de	 se	 comunicar	
com	o	outro	e,	para	 tanto,	 faz-se	necessário	saber	quem	se	é,	
o	que	se	quer.	É	dessa	relação	do	humano	com	o	humano	que	
decorreriam	a	consciência,	o	pensamento	e	a	linguagem.
Consequentemente,	a	consciência	faz	parte	da	existência	
em	comunidade,	da	existência	à	maneira	"de	rebanho"	e	a	subje-
tividade	não	mais	se	identifica	com	uma	natureza	humana	imu-
tável;	pelo	contrário,	o	processo	de	conscientização	no	homem	
está	em	constante	mobilidade,	sendo	que	essaconscientização	
é	cada	vez	maior.
O critério para a busca de valores é a "vida" e a vida é "vontade 
de poder"
Os	 valores	 reais,	 para	 Nietzsche,	 não	 decorrem	 de	 algo,	
são	"inventados".	Há	que	buscá-los	em	seu	emergir,	em	sua	pro-
veniência	 através	da	história	 e	o	 critério	 é	 a	 "vida"	 e	 a	 vida	 é	
"vontade	de	poder".	Uma	vontade	de	poder	que	é	orgânica	 e	
própria	a	todo	ser	vivo,	uma	busca	constante	por	mais	vida,	por	
apropriar-se,	dominar.
Uma	vontade	de	poder	que	se	estrutura	em	uma	relação	
de	mandar	e	obedecer.	A	vida	é	apropriação	e	sujeição	daquele	
que	é	o	mais	fraco.	É	opressão,	dureza,	exploração.	Todo	com-
portamento	humano	é	motivado	pela	busca	do	poder	e	tal	poder	
se	manifesta	 como	 independência,	 criatividade	e	originalidade	
no	"além-do-homem",	super-homem,	conforme	expressão	cria-
da	pelo	filósofo.
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A	vida	é	um	jogo	de	forças,	é	vontade	de	poder,	desejo	perma-
nente	de	intensificação,	de	ultrapassagem	em	direção	a	mais	
poder,	seja	na	oposição	entre	duas	forças,	seja	no	interior	de	
uma	mesma	força.	Essa	vontade	de	crescimento	não	se	reduz	
ao	instinto	de	conservação,	pois	a	afirmação	de	sua	força	pode	
levar	um	ser	vivo	a	colocar	em	causa	sua	própria	conservação,	
o	 que	Nietzsche	 interpreta	 como	uma	 limitação	 da	 vontade	
de	viver.	Dentre	essas	forças,	umas	são	ativas,	capazes	de	se	
afirmar	sem	se	opor	a	outras	forças,	outras	são	reativas,	só	se	
opõem	mutilando	as	demais.	O	ideal	de	Nietzsche	consiste	em	
afirmar	seus	valores	sem	a	preocupação	de	justificação.	Sócra-
tes,	ao	contrário,	é	o	protótipo	do	homem	reativo,	pois	que	ao	
erro	opõe	o	 verdadeiro;	 ao	mal,	 o	bem,	etc.	 (ROUX-LANIER,	
1995,	p.	473,	tradução	nossa).
Nenhum	juízo	pró	ou	contra	a	vida	pode	ser	verdadeiro.
Juízos,	apreciações	pró	ou	contra	a	vida,	não	podem	em	últi-
ma	instância	ser	verdadeiros:	não	têm	outro	valor	senão	o	de	
ser	 sintomas,	 não	 contam	 senão	 como	 sintomas	 –	 em	 si	 tais	
juízos	são	estupidez.	É	preciso	alcançar	esta	"sutileza"	de	com-
preender	que	"o	valor	da	vida	não	pode	ser	apreciado".	Nem	
por	aquele	dotado	de	vida,	porque	ele	é	parte,	é	mesmo	objeto	
de	litígio	e	não	de	julgamento:	nem	por	um	morto,	por	outra	
razão.	Da	parte	de	um	filósofo,	ver	um	problema	no	"valor"	da	
vida	consiste	em	uma	contradição,	em	um	ponto	de	interroga-
ção	com	relação	ao	seu	saber,	uma	falta	de	sabedoria.	Como?	E	
todos	estes	grandes	sábios	–	teriam	eles	sido	não	somente	"de-
cadentes",	mas	ainda	teriam	eles	sido	verdadeiramente	sábios?	
(NIETZSCHE,	1952a,	p.	96-98,	tradução	nossa).
Contra toda dialética
Em	sua	obra	Crepúsculo dos ídolos,	Nietzsche	ataca	a	for-
ma	de	pensamento	que	predominou	no	pensamento	ocidental	e	
que	se	inicia	com	Sócrates.	Sócrates,	para	Nietzsche,	é	o	inventor	
do	homem	teórico	ou	dialético,	que	se	contrapõe	ao	aristocrata	
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UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
grego	cuja	nobreza	se	impunha	de	si	mesma,	sem	justificativa.	O	
homem	dialético	reclama	sempre	a	prova	de	tudo	que	se	afirma.
Toda	deliberação	argumentada	é	condenada	pelo	filósofo,	
porque	nela	 se	 daria	 o	 desaparecimento	da	 solidariedade	 tra-
dicional,	 instintiva	 nos	 antigos	 helenos	 (gregos),	 responsável	
por	sua	força	e	saúde.	A	origem	dessa	decadência	que	 leva	ao	
mundo	moderno	estaria	na	vitória	da	dialética	 socrática	 sobre	
o	sentido	do	trágico	dos	antigos	gregos.	Vitória	de	Sócrates	que	
Nietzsche	atribui	ao	 triunfo	das	 forças	 reativas	 sobre	as	 forças	
ativas.	É,	portanto,	um	sintoma	da	decadência.	Antes	de	Sócra-
tes,	observa,	a	sociedade	grega	considerava	falta	de	boas	manei-
ras	buscar,	 justificar,	argumentando	dialeticamente,	pois	o	que	
precisa	ser	demonstrado	não	têm	valor.	Aquele	que,	em	vez	de	
comandar,	usa	da	dialética	para	demonstrar	 suas	 razões	 seria,	
segundo	Nietzsche,	um	"polichinelo",	 isto	é,	alguém	que	não	é	
levado	a	sério.	"Sócrates	foi	o	polichinelo	que	se	tomou	a	sério".
Com	Sócrates,	a	tendência	do	pensamento	grego	se	altera	em	
favor	da	dialética:	o	que	é	que	se	passa	exatamente?	Antes	de	
mais	nada	trata-se	de	uma	vitória	sobre	uma	tendência	nobre;	
com	a	dialética	o	povo	alcança	a	posição	mais	alta.	Antes	de	Só-
crates,	discursos	dialéticos	eram	eliminados	da	boa	sociedade:	
eram	considerados	 como	capazes	de	 corromper	a	 juventude.	
Desconfiavam	também	de	todos	aqueles	que	argumentassem	
de	 tal	maneira.	 [...]	O	que	precisa	ser	demonstrado,	não	vale	
grande	coisa.	Em	todo	 lugar	onde	a	autoridade	ainda	está	de	
acordo	com	as	normas	sociais,	em	todo	lugar	onde	não	se	"dis-
cute",	mas	 se	 comanda,	aquele	que	exerce	a	dialética	é	uma	
espécie	de	polichinelo;	é	motivo	de	riso,	não	é	tomado	a	sério	
–	Sócrates	foi	o	polichinelo	que	"conseguiu	ser	tomado	a	sério"	
(NIETZSCHE,	1952a,	p.	96-98,	tradução	nossa).
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UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
A moral vigente corresponde ao instinto de rebanho no 
indivíduo
Os	valores	tradicionais	representam,	para	Nietzsche,	uma	
moralidade	escrava,	uma	moralidade	criada	por	indivíduos	fracos	
e	ressentidos	que,	por	interesse,	estimularam	comportamentos	
bondosos.
Nietzsche	distingue	duas	classes	de	seres	humanos:	a	dos	
senhores	e	a	dos	escravos.	A	classe	dos	senhores	compreende	a	
dos	guerreiros	(aristocrática)	e	a	sacerdotal.	A	classe	sacerdotal	
deriva	da	classe	guerreira	ou	aristocrática,	caracterizando-se,	po-
rém,	pela	impotência:	em	vez	de	praticar	as	virtudes	do	corpo,	
como	a	classe	aristocrática,	inventa	virtudes.
Da	rivalidade	destas	duas	classes	surgem	dois	tipos	de	mo-
ral:	a	dos	senhores	e	a	dos	escravos.	A	classe	dos	guerreiros	é	
dominante,	a	sacerdotal	é	débil	e	enferma.	A	classe	sacerdotal	
reage	 invertendo	 os	 valores	 aristocráticos,	 criando	 uma	moral	
escrava	que	teve	início	com	o	povo	judeu	e	foi	herdada	e	assumi-
da	pelo	cristianismo.
É	a	moral	surgida	do	ressentimento,	segundo	a	qual	a	força	
que	o	forte,	sendo	livre,	exterioriza,	é	algo	ruim,	pois	destrói	os	
mais	fracos.	Nesse	processo	de	"transvalorização",	transformam	
impotência	 em	 bondade;	 baixeza	 em	 humildade;	 covardia	 em	
paciência;	miséria	em	prova	bem-aventurada	dos	eleitos	e	cria-
-se	a	noção	de	"justiça".	A	"invenção"	da	moral	foi	uma	defesa	
contra	os	poderosos.
Os	valores	tradicionais	representam,	assim,	para	Nietzsche,	
uma	moralidade	escrava,	uma	moralidade	criada	por	indivíduos	
fracos	e	ressentidos	que,	por	interesse,	estimularam	comporta-
mentos	bondosos.
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UNIDADE 4 – PRIMÓRDIOS DA PÓS-MODERNIDADE: SCHOPENHAUER E NIETZSCHE
O mundo chamado pela filosofia de "verdadeiro" não passa de 
uma ilusão de ordem moral
Estamos	habituados,	diz	Nietzsche,	a	considerar	como	ver-
dadeiro	só	o	estável,	o	que	permanece	uno,	idêntico	a	si	mesmo.	
Dá	como	exemplo	Platão,	que	situa	a	verdadeira	realidade	no	do-
mínio	inteligível,	o	mundo	das	Ideias,	em	oposição	à	diversidade	
sensível,	sempre	mutante,	considerando	esta	como	aparência.
Essa	determinação	da	essência	da	verdade,	que	se	apre-
senta	como	evidente,	não	o	é,	diz	Nietzsche;	supõe	uma	sepa-
ração	e	uma	avaliação	(julgamento	moral)	que	implica	uma	re-
jeição	do	sensível	e	do	múltiplo,	ou	seja,	da	vida	em	toda	a	sua	
riqueza.
O problema da ciência é um problema moral
Em	sua	obra	A Gaia Ciência,	Nietzsche	diz	que,	no	domínio	
da	ciência,	as	convicções	não	têm	lugar.	Só	quando	assumem	a	
forma	de	hipótese	experimental	conseguem	acessar	o	domínio	
do	conhecimento.	 Isso	significaria	dizer	que	a	convicção	só	ad-
quire	o	direito	de	pertencer	à	ciência	quando	deixa	de	ser	uma	
convicção.	Acontece,	observa	o	filósofo,	que	a	ciência	ou	discipli-
na	do	espírito	começa	sempre	a	partir	de	convicções.	Podemos	
concluir	 que	 a	 própria	 ciência	 se	 baseia	 em	uma	 crença,	 a	 da	
necessidade	de	postular,	e	a	necessidade	de	se	fazer	ciência	se	
funda	 em	outro	 postulado:	 "nada	 é	mais	 necessário	 do	que	 a	
verdade".
Mas,	"o	que	é	esta	vontade	absoluta

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