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Apg 29 - Disturbios da Adrenal

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Bruna Melnik Bellandi – 5º Período 
Apg 29- Distúbios da Adrenal
Objetivos:
1- Revisar a morfofisiologia da glândula adrenal;
2- Compreender a epidemiologia, etiologia, manifestações clínicas, fisiopatologia, diagnóstico, diagnóstico diferencial e tratamento das doenças de Cushing e Addison.
As glândulas adrenais, também conhecidas como glândulas suprarrenais, são um par de glândulas endócrinas localizadas junto aos polos superiores dos rins. Elas possuem um importante papel na regulação de algumas funções vitais, como a pressão sanguínea, mas também estão envolvidas na mediação da resposta do corpo ao estresse.
Cada glândula adrenal é formada por um córtex e uma medula, que frequentemente são considerados órgãos distintos, uma vez que a suas origens embriológicas e funções são diferentes. O córtex se origina a partir da mesoderme, enquanto a medula se origina da crista neural. A função da glândula adrenal é regulada pelo hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) secretado pela adeno-hipófise, pela angiotensina II produzida pelos rins e pelo sistema nervoso simpático, através dos nervos esplâncnicos maiores. 
Córtex adrenal
O córtex adrenal produz hormônios que incluem os corticosteroides e os androgênios, que promovem retenção de água e sódio durante períodos de estresse. O resultado final desse efeito é o aumento da pressão sanguínea. O córtex adrenal é subdividido em três camadas:
· A zona glomerulosa é a camada mais externa. Ela produz mineralocorticoides, dos quais o mais importante é a aldosterona. Este hormônio atua na retenção de sódio, potássio e água pelos rins. A produção de aldosterona é promovida principalmente pela angiotensina II.
· A zona fasciculada é a camada intermediária. Ela produz glicocorticoides, principalmente o cortisol. Este hormônio estimula a gliconeogênese - a síntese de glicogênio, e suprime a atividade do sistema imunológico. A secreção de cortisol é regulada por um mecanismo de retroalimentação negativa que começa com o ACTH. O ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) estimula a liberação de cortisol, que, ao alcançar os níveis adequados na corrente sanguínea, inibe a liberação de ACTH, resultando na redução da liberação de cortisol.
· A zona reticulada é a camada mais interna do córtex adrenal. A sua função é produzir androgênios fracos, como a deidroepiandosterona, ou DHEA, que é logo convertida em testosterona (tanto no sexo feminino quanto no masculino). A secreção de DHEA também é regulada pelo ACTH.
Medula adrenal
A medula é a parte central da glândula adrenal. Ela é derivada embriologicamente da crista neural, assim como todos os gânglios nervosos do corpo. É por isso que alguns autores consideram que a medula adrenal é um conjunto de neurônios simpáticos pós-ganglionares modificados.
A medula adrenal é formada por células cromafins. A principal função dessas células é secretar catecolaminas como a adrenalina (epinefrina) e a noradrenalina (norepinefrina). A secreção desses hormônios é regulada pelo sistema nervoso simpático, em outras palavras, pelas fibras nervosas simpáticas que inervam a glândula adrenal. Essas fibras chegam à medula adrenal através dos nervos esplâncnicos maiores.
O aumento da liberação de catecolaminas ocorre durante períodos de estresse. Os efeitos desses hormônios incluem a vasoconstrição (que aumenta a pressão arterial), o aumento da frequência cardíaca e o aumento dos níveis de glicose no sangue.
Síndrome de Cushing
A síndrome de Cushing reflete uma série de manifestações clínicas, as quais resultam da exposição crônica a um excesso de glicocorticoides de qualquer etiologia. O distúrbio pode ser dependente de ACTH (p. ex., adenoma corticotrófico hipofisário, secreção ectópica de ACTH por tumor não hipofisário) ou independente de ACTH (p. ex., adenoma adrenocortical, carcinoma adrenocortical, hiperplasia suprarrenal nodular), bem como iatrogênico (p. ex., administração de glicocorticoides exógenos para o tratamento de várias condições inflamatórias). O termo doença de Cushing refere-se, especificamente, à síndrome de Cushing causada por um adenoma de corticotrofos hipofisários.
Epidemiologia 
A síndrome de Cushing costuma ser considerada uma doença rara. Sua incidência é de 1 a 2 por 100.000 indivíduos por ano. Entretanto, questiona-se se o excesso leve de cortisol pode ser mais prevalente entre pacientes com várias características da síndrome de Cushing, como obesidade centrípeta, diabetes tipo 2 e fraturas vertebrais osteoporóticas, tendo em vista o fato de que essas características são relativamente inespecíficas e comuns na população.
Em pelo menos 90% dos pacientes com doença de Cushing, o excesso de ACTH é causado por um microadenoma hipofisário corticotrófico, frequentemente com apenas alguns milímetros de diâmetro. Os macroadenomas hipofisários (i.e., tumores com > 1 cm de tamanho) são encontrados em apenas 5 a 10% dos pacientes. Os adenomas corticotróficos da hipófise costumam ocorrer de modo esporádico; todavia, muito raramente, podem ser encontrados no contexto da neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM1).
Os pacientes com excesso de cortisol independente de ACTH são, em sua maioria, portadores de adenoma suprarrenal produtor de cortisol; foram identificadas mutações intratumorais, isto é, mutações somáticas na subunidade catalítica da PKA, PRKACA, como causa da doença em 40% desses tumores. Os CACs também podem causar doença independente de ACTH e, com frequência, são grandes, com produção excessiva de várias classes de corticosteroides.
Manifestações clínicas
Os glicocorticoides afetam quase todas as células do corpo, e, em consequência, os sinais de excesso de cortisol têm impacto em múltiplos sistemas fisiológicos (Tab. 379-2), com suprarregulação da gliconeogênese, da lipólise e do catabolismo das proteínas, causando manifestações mais proeminentes. Além disso, a secreção excessiva de glicocorticoides supera a capacidade da 11β-HSD2 de inativar rapidamente o cortisol a cortisona no rim, exercendo, assim, ações mineralocorticoides, as quais se manifestam na forma de hipertensão diastólica, hipopotassemia e edema. Os glicocorticoides em excesso também interferem nos sistemas reguladores centrais, levando à supressão das gonadotrofinas, com desenvolvimento subsequente de hipogonadismo e amenorreia, e à supressão do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide, resultando em diminuição da secreção do hormônio estimulante da tireoide (TSH).
Os sinais e sintomas clínicos observados na síndrome de Cushing são, em sua maioria, relativamente inespecíficos e consistem em manifestações como obesidade, diabetes melito, hipertensão diastólica, hirsutismo e depressão, que são comumente observados em pacientes que não apresentam síndrome de Cushing. Por conseguinte, uma avaliação clínica cuidadosa constitui um importante aspecto na avaliação dos casos suspeitos. Deve-se considerar o diagnóstico de síndrome de Cushing quando são observadas várias manifestações clínicas no mesmo paciente, em particular quando são encontradas manifestações mais específicas. Esses achados incluem fragilidade da pele, com equimoses fáceis e estrias cutâneas largas (> 1 cm) e violáceas,e sinais de miopatia proximal, que se torna mais evidente quando o paciente tenta se levantar de uma cadeira sem a ajuda das mãos ou quando sobe uma escada. As manifestações clínicas da síndrome de Cushing não diferem significativamente entre as diversas causas. Na síndrome de ACTH ectópico, pode-se observar uma hiperpigmentação das articulações dos dedos, das cicatrizes ou de áreas da pele expostas a maior atrito, que é causada pelos efeitos estimuladores do excesso de ACTH e de outros produtos de clivagem da POMC sobre a produção de pigmento dos melanócitos. Além disso, os pacientes com síndrome de ACTH ectópico e alguns com carcinoma adrenocortical como causa de síndrome de Cushing podem ter um início mais súbito e progressão mais rápida dos sinais e sintomas clínicos.
Os pacientes com síndrome de Cushing podem correr risco agudo de trombosevenosa profunda, com embolia pulmonar subsequente, devido a um estado de hipercoagulabilidade associado à síndrome. A maioria dos pacientes também apresenta sintomas psiquiátricos, em sua maior parte na forma de ansiedade ou depressão; todavia, pode ocorrer também psicose paranoide ou depressiva aguda. Mesmo depois da cura, o estado de saúde em longo prazo pode permanecer afetado, devido ao comprometimento persistente da qualidade de vida relacionada com o estado de saúde e a um risco aumentado de doença cardiovascular e osteoporose com fraturas vertebrais, dependendo da duração e do grau de exposição ao excesso significativo de cortisol.
Diagnóstico 
Em princípio, após excluir o uso de glicocorticoides exógenos como causa dos sinais e sintomas clínicos, é preciso submeter os casos suspeitos a exames na presença de manifestações múltiplas e progressivas da síndrome de Cushing, sobretudo características com valor discriminativo potencialmente mais alto. A exclusão da síndrome de Cushing também está indicada para pacientes com massas suprarrenais descobertas de modo incidental.
Pode-se considerar o diagnóstico de síndrome de Cushing como estabelecido se os resultados de vários exames forem consistentemente sugestivos da síndrome. Esses exames podem incluir aumento da excreção de cortisol livre na urina de 24 horas em três coletas separadas, incapacidade de suprimir de maneira apropriada o cortisol pela manhã após exposição noturna à dexametasona e evidências de perda do ritmo circadiano de cortisol com níveis elevados à meia-noite, o momento em que a secreção está fisiologicamente mais baixa (Fig. 379-10). Os fatores que afetam potencialmente os resultados desses testes diagnósticos precisam ser excluídos, como coleta incompleta da urina de 24 horas ou rápida inativação da dexametasona, devido ao uso concomitante de medicamentos indutores da CYP3A4 (p. ex., anticonvulsivantes, rifampicina). O uso concomitante de contraceptivos orais que elevam a CBG e, portanto, o cortisol total pode levar a resultados falso-positivos no teste de supressão com dexametasona. Se houver qualquer dúvida, deve-se repetir os testes depois de 4 a 6 semanas sem estrogênios. Os pacientes com estados de pseudo-Cushing, isto é, relacionados com o consumo de álcool, e aqueles com síndrome de Cushing cíclica podem exigir a realização de exames adicionais para confirmar ou descartar com segurança o diagnóstico de síndrome de Cushing. Além disso, os ensaios bioquímicos empregados podem afetar os resultados dos testes, sendo a especificidade um problema comum com os ensaios baseados em anticorpos para a medição do cortisol livre urinário. Esses ensaios foram muito melhorados com a introdução da espectrometria de massa em tandem altamente específica.
Diagnóstico diferencial
 A avaliação dos pacientes com síndrome de Cushing confirmada deve ser realizada por um endocrinologista e começa com o diagnóstico diferencial do excesso de cortisol dependente de ACTH e independente de ACTH . Em geral, os níveis plasmáticos de ACTH estão suprimidos nos casos de excesso de cortisol suprarrenal autonômico em consequência da retroalimentação negativa aumentada para o hipotálamo e a hipófise. Em contrapartida, os pacientes com síndrome de Cushing dependente de ACTH apresentam níveis plasmáticos normais ou aumentados de ACTH, com níveis muito elevados observados em alguns pacientes com síndrome de ACTH ectópico. É importante assinalar que o exame de imagem só deve ser realizado após estabelecer se o excesso de cortisol é dependente ou independente de ACTH, visto que os nódulos da hipófise ou das suprarrenais constituem um achado comum na população geral. Nos pacientes com excesso independente de ACTH confirmado, indica-se um exame de imagem das suprarrenais, de preferência com tomografia computadorizada (TC) sem contraste. Isso permite examinar a morfologia das suprarrenais e determinar a densidade do tumor em Unidades Hounsfield (UHs), o que ajuda a distinguir entre lesões suprarrenais benignas e malignas.
No excesso de cortisol dependente de ACTH, a ressonância magnética (RM) da hipófise constitui o exame de escolha; todavia, pode não revelar nenhuma anormalidade em até 40% dos casos, já que os pequenos tumores estão abaixo da sensibilidade de detecção. Em geral, os adenomas corticotróficos hipofisários não apresentam realce após a administração de gadolínio em imagens de RM ponderadas em T1. Em todos os casos de síndrome de Cushing dependente de ACTH confirmada, são necessários exames adicionais para o diagnóstico diferencial da doença de Cushing hipofisária e da síndrome do ACTH ectópico. Esses testes exploram o fato de que a maioria dos adenomas corticotróficos hipofisários ainda exibe características reguladoras, incluindo supressão residual do ACTH por glicocorticoides em altas doses e responsividade ao CRH. Por outro lado, as fontes ectópicas de ACTH são resistentes à supressão com dexametasona e não respondem ao CRH (Fig. 379-10). Todavia, convém assinalar que uma pequena minoria de tumores produtores de ACTH ectópico exibe respostas dinâmicas semelhantes aos tumores de corticotrofos hipofisários. Se os dois testes tiverem resultados discordantes ou se houver qualquer motivo de dúvida, o diagnóstico diferencial pode ser esclarecido pela realização de amostragem do seio petroso inferior (IPSS) bilateral, com obtenção concomitante de amostras de sangue para medição do ACTH nos seios petrosos inferiores direito e esquerdo e na veia periférica. Uma razão do ACTH plasmático central/periférico elevado de > 2 no estado basal e de > 3 dentro de 2 a 5 minutos após a injeção de CRH1 indica a presença de doença de Cushing, com sensibilidade e especificidade muito altas. É interessante observar que os resultados da IPSS não podem ser usados de modo confiável para lateralização (i.e., prever a localização do tumor dentro da hipófise), visto que existe uma ampla variabilidade interpessoal na drenagem venosa da região hipofisária. É importante ressaltar que nenhum agente capaz de reduzir o cortisol deve ser administrado antes da IPSS.
Se o teste para diagnóstico diferencial indicar síndrome do ACTH ectópico, os exames de imagem adicionais devem incluir TC de alta resolução e corte fino do tórax e do abdome para exame dos pulmões, do timo e do pâncreas. Se não for identificada nenhuma lesão, pode-se considerar a realização de RM do tórax, já que os tumores carcinoides costumam exibir uma alta intensidade de sinal nas imagens ponderadas em T2. Além disso, a cintilografia com octreotida pode ser útil em alguns casos, pois os tumores produtores de ACTH ectópico frequentemente expressam receptores de somatostatina. Dependendo da causa suspeita, os pacientes com síndrome de ACTH ectópico também devem realizar uma coleta de sangue para determinação dos hormônios intestinais em jejum, cromogranina A, calcitonina e exclusão bioquímica de feocromocitoma.
Tratamento 
A síndrome de Cushing manifesta está associada a um prognóstico ruim se não tratada. Na doença independente de ACTH, o tratamento consiste na remoção cirúrgica do tumor suprarrenal. Para os tumores menores, pode-se utilizar uma abordagem minimamente invasiva, enquanto se prefere uma cirurgia aberta para os tumores mais volumosos e aqueles com suspeita de neoplasia maligna.
Na doença de Cushing, o tratamento de escolha consiste em remoção seletiva do tumor corticotrófico hipofisário, em geral por via transesfenoidal endoscópica. Essa abordagem resulta em uma taxa de cura inicial de 70 a 80% quando realizada por um cirurgião altamente experiente. Todavia, mesmo após remoção inicial depois da cirurgia, o acompanhamento em longo prazo é importante devido à ocorrência de recidivas tardias em um número significativo de pacientes. Se houver recidiva da doença hipofisária, dispõe-se de várias opções, incluindo segunda cirurgia, radioterapia, radiocirurgia estereotáxica e suprarrenalectomia bilateral. Essas opções devem ser aplicadas de modo altamente individualizado.
Em alguns pacientes com síndrome de Cushingmanifesta e muito grave (p. ex., com controle difícil da hipertensão hipopotassêmica ou psicose aguda), pode ser necessário introduzir a terapia clínica para controlar rapidamente o excesso de cortisol durante o período que se estende até a cirurgia. De modo semelhante, os pacientes com carcinomas produtores de glicocorticoides que metastatizaram podem precisar de tratamento em longo prazo com agentes antiglicocorticoides. No caso da síndrome de ACTH ectópico, em que não é possível localizar o tumor, deve-se avaliar cuidadosamente se o tratamento farmacológico ou a suprarrenalectomia bilateral constituem a escolha mais apropriada, visto que esta última facilita a cura imediata, porém exige reposição de corticosteroide por toda a vida. Nesse caso, é de suma importância assegurar um acompanhamento regular com exames de imagem para identificação da fonte de ACTH ectópico.
Os agentes orais de eficácia estabelecida na síndrome de Cushing são a metirapona e o cetoconazol. A metirapona inibe a síntese de cortisol em nível da 11β-hidroxilase, enquanto o antimicótico cetoconazol inibe as etapas iniciais da esteroidogênese. As doses iniciais típicas são de 500 mg 3 vezes/dia para a metirapona (dose máxima de 6 g) e de 200 mg 3 vezes/dia para o cetoconazol (dose máxima de 1.200 mg). O mitotano, um derivado do inseticida o,p’DDD, é um agente adrenolítico que também é efetivo para reduzir o cortisol. Devido a seu perfil de efeitos colaterais, o mitotano é mais comumente utilizado no contexto do CAC; entretanto, o tratamento em baixas doses (500-1.000 mg/dia) também tem sido utilizado na síndrome de Cushing benigna. Nos casos graves de excesso de cortisol, pode-se administrar etomidato, um agente que bloqueia poderosamente a 11β-hidroxilase e a aldosterona-sintase, para reduzir o cortisol. É administrado por infusão IV contínua em baixas doses não anestésicas.
Após a remoção bem-sucedida de um tumor produtor de ACTH ou de cortisol, o eixo HHSR permanece suprimido. Por conseguinte, a reposição com hidrocortisona precisa ser iniciada no momento da cirurgia e reduzida lenta e gradualmente após a recuperação a fim de permitir uma adaptação fisiológica aos níveis normais de cortisol. Dependendo do grau e da duração do excesso de cortisol, o eixo HHSR pode necessitar de muitos meses ou até mesmo anos para reassumir a sua função normal e, algumas vezes, não se recupera. Em geral, a síndrome de ACTH ectópica apresenta a melhor taxa de recuperação (80%), enquanto a síndrome de Cushing suprarrenal tem a menor taxa (40%), com valores intermediários na doença de Cushing (60%).
Insuficiência Suprarrenal
Epidemiologia 
A prevalência de insuficiência suprarrenal permanente bem documentada é de 5 em 10.000 indivíduos na população geral. A origem hipotalâmico-hipofisária da doença é mais frequente, com prevalência de 3 em 10.000, enquanto a insuficiência suprarrenal primária tem uma prevalência de 2 em 10.000. Cerca de 50% desses últimos casos são adquiridos, em sua maior parte causados pela destruição autoimune das glândulas suprarrenais; os outros 50% são genéticos, causados mais comumente por bloqueios enzimáticos distintos na esteroidogênese suprarrenal que afetam a síntese dos glicocorticoides (i.e., hiperplasia suprarrenal congênita).
A insuficiência suprarrenal que se origina da supressão do eixo HHSR em consequência do tratamento com glicocorticoides exógenos é muito mais comum, ocorrendo em 0,5 a 2% da população nos países desenvolvidos.
Etiologia 
A insuficiência suprarrenal primária é mais comumente causada por adrenalite autoimune. A adrenalite autoimune isolada responde por 30 a 40% dos casos, enquanto 60 a 70% desenvolvem insuficiência suprarrenal como parte das síndromes poliglandulares autoimunes (SPAs). A SPA1, também denominada APECED (poliendocrinopatia autoimune-candidíase-distrofia ectodérmica), constitui a causa subjacente em 10% dos pacientes portadores de SPA. A SPA1 é transmitida de modo autossômico recessivo, sendo causada por mutações no gene regulador autoimune AIRE. As condições autoimunes associadas superpõem-se àquelas observadas na SPA2, mas também podem incluir alopécia total, hipoparatireoidismo primário e, em raros casos, linfoma. Os pacientes com SPA1 invariavelmente desenvolvem candidíase mucocutânea crônica, que em geral se manifesta na infância e precede a insuficiência suprarrenal em vários anos ou décadas. A SPA2, muito mais prevalente, é de herança poligênica, com associações confirmadas à região do gene HLA-DR3 no complexo principal de histocompatibilidade e regiões de genes distintas envolvidas na regulação imune (CTLA-4, PTPN22, CLEC16A). As doenças autoimunes coincidentes consistem mais frequentemente em doença autoimune da tireoide, vitiligo e insuficiência ovariana prematura. Com menos frequência, outras características podem incluir diabetes melito tipo 1 e anemia perniciosa causada pela deficiência de vitamina B12.
Manifestações clínicas
 Em princípio, as manifestações clínicas da insuficiência suprarrenal primária (doença de Addison) caracterizam-se pela perda da secreção tanto dos glicocorticoides quanto dos mineralocorticoides. Na insuficiência suprarrenal secundária, ocorre apenas deficiência de glicocorticoides, visto que a própria glândula suprarrenal está intacta e, portanto, passível de responder à regulação pelo sistema RAA. A secreção de androgênios suprarrenais está comprometida na insuficiência suprarrenal tanto primária quanto secundária. A doença hipotalâmico-hipofisária pode levar a manifestações clínicas adicionais devido ao comprometimento de outros eixos endócrinos (tireoide, gônadas, hormônio do crescimento, prolactina) ou comprometimento visual com hemianopsia bitemporal causada por compressão quiasmática. É importante reconhecer que a insuficiência suprarrenal iatrogênica causada pela supressão do eixo HHSR por glicocorticoides exógenos pode resultar em todos os sintomas associados à deficiência de glicocorticoides se os glicocorticoides exógenos forem interrompidos de maneira abrupta. Entretanto, os pacientes estarão clinicamente cushingoides em consequência da exposição prévia excessiva aos glicocorticoides.
A insuficiência suprarrenal crônica manifesta-se na forma de sinais e sintomas relativamente inespecíficos, como fadiga e perda de energia, resultando frequentemente em diagnóstico tardio ou despercebido (p. ex., como depressão ou anorexia). Uma característica diferencial da insuficiência suprarrenal primária é a hiperpigmentação, causada pela estimulação excessiva dos melanócitos pelo ACTH. A hiperpigmentação é mais pronunciada em áreas da pele expostas a maior atrito ou estresse de cisalhamento e é aumentada pela exposição à luz solar (Fig. 379-15). Em contrapartida, na insuficiência suprarrenal secundária, a pele exibe uma palidez semelhante ao alabastro, devido à falta de secreção de ACTH.
A hiponatremia constitui um achado bioquímico característico na insuficiência suprarrenal primária e é encontrada em 80% dos pacientes na apresentação. Verifica-se a presença de hiperpotassemia em 40% dos pacientes no diagnóstico inicial. A hiponatremia é principalmente causada pela deficiência de mineralocorticoides, mas também pode ocorrer na insuficiência suprarrenal secundária, devido à inibição diminuída da liberação de hormônio antidiurético (ADH) pelo cortisol, resultando em leve síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH). A deficiência de glicocorticoides também resulta em ligeiro aumento das concentrações de TSH, que se normalizam dentro de poucos dias a semanas após o início da reposição com glicocorticoides.
A insuficiência suprarrenal aguda, também denominada crise suprarrenal, ocorre habitualmente depois de um período prolongado de queixas inespecíficas e é observada, com mais frequência, em pacientes com insuficiência suprarrenal primária, devido à perda da secreção de glicocorticoides e de mineralocorticoides. A hipotensão postural pode progredir para choque hipovolêmico. A insuficiência suprarrenal pode simular manifestaçõesdo abdome agudo, com hipersensibilidade abdominal, náusea, vômitos e febre. Em alguns casos, a apresentação primária pode lembrar uma doença neurológica, com diminuição da responsividade, evoluindo para estupor e coma. Uma crise suprarrenal pode ser deflagrada por doença intercorrente, estresse cirúrgico ou outro estresse ou inativação aumentada dos glicocorticoides (p. ex., hipertireoidismo). Dados prospectivos indicam 8,3 crises suprarrenais e 0,5 morte por crise suprarrenal por 100 pacientes-ano.
Diagnóstico 
O diagnóstico de insuficiência suprarrenal é estabelecido pelo teste curto de cosintropina, um instrumento seguro e confiável, com excelente valor diagnóstico preditivo (Fig. 379-16). O ponto de corte para insuficiência é habitualmente definido com níveis de cortisol de < 450 a 500 nmol/L (16-18 μg/dL), determinados em amostras obtidas 30 a 60 min após estimulação com ACTH; o ponto de corte exato depende do ensaio disponível no local, geralmente com pontos de corte mais baixos para ensaios baseados na espectrometria de massa. Durante a fase inicial de ruptura do eixo HHSR (p. ex., dentro de quatro semanas de insuficiência hipofisária), os pacientes ainda podem responder à estimulação com ACTH exógeno. Nessa circunstância, o TTI constitui uma escolha alternativa, porém é mais invasivo e só deve ser realizado com supervisão de um especialista (ver anteriormente). A indução de hipoglicemia está contraindicada para indivíduos com diabetes melito, doença cardiovascular ou história de crises convulsivas. As medições aleatórias do nível sérico de cortisol têm valor diagnóstico limitado, já que os níveis basais podem estar coincidentemente baixos devido ao ritmo diurno fisiológico da secreção de cortisol (Fig. 379-3). De forma semelhante, muitos pacientes com insuficiência suprarrenal secundária apresentam níveis basais de cortisol relativamente normais, porém são incapazes de ter uma resposta apropriada do cortisol ao ACTH, que só pode ser revelada por um teste de estimulação. É importante ressaltar que os testes realizados para estabelecer o diagnóstico de insuficiência suprarrenal nunca devem retardar o tratamento. Por conseguinte, em um paciente com suspeita de crise suprarrenal, é razoável obter os níveis basais de cortisol, instituir uma terapia de reposição e adiar os testes de estímulo formais para uma data posterior.
Uma vez confirmada a insuficiência suprarrenal, a próxima etapa consiste na determinação do ACTH plasmático, cujos níveis aumentados ou inapropriadamente baixos definem a origem primária e secundária da doença, respectivamente. Na insuficiência suprarrenal primária, o aumento dos níveis plasmáticos de renina irá confirmar a presença de deficiência de mineralocorticoides. Na apresentação inicial, os pacientes com insuficiência suprarrenal primária devem ser submetidos a rastreamento para autoanticorpos esteroides como marcadores de adrenalite autoimune. Se esses testes forem negativos, indica-se uma TC das glândulas suprarrenais para investigar a possível presença de hemorragia, infiltração ou massas. Em pacientes do sexo masculino com autoanticorpos plasmáticos negativos, os ácidos graxos de cadeia muito longa devem ser determinados para excluir a possibilidade de X-ALD. Os pacientes com nível de ACTH inapropriadamente baixo, na presença de deficiência de cortisol confirmada, devem realizar um exame de imagem do hipotálamo e da hipófise por RM. As manifestações sugestivas de apoplexia hipofisária prévia, como cefaleia intensa de início súbito, ou história pregressa de traumatismo cranioencefálico devem ser cuidadosamente investigadas, sobretudo em pacientes sem lesão óbvia na RM.
Tratamento 
A insuficiência suprarrenal aguda exige reidratação imediata, em geral com infusão de soro fisiológico em uma velocidade inicial de 1 L/hora, com monitoração cardíaca contínua. A reposição de glicocorticoides deve ser iniciada com injeção em bolus de 100 mg de hidrocortisona, seguida da administração de 200 mg de hidrocortisona durante 24 horas, de preferência por infusão contínua ou, de modo alternativo, por injeções IV ou IM em bolus. A reposição de mineralocorticoides pode ser iniciada após redução da dose diária de hidrocortisona para < 50 mg, visto que a hidrocortisona, em doses mais altas, fornece uma estimulação suficiente dos MRs.
A reposição de glicocorticoides para o tratamento da insuficiência suprarrenal crônica deve ser administrada em uma dose capaz de substituir a produção diária fisiológica de cortisol, o que é habitualmente obtido pela administração oral de 15 a 25 mg de hidrocortisona, em 2 a 3 doses fracionadas. A gravidez pode exigir um aumento de 50% na dose de hidrocortisona durante o último trimestre. Em todos os pacientes, pelo menos metade da dose diária deve ser administrada pela manhã. As preparações de glicocorticoides atualmente disponíveis não imitam o ritmo de secreção fisiológico do cortisol . Os glicocorticoides de ação longa, como a prednisolona ou a dexametasona, não são preferidos, pois resultam em exposição aumentada aos glicocorticoides, devido à extensa ativação dos receptores de glicocorticoides em períodos de secreção fisiologicamente baixa de cortisol. Não existe nenhuma equivalência de doses bem estabelecidas; entretanto, como orientação, pode-se admitir uma equipotência para 1 mg de hidrocortisona, 1,6 mg de acetato de cortisona, 0,2 mg de prednisolona, 0,25 mg de prednisona e 0,025 de dexametasona.
O monitoramento da reposição de glicocorticoides baseia-se principalmente na história e no exame à procura de sinais e sintomas sugestivos de reposição excessiva ou insuficiente de glicocorticoides, incluindo medida do peso corporal e da pressão arterial. O nível plasmático de ACTH, o cortisol livre na urina de 24 horas ou as curvas diárias do cortisol sérico refletem se a hidrocortisona foi ou não administrada, porém não fornecem informações confiáveis acerca da qualidade da reposição. Em pacientes com insuficiência suprarrenal isolada, a monitoração deve incluir uma triagem para doença autoimune da tireoide, e as pacientes devem ser alertadas quanto à possibilidade de insuficiência ovariana prematura. O tratamento com glicocorticoides em níveis suprafisiológicos, com doses equivalentes a 30 mg ou mais de hidrocortisona, irá afetar o metabolismo ósseo, de modo que esses pacientes devem ser submetidos a uma avaliação regular da densidade mineral óssea. Todos os pacientes com insuficiência suprarrenal precisam ser instruídos sobre a necessidade de ajustes nas doses de glicocorticoides relacionados ao estresse. Em geral, esses ajustes consistem em duplicar a dose oral de rotina de glicocorticoides em caso de doença intercorrente com febre e repouso no leito e necessidade de injeção IV de hidrocortisona, em uma dose diária de 100 mg, em casos de vômitos prolongados, cirurgia ou traumatismo. Todos os pacientes, porém em particular os que residem ou que viajam para regiões com acesso demorado à assistência de saúde aguda, devem dispor de um kit de emergência de autoinjeção de hidrocortisona, além de seus cartões e pulseiras habituais de emergência para esteroides, e devem receber treinamento para seu uso.
A reposição de mineralocorticoides na insuficiência suprarrenal primária deve ser iniciada em uma dose de 100 a 150 μg de fludrocortisona. A suficiência do tratamento pode ser avaliada pela aferição da pressão arterial, na posição sentada e ortostática, para detectar uma queda postural indicando a presença de hipovolemia. Além disso, os níveis séricos de sódio e potássio e o nível plasmático de renina devem ser medidos a intervalos regulares. Os níveis de renina devem ser mantidos no limite superior do valor de referência. As mudanças na dose de glicocorticoides também podem ter impacto na reposição de mineralocorticoides, visto que o cortisol liga-se também ao MR; 40 mg de hidrocortisona equivalem a 100 μg de fludrocortisona. Em pacientes que residem ou que viajam para áreas de clima quente ou tropical, a dose de fludrocortisona deve ser aumentada em50 a 100 μg durante o verão. Além disso, pode ser necessário ajustar a dose de mineralocorticoides durante a gravidez, devido à atividade antimineralocorticoide da progesterona, porém esse ajuste é menos necessário do que o ajuste na dose de hidrocortisona. A renina plasmática não pode servir como instrumento de monitoração durante a gravidez devido à sua elevação fisiológica durante a gestação.
A reposição de androgênios suprarrenais constitui uma opção em pacientes com falta de energia, apesar da reposição otimizada de glicocorticoides e mineralocorticoides. Pode estar também indicada para mulheres com manifestações de deficiência de androgênio, incluindo perda da libido. A reposição de androgênios suprarrenais pode ser efetuada pela administração de 25 a 50 mg de DHEA 1 vez/dia. O tratamento é monitorado pela determinação do DHEAS, da androstenediona, da testosterona e da globulina de ligação ao hormônio sexual (SHBG) dentro de 24 horas após a última dose de DHEA.

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