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Dois processos de socialização da criança

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Excerto retirado, para fins didáticos, do Capítulo “Observações psicológicas 
sobre o self-government”, do livro de Jean Piaget — Sobre a Pedagogia: 
Textos inéditos, organizado por Silvia Parrat-Dayan e Anastasia Tryphon, 
traduzido e publicado pela Casa do Psicólogo, em 1998, páginas 117-119.
Dois processos de socialização 
da criança
Jean Piaget
Primeiro processo de socialização: Coerção e respeito unilateral 
O primeiro processo de socialização é naturalmente constituído pela ação dos pais, e dos adultos em geral, sobre o espírito da criança. Essa ação é eficaz na medida em que esta sente pelos mais velhos 
um sentimento sui generis feito de amor e de medo: o respeito. 
Denominaremos de coerção social essa pressão espiritual (e às vezes material) 
dos grandes sobre os pequenos e de respeito unilateral essa espécie de 
respeito que o inferior sente pelo superior e que torna possível a coerção. E 
quais são os efeitos do respeito unilateral?
	 Do ponto de vista moral, o respeito unilateral leva a criança a considerar 
obrigatórias as regras recebidas dos pais ou dos mais velhos. Seja porque 
todo dever se origine desse processo, ou porque decorra de outras fontes, é 
incontestável que qualquer ordem proferida pelas pessoas respeitadas traduz-
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se, na consciência dos pequenos, sob a forma de uma obrigação imperativa. 
Assim se explica o sucesso da autoridade. Os resultados indiretos dessa 
situação são tão fáceis de compreender quanto seus efeitos imediatos: na 
medida em que a moralidade é adquirida de fora, ela permanece heterônima e 
produz uma espécie de legalismo ou de «realismo moral», no qual os atos não 
são avaliados em função das intenções, mas de sua concordância externa 
com a regra.
	 Do ponto de vista intelectual, o respeito unilateral torna igualmente 
possível uma coerção do adulto sobre o pensamento da criança, e essa 
situação contém tanto um aspecto positivo como um aspecto negativo, este 
último sendo muito pouco conhecido pela maioria dos educadores. Por um 
lado, o que sai da boca dos adultos é imediatamente considerado verdade; 
por outro, essa verdade de autoridade não apenas prescinde de verificação 
racional, mas também retarda frequentemente a aquisição das operações da 
lógica, que supõem o esforço pessoal e o controle mútuo dos pesquisadores.
Segundo processo de socialização: Cooperação e respeito mútuo 
	 Mas existe um segundo processo possível de socialização, aliás ligado 
ao primeiro por uma série de intermediários (ambos os processos talvez sejam 
inclusive indissociáveis): ele é constituído pela ação dos indivíduos uns sobre 
os outros quando a igualdade (de fato ou de direito) suplanta a autoridade. 
Nesse caso, a coerção desaparece dando lugar à cooperação, e o respeito 
torna-se mútuo. Ora, embora a cooperação nunca se desvencilhe 
completamente de toda coerção e embora o respeito não possa chegar a uma 
total reciprocidade, o segundo processo define um ideal cujos efeitos são 
qualitativamente diferentes dos da coerção. Enquanto que esta última tem por 
resultado essencial impor regras e verdades já elaboradas, a cooperação (ou 
as tentativas de cooperação) provoca, ao contrário, a constituição de um 
método que permite ao espírito superar a si mesmo incessantemente e situar 
as normas acima dos estados de fato.
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	 Do ponto de vista moral, a cooperação leva não mais à simples 
obediência às regras impostas, sejam elas quais forem, mas a uma ética da 
solidariedade e da reciprocidade. Essa moral caracteriza-se, quanto à forma, 
pelo desabrochar do sentimento de um bem interior independente dos deveres 
externos, ou seja, por uma progressiva autonomia da consciência, 
prevalecendo sobre a heteronomia dos deveres primitivos. No que tange ao 
conteúdo, certas noções fundamentais, tais como a da justiça, devem a 
essência de seu desenvolvimento à cooperação gradual entre iguais, e 
permanecem quase que por completo à margem da ação dos adultos sobre as 
crianças (com frequência, é inclusive a despeito do adulto que aparecem os 
primeiros sentimentos do justo e do injusto).
	 Do ponto de vista intelectual, essa mesma cooperação entre os 
indivíduos leva a uma crítica mútua e a uma objetividade progressiva. Cada 
sujeito pensante constitui, com efeito, um sistema próprio de referência e de 
interpretação, e a verdade resulta de uma coordenação entre esses pontos de 
vista. Pensar em função dos outros é, portanto, substituir o egocentrismo do 
ponto de vista próprio e os absolutos ilusórios da coerção verbal por um 
método de estabelecimento de relações verdadeiras, que garante não apenas 
a compreensão recíproca, mas também a constituição da própria razão. A 
esse respeito, o produto essencial da cooperação não é outro senão a “lógica 
das relações”, esse instrumento de ligação que permite à criança libertar-se 
simultaneamente das ilusões de perspectiva mantidas pelo egocentrismo e 
das noções verbais devidas à autoridade adulta mal-compreendida. Além 
disso, o respeito mútuo, no plano da cooperação intelectual dos indivíduos, 
conduz a uma espécie de «moral do pensamento», ou seja, à observância de 
um certo número de regras, por exemplo, o princípio de não-contradição (a 
obrigação de permanecer fiel às afirmações anteriores) - do ponto de vista 
formal - e a concordância com a experiência - do ponto de vista real. Em 
suma, no campo da lógica bem como no da ação, a vida em comum e a 
solidariedade dos indivíduos impõem uma série de obrigações específicas, 
bastante diferentes das que resultam da simples autoridade.
Página de 3 4
	 Para compreender o mecanismo psicológico das diversas formas do 
self-government é portanto essencial situar-se sempre do triplo ponto de vista 
do egocentrismo dos indivíduos, da coerção dos mais velhos e da cooperação 
entre os iguais. O self-government é um procedimento de educação social que 
tende, como todos os outros, a ensinar os indivíduos a sair de seu 
egocentrismo para colaborarem entre si e a se submeter a regras comuns. 
Mas esse procedimento e suas diversas variações implicam numa série de 
combinações possíveis entre ambos os processos, de coerção e de 
cooperação, cujos efeitos tão diferentes sobre o indivíduo acabamos de 
constatar. São essas relações complexas entre o egocentrismo, o respeito 
unilateral e o respeito mútuo que, a nosso ver, explicam a diversidade dos 
resultados obtidos pelo método, como tentaremos demonstrar.
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