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Autora: Profa. Mariana Garcia Colaboradoras: Profa. Cristiane Jaciara Furlaneto Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Fisiologia Animal Comparada Professora conteudista: Mariana Garcia Graduada pela Universidade Paulista (UNIP) em 2009. Durante o curso, realizou iniciação científica em classificação e identificação de formigas. À época, irrompeu seu interesse pelos invertebrados. Subsequentemente, atuou como educadora na construção do primeiro zoológico de insetos do Brasil. Possui mestrado em Sanidade Vegetal, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio pelo Instituto Biológico (2013). Atualmente, é professora na Universidade Paulista. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G216f Garcia, Mariana. Fisiologia Animal Comparada. / Mariana Garcia. – São Paulo: Editora Sol, 2023. 136 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Fisiologia. 2. Sistemas circulatórios. 3. Sistemas nervosos. Título. CDU 611 U518.19 – 23 Profa. Sandra Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora das Unidades Universitárias Profa. Silvia Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade del Mastro Juliana Mendes Fisiologia Animal Comparada APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 SISTEMAS NERVOSOS .......................................................................................................................................9 1.1 Cnidários .................................................................................................................................................. 15 1.2 Platelmintos ............................................................................................................................................ 16 1.3 Moluscos .................................................................................................................................................. 17 1.4 Anelídeos ................................................................................................................................................. 18 1.5 Artrópodes............................................................................................................................................... 19 1.6 Vertebrados ............................................................................................................................................. 20 1.7 Sistemas sensoriais ............................................................................................................................. 24 1.8 Receptores sensoriais.......................................................................................................................... 25 1.8.1 Quimiorreceptores .................................................................................................................................. 27 1.8.2 Mecanorreceptores ................................................................................................................................ 30 1.8.3 Receptores táteis..................................................................................................................................... 30 1.8.4 Equilíbrio e audição ............................................................................................................................... 31 1.9 Fotorrecepção ........................................................................................................................................ 33 1.10 Termorrecepção .................................................................................................................................. 35 2 SISTEMA ENDÓCRINO ................................................................................................................................... 35 2.1 Prolactina ................................................................................................................................................. 37 2.2 Hormônios tireoidianos e a metamorfose de anfíbios .......................................................... 38 2.3 Endocrinologia do crescimento e metamorfose de insetos ................................................ 40 3 SISTEMAS CIRCULATÓRIOS ......................................................................................................................... 42 3.1 Animais sem sistemas circulatórios .............................................................................................. 42 3.2 Transporte e bombeamento ............................................................................................................. 44 3.3 Tipo de circulação ................................................................................................................................ 45 3.4 Circulação em invertebrados ........................................................................................................... 47 3.4.1 Moluscos .................................................................................................................................................... 47 3.4.2 Artrópodes ................................................................................................................................................. 47 3.4.3 Anelídeos .................................................................................................................................................... 48 3.4.4 Equinodermos .......................................................................................................................................... 48 3.4.5 Vertebrados ............................................................................................................................................... 48 4 SISTEMAS RESPIRATÓRIOS .......................................................................................................................... 57 4.1 Respiração em meio aquático ......................................................................................................... 60 4.1.1 Respiração em peixes ............................................................................................................................ 60 Sumário 4.2 Transição de ambientes...................................................................................................................... 63 4.3 Respiração na superfície ...................................................................................................................64 4.3.1 Pulmão dos vertebrados ...................................................................................................................... 64 4.3.2 Respiração em anfíbios ........................................................................................................................ 65 4.3.3 Respiração em répteis ........................................................................................................................... 66 4.3.4 Respiração em aves ................................................................................................................................ 67 4.3.5 Respiração em mamíferos ................................................................................................................... 68 4.3.6 Vertebrados mergulhadores ................................................................................................................ 70 Unidade II 5 EXCREÇÃO E EQUILÍBRIO HÍDRICO-OSMÓTICO .................................................................................. 78 5.1 Regulação osmótica no ambiente aquático .............................................................................. 79 5.1.1 Salmão – Um interessante peixe anádromo ................................................................................ 82 5.2 Regulação osmótica e excreção em animais terrestres ........................................................ 83 5.3 Excreção em invertebrados .............................................................................................................. 83 5.3.1 Protonefrídios e células-flama .......................................................................................................... 83 5.3.2 Metanefrídios em anelídios ................................................................................................................ 85 5.3.3 A excreção dos artrópodes – caminho para o sucesso terrestre ......................................... 85 5.4 A excreção dos vertebrados ............................................................................................................. 87 5.4.1 Forma e função dos rins ...................................................................................................................... 87 5.4.2 Variações nos rins dos vertebrados ................................................................................................. 89 5.4.3 Glândulas de sal ...................................................................................................................................... 90 6 NUTRIÇÃO E DIGESTÃO ................................................................................................................................. 91 6.1 Digestão ................................................................................................................................................... 94 6.2 Divertículos digestivos ....................................................................................................................... 99 6.3 Herbivoria e digestão de celulose .................................................................................................. 99 6.4 Animais ruminantes e não ruminantes ....................................................................................... 99 7 TEMPERATURA E MOVIMENTO ...............................................................................................................102 7.1 Fluxos de calor .....................................................................................................................................104 7.2 Manutenção da temperatura ........................................................................................................105 7.2.1 Termogênese ...........................................................................................................................................107 7.2.2 Regulação da temperatura corporal .............................................................................................108 7.3 Efeitos das temperaturas extremas .............................................................................................109 7.4 Estratégias térmicas ..........................................................................................................................110 7.5 Movimento ............................................................................................................................................111 7.5.1 Movimentos em esqueletos hidrostáticos ...................................................................................111 7.5.2 Musculatura em vertebrados ........................................................................................................... 112 7.5.3 Custo energético do movimento .................................................................................................... 115 8 SISTEMAS REPRODUTIVOS ........................................................................................................................116 8.1 Sistemas reprodutivos masculinos ..............................................................................................117 8.2 Sistemas reprodutivos femininos ................................................................................................119 8.3 Gestação e nascimento em mamíferos eutérios ...................................................................122 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina destaca os diversos mecanismos que movem a vida dos animais. Veremos como funcionam os sistemas nervosos e endócrinos que controlam outros sistemas, bem como a regulação osmótica e hídrica que permite a animais como o salmão viver em ambientes tão extremos como a água de um rio e do mar num mesmo ciclo de vida. Conheceremos as respostas dos animais capazes de tolerar condições climáticas extremas como o frio do Ártico ou as variações e o intenso calor dos grandes desertos quentes. Compreender o funcionamento da fisiologia nos levará não somente ao entendimento dos mecanismos e estruturas dos órgãos e sistemas, mas, também, e sobretudo, da sua relação com o meio. A comparação será nossa melhor aliada, entendendo como invertebrados e vertebrados apresentam diferenças e similaridades no funcionamento de seus corpos. INTRODUÇÃO A fisiologia é a ciência que estuda o funcionamento dos organismos vivos. Abrange diferentes áreas do conhecimento, como a fisiologia humana, a vegetal e a comparada. Nesta disciplina, analisaremos o desempenho dos organismos de diversos grupos de animais. A ciência busca responder a perguntas. Para tal, este livro-texto reúne instruções sobre vertebrados e invertebrados. Como exemplo, destacamos: De que maneira os animais se movimentam? Quanta energia é necessária para que possam viver? Como respiram ou se alimentam? Avaliando os sistemas envolvidos, nota-se que os animais estão constantemente interagindo com as adversidades ambientais. Os processos fisiológicos atuam de maneira integrada. Empenham-se em buscar a normalidade do sistema, a temperatura ideal, tentando fazer que as necessidades energéticas sejam supridas e que o corpo possa funcionar da melhor maneira possível. Contudo, basta pensarmos nos fatores externos para sabermos que os organismos buscam a manutenção das condições internas em limites toleráveis, e que o corpo dificilmente teria um meio perfeito ou sem oscilações. Diante de uma adversidade, o corpo tenta gerar respostas específicas, embora nem sempre consiga – e neste caso teremos um organismo doente ou debilitado. Essa manutenção das condições fisiológicas ideais é chamada de homeostase. Quando a temperatura externa está elevada, o corpo se aquece, acumulando calor em seus tecidos, e as células sensoriais indicam esse fato para os centros de controle no sistema nervoso. Então, respostas específicas são emitidas, por exemplo: a produção de suor para que o corpo perca calor; ou mesmo a sonolência, evitando o aumento dos gastos energéticose promovendo a preservação do corpo. Podemos classificar as respostas fisiológicas dos organismos reguladores de acordo com a velocidade em que estas acontecem e a ocorrência ou não da sua fixação no DNA. 8 A aclimatização é uma mudança fisiológica, bioquímica ou anatômica resultante de exposições crônicas a condições ambientais novas que ocorrem naturalmente em seu hábitat. Um peixe migratório pode viver a maior parte de sua vida na água marinha e em seu período reprodutivo dirigir-se para a água doce. Obviamente, esse peixe tolera a variação, mas sofrerá incialmente com as alterações. Ao chegar à água doce, vai precisar se aclimatizar, isto é, responder rapidamente às variações de sais na água. Já a aclimatação é um processo semelhante à aclimatização, entretanto não ocorre de maneira natural, e sim gera mudanças a partir da indução experimental. Pesquisas sobre fisiologia do exercício submetem cobaias a câmaras com diferentes valores de pressão atmosférica para compreender como será o desempenho do sistema respiratório de um atleta em provas realizadas em locais de altitudes elevadas. A princípio, a maioria dos indivíduos sofre, ficando ofegante e cansada; porém, com o passar do tempo, volta a respirar normalmente. Podemos dizer que a mudança foi rápida o suficiente para que esses profissionais sobrevivessem sem grandes danos físicos. Entretanto, não foi um processo natural, mas sim para fins de pesquisa experimental, e, após as pressões testadas, as cobaias estariam aclimatizadas. Diversos estudos comprovaram que a vida na Terra iniciou-se em ambiente aquático e a conquista do ambiente terrestre foi gradual, o que aconteceu de maneira simultânea com alguns grupos de animais. Tomemos como exemplo os artrópodes, que hoje são dominantes na superfície terrestre: para sair da água, precisavam se locomover sobre um substrato diferente, enfrentando pressões e temperaturas complexas. Nosso artrópode ancestral precisava ser capaz de se alimentar e, principalmente, respirar na superfície. Para nutrir-se, o indivíduo poderia retornar à água, mas as trocas gasosas são fundamentais, o que limitaria imensamente o tempo fora da água. Os primeiros artrópodes terrestres possivelmente realizaram trocas pela superfície corporal. Aleatoriamente, um indivíduo com brânquias mais rígidas conseguiu fazer trocas com o ar, o que aumentaria sua chance de reprodução, e seus descendentes acabaram herdando tal característica. Dizer que o organismo apresenta uma adaptação, como os artrópodes terrestres atuais, significa que ocorreram alteração de maneira fixa no DNA que permitem respostas fisiológicas contínuas ao longo de gerações. As adaptações são extremamente lentas e necessitam de muitos ciclos para que se concretizem como novas em um grupo, passando por muitas gerações. Com esses conceitos, discutiremos neste livro-texto como funcionam os principais sistemas corporais de diferentes animais. Iniciamos nosso estudo pelo sistema nervoso, que está intimamente ligado a qualquer outro sistema corporal. 9 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA Unidade I 1 SISTEMAS NERVOSOS Para iniciarmos nossos estudos sobre os sistemas nervosos de diferentes animais, é vital relembrarmos os componentes básicos de um sistema nervoso qualquer. Apresentar um sistema nervoso não é característica determinante para um animal, uma vez que os poríferos ou esponjas-do-mar, embora sejam animais, não possuem sistema nervoso. Entretanto, se um espécime tem sistema nervoso, certamente estamos falando de um animal. Desde os cnidários, os primeiros a apresentarem sistema nervoso, o funcionamento desse sistema é dependente de células específicas, os neurônios. Neurônios são células excitáveis que utilizam combinações químicas e/ou elétricas para transmitir estímulos ou respostas entre os diferentes componentes do sistema. De uma maneira geral, são compostos por uma porção principal chamada de corpo celular, a qual abriga a maioria das organelas e o núcleo celular. Na extremidade mais próxima ao corpo celular, ramificam-se projeções receptoras, os dendritos; na outra extremidade, uma longa projeção estende o corpo celular em um axônio, uma região de transmissão que termina em ramificações que fazem contato com os dendritos do próximo neurônio. Neurotransmissor receptor Dendritos Sinapse Axônio Bainha de mielina Núcleo Nucléolo Membrana celular Sinapses Figura 1 – Estrutura básica de um neurônio Acervo UNIP/Objetivo. 10 Unidade I As informações são recebidas nos dendritos e convertidas em alterações no potencial de membrana do neurônio. Desse modo, a alteração nesse potencial inicia um potencial de ação, o qual é conduzido aos axônios terminais e, a partir destes, ocorre a transmissão de um neurotransmissor até a célula-alvo. Portanto, os neurônios são divididos em quatro regiões em relação ao sinal propagado: recepção, integração, condução e transmissão. Os diferentes neurônios da imagem a seguir estão divididos de acordo com suas regiões: Neurônio motor Integração do sinal Condução do sinal Transmissão do sinal Recepção do sinal Neurônio sensorial Célula de Purkinje Figura 2 – Três diferentes tipos de neurônio e suas divisões de acordo com o sinal nervoso Fonte: Moyes e Schulte (2010, p. 144). Para compreender o funcionamento dos neurônios, é essencial observarmos algumas características. Como o potencial de membrana, os axônios dos neurônios apresentam cargas iônicas em sua área externa, e essas cargas podem ser alteradas, mediando a passagem de um sinal e o envio da informação. Essa disponibilidade de cargas é o potencial de membrana, que é despolarizado na passagem do estímulo e repolarizado após este. Dessa forma, ocorre a transmissão de cargas que resultam em comunicação entre os neurônios. Para que as cargas sejam alteradas, canais nas membranas são mediados, regulando a quantidade de importantes elementos como o cálcio. Na figura a seguir, notamos o esquema da transmissão de um impulso nervoso. As cargas dispostas na membrana dos neurônios, conforme o impulso, fazem que ela se desloque ao longo dos axônios, e é possível ver a despolarização e a repolarização. 11 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA As cargas se alteram ao longo da membrana e tornam o neurônio permeável ao impulso, abrindo os canais de sódio e potássio. Figura 3 – Condução do impulso nervoso ao longo do neurônio Acervo UNIP/Objetivo. Os mamíferos apresentam 11 isoformas de canais que modulam a despolarização e a repolarização das membranas, proporcionando a estas a capacidade de regular a intensidade da propagação do sinal. Já em Drosophilas e lulas, há apenas duas isoformas, e os invertebrados dependem de outros mecanismos para regulação das transmissões nervosas. 12 Unidade I Não são apenas os canais que variam entre os animais. Em geral, os invertebrados apresentam dois tipos básicos de neurônios: o motor e o sensorial. O primeiro costuma estar envolvido na entrega dos estímulos aos órgãos efetores como a musculatura responsável por um movimento. Já os neurônios sensoriais fazem comunicação entre outros neurônios sensoriais e captam muitos dos estímulos externos. Os vertebrados podem exibir outros tipos de neurônios, como as células de Purkinje, as quais apresentam muitos dendritos e terminações reduzidas em seus axônios. Essas células são encontradas apenas no cerebelo e são responsáveis pelo controle do tônus muscular (figura 2). Em vertebrados, os neurônios podem contar com células acessórias, as células de Schwann. Estas se envolvem de forma espiral ao redor do axônio, promovendo dobras múltiplas de suas membranas. Essas células protegem o neurônio como se este fosse coberto por um fio de energia elétrica encapado, não havendo a despolarização e a repolarização do axônio nessa região. Essa proteção não recobre o neurônio inteiro, entre cada célula de Schwann existe uma parte de exposição, que são os nódulos de Ranvier. Um axônio que é recoberto pelas células de Schwannreúne uma sequência dessas células, e cada uma compõe um internó, que então é envolvido pelos nódulos de Ranvier. Essa estrutura que descrevemos forma a chamada bainha de mielina. A imagem a seguir apresenta um neurônio mielinizado: Substância de Nissl Dendritos Corpo celular Axônio Neurilema Bainha de mielina Neurofibrilas Nódulo de Ranvier Núcleo Telodendro Núcleo da célula de Schwann Figura 4 – Neurônio protegido por bainhas de mielina, presente somente em vertebrados Acervo UNIP/Objetivo. 13 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA As bainhas de mielina são responsáveis pelos impulsos saltatórios, e o potencial de ação ocorre nos nódulos de Ranvier. Assim, a transmissão da informação, chamada de sinapse, funciona com maior velocidade. Nas regiões de exposição, existem proteínas ligadas à condução da velocidade, promovendo o salto entre um nódulo e o próximo. Os neurônios contam com outras células acessórias, as células da glia, que darão apoio à operação ou nas estruturas dos neurônios. Como exemplo, temos os oligodendrócitos, que são responsáveis pela mielinização dos neurônios do encéfalo e da medula. Outra célula da glia extremamente importante é o astrócito, que dá suporte e nutrição aos neurônios. Os invertebrados não apresentam as bainhas de mielina. Em alguns grupos, existem neurônios cujos axônios são envolvidos por múltiplas camadas de membrana celular. São as células protetoras de axônios que cumprem esse papel, que é semelhante à função das células de Schwann. Entretanto, não estão presentes nos invertebrados as proteínas ligadas à velocidade, e o empilhamento é normalmente mais denso com membranas mais afastadas. A velocidade da condução é fundamental para que o animal possa responder aos estímulos ambientais a tempo de fugir ou interagir, conforme for necessário. Uma forma de acelerar as respostas é por meio dos axônios gigantes, neurônios que apresentam seus axônios com diâmetro e comprimento maiores. Muitos destes são tão grandes que podem ser vistos a olho nu, o que seria impossível com outros tipos de neurônios. Os axônios gigantes são encontrados em vertebrados e invertebrados, e acredita-se que estes tenham evoluído de maneira independente. Um dos neurônios com axônio gigante mais estudados é o encontrado em lulas, que foram o organismo-modelo para relevantes descobertas. Em 1939, Hodgkin e Huxley, dois importantes cientistas, faziam testes para comprovar sua teoria de que os neurônios eram condutores de impulsos elétricos. Esses pesquisadores tinham em seu laboratório equipamentos com eletrodos grandes que não funcionavam para comprovar a transmissão nos neurônios comuns de vertebrados. Assim, eles decidiram utilizar as lulas inserindo os eletrodos e então conseguiram atingir seus objetivos. Tal pesquisa rendeu a eles o Prêmio Nobel de Medicina em 1963. Esses neurônios de axônio gigante são os responsáveis pelas contrações musculares ao redor da cavidade do manto. Eles são mais distantes do gânglio cerebral em relação aos demais de axônios curtos, portanto os primeiros geram contrações simultâneas e são fundamentais para a natação. Quando a cavidade do manto está repleta de água, o gânglio cerebral envia sinais para os gânglios estelares, os quais emitem sinais ao longo dos diferentes axônios presentes no manto. Os impulsos nervosos chegam ao músculo em diferentes pontos. Assim, os neurônios gigantes conduzem a informação mais rápido. Contudo, por estarem mais distantes, ocorre uma contração sincronizada de todo o músculo da cavidade do manto, forçando a água para fora do sifão e possibilitando o deslocamento por propulsão em jato. 14 Unidade I Quando comparados, tanto em vertebrados como em invertebrados, os neurônios de axônio gigante são sempre mais rápidos do que os curtos. Sifão Manto Gânglio estelar Axônios no manto Fluxo da água Figura 5 – Neurônio gigante em uma lula: estrutura importante para aumentar a velocidade de condução na informação Fonte: Moyes e Schulte (2010, p. 177). Para a maioria dos animais, exceto os cnidários, os sistemas nervosos se dividem em central (SNC) e periférico (SNP). O SNP é a via inicial. Os receptores sensoriais captam os estímulos, e os neurônios aferentes levam tais informações para os centros de integração, e estes compõem o SNC. Como exemplo, citamos o encéfalo e os gânglios: após o processamento, são emitidas respostas, e estas são levadas por neurônios eferentes. Estudaremos a seguir as principais diferenças e novidades fisiológicas entre os sistemas nervosos de invertebrados e vertebrados. 15 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA 1.1 Cnidários Os cnidários são os primeiros animais a exibirem sistema nervoso, ainda que muito primitivo e simplificado, compondo um sistema nervoso difuso. Por meio dos impulsos, as informações nervosas são transmitidas em ambos os lados do neurônio, gerando impulsos nervosos multidirecionais. Esses neurônios são denominados multipolares, e suas extremidades liberam neurotransmissores tanto nos dendritos quanto nas terminações do axônio. Os neurônios ficam interconectados por meio de junções que permitem a comunicação celular, compondo uma rede nervosa. Sem o direcionamento, constituem o sistema nervoso difuso. Veja na imagem a seguir como está estruturado o sistema nervoso de um cnidário: Célula muscular Célula sensorial Sistema nervoso difuso Arco-reflexo simples Célula nervosa Figura 6 – Sistema nervoso difuso dos cnidários Acervo UNIP/Objetivo. Não há divisão entre central e periférico, tampouco um número de neurônios unidos ao ponto de se considerar uma cabeça. Contudo, os neurônios podem formar anéis nervosos, pequenos agrupamentos que funcionam como órgãos, sobretudo sensoriais. Em águas-vivas, mesmo com o sistema difuso, normalmente as células se dividem em dois sistemas: um é de rápida condução e coordena movimentos natatórios, e o segundo, de condução lenta, atua nos movimentos dos tentáculos. 16 Unidade I Na água-viva, podemos ver a formação de um anel nervoso, estrutura que concentra neurônios, mas que ainda não confere um sistema nervoso central. Canal radial Manúbrio Vela Tentáculo Anel nervoso interno Anel nervoso externo Estômago Figura 7 – Estrutura nervosa de uma água-viva Fonte: Ruppert e Barnes (1996, p. 121). 1.2 Platelmintos Os platelmintos são os primeiros a apresentar cefalização, isto é, o sistema nervoso tem grande concentração de células nervosas na região anterior, a cabeça. Nesse grupo já é possível a distinção entre sistemas central e periférico. Os platelmintos mais simples possuem seu sistema nervoso organizado em um plexo subepidérmico, uma rede bastante ramificada muito similar à organização dos cnidários. Entretanto, o principal arranjo encontrado entre a maioria das espécies de platelmintos é um sistema nervoso chamado de sistema em escada, com um a cinco pares de cordões nervosos longitudinais, os quais podem ser ligados a conjuntos de nervos ventrais (comissuras), remetendo á ideia de uma escada; 17 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA então, os longitudinais percorrem o comprimento do corpo e os centrais o atravessam. Os cordões longitudinais partem da região cefálica, mais precisamente do gânglio cerebroide, uma massa bilobada de neurônios (figura 8). A figura a seguir (à esquerda) destaca um animal com plexo subepidérmico. À direita, temos a estrutura nervosa em forma de escada. Na estrutura nervosa de uma água-viva podemos ver a formação de um anel nervoso. Cordão nervoso Comissura Figura 8 – Sistema nervoso dos platelmintos Fonte: Ruppert e Barnes (1996, p. 223). 1.3 Moluscos O sistema nervoso dos moluscos é formado por gânglios que compõem o sistema nervoso central, em geral três pares que se ligam a um par de cordões nervosos. Seus órgãos sensoriais são altamente especializados: tanto os mecanorreceptores quanto os quimiorreceptores estão dispostos ao longo do corpo, sobretudo, nos tentáculos. Em lulas e polvos, estão presentesolhos bastante eficientes, além de estatocistos, que dão ao animal a percepção da posição corporal e do equilíbrio. 18 Unidade I Em polvos, é possível observar uma importante novidade evolutiva – a capacidade de aprendizado. Quando estimulados, eles são capazes de responder e repetir comportamentos esperados; tal fato é possível graças à quantidade de neurônios que os polvos apresentam – mais de 160 milhões de células. Na imagem a seguir, é possível comparar a estrutura do sistema nervoso de um molusco não cefalópode e a de um cefalópode. Note que ambos possuem os gânglios centrais. Gânglios Encéfalo Gânglios Corda nervosa Molusco (lesma) Molusco cefalópode (lula) Figura 9 – Organização básica de dois moluscos Fonte: Moyes e Schulte (2010, p. 311). 1.4 Anelídeos Um sistema central e um periférico compõem o sistema nervoso dos anelídeos. O cérebro é considerado bilobado por representar a união de dois gânglios dorsais, e, em cada um dos segmentos corporais, há um par de gânglios que se comunicam por um nervo transversal. Cada par de gânglios funciona como uma pequena estação de processamento das informações, como um pequeno “cérebro”. Diante de respostas que precisam ser rápidas, como estímulo de toque que requerem fuga, os gânglios medeiam as reações sem a necessidade de chegar até o cérebro para depois a musculatura ser estimulada. 19 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA Tubo digestório Vista lateral Vista ventral Gânglios cerebroides Conectivos perifarígeos Cadeia nervosa ventral Figura 10 – Sistema nervoso dos anelídeos: vistas lateral e ventral Acervo UNIP/Objetivo. Os gânglios segmentares se ramificam em neurônios aferentes (sensoriais) e eferentes (motores) distintos. Essa alteração permanece de maneira evidente nos demais grupos de animais e permite respostas mais precisas e eficientes. Como órgãos sensoriais, os anelídeos contam principalmente com receptores unicelulares, células modificadas capazes de perceber estímulos ambientais. As células quimiorreceptoras podem ser ativadas a distância e perceber odores por contato, funcionando como paladar; as mecanorreceptoras detectam alterações na pressão com o deslocamento do ar, vibrações e movimentos; e as fotorreceptoras são capazes de identificar a intensidade da luz ou mesmo a formação de uma imagem, dependendo de sua complexidade. 1.5 Artrópodes O sistema nervoso dos artrópodes é ganglionar, muito similar ao dos anelídeos. Na cabeça há um gânglio principal, localizado na parte dorsal acima do esôfago, constituindo o cérebro. Logo abaixo, um anel nervoso envolve o tubo digestório. Na sequência, um par de cordões nervosos ventrais e longitudinais apresenta outros gânglios segmentares pares e nervos motores e sensoriais segmentares. 20 Unidade I Na verdade, o cérebro dos artrópodes é a fusão de dois ou três gânglios. Neste caso, dizemos que o indivíduo possui um cérebro bipartido ou tripartido, respectivamente. Cérebros bipartidos iniciam-se na região anterior, chamada de protocérebro, a qual recebe nervos sensoriais e os estímulos ópticos. Nesse caso, a segunda e última porção, conectada aos apêndices, é o tritocérebro, como as quelíceras dos aracnídeos e as mandíbulas e maxilas dos crustáceos e insetos. Os indivíduos de cérebro tripartido apresentam uma porção mediana, o deutocérebro, que recebe as informações das antenas – portanto somente os grupos portadores de antena o terão. Todavia, os crustáceos possuem dois pares de antenas, sendo o primeiro par ligado ao deutocérebro e o segundo ao tritocérebro. Em artrópodes, a presença de corpos pedunculares chama a atenção quando o assunto é sofisticação neuromotora. Por meio desses corpos, o artrópode passa a sofrer mudanças estruturais e funcionais em virtude de experiências vividas conforme a idade. Essas massas de neurônios são alteradas com o passar do tempo. Cérebro Gânglios nervosos Cordões nervosos Figura 11 – Sistema nervoso de um artrópode com seus gânglios nervosos Acervo UNIP/Objetivo. 1.6 Vertebrados Os vertebrados apresentam basicamente um mesmo esquema básico, com um tubo nervoso oco preenchido por células e/ou fluidos. Esse tubo é terminado em um encéfalo, conjunto de órgãos derivados do cérebro. A modificação da cefalização simples em um conjunto de órgãos é chamada de encefalização. Ao observar o sistema nervoso de um vertebrado, além do cérebro, notamos que ele frequentemente possui cerebelo e bulbo, entre outros órgãos dos quais falaremos a seguir. 21 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA A encefalização foi responsável pelo aumento do tamanho da massa cefálica e da capacidade funcional. A partir dos animais encefalizados, é possível observar a memorização, entendida como a capacidade de formar associações entre eventos passados, presentes e futuros. Obviamente, a memorização passa a ser mais bem-observada, exibindo um espectro maior, em mamíferos como elefantes, cães, gatos e humanos. A figura a seguir destaca as modificações que ocorreram no encéfalo de diferentes vertebrados: Lampreia Tubarão Bacalhau Rã Jacaré Cavalo Cérebro Lobo óptico Cerebelo Ganso Bulbo (medula oblongata) Bulbo olfatório Figura 12 – Evolução do encéfalo de diferentes vertebrados Fonte: Hickman Junior, Roberts e Larson (2014, p. 777). Lembrete A cefalização surgiu em ancestrais dos atuais platelmintos e deu aos animais maior capacidade de foco e busca por alimento. 22 Unidade I Ao longo da evolução dos vertebrados, todo o encéfalo apresentou um aumento progressivo, crescendo a relação entre equilíbrio e coordenação motora, ambos aliados à evolução dos órgãos sensoriais. No sistema nervoso de vertebrados adultos, se iniciarmos da região mais anterior em direção à posterior ou caudal, em geral o encéfalo se divide em prosencéfalo (dividido em telencéfalo e diencéfalo), mesencéfalo e rombencéfalo (dividido em metencéfalo e mielencéfalo). No fim destes últimos, está a medula espinhal. Veja na imagem a seguir as divisões do encéfalo dos vertebrados: Anterior (rostral) Prosencéfalo Te le nc éf al o Córtex cerebral Bulbo olfatório Hipotálamo Hipófise Ponte Tálamo Cerebelo Bulbo Di en cé fa lo M es en cé fa lo M et en cé fa lo M el en cé fa lo M ed ul a es pi na l Medula espinal Mesancéfalo Rombencéfalo Medula espinal Vesículas encefálicas primárias Vesículas encefálicas secundárias Sistema nervoso central de adultos (vertebrados em geral) Posterior (caudal) Figura 13 – Divisões do sistema nervoso central dos vertebrados Fonte: Moyes e Schulte (2010, p. 315). 23 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA Quadro 1 – Principais componentes das regiões encefálicas Estrutura e principais componentes Função Prosencéfalo: telencéfalo Encéfalo Processamento da informação Bulbo olfatório e acessório Olfação, detecção de feromônios Prosencéfalo: diencéfalo Tálamo Informações sensoriais Hipotálamo, hipófise Regulação térmica, alimentar, reprodutiva e ciclos circadianos Epitálamo Regulação da fome e sede Mesencéfalo Teto (lobos ópticos) Informações visuais, auditivas e táteis Tegmento Respostas reflexas, visuais, auditivas e táteis Rombencéfalo Bulbo Ritmo respiratório, frequência cardíaca e PA Ponte Centro pneumotáxico, integração de sinais Cerebelo Postura corporal, locomoção, coordenação e integração com proprioceptores As áreas específicas foram se modificando gradativamente nos peixes. A maior parte do encéfalo é constituída de rombencéfalo, com poucas modificações. O mesencéfalo dos peixes ósseos é bastante evidente, e este grupo já apresenta melhor capacidade sensorial, além de melhores informações visuais, auditivas e táteis. Répteis, aves e mamíferos passam por aumento considerável do prosencéfalo, ganhando alta capacidade de processamento das informações. Os mamíferos ainda podem exibir dobras no prosencéfalo, expandindo a superfície e o número de neurônios. Os mamíferos revelam diferenças significativas em relação às áreas funcionais do cérebro. Algunsmamíferos, como os ratos, têm as páreas responsáveis pela percepção sensorial, olfatória e visual desenvolvidas, e são superiores à região de associação. Os primatas têm grande parte de seu cérebro como região de associação, e em humanos esta é ainda mais desenvolvida. Saiba mais O documentário a seguir destaca diferentes experimentos que comprovam a capacidade nervosa de diferentes vertebrados: POR DENTRO da mente dos animais. Direção: Graham Russell. BBC, 2014. 59 min. (episódio II). 24 Unidade I 1.7 Sistemas sensoriais Os diferentes organismos que conhecemos interagem constantemente com o ambiente. As plantas modificam suas estruturas em virtude das alterações climáticas; os protistas e algumas bactérias, ao perceberem condições inóspitas, reduzem seu metabolismo e ficam latentes, mantendo-se imóveis e resistentes até o retorno das condições ideais. Os protistas paramécios mostram que a resposta sensorial pode acontecer, ainda que não haja a presença de células nervosas, o que é feito por meio de alterações em seus canais de cálcio presentes na membrana celular. Assim, eles produzem um comportamento chamado de reação de evitação. Quando o paramécio se depara com um obstáculo, ele tende a retrair seu corpo, no caso, uma única célula, movimentando-se na direção contrária. Já os animais apresentam mecanismos complexos que lhes permitem interagir com os meios externos e internos, monitorando as alterações e comunicando os diferentes sistemas corporais para que estes possam emitir respostas e reagir sempre que possível. A percepção de estímulos é parte do sistema nervoso, entretanto possui órgãos próprios e constitui o sistema sensorial. Para cada tipo de percepção, existe um neurônio específico capaz de ligar-se ao estímulo e transmitir ao sistema nervoso. Como exemplo de estímulo, citamos substâncias químicas, que dão a percepção de cheiro ou gosto, e a pressão mecânica, que promove a percepção de sons ou mesmo o tato. Para ser notado, o estímulo tem como alvo uma proteína específica localizada na membrana do neurônio à qual ele vai se ligar. A percepção de um estímulo envolve quatro etapas distintas. Para descrevê-las, utilizaremos um neurônio quimiorreceptor, isto é, responsável pela percepção de substâncias químicas. Vejamos a sequência: • Recepção: esta é a etapa inicial. As moléculas da substância química em questão se ligam em proteínas de membrana, e essa ligação somente ocorrerá se o indivíduo apresentar tal proteína. O mecanismo depende de especificidade. • Transdução: neste momento, a ligação gerada na etapa anterior promove a liberação de íons, que migram do interior da célula e promovem abertura dos canais iônicos existentes na membrana celular do neurônio. • Transmissão: uma vez alterada a conformação dos canais, há alteração no potencial de membrana, permitindo que ocorra a sinapse e a consequente propagação do estímulo até os centros de integração. • Percepção: os neurotransmissores desencadeados pelas sinapses chegam até os centros de integração, órgãos responsáveis por integrarem o estímulo e dar a este uma resposta. No caso de uma molécula química ser de odor, por exemplo, esta chegará até o bulbo olfatório, e este responderá ao estímulo recebido. 25 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA Estímulo químico Estímulo de pressão Proteína receptora Estímulo luminoso Canal iônico Canal iônico Via de transdução do sinal Sinal para o centro integrador Sinal para o centro integrador Sinal para o centro integrador Alteração no potencial de membrana Alteração no potencial de membrana Alteração no potencial de membrana Via de transdução do sinal Via de transdução do sinal Canal iônico Figura 14 – Etapas da percepção de um estímulo sensorial para diferentes tipos de estímulos Fonte: Moyes e Schulte (2010, p. 250). 1.8 Receptores sensoriais Os receptores são fundamentais. Sem eles, não ocorre a percepção dos estímulos. Há diversos tipos de receptores, e vamos classificá-los de duas formas: de acordo com a localização do estímulo ou com o tipo de estímulo. Conforme a localização do estímulo, os receptores podem ser: • telerreceptores: captam estímulos que incidem a distância, como os receptores encontrados nos olhos e que assimilam a luz do sol; • exteroceptores: recebem estímulos que se encontram na parte externa do corpo, como aqueles que dão a percepção do tato; • interoceptores: reconhecem estímulos gerados internamente, por exemplo, alterações de pH ou da temperatura interna, que pode indicar um estado febril. Há muitos tipos de estímulos; citemos os mais abundantes: • quimiorreceptores: percebem moléculas, reconhecendo efetivamente a estrutura química de um elemento ou composto; • mecanorreceptores: notam alterações na pressão, providas por ondas mecânicas, como pressão atmosférica, movimento, sons, tato e equilíbrio; 26 Unidade I • fotorreceptores: captam ondas luminosas e conferem ao indivíduo a percepção de imagens ou movimento; • termorreceptores: são detectores de calor que indicam ao indivíduo se este se expôs a altas ou baixas temperaturas; • eletrorreceptores: alguns animais que apresentam esses receptores são capazes de detectar cargas elétricas que outros animais naturalmente emitem; • magnetorreceptores: detectam campos magnéticos como aqueles presentes em solos específicos ou regiões diferenciadas do globo. Dentre todos os receptores conhecidos, a maioria é específica, detectando apenas um tipo de estímulo. Entretanto, os chamados receptores polimodais são capazes de captar mais de um estímulo no mesmo neurônio. Devemos ressaltar o seguinte: se o receptor é capaz de detectar mais de um estímulo, isso se deve tão somente pela presença de mais de um tipo de proteína receptora em sua membrana. Entre os exemplos de receptores polimodais podemos citar os nociceptores – os receptores de dor. Diferentes estímulos são capazes de induzir o animal para que este sinta dor, como choques mecânicos em uma queda, calor excessivo ou mesmo luz em elevadas intensidades. Outro exemplo pode ser encontrado em tubarões: as ampolas de Lorenzini, que são órgãos repletos de receptores polimodais, e estes dão ao indivíduo a capacidade de detecção de temperatura, salinidade e pressão da água, além de campos elétricos como os gerados por meio dos batimentos cardíacos de peixes, mesmo que a presa esteja a alguns metros de distância. As ampolas de Lorenzini são receptores polimodais e se comunicam com os neuromastos, células que compõem a linha lateral e, juntos, permitem ao animal perceber a aproximação de outros indivíduos. A imagem a seguir destaca a distribuição das ampolas de Lorenzini e sua relação com a linha lateral: Células neuromastos Abertura para a superfície Cana da linha lateral Linha lateral Ampolas de Lorenzini Figura 15 – Estruturas sensoriais de um tubarão Fonte: Hickman Junior, Roberts e Larson (2014, p. 517). 27 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA 1.8.1 Quimiorreceptores Destacaremos a seguir alguns receptores importantes encontrados em diferentes vertebrados e invertebrados. Começamos pelos quimiorreceptores, que podem ser diferenciados inicialmente por serem estimulados por contato ou a distância. No primeiro caso, tratamos do sentido gustação ou paladar, que permite ao indivíduo reconhecer moléculas que, associadas a memórias, experiências ou mesmo preferências metabólicas, darão a ele a sensação do sabor do alimento. Já o segundo caso gera o sentido da olfação, que é muito mais sensível que o primeiro na maioria dos animais. Como exemplo de tal sensibilidade, em humanos há a diferenciação entre octanol e ácido octanoico, substâncias muito semelhantes em composição. Entretanto, a primeira nos oferta a percepção do odor de rosas ou laranja; o segundo, do odor de suor. A olfação pode ser percebida por diferentes órgãos, com maior ou menor especificidade. Em geral, neurônios encontrados nas cavidades nasais de vertebrados cumprem esse papel,ligando-se às substâncias químicas e enviando tais informações aos centros de integração. Em invertebrados, a percepção obviamente depende de neurônios quimiorreceptores, mas estes geralmente estão situados sob depressões ou cavidades corporais nas proximidades de seus exoesqueletos ou sua epiderme. Nervo olfativo Bulbo olfativo Corpo celular do receptor olfativo Figura 16 – Receptores olfativos do nariz Acervo UNIP/Objetivo. 28 Unidade I Quando se trata de um órgão olfatório específico, podemos citar aqueles responsáveis por captar principalmente ferômonios, tais como de agregação, sexuais ou de alerta, e este recebe o nome de órgão vomeronasal. Para a maioria, são órgãos acessórios que complementam os principais. Em mamíferos, são encontrados órgãos vomeronasais pareados lateralmente na cavidade nasal. Já em répteis, estão localizados na região superior da cavidade oral (palato superior) e também são conhecidos como órgãos de Jacobson. Devido à localidade deste último órgão, as serpentes, por exemplo, necessitam do auxílio de sua língua, a qual capta as moléculas de odor e as transportam até o órgão de Jacobson, que está dentro da boca. Epitélio olfatório Cavidade nasal Cavidade nasal Língua A) B) Bulbo olfatório acessório Bulbo olfatório principal Duto nasopalatino Órgão vomeronasal Órgão vomeronasal Figura 17 – Órgãos vomeronasais, responsáveis pela percepção de cheiro: A) órgão vomeronasal de mamíferos; B) órgão vomeronasal (de Jacobson) de répteis Fonte: Moyes e Schulte (2010, p. 260). Em invertebrados, os órgãos olfativos estão quase sempre na região da cabeça, onde também se concentram os demais receptores. Em artrópodes, esta percepção foi cuidadosamente estudada. Ela ocorre por meio de sensilas, cerdas ocas formadas por cutícula acelular, e, dentro desta, preenchendo seu interior, estão os neurônios sensoriais. Cada sensila apresenta um poro em sua extremidade anterior para que haja o contato com o meio externo. Alguns artrópodes dependem quase exclusivamente desse sentido para se comunicar como as formigas, que se relacionam por meio de feromônios, notificando comida ou perigo, sem que estas necessitem retornar aos seus ninhos. Há ainda as moscas necrófagas, que percebem a longas distâncias o odor de corpos em estado de degradação, que, além de alimentá-las, poderão ser essenciais para sua oviposição. Na gustação, são encontrados receptores para cinco diferentes percepções. O sabor salgado e o doce são entendidos pelo cérebro como benéficos ao corpo, embora nem sempre vitais; já os sabores amargo e ácido são geralmente associados a substâncias tóxicas, venenos ou alimentos maléficos. A percepção de umami (origem japonesa que une duas palavras: delicioso e essencial) dá ao animal a sensação de um alimento com necessidades nutricionais essenciais, como o sabor da carne aos predadores, que não são nem salgada, nam doces, e sim umami. 29 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA Nos vertebrados terrestres, a gustação ocorre por meio de agrupamentos que reúnem entre 50 e 100 células, chamados de botões gustatórios. Podem ser encontrados na língua, no palato mole, na laringe e no esôfago. Os botões se localizam entre as células da epiderme e são formados por células de sustentação intercaladas entre células receptoras gustatórias, que, por sua vez, conectam-se com neurônios aferentes, que então levarão a informação ao centro de integração. Na extremidade em contato com o alimento, as células receptoras gustatórias têm sua membrana repleta de microvilosidades, resultando em aumento de superfície de contato e melhor captação de moléculas. O número e a distribuição de tais botões são altamente variados, e isso ocorre por conta do grupo que se está observando. As imagens a seguir ilustram tais botões: A) B) C) Papila filiforme Papila circular Botão gustativo Nervo sensorial Receptor Figura 18 – Botões gustativos, estruturas formadas por células nervosas para percepção de substâncias químicas por meio do contato Acervo UNIP/Objetivo. Já vertebrados aquáticos contam na maioria das vezes com a percepção do sabor antes que o alimento adentre a boca. Células quimiorreceptoras por contato estão presentes em estruturas como os barbilhões dos bagres (figura 19) ou nas nadadeiras do peixe-leão. Essa capacidade permite ao animal explorar o sabor antes mesmo de ingerir o alimento, minimizando riscos como intoxicações. Nos invertebrados, a percepção de gosto é frequentemente associada a quimiorreceptores isolados encontrados na epiderme que reveste a região da cabeça ou ainda nos apêndices e noutras estruturas móveis. 30 Unidade I Figura 19 – Barbilhões de um bagre (estruturas portadoras de células quimiorreceptoras) Acervo UNIP/Objetivo. 1.8.2 Mecanorreceptores Explorar o ambiente é uma tarefa que demanda grande parte da vida do animal. A percepção do gosto exige um contato direto, e os odores estão geralmente limitados a curtas distâncias. Assim, os animais reúnem seus sentidos e passam a buscar o maior número de estímulos possível para suas tarefas diárias, como a busca pelo alimento ou a reprodução. A mecanorrecepção está presente na maioria dos organismos e representa papéis diversos: desde a regulação do volume celular, por meio da percepção da pressão exercida pelo citoplasma nas membranas celulares, até mesmo o mecanismo mais popular – que permite ao indivíduo tocar e reconhecer pelo tato. A mecanorrecepção está envolvida ainda na regulação da posição corporal e de equilíbrio, da pressão arterial e da audição. 1.8.3 Receptores táteis Nos vertebrados, os receptores táteis encontram-se espalhados pela pele por meio de células isoladas ou que se ramificam e constituem terminações nervosas. Entre os principais receptores táteis, existem percepções diferenciadas. Vejamos a seguir: • Discos de Merkel: trata-se de terminações nervosas livres que são estimuladas quando pressionadas, por exemplo, quando estamos tateando manualmente uma superfície. • Plexo do folículo piloso: teminações nervosas que envolvem a base do folículo produtor dos pelos ou cabelos. Ao arrancarmos um pelo, se este for retirado desde a base, provocará alterações no plexo e haverá consequente percepção de dor. Entretanto, se apenas cortarmos o pelo, não ocorrerá o contato com tais neurônios, por ser constituído de matéria acelular, não havendo dor. 31 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA • Corpúsculos de Pacini: são estruturas que permanecem estimuladas do início ao fim do impulso, estando envolvidas em percepções que não são ignoradas até que cessem, como as vibrações do meio. • Corpúsculos de Ruffini: são mecanorreceptores que estão envolvidos na percepção corporal e na capacidade de consciência da forma, posição ou espaço corporal, e estão associados a estímulos independentes da visão. Exemplo: quando conseguimos desligar um despertador sem vê-lo, apenas tateando e coordenando a distância entre o corpo e o objeto. A imagem a seguir destaca alguns dos receptores táteis presentes na epiderme: Corpúsculo de Meissner Epiderme Derme Corpúsculo de Ruffini Terminação nervosa livre Corpúsculo de Paccini Figura 20 – Mecanorreceptores táteis na epiderme dos mamíferos Acervo UNIP/Objetivo. 1.8.4 Equilíbrio e audição Os mecanorreceptores não são apenas táteis, mas sim responsáveis pela percepção de equilíbrio e posição corporal. Na maioria dos vertebrados, a audição é aliada ao equilíbrio. No caso dos mamíferos, células ciliadas presentes no labirinto do ouvido detectam alterações na posição do líquido que o preenche. Essa percepção é mediada por neurônios. À medida que o animal se move, ele também movimenta o líquido, e as células informam ao sistema nervoso central tais variações. Nos invertebrados, a percepção do corpo em relação à gravidade independe da audição. O principal órgão receptor de equilíbrio dos invertebrados é o estatocisto, que pode ter formas diferenciadas e em geral são cavidades ocas preenchidas porlíquidos como a água e forradas por neurônios mecanorreceptores em seu interior. Movimentando-se nesse líquido, estão fragmentos de rocha obtidas durante os processos de crescimento, e essas partículas são os estatólitos. Há diferenciação entre as células sensoriais que revestem o estatocisto. São elas: máculas – percepção de movimentos retos – e cristas – detecção de movimento angular. 32 Unidade I A audição dos invertebrados desenvolveu-se fortemente apenas em artrópodes, que possuem estruturas específicas para tal finalidade. Os órgãos timpânicos estão presentes em cavidades ou apêndices, sobretudo nas pernas; nesses locais, uma membrana tensionada vibra mediante a passagem da onda sonora. Na face interna da membrana, estão os neurônios mecanorreceptores, que medeiam o processo enviando o estímulo aos gânglios nervosos. Há ainda os órgãos cordotonais, que funcionam de maneira semelhante, mas as estruturas tensionadas estão abrigadas em cavidades ocas que intensificam a vibração do som. Quanto aos vertebrados, apresentaremos a audição dos mamíferos e a das aves. A percepção do som é dividida por três conjuntos de órgãos, descritos na imagem a seguir: Orelha interna Orelha externa Canal auditivo Estribo Bigorna Martelo Orelha média Janela oval Janela redonda Nervo cócleo-vestibular CócleaTímpano Figura 21 – Estruturas do sistema auditivo de um mamífero Acervo UNIP/Objetivo. Orelha externa: nesta região dá-se início à captação do som. A orelha externa é formada pelo pavilhão auditivo ou auricular e pelo canal auditivo, e ambos atuam na proteção ao ouvido médio e ao tímpano. A forma da orelha cria uma área de amplificação que intensifica o som. Orelha média: esta é também parte do processo de ampliação das ondas sonoras. Grande parte da orelha média é uma cavidade repleta de ar. O tímpano vibra mediante a onda sonora e coloca os ossos martelo, bigorna e estribo em movimento com a mesma frequência da onda, intensificando a força da vibração. 33 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA Anfíbios, répteis e aves possuem apenas um ossículo chamado de estribo ou columela. Tal modificação representa uma transição e um registro da evolução dos vertebrados, e os ossículos são originados de ossos da mandíbula. Orelha interna: constituída de cóclea, canais semicirculares e nervo auditivo. Na cóclea ocorre a conversão do som em pulsos elétricos, etapa fundamental para que os estímulos possam chegar até o sistema nervoso. 1.9 Fotorrecepção A percepção da luz é geralmente mediada por neurônios simples que apresentam células específicas: os cones e os bastonetes. Os cones são células fotossensíveis capazes de distinguir cores. Há diferentes tipos de cones, cada um responsável pela percepção de uma cor primária. Já os bastonetes são células com menor poder de acuidade visual, porém bem mais sensíveis à percepção de luz. Em períodos noturnos ou de baixa luminosidade, o animal dependerá principalmente de seus bastonetes. A figura a seguir destaca cones e bastonetes, células fotorreceptoras de um mamífero: Bastonete Conjunto de membranas pigmentadas Cone Figura 22 – Microscopia eletrônica e uma representação de suas formas Acervo UNIP/Objetivo. São encontrados três tipos de estruturas ópticas nos animais: • Ocelos: aglomerado de células que detectam intensidade de luz sem a formação de imagens ou detecção de movimento, apenas claro e escuro. Essa estrutura surge de maneira eficiente e concreta em platelmintos e é claramente visível em planárias de água doce. 34 Unidade I • Olhos simples: são órgãos estruturados por uma única lente externa e são capazes de perceber imagens ou movimentos, e, ainda, a intensidade de luz – os humanos são o exemplo mais frequente. Nossa memória é de um olho simples, porém as aranhas chegam a apresentar até oito olhos simples, que geram uma única imagem no cérebro e são estruturalmente menos complexos que os dos vertebrados. Esclerótica Corioide Íris Lente Retina Fóvea Nervo óptico Disco óptico Pupila Córnea Humor aquoso Corpo vítreo Músculos ciliares Figura 23 – Olho simples de um vertebrado Acervo UNIP/Objetivo. • Olhos compostos: são compostos por conjuntos de omatídeos, e cada um dos omatídeos é formado por córnea, cone cristalino e rabdoma. Tais estruturas funcionam como uma unidade de recepção de luz, e a imagem é resultado da soma dos fragmentos captados por cada omatídeo, ampliando a capacidade e o campo visual. Omatídeos Olho composto em corte Figura 24 – Estrutura de um olho composto: a córnea (azul), o cone cristalino (vermelho) e o rabdoma (abaixo) Acervo UNIP/Objetivo. Vimos, portanto, que os animais podem ter diferenças significativas em seus tipos de olhos, e outro fator que pode influenciar nesse sentido é o hábito de vida. Animais diurnos têm maior disponibilidade de luz, o que torna a visão mais fácil; já os noturnos podem contar com estruturas refletoras que potencializem os raios luminosos. 35 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA Certamente você já encontrou um gato à noite e notou que os olhos deles pareciam revestidos por espelhos. O funcionamento é de fato semelhante aos jogos de luzes produzidos pelos espelhos. Além desse mecanismo, podem ocorrer variações na forma das pupilas: as pupilas arredondadas, como as encontradas em humanos e cães, facilitam a entrada rápida de luz, mas não garantem um grande espectro de variação e contração. Entretanto, as pupilas verticais, que podem ser facilmente observadas nos répteis, por exemplo, são reguladas por contrações do olho, permitindo variar a entrada da luminosidade e, principalmente, melhorar a profundidade de campo e o foco. 1.10 Termorrecepção A temperatura é um estímulo importante para que o animal possa procurar um abrigo, deslocar-se em busca de calor ou, no caso dos animais homeotérmicos (capazes de produzir calor), iniciar respostas metabólicas que aqueçam o corpo. Os receptores térmicos são capazes de enviar sinais indicando altas ou baixas temperaturas, além de avisos de dor decorrentes de temperaturas extremas. Receptores espalhados por todo o corpo se comunicam com o hipotálamo, que regula as respostas fisiológicas ou comportamentais que possam alterar a temperatura. Na maior parte dos animais, não existem órgãos específicos para percepção de calor. Em geral, esse estímulo é captado por células isoladas. As serpentes e outros répteis se distinguem por apresentarem os chamados órgãos em forma de fossa localizados entre as narinas e os olhos e formados por uma depressão oca revestida por células termorreceptoras. 2 SISTEMA ENDÓCRINO A comunicação traz aos animais a capacidade de transmitir respostas entre indivíduos ou em um mesmo corpo. Assim, a comunicação pode ser interna ou externa. Como destacamos anteriormente, os sinais podem ser transmitidos de maneira elétrica ou química. O sistema nervoso é o principal responsável pelos controles corporais, mas possui um grande aliado: o sistema endócrino. Este realiza o controle químico de muitas funções corporais. A fisiologia é controlada por muitos hormônios, por exemplo, a testosterona, que regula modificações importantes em machos, ou os hormônios tireoidianos, que regulam o metabolismo dos mamíferos. Não apenas o funcionamento dos órgãos como todo o crescimento corporal é controlado pelo mesmo endócrino. Nos artrópodes, por exemplo, o hormônio ecdisona controla a continuidade do crescimento e a troca de exoesqueletos. Muitas funções corporais são reguladas quimicamente pelo sistema endócrino, como a reprodução, o desenvolvimento e a defesa. Entretanto, os mensageiros químicos são ainda notáveis aliados na comunicação. Basta observarmos quando derrubamos alguma migalha de alimento no chão. Em instantes, você certamente verá uma formiga, que, ao encontrar o fragmento, libera hormônios voláteis que são percebidos por outras formigas, e estas chegam sem que a primeira tenha saído do local. 36 Unidade I O sistema endócrino é usualmenteassociado ao controle de atividades cujas respostas são lentas e de efeito prolongado, diferentemente do sistema nervoso, que, em geral, exerce o controle de atividades com respostas rápidas e de curta duração. Entre as palavras mais lidas nos últimos trechos está hormônios, mas, afinal, o que são eles? Hormônios são substâncias químicas liberadas por órgão ou estrutura delimitados com efeitos específicos sobre estruturas ou funções diferentes. Cada hormônio tem uma célula-alvo, que é portadora de receptores específicos que se ligarão, desencadeando as respostas. Para que o hormônio chegue até sua célula-alvo, ele cai na circulação, a qual o transportará. Em vertebrados, a maior parte dos hormônios possui órgãos secretores que podem ser parte do sistema nervoso ou não, e, no primeiro caso, são chamados de neuro-hormônios. Toda vez que um neurônio produz uma substância e esta cai na corrente sanguínea – até atingir sua célula-alvo e desencadear as respostas –, dizemos que este é um controle neuro-hormonal. Outro termo importante diz respeito a sua capacidade. Se uma célula apresenta o receptor específico para se ligar a um hormônio ou neuro-hormônio, dizemos que ela é responsável, caso contrário, denominamo-la como não responsável. Imagine que um hormônio encarregado do crescimento de pelos precise chegar à epiderme e que até esse local passará por muitas células não responsáveis. Os hormônios da figura a seguir são produzidos por neurônios (em cinza), que são liberados na corrente sanguínea (em vermelho); nesta, ele passará por muitas células, mas somente as responsáveis vão recebê-lo, ou seja, as portadoras de receptores específicos. Neurônio Receptor Sistema circulatório Neuro-hormônio Célula não responsável Célula responsável Figura 25 – Ação dos neuro-hormônios Os hormônios podem ser polipeptídicos, portanto derivados de aminoácidos como a insulina e o paratormônio. Há também os hormônios esteroides, que são sintetizados a partir do colesterol. Como exemplo, podemos citar o cortisol, a progesterona e a testosterona. Por fim, há também os derivados especificamente do aminoácido, tirosina, como os hormônios tireoidianos. Os hormônios podem ter ação direta próximo ao local de produção ou por vias diretas, em que um único hormônio é o responsável pelo início da resposta. Outras vezes a resposta é dependente de 37 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA cascatas hormonais, ocasião em que um hormônio estimula a produção de outro e muitos hormônios podem estar envolvidos em uma resposta final. Entre os órgãos produtores de hormônio, podemos citar: epífase, hipófise, glândulas tireoide e paratireoides, glândula suprarrenal, pâncreas, ovários, testículos etc. Muitos são os hormônios encontrados nos animais, e o quadro a seguir traz alguns exemplos relevantes dos órgãos produtores e a função em mamíferos. A seguir trataremos de alguns hormônios que, embora apresentem a mesma constituição, têm função diferente em outros grupos de animais. Quadro 2 – Características dos hormônios Hormônio Onde é produzido Função Aldosterona Adrenais Osmorregulação e balanço hídrico Hormônio antidiurético (vasopressina) Hipófise Atua na regulação hídrica renal, contribuindo na regulação da pressão arterial Corticosteroide Adrenais Atuação generalizada com ação anti-inflamatória; regulação da concentração sérica de açúcar, da pressão arterial e da força muscular Corticotropina Hipófise Controla a produção e a secreção de hormônios do córtex adrenal Eritropoietina Rins Estimula a produção de eritrócitos Estrogênios Ovários Controla o desenvolvimento e manutenção das características sexuais e reprodutivas femininas Glucagon Pâncreas Aumenta a concentração sérica de açúcar Hormônios do crescimento (GH; GSH) Hipófise Controla o crescimento e o desenvolvimento corporal Insulina Pâncreas Reduz a concentração sérica de açúcar; afeta o metabolismo da glicose, das proteínas e das gorduras em todo o corpo Hormônio luteinizante e hormônio foliculoestimulante (FSH) Hipófise Controlam funções reprodutivas: produção de espermatozoides e sêmen, maturação dos ovócitos e os ciclos menstruais; influências sobre características sexuais como pelos e voz Ocitocina Hipófise Produz contração da musculatura uterina e dos condutos das glândulas mamárias Paratormônio Paratireoides Controla a formação óssea e a excreção de cálcio e fósforo Progesterona Ovários Preparação do útero para a implantação do óvulo fertilizado e das glândulas mamárias para a secreção de leite Prolactina Hipófise Inicia e mantém a produção de leite das glândulas mamárias Renina e angiotensina Rins Controlam a pressão arterial Hormônios tireoidianos – Tri-iodotironina (T3) e Tiroxina (T4) Tireoide Regulam o crescimento, a maturação e a velocidade do metabolismo Hormônio estimulante da tireoide (TSH) Hipófise Estimula a produção e a secreção de hormônios pela tireoide 2.1 Prolactina A prolactina ou PHL é um hormônio peptídico produzido pela adeno-hipófise ou hipófise anterior. Recebeu esse nome pelo fato de seus efeitos terem sido estudados primeiro em mamíferos. Nestes, o hormônio atua nas glândulas mamárias controlando a liberação e a produção do leite. Nos mamíferos, a prolactina exerce ainda influência sobre o comportamento materno. 38 Unidade I A prolactina associada a hormônios esteroides altera o metabolismo do encéfalo e afeta o comportamento da fêmea. Esse processo é ininterrupto, iniciando-se na gravidez e prosseguindo durante a lactação. Mesmo em fêmeas virgens, constatou-se que o contato com filhotes recém-nascidos pode gerar a produção de prolactina, fazendo que elas criem afeto e adotem o filhote. Curiosamente, nas espécies em que o cuidado é paternal, os machos apresentam níveis elevados de prolactina em relação aos filhotes machos recém-nascidos. Os mecanismos de regulação da prolactina em machos ainda são desconhecidos, mas foi constatado que em espécies cujos machos participam auxiliando no parto da fêmea os níveis posteriores permanecem elevados. Atualmente, sabe-se que esse hormônio exerce diferentes funções e está presente em praticamente todos os vertebrados, exceto nos peixes ágnatos. Em algumas aves, como pombos e pinguins, a prolactina estimula o papo, órgão do sistema digestório, que então libera uma secreção que é regurgitada e serve de alimento aos filhotes conhecida como leite de pombo. Já em peixes ósseos, a prolactina afeta a permeabilidade das brânquias, controlando a osmorregulação e a consequente eliminação de íons. Nos anfíbios, inibe os processos de metamorfose do girino ao adulto. 2.2 Hormônios tireoidianos e a metamorfose de anfíbios Os hormônios tireoidianos são dois, tiroxina e tri-iodotironina, conhecidos popularmente por T4 e T3, respectivamente. Ambos são intimamente ligados, atuando muitas vezes juntos. Para a formação desses hormônios, é necessária a produção do hormônio tireoestimulante na hipófise, o qual atua na glândula tireoidiana – que vai produzir tais hormônios. Epiglote Cartilagem tireóidea Glândula tireóidea Glândula paratireóideas superiores Glândula paratireóideas inferiores Traqueia Figura 26 – Glândula tireoidiana e paratireoides Acervo UNIP/Objetivo. Na maior parte dos vertebrados, principalmente em mamíferos, T3 e T4 regulam o metabolismo oxidativo. Altas concentrações aceleram o metabolismo e concentrações reduzidas tornam-no lento. Em anfíbios T3 e T4, junto com o hormônio prolactina, regulam a metamorfose. Os hormônios tireoidianos induzem os processos metamórficos, e a prolactina é responsável pela inibição do mesmo processo. 39 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA A inibição é fundamental, pois, se o processo se iniciar antes do acúmulo de energia corporal nos girinos, poderá fracassar. + Estímulo Hipófise Tireoide Hormônio estimulante da tireoide Hormônio tiroxina Prolactina - Inibição Figura 27 – Vias de estímulo e inibição da metamorfose de anfíbios Acervo UNIP/Objetivo. Os ovos e os juvenissão aquáticos, e o adulto é terrestre. Para essa transição de ambientes, os indivíduos necessitam de modificações drásticas, que lhes permitam resistir à própria falta de água ou à disponibilidade de oxigênio. Os óvulos e espermatozoides dos anfíbios são depositados na água, e a fecundação é externa. Então, os ovos dão origem aos girinos. Ao nascerem, os girinos exibem adaptações para a vida aquática: a boca filtra a água e retira partículas em suspensão; o sistema digestório porta um intestino longo, característico de vertebrados herbívoros, permitindo maior superfície de contato e absorção lenta; sua respiração é branquial; e a locomoção natatória executa-se com o auxílio de uma longa cauda. Sapo adulto Girino-sapo Ovos Embrião Girino Início da respiração pulmonar Surgem as patas dianteiras Figura 28 – Fases de vida e ciclo dos sapos Acervo UNIP/Objetivo. 40 Unidade I Os adultos têm bocas largas adaptadas à predação, com pernas desenvolvidas para salto e locomoção por caminhamento. O trato digestório é curto, próprio dos carnívoros, e a respiração é pulmonar ou cutânea. A metamorfose se divide em quatro etapas de acordo com a regulação dos hormônios tireoidianos: 1) Pré-metamorfose: os níveis de prolactina são altos, enquanto as larvas estão adquirindo sensibilidade do hipotálamo (sistema nervoso central) ao hormônio tireoidiano (T3/T4); nesta etapa, a larva ou girino leva uma vida normal, alimentando-se e acumulando energia para a metamorfose. 2) Pró-metamorfose: o hipotálamo já apresenta sensibilidade ao T3 e ao T4, resultando na maturação do controle da prolactina. Em consequência, os níveis circulantes de prolactina caem rapidamente, e eleva-se o nível de hormônio estimulador da tireoide (TSH). 3) Clímax da metamorfose: os hormônios tireoidianos T3/T4 encontram-se bastante elevados. Atuam nas estruturas, que necessitam de modificações ou estimulação de outras glândulas, afetando o crescimento. 4) Pós-metamorfose: nesta etapa o corpo estabelece o controle hormonal, elevando novamente os níveis de prolactina e regulando o eixo hipotálamo-hipófise-tireoide. 2.3 Endocrinologia do crescimento e metamorfose de insetos A metamorfose dos insetos é um dos fatores de maior impacto sobre o sucesso desse grupo. As mudanças pós-embrionárias geradas por ela permitem ao animal alterações corporais e comportamentais. A metamorfose deu asas aos insetos, fazendo que pudessem transpor barreiras geográficas, com melhorias na busca por parceiros reprodutivos. Em mais de 1 milhão de espécies, a fração analisada é muito pequena, e os hormônios e seus efeitos são conhecidos para poucos artrópodes. Entretanto, os indivíduos pesquisados exibem semelhanças surpreendentes. Os insetos apresentam secreção de hormônios por tecidos glandulares específicos ou por tecido nervoso. O primeiro tem dois conjuntos principais: as glândulas pró-torácicas, produtoras de hormônios esteroides, e os corpos alados. 41 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA Corpora cardíaca Corpora cardíaca Muda ecdisona Hormônio ecdisiotrópico Pares intercerebrais Corpora allata Corpora cardíaca Células neurossecretoras mediais Células neurossecretoras laterais Gânglio frontal Gânglio ventricular Gânglio ecdisal Figura 29 – Estruturas glandulares reguladoras do crescimento dos insetos Acervo UNIP/Objetivo. Os indivíduos hemimetábolos que exibem mudanças graduais ao longo de suas ecdises apresentam um amadurecimento mais rápido de suas glândulas secretoras; já os holometábolos sofrem as modificações apenas na última etapa larval, e só nesse momento manifestam o amadurecimento do sistema endócrino. São dois os principais hormônios envolvidos na metamorfose e o crescimento dos insetos: o hormônio juvenil e a ecdisona. Para cada etapa de crescimento do inseto, são necessárias a troca do exoesqueleto e as modificações corporais, bem como o desenvolvimento dos tecidos e a formação da nova cutícula. Quando o animal apresenta níveis de hormônio juvenil altos, a ecdisona desencadeia a mudança de um estágio larval para o estágio seguinte – também larval. Se o nível do hormônio juvenil estiver baixo em insetos holometábolos, a ecdisona induzirá a formação da pupa – o estágio de transformação. No momento em que o hormônio juvenil cessa sua produção, a ecdise resulturá em um indivíduo adulto. O encéfalo dos insetos produz um neuro-hormônio chamado de protoracicotrópico (PTTH), que estimula a glândula protorácica a secretar a ecdisona. A ecdisona é um pró-hormônio convertido pelas enzimas periféricas em um hormônio ativo, a 20-hidroxiecdisona ou ecdiesterona, a qual se liga em receptores intracelulares responsáveis pela regulação gênica, induzindo as modificações corporais. A ecdiesterona tem semelhante estrutura aos esteroides encontrados nos vertebrados, e alguns estudos têm demonstrado efeitos anabólicos, resultando em aumento de massa muscular em vertebrados. 42 Unidade I 3 SISTEMAS CIRCULATÓRIOS Os animais dependem de diferentes mecanismos corporais para transportar substâncias em seus corpos. Em geral, remetemos essa função ao sangue, mas veremos que muitos animais não apresentam esse fluido da maneira como conhecemos nos mamíferos. Os sistemas circulatórios têm múltiplas funções: transporte de nutrientes do trato digestório até os diferentes tecidos corporais; transporte de excretas, que precisam percorrer todos os tecidos do corpo até o rim, os nefrídios ou os túbulos de Malpighi. Os hormônios discutidos no tópico anterior são muitas vezes dependentes da circulação pela qual vão se deslocar até as células responsáveis. A transmissão de força é uma tarefa da qual normalmente nos esquecemos. O sistema circulatório de anelídeos é fundamental na movimentação de seu corpo. À medida que a musculatura se contrai, o sangue passa a compor o que chamamos de movimento peristáltico, e grupos de segmentos relaxados são seguidos por grupos contraídos. O sangue exerce ainda a condução de calor. Em animais ectodérmicos como os répteis, o calor é obtido do meio externo e necessita do sangue para retirar o calor da superfície corporal até os demais tecidos. A coagulação é uma função praticamente exclusiva dos sistemas circulatórios. Quando um animal se fere, ela garante que seu sangue não extravase em grandes volumes. Os insetos, por exemplo, têm em seu sangue uma notável reserva energética e hídrica. Então, conclui-se que se ele perder seu sangue poderá morrer rapidamente. Há múltiplas funções dos sistemas circulatórios, mas agora falaremos dos animais que não apresentam tais sistemas. Uma importante questão é: como esses indivíduos são capazes de realizar transportes em seus corpos? 3.1 Animais sem sistemas circulatórios Os primeiros animais ou os de corpos mais simples não apresentam sistemas circulatórios, entretanto requerem mecanismos transportadores, pois, semelhantemente aos indivíduos mais complexos, seus nutrientes, excretas e outros compostos precisam circular por todo o corpo. A ausência de um sistema circulatório efetivo dificulta o crescimento de corpos extensos. Imaginemos que tenhamos cinco fileiras sobrepostas de células como um muro, uma se sobrepondo à outra; se a célula mais externa captar quatro moléculas de oxigênio e consumir uma, a célula seguinte só terá três moléculas; assim, a quinta célula ficará sem o oxigênio. Desse modo, corpos muito densos requerem sistemas circulatórios para que suas necessidades metabólicas sejam atingidas. Os poríferos não apresentam estrutura tissular, isto é, não há a formação de tecidos verdadeiros; tudo o que é conduzido entre suas células depende exclusivamente de mecanismos de transporte celular como difusão, osmose ou transportes ativos. A água é um excelente condutor, e é por meio dela que o indivíduo capta seus nutrientes; todavia, o porífero não exerce controle sobre a direção da água; nesse caso, ele utiliza seus coanócitos para obter seu alimento. 43 FISIOLOGIA ANIMAL COMPARADA Os
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