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EDUCAÇÃO PARA DIREITOS HUMANOS – FUNDAMENTOS HISTÓRICOS 1 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 2 PARTE 1 DIREITOS HUMANOS ............................................................. 3 O QUE SÃO OS DIREITOS HUMANOS? ............................................... 3 A HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS ............................................... 5 DIREITOS HUMANOS NO BRASIL....................................................... 10 EDUCAÇÃO COMO DIREITO ........................................................... 14 PARTE 2 DIREITO À EDUCAÇÃO ........................................................ 18 DIMENSÕES DO DIREITO A EDUCAÇÃO ....................................... 18 GARANTIAS E DEVERES ................................................................. 19 PARTE 3 DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO .................................. 25 A FORMAÇÃO DOCENTE COMO UM DIREITO............................... 25 EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS ................................................. 36 REFERENCIAS ..................................................................................... 42 2 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 3 PARTE 1 DIREITOS HUMANOS O QUE SÃO OS DIREITOS HUMANOS? A consciência universal dos direitos humanos é cada vez mais forte. Em sociedades marcadas pela exclusão, pelos conflitos, pelas desigualdades estruturais, vivendo situações de injustiça institucionalizada, a questão dos direitos humanos se torna central e urgente. A perspectiva latino-americana sobre os direitos humanos afirma a existência de uma relação incondicional entre democracia, desenvolvimento integral e direitos humanos. Imprescindível a promoção dos direitos econômicos, sociais e culturais dos diferentes povos, assim como a atenção prioritária às necessidades básicas dos grupos sociais discriminados, como os índios, as mulheres, as crianças, os negros, os pobres, os indigentes. Por serem condicionados pelo lugar que cada pessoa ocupa na sociedade, a luta pelos direitos humanos passa por questões concretas como raça, classe social, gênero, religião, cultura. Supõe afirmar a mútua exigência e a inter-relação entre os diferentes direitos humanos e a luta por estabelecer firmemente na consciência dos indivíduos e dos povos. O compromisso com a promoção dos direitos humanos passa obrigatoriamente pela educação em suas diferentes formas, inclusive a escola. “Os Direitos Humanos, ideia política de base moral, estão intimamente relacionados com os conceitos de justiça, igualdade e democracia e exprimem o relacionamento entre os membros de uma sociedade e entre indivíduos e Estados. Podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões. Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade).” Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 8 | n. 15| Jan./Jun. 2006. 4 4 Os Direitos Humanos, tecnicamente considerados como direitos humanos fundamentais, apresentam características que elevam seu poder e seu âmbito de atuação. Em relação aos princípios estruturais dos direitos humanos, eles são de duas espécies: a irrevogabilidade e a complementaridade solidária. O principio da complementaridade solidária dos direitos humanos de qualquer espécie foi proclamado solenemente pela Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, nos seguintes termos: todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar dos direitos humanos globalmente, de modo justo e equitativo com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais, afirma Fábio Konder Comparato. As principais características doutrinárias atribuídas aos Direitos Humanos fundamentais são: a) Historicidade. São históricos como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem. Eles apareceram com a revolução burguesa e evoluem, ampliam-se, com o correr dos tempos; b) Universalidade. Os direitos fundamentais, por natureza, são destinados a todos os seres humanos. Constituem uma preocupação generalizadora da raça humana. d) Inalienabilidade. São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis; c) Imprescritibilidade. O exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica (...). Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição; 5 5 d) Irrenunciabilidade. Não se renunciam direitos fundamentais. Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite sejam renunciados. A incapacidade dos Estados de promover os direitos humanos contemplados em seus textos constitucionais conduziu à internacionalização desses mesmos direitos. E numa perspectiva mais radical, pode-se concluir que o Estado, pela simples razão de ser Estado, enfrenta o paradoxo de, simultaneamente, desempenhar um duplo papel, de defensor e de violador dos Direitos Humanos. Daí a importância da internacionalização dos Direitos Humanos de modo a sobrepor-se a todos os demais, uma vez que sua efetiva garantia não pode flutuar ao sabor da consciência de determinado governante de plantão, ou mesmo de uma única sociedade, isto porque baseada em valores culturais comuns, muitas vezes extremamente arraigados e impermeáveis à pluralidade preconizada pelos princípios da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. A HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS Os Direitos Humanos constituem um novo ramo do direito, com princípios próprios e se manifesta a partir de uma vertente humanista da globalização. A doutrina constitucional reconhece três níveis de direitos fundamentais, nomeados de primeira, segunda e terceiras gerações e, para alguns, também, já de uma quarta geração, também referidas como dimensõesde direitos fundamentais. Tomando como classificação o critério da extensão referencial da titularidade dos direitos, passa primeiro pelo indivíduo, depois pelo grupo, a seguir pela sociedade ou comunidade, até chegar ao gênero humano. Nesta perspectiva, seriam direitos de primeira geração aqueles que se referem à individualidade das pessoas (liberdades físicas liberdades de expressão, liberdade de consciência, direito de propriedade, garantias de direitos), enquanto os reservados ao grupo, ou sociedade, seriam os direitos sociais, de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais); os direitos da 6 6 terceira geração seriam os direitos de solidariedade e fraternidade (direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente sadio, direito à paz, direito à descolonização), e finalmente os direitos do gênero humano, que seriam os de quarta geração. Para Bonavides, os direitos de defesa açambarcam aqueles fundamentais de primeira geração, enquanto que os de segunda, terceira e quarta geração poderiam ser classificados entre os direitos de participação. Bobbio se refere a direitos de primeira geração como aqueles que correspondem aos direitos de liberdade, ou seja, a um não agir do Estado, enquanto que direitos de segunda geração - direitos sociais - correspondem a uma ação positiva do Estado. Os direitos de terceira geração constituem uma categoria ainda excessivamente heterogênea e vaga e referem-se aos direitos do homem no âmbito internacional, destacando-se o direito de viver num ambiente não poluído. Assim, os direitos de primeira geração seriam direitos individuais, da liberdade; os de segunda geração, direitos sociais, da igualdade; e de terceira geração, direitos transindividuais e coletivos, da solidariedade. O autor menciona uma quarta geração de direitos: os que se referem aos efeitos da pesquisa biológica, capaz de promover manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo, que se configura nos estudos de engenharia genética. Oliveira Júnior, que também aceita como direitos de quarta geração os de manipulação genética, da biotecnologia, da bioengenharia, da bioética, acrescenta uma quinta geração, a dos direitos da realidade virtual, da informática e da Internet. Observa-se, dos autores citados, em síntese, que os direitos considerados de “primeira geração” são direitos civis e políticos, tratando-se das liberdades civis básicas, cuja abrangência encontra os direitos ditos “negativos, ou seja, exercidos contra o Estado, constituindo a pedra de fundação da democracia moderna, os quais seriam, antes de quaisquer outros, os direitos de toda pessoa à vida, à expressão, à reunião, a movimentar-se por onde deseja e a participar da formação das leis de sua comunidade política, de modo direto ou indireto, e cujo respeito forma a base de um Estado de Direito e de uma sociedade aberta. 7 7 A segunda geração de direitos é considerada a dos direitos econômicos, sociais e culturais, inclusão que se deve, por primeiro, aos movimentos socialistas, já que um homem não poderia ser livre se fosse privado de alimentação suficiente, casa e abrigo, meios para ter acesso à cultura, amparo na velhice, aposentadoria ou desemprego, direitos que se garantem contra o Estado, exigindo deste uma atitude de não-interferência. Esta segunda geração dos direitos fundamentais, a dos direitos econômico-sociais ou simplesmente direitos sociais, nasce no início do século XX por influência da Revolução Russa, bem como da Constituição Mexicana, ambas de 1917, e pela constituição de Weimar (alemã), de 1919, tornando os Estados devedores de suas populações, principalmente aqueles trabalhadores e marginalizados, no tocante à obrigação de realizar ações concretas para garantir-lhes um mínimo de igualdade e de bem-estar social. Estes direitos, de primeira e segunda geração, integram a Declaração Internacional de Direitos, da Organização das Nações Unidas, de 1948. Os direitos da chamada “terceira geração”, compreendem os direitos do homem no âmbito internacional, não integram protocolos ou declarações, embora estejam presentes na consciência coletiva de modo cada vez mais consolidado, o que faz com que as populações passem a exigi-los do Estado sempre com maior frequência. São direitos ao meio ambiente saudável, sem contaminações de poluição e ruído e de viver em uma sociedade de paz. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o principio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) — que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o principio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis. 8 8 Para Norberto Bobbio, os direitos nascem com as carências humanas, vez que novas necessidades nascem em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los. Em síntese, pode-se destacar como ponto central a liberdade para os direitos de primeira geração, a igualdade para os de segunda, e a solidariedade para os de terceira geração. É que sem a solidariedade mundial não há como manter o meio ambiente saudável e sem contaminações, e nem que haja paz nas diferentes sociedades do mundo, ou como lembra Canotilho “[...] Estes últimos direitos, nos quais se incluem o direito ao desenvolvimento e o direito ao patrimônio comum da humanidade, pressupõem o dever de colaboração de todos os estados e não apenas o actuar activo de cada um e transportam uma dimensão coletiva justificadora de um outro nome dos direitos em causa: direitos dos povos.”. Esquematicamente pode-se considerar os direitos como segue: Direitos de primeira geração, formam-se a partir dos direitos e garantias individuais e dos direitos políticos clássicos que estabeleceram as liberdades públicas, que teriam surgido com a “Magna Carta” de João Sem Terra (1215). Direitos de segunda geração, os que abrigam os direitos coletivos, sociais, econômicos e culturais surgidos no início deste século e incluem aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença. à velhice etc. Direitos de terceira geração reúnem o direito a usufruir de um meio ambiente equilibrado o direito a ter uma qualidade de vida saudável, o direito ao progresso, o direito á paz, o direito á autodeterminação dos povos, bem como a outros direitos difusos, ou seja, direitos de grupos menos específicos de pessoas, não havendo necessariamente entre elas um vínculo preciso, sendo conhecidos também como direitos de solidariedade ou fraternidade, surgidos como uma exigência do terceiro mundo em face das profundas desigualdades sociais. 9 9 Direitos de quarta geração, reúnem o direito de manipulação genética, da biotecnologia, da bioengenharia, da bioética. Direitos de quinta geração, reúnem os direitos da realidade virtual, da informática e da Internet. Assim, é importante lembrar que, após a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), sob a inspiração do Reino Unido, da França e dos Estados Unidos da América, confirma-se o “Tratado de Versalhes” (1919), onde se inseria a “Sociedade das Nações”, com o intuito de estabelecer uma paz mundial duradoura, ideal que viria a fracassar temporariamente com a eclosão da segunda edição do conflito (1939—1945). Com o final da Segunda Grande Guerra, os países vencedores e seus aliados decidiram apostar nomesmo ideal e resolveram estabelecer um foro definitivo para a discussão de interesses comuns, através de uma organização capaz de promover, exigir e garantir a coexistência pacifica de seus membros através de uma paz duradoura, daí resultando a criação da “Organização das Nações Unidas - ONU”, englobando progressivamente uma significativa quantidade de Estados membros. Atualmente, conta com uma adesão praticamente universal. Em 1948 foi aprovada a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, se constituindo no elenco dos direitos fundamentais básicos que tem o ser humano como objeto da atenção e da proteção da comunidade internacional e que deve ser vista dentro do seu contexto histórico de vitória de um modelo que despontava sua supremacia universal após a segunda guerra mundial. Em que pesem as criticas, o reconhecimento é geral de que a criação das “Organização das Nações Unidas” e a “Declaração Universal dos Direitos Humanos” se constituíram em baluartes decisivos na proteção aos Direitos Humanos, bem como no combate as suas violações. O Brasil firmou sua adesão incondicional à “Declaração Universal dos Direitos Humanos” na mesma data de sua proclamação, assumindo integralmente os compromissos nela contidos. Reafirmando os princípios contidos na “Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão”, estabeleceu uma obrigatoriedade contratual universal, sem causar uma 10 10 situação de inferioridade jurídica internacional a qualquer Estado. É oportuno, porém, destacar o alerta de Vera Maria Candau, 15 para quem, na história da humanidade nunca os direitos humanos foram respeitados e implementadas socialmente somente porque tinham sido previamente afirmados por uma Declaração. Afirma a autora: “O processo de conquistas dos direitos humanos está intimamente relacionado com as lutas de libertação de determinados grupos sociais que vivenciam na pele a violação de seus direitos.” Por isto o compromisso pessoal e coletivo com os direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, síntese jurídica que pretende exercer a tutela dos direitos fundamentais do homem, principalmente contra os cometimentos arbitrários por parte do Estado, se revela um estatuto privilegiado que alinha os tradicionalmente chamados direitos e garantias individuais, em seguida contemplando os direitos difusos e coletivos. DIREITOS HUMANOS NO BRASIL A Constituição Federal promulgada em 1988, denominada informalmente como Constituição Cidadã, se revela como o diploma constitucional brasileiro mais afinado e melhor identificado com os propósitos declaratórios, reconhecendo uma plêiade de Direitos Humanos como essenciais e fundamentais, inserindo-os no ápice do ordenamento jurídico pátrio ao qual tudo o mais se subordina, principalmente as leis, enquanto regulamentadoras pela via das normas infraconstitucionais. A Constituição Federal concede, através do Artigo 4°, a prevalência dos Direitos Humanos sobre os demais, num contexto de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (Artigo 4 - IX), reconhecendo e reproduzindo os princípios e direitos estipulados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O texto de 1988 traz uma ordem econômica que tem como princípios a livre iniciativa, a livre concorrência, a propriedade privada, princípios de origem liberal que ao lado de princípios de origem socialista, como a função social da propriedade, o pleno emprego, a dignidade do trabalho humano, somam-se os direitos de terceira geração como o direito do consumidor e do meio ambiente. 11 11 Estes direitos e garantias fundamentais estão expressos no Título II da Constituição Federal na seguinte divisão: Dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos direitos sociais; da nacionalidade; dos direitos políticos; dos partidos políticos. Importa destacar, porém, que os Direitos Humanos somente se materializam através de políticas públicas eficazes, capazes de conferir sustentação ao pleno exercício da cidadania, contemplando políticas e ações que garantam o efetivo cumprimento dos preceitos e normas fundamentais e, principalmente, resultem na redução a desigualdades sociais. Neste sentido é pertinente a advertência de Vera Maria Candau: “A luta pelos direitos humanos se dá no cotidiano, no nosso dia-a-dia, e afeta profundamente a vida de cada um de nós e de cada grupo social. Não é mera convicção teórica que faz com que os direitos sejam realidade, se essa adesão não é traduzida na prática em atitudes e comportamentos que marquem nossa maneira de pensar, de sentir, de agir, de viver.”. Ditadura Militar e Violações dos Direitos Humanos No período do pós-Segunda Guerra Mundial, com a chamada Guerra Fria entre os blocos capitalista e socialista, a América Latina passou a chamar a atenção com a vitória da Revolução Cubana em 1959, que simbolizava uma aproximação com a União Soviética e um desafio à hegemonia norte- americana. Assim, Cuba se tornou um referencial para as esquerdas e uma ameaça para as elites econômicas e políticas do continente. O bloco ocidental, liderado pelos Estados Unidos, via a ameaça do comunismo como justificativa par a implementação de políticas de segurança nacional e internacional para enfrentar o inimigo externo e interno. Governos populares e movimentos reivindicatórios eram vistos como ameaças da infiltração comunista. Lars Schoultz, tratando das relações dos Estados Unidos com a América Latina, cita um comentário do Consultor para Assuntos de Segurança, Henry Kissinger, em uma reunião da Casa Branca sobre a ascensão de Salvador Allende no Chile: “não vejo por que devemos ficar 12 12 parados assistindo um país tornar-se comunista devido à irresponsabilidade de seu próprio povo”. (2000, p. 398) Nessa correlação de forças, nos anos sessenta e setenta do século XX, os regimes militares ditatoriais são vitoriosos em quase todos os países latino-americanos, através de golpes militares, apoiados por civis e pelos Estados Unidos da América. O Brasil foi um dos primeiros a desencadear este processo, com o golpe militar de 1964. Elio Gaspari, ao analisar a Ditadura Militar no Brasil identificou três fases1, quais sejam: a ditadura envergonhada; a ditadura escancarada; e a ditadura derrotada, respectivamente, correspondendo, respectivamente, aos governos do General Humberto Castelo Branco (1964-1967) e General Arthur da Costa e Silva (1967-1969); Junta Militar (1969)2 e General Emílio Garrastazu Médici (1969-1974); e General Ernesto Geisel (1974- 1979) e General João Baptista Figueiredo (1979-1985). Apesar do apoio de parte da sociedade civil ao golpe militar, a resistência ao novo regime foi imediata e recrudesceu no período de 1969 a 1976 com a edição do Ato Institucional n. 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, e parte da esquerda aderindo à luta armada. Ao longo do período da Ditadura Militar, a ação violenta do Estado promovendo prisões arbitrárias, torturas, desaparecimentos de presos e exílios, era justificada pela ideologia da segurança nacional, que contava com aparelho complexo e articulado para eliminar o inimigo interno e suas formas de expressão. Não por coincidência, este período é identificado como os “anos de chumbo”, pela radicalização das ações do estado autoritário. Na segunda metade da década de 1970 começam a surgir movimentos na sociedade civil pela anistia, a exemplo do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), criado em 1975 na cidade de São Paulo, por Terezinha Zerbini, e se espalhando com núcleos em vários estados brasileiros, mais precisamente na Bahia, Minas Gerais, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Sul, Sergipe, Pernambuco, além do próprio estado de São Paulo. Em 1978, surgiu o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), na cidade do Rio de Janeiro e, nos moldes do MFPA, com núcleos espalhados peloBrasil. As ações desses movimentos, 13 13 com foco na anistia aos perseguidos pela Ditadura Militar, também discutiam a superação do regime de exceção e o fim das violações aos direitos humanos. Os integrantes desses movimentos eram familiares dos presos políticos e pessoas ligadas a partidos políticos. Em 1979, tem-se a aprovação da Lei n. 6.683, em 28 de agosto, que concede anistia aos que cometeram crimes políticos, e que haviam sido cassados, presos, torturados, exilados, perseguidos, mortos e desaparecidos. Quanto aos agentes da repressão que cometeram crimes de assassinato, estupro, tortura, desaparecimento de cadáver, nenhuma referência, ficaram no anonimato e na impunidade. Diferentemente de outros países da América Latina, no Brasil o fim do regime militar foi gradativo, com várias forças em disputa pelos encaminhamentos a serem dados aos destinos do país, e não só os que queriam a manutenção do controle militar versus os que queriam o retorno dos civis ao poder, mas também a presença daquelas forças que estavam na chamada “zona cinzenta”. Este último elemento é ressaltado por Rollemberg e Quadrat, constituindo “o enorme espaço entre os dois polos – resistência e colaboração/apoio – e mais, o lugar da ambivalência no qual os dois extremos se diluem na possibilidade de ser um e outro ao mesmo tempo.” (2010, p. 102) (grifos das autoras). Mesmo com fim da Ditadura Militar em 1985 e a promulgação da Constituição de 1988, iniciando-se um processo de fortalecimento da democracia brasileira, as limitações da Lei de Anistia e as consequências da ditadura militar ainda continuam presentes no cotidiano dos brasileiros. Ao final deste período da história nacional o esforço para se reencontrar um sistema de governo que promovesse a cidadania no país, fez com que os direitos humanos aparecessem como uma alternativa para os que estavam nas prisões, nas comunidades de base, na renovação dos sindicatos, na reconstrução dos movimentos sociais, na luta dos familiares de mortos e desaparecidos, e nos grupos de resistência, em geral, no sentido de construir um caminho de transição para a democracia. 14 14 EDUCAÇÃO COMO DIREITO A educação é, antes de tudo, um compromisso com a pessoa, com o ser humano. É, pois, uma relação dialógica. É um ato de amor, de transformação, lembra Paulo Freire. Para Carlos Rodrigues Brandão, ninguém escapa à educação. Em casa, na Igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela – para aprender, para ensinar, para aprender- ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Porém, não misturamos a educação com a vida. Neste sentido, a educação, compreendida como um compromisso com a pessoa, com o ser humano, não só pode como deve desempenhar um papel fundamental na construção e no desenvolvimento de uma consciência cidadã, preocupada com a defesa dos Direitos Humanos e com a afirmação da Cidadania, pois como afirma Gadotti,19 na educação (do homem) a raiz é o próprio homem. O essencial da reflexão sobre a educação é a condição humana, o homem, a antropologia. O direito à educação faz parte da Declaração (art. 26) e, como é estabelecido no preâmbulo, a implementação dos direitos humanos fica vinculada à intervenção educativa. A escola e o professor são novamente convocados a exercer seu papel-chave na divulgação e defesa dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu Art. XXVI, 2 estabelece: “A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e peLas liberdades fundamentais.” Por sua vez, a Constituição Federal determina no Art. 205 que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, numa direção clara em favor de uma educação voltada para a defesa dos Direitos Humanos e a Cidadania. 15 15 No texto constitucional, o Estado divide com a família a responsabilidade pela educação de cada um e de todos como direito e dever, expressando-se coletivamente na medida em que exige a colaboração da sociedade nesse processo. Assim, a função social do ensino no Brasil se dará através da disponibilização ao acesso ao conhecimento humano, visando preparar o educando para a vida e para o trabalho, tendo como intuito permear esse processo com informações e ações que estimulem e garantam o pleno exercício da cidadania. Educar para a cidadania é educar para uma democracia que dê provas de sua credibilidade de intervenção na questão social e cultural. É nesta perspectiva que se situa a Educação em direitos humanos. A escola, instituição formal, é um significativo canal para a formação de cidadãos conscientes e críticos com relação ao seu papel enquanto sujeitos de direitos e deveres, assim como na permanente afirmação de seu compromisso humano como agentes de transformação social e se apresenta como espaço privilegiado para a discussão democrática e a afirmação dos seus valores, bem como instância social para a construção de valores éticos e a formação da cidadania individual e coletiva. Porém, para que tenha esta dimensão a escola deve desenvolver, de modo criativo, três aspectos básicos afirma Sime: (a) uma pedagogia da indignação – que pretende formar seres capazes de se indignar e de se escandalizar diante de toda forma de violência e humilhação, rompendo assim com a comum desarticulação entre escola e vida; (b) uma pedagogia do assombro/ admiração que leva a perceber dentro e fora do âmbito escolar buscas concretas de preservação e promoção da vida, revelando assim a capacidade de resistência e a criatividade de pessoas e grupos sociais de sobreviver; (c) uma pedagogia de convicções firmes que se expressa num modo de trabalhar a dimensão ética da educação. Com a Lei de Diretrizes e Bases, o currículo escolar passa a admitir a manifestação da obra de transmissão do conhecimento através da utilização de temas transversais, ou seja, que perpassam, simultaneamente, várias áreas do conhecimento humano, evitando sua demasiada fragmentação, ensejando um 16 16 diálogo com diversificadas disciplinas, possibilitando assim uma abordagem interdisciplinar das questões relativas aos Direitos Humanos e à Cidadania. O tema transversal proposto denomina-se “Convívio Social e Ética”, através do qual se pretende ver discutidos dentro das variadas disciplinas escolares os seguintes sub-temas: saúde; orientação sexual; meio ambiente; estudos econômicos e pluralidade cultural. Além disso, no que tange os valores em instituições democráticas de ensino, Otfried Höffe, em artigo intitulado “valores em instituições democráticas de ensino” retoma a importância da reflexão em torno do princípio democrático e seus valores. Metodologicamente, afirma que os valores são o resultado de três momentos: genuínas reflexões morais que se interligam na perspectiva da conditio humana e das características básica da sociedade contemporânea e apresenta cinco dimensões de valores. A primeira dimensão é fundada no mundo da economia e do trabalho. A ela pertencem a vontade de trabalhar, a disposição ao esforço e, na sequência, a pontualidade, o amor à ordem e à aplicação, e ainda, no mundo do trabalho seccionado e especializado de hoje, uma grande dose de cooperação, sensibilidade e criatividade. A segunda dimensão, político-social de valores, tem como pressuposto básico a existência de uma ordem política que imponha limites à arbitrariedade, tendencialmente ilimitada de todos os homens, e que, ao mesmotempo, assegure-lhes o direito à vida e ao espaço de liberdade, necessário ao desenvolvimento pessoal. É o surgimento do Estado constitucional de direito que se baseia no reconhecimento mútuo dos homens como pessoas de direitos iguais, ou seja, que se fundamenta nos direitos do homem. Os direitos do homem são os fundamentos do direito e da justiça política. “Pode ser considerado justo, ou seja, portador pessoal da virtude da justiça, aquele que, embora mais poderoso e inteligente, não busca dominar os outros, mas orienta sua ação (por exemplo, de legislador, de juiz, de pai/mãe, de professor ou de concidadão) na ideia da justiça política, mesmo quando a legislação for falha, passível de deferentes interpretações ou ineficiente”.22 Outro valor que a sociedade necessita é o de aceitar e permitir o diferente, ou melhor: o respeito às formas diferentes de pensar e de agir, numa palavra, a tolerância. 17 17 A terceira dimensão dos valores democráticos refere-se aos direitos do homem e contradizem a opinião de que os cidadãos existem em função da comunidade. Os cidadãos têm um valor em si e o direito de buscar a felicidade segundo o desejo e a vontade de cada um. A quarta dimensão refere-se ao sentido comunitário, ou seja, a disposição de engajar-se pelo bem comum. A língua representa o ponto de partida do cosmo de universalismos particulares, assim como a tradição jurídica. A quinta dimensão refere-se aos direitos de cidadania, ou seja, valores cosmopolitas ou de cidadania global. A ela correspondem os direitos de cidadania mundial. Como valor de cidadania, o sentido de justiça preenche três funções: ele serve à construção de uma democracia de direito, ao seu desenvolvimento e à atuação no âmbito de instituições e de leis. As instituições de ensino devem sempre se mover sobre o chão da constituição e respeitar, tanto nos seus ensinamentos quanto nos seus relacionamentos, os valores básicos da democracia liberal. Disso faz parte a igualdade de direitos. No centro dos valores das instituições democráticas está o ser humano individual e, portanto, a correspondente educação não pode restringir-se à instrumentalização dos indivíduos para a comunidade. É certo que devem respeitar as cinco dimensões de valores: os valores econômicos, nominadamente a possibilidade de cada um garantir seu próprio sustento; os valores gerais de direito, direito do homem, justiça e tolerância. Do ponto de vista metodológico, os valores não são um que fazer, mas um saber fazer. Por isso eles não podem ser apenas verbais, mas devem tornar-se uma característica da personalidade e, para tanto devem ser realmente vividos, pois também valores precisam ser exercitados. Justos ou tolerantes não nos tornamos por meio da leitura de tratados sobre justiça ou tolerância, mas pela ação justa e tolerante. Os direitos humanos representam a expressão máxima dos valores em instituições democráticas, particularmente nas instituições democráticas de ensino. Educar para os direitos humanos é perceber, de antemão, o princípio da democracia e da participação como valor essencial. 18 18 PARTE 2 DIREITO À EDUCAÇÃO DIMENSÕES DO DIREITO A EDUCAÇÃO As quatro características que vimos acima nos dizem que o direito humano à educação é muito mais que uma vaga na escola. Agora veremos que três dimensões desse direito chamam a atenção para como ele deve ser exercido, pois não há sentido em falar em direito à educação se outros direitos humanos são violados na escola. Direito humano à educação – Como vimos, não se resume ao direito de ir à escola. A educação deve ter qualidade, ser capaz de promover o pleno desenvolvimento da pessoa, responder aos interesses de quem estuda e de sua comunidade. Direitos humanos na educação – O exercício do direito à educação não pode estar dissociado do respeito a outros direitos humanos. Não se pode permitir, por exemplo, que a creche ou a escola, seus conteúdos e materiais didáticos reforcem preconceitos. Tampouco se deve aceitar que o espaço escolar coloque em risco a saúde e a segurança de estudantes, ou ainda que a educação e a escola sejam geridas de forma autoritária, impossibilitando a livre manifestação do pensamento de professores e estudantes, bem como sua participação na gestão da escola. Educação em direitos humanos – Os direitos humanos devem fazer parte do processo educativo das pessoas. Para defender seus direitos, todas as pessoas precisam conhecê-los e saber como reivindicá-los na sua vida cotidiana. Além disso, a educação em direitos humanos promove o respeito à diversidade (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras), a solidariedade entre povos e nações e, como consequência, o fortalecimento da tolerância e da paz. No caso da educação básica, esses princípios, características e dimensões precisam estar presentes na formação dos profissionais da 19 19 educação, nos materiais didáticos, no conteúdo das aulas e até na gestão da escola e na sua relação com a comunidade. Tanto o que se ensina como o modo como se ensina precisam estar de acordo com os direitos humanos e estimular a participação e o respeito. Isso é o que propõe o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, cuja segunda versão foi concluída em 2006. GARANTIAS E DEVERES Dever de respeitar, proteger e promover o direito à educação O Brasil, como signatário dos tratados internacionais, está obrigado a respeitar, proteger e promover os direitos humanos. Vejamos no caso da educação como cada uma dessas obrigações deve acontecer na prática. O dever de respeitar significa que o Estado não pode criar obstáculos ou impedir o exercício do direito humano à educação. Isso implica obrigações de abstenção, pois trata daquilo que os Estados não deveriam fazer: por exemplo, impedir que as pessoas se eduquem, que organizem cursos livres em suas comunidades ou pela internet, ou que abram escolas, desde que respeitem as condições estabelecidas nas normas sobre o tema. Envolve, portanto, a liberdade de ensinar e aprender, desde que respeitadas as normas gerais que regulamentam o ensino formal. O dever de proteger exige que o Estado atue (obrigação ativa). É necessário tomar medidas para evitar que terceiros (pessoas, grupos ou empresas, por exemplo) impeçam o exercício do direito à educação. Por exemplo, no Brasil, o ensino é obrigatório entre 4 e 17 anos; nem mesmos pais, mães ou responsáveis de uma criança ou adolescente podem impedir seu acesso à escola, cabendo ao Estado atuar na proteção de seu direito, garantindo-lhe o acesso à escola. O dever de promover é a principal obrigação ativa do Estado. Refere- se às ações públicas que devem ser adotadas para a realização e o exercício 20 20 pleno dos direitos humanos. São as leis que definem como deve ser a educação e o ensino no país, as políticas públicas que concretizam o direito à educação, o investimento em educação e nas escolas, etc. Essas são as obrigações diretas do Estado em garantir o direito humano à educação, por intermédio, por exemplo, da construção de escolas, do financiamento adequado e da contratação de professores. As leis brasileiras Vejamos o que dizem as leis brasileiras sobre o direito à educação. A educação é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988. Logo em seu art. 6º, o documento jurídico mais importante do nosso país diz que a educação – juntamente com a moradia, o trabalho, o lazer, a saúde, entre outros – é um direito social. Ou seja, não é um favor do Estado para as pessoas. Pelo contrário, como é entendida como um direito, a educação pode e deve ser exigida dos órgãos competentes quando esse direito for violado ou desrespeitado.Mais à frente, o art. 205 da Constituição afirma: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Aqui fica explícito o dever do Estado e o direito de todas as pessoas, sem qualquer distinção, com relação à educação. Também está definido que a família tem deveres (os pais e mães, por exemplo, são obrigados a matricular seus filhos e filhas na escola) e que a educação tem como objetivo o desenvolvimento integral da pessoa e a preparação para a inserção cidadã. O fato de a Constituição citar ainda a qualificação para o trabalho não significa ser esse seu objetivo principal, como muitas vezes se tenta interpretar. A educação profissional, para respeitar sua natureza de direito social constitucional, precisa estar integrada à concepção ampla de educação, possibilitando a inserção autônoma e qualificada no mundo do trabalho. 21 21 Não se nega que as necessidades da vida e o avanço tecnológico exijam que as pessoas estejam cada vez mais qualificadas para o trabalho e que uma das formas de se conseguir isso é por meio da educação. No entanto, o desenvolvimento da pessoa implica muitas outras dimensões, principalmente o pleno desenvolvimento das capacidades humanas e o consequente preparo ao exercício da cidadania. A organização do ensino: detalhando os deveres e responsabilidade Como a Constituição estabelece os princípios e prevê os direitos, mas não prevê detalhadamente como estes devem sair do papel, é preciso elaborar outras leis, que devem estar de acordo com o que determina a Constituição, que é a lei máxima. No caso da educação, temos duas leis importantes, que são a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394, de 1996), que detalha os direitos e organiza os aspectos gerais do ensino, e o Plano Nacional de Educação (Lei 10.172, de 2001), que estabelece diretrizes e metas a serem alcançadas no prazo de dez anos. Também o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069, de 1990) estabelece importantes princípios e obrigações no campo educacional. A seguir, vamos ver o que mais a Constituição diz sobre o direito à educação e também como a LDB divide em etapas e classifica em modalidades a educação brasileira. Como a educação envolve processos que vão além da escola, é importante destacar que abaixo estão listadas principalmente as obrigações do Estado em relação à educação escolar (ensino). Esta, segundo a LDB, está dividida em dois grandes níveis, educação básica e educação superior. A educação básica é composta de três etapas: Educação infantil – Atende crianças até 5 anos em creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 a 5 anos). Seu objetivo é promover o desenvolvimento integral, “em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (art. 29 da LDB). A 22 22 educação infantil é duplamente protegida pela Constituição Federal de 1988: tanto é direito das crianças como é direito dos(as) trabalhadores(as) urbanos(as) e rurais em relação a seus filhos dependentes. Ou seja, a educação infantil é um exemplo vivo da indivisibilidade e interdependência que caracterizam os direitos humanos, pois reúne em um mesmo conceito vários direitos: ao desenvolvimento, à educação, ao cuidado, à saúde e ao trabalho (CF, art. 7°, XXV, e art. 208, IV). Seu reconhecimento na Constituição de 1988 é expressão do dever de toda a sociedade, representada pelo Estado, com o cuidado das crianças pequenas, e sua implementação representa o enfrentamento das desigualdades de gênero, entre homens e mulheres, pais e mães. Ensino fundamental – Com duração mínima de nove anos, também conhecida como “educação primária”, é a etapa que objetiva o “desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social” (art. 32, LDB). É a primeira etapa educacional a ser reconhecida como direito humano universal. Até a emenda constitucional 59, de 2009, também era a única etapa obrigatória. Ensino médio – É a etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos. A Constituição prevê que deve ser progressivamente universalizado, de modo a atender a todas as pessoas que terminam o ensino fundamental, inclusive os jovens e adultos que não tiveram oportunidade de cursá-lo. Pode ser oferecido de forma integrada à educação profissional. Os níveis e as etapas são a base de estruturação da educação escolar, sendo utilizados para efeito de certificação. Isso significa que a conclusão de tais etapas (ensino fundamental e ensino médio) e níveis (educação básica e 23 23 educação superior) abre a possibilidade de diplomação. Há também modalidades e formas diferenciadas de oferta, que não dizem respeito aos níveis e etapas, mas tem a ver com a adaptabilidade da oferta educacional: Educação especial inclusiva – É a modalidade complementar de ensino destinada aos estudantes com deficiência, não substituindo, no entanto, o ensino regular. A Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos, principalmente a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007), que foi incorporada ao direito brasileiro por meio do Decreto n. 6.949, de 25de agosto de 2009, proíbem todas as formas de exclusão das pessoas com deficiência, devendo a educação ser inclusiva em todos os seus aspectos. Essa Convenção veio reforçar o princípio da não discriminação já presente em diversos documentos legais, como a Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino. A Convenção foi aprovada com status de emenda constitucional (Constituição de 1988, art. 5°, § 3°). Isso tem dois significados fundamentais: a) os direitos, deveres e obrigações nela contidos têm aplicação imediata; b) tais direitos, deveres e obrigações são superiores às leis e a outras normas que, no caso de serem contrárias à Convenção, são automaticamente revogadas ou devem ser interpretadas de forma a fazer valer o documento internacional. Assim, é importante deixar claro que as pessoas com deficiência gozam de todos os direitos previstos na Constituição e nas leis, inclusive o direito à educação. Por exemplo, como vimos acima, a todos é devida a educação básica de qualidade. No caso dos estudantes com deficiência, a Constituição determina que, além desse básico regular, devem ser asseguradas as condições necessárias à sua inclusão educacional. Um exemplo é o fornecimento de livros em braille ou com caracteres ampliados para os estudantes com deficiência visual. Assim, educação especial não significa escola ou sala especial, e sim, como diz a própria Constituição, “atendimento especializado” complementar à escolarização regular. (CF, art. 3°, IV; art. 5°, caput; e art. 208, III). No Brasil, é crime “recusar, suspender, procrastinar [adiar], cancelar ou fazer cessar matrícula de pessoa com deficiência” (Lei 7.853/1989, art. 8º, inciso I).; 24 24 Educação de jovens e adultos – EJA – Atende aquelas pessoas que não tiveram acesso ou não terminaram o ensino fundamental ou o ensino médio quando criança ou adolescente. A organização das aulas e os conteúdos têm que levar em consideração as características, os interesses,as condições de vida e de trabalho e a bagagem cultural desses estudantes (LDB, art. 37). Segundo a legislação brasileira, todas as pessoas com idade superior a 15 anos têm o direito de cursar e concluir o ensino fundamental na modalidade EJA e todas as pessoas com mais de 18 anos têm o direito e cursar e concluir o ensino médio na mesma modalidade. Educação profissional e tecnológica – Deve se articular preferencialmente com a educação de jovens e adultos e o ensino médio, bem como às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Pode ser oferecida tanto em cursos autônomos de formação inicial e continuada ou qualificação profissional como de forma integrada à etapa de ensino médio. Educação no campo – Para a população da zona rural, a educação básica também deve ser adaptada às características da vida no campo e de cada região. Além de mudanças no conteúdo para torná-lo mais adequado às necessidades e interesses dos(as) estudantes, a escola pode adaptar seu calendário às safras agrícolas (LDB, art. 28). O fundamental é que seja respeitada a identidade da educação das pessoas que vivem no campo e que não sejam forçadas a percorrer longas distâncias para frequentar escolas situadas nas cidades. Educação escolar indígena – Os povos indígenas têm direito à educação escolar bilíngue (língua materna e português). Seus objetivos são: recuperar as memórias históricas; reafirmar as identidades étnicas; valorizar suas línguas e ciências e garantir aos indígenas, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não índias. (CF, art. 210, § 2°; e LDB, art. 78). Nesse caso, ganha muita relevância o respeito à adaptabilidade do ensino e a construção da proposta pedagógica deve envolver os diferentes povos, respeitando suas demandas e particularidades. 25 25 Educação escolar quilombola – A legislação brasileira vem reconhecendo cada vez mais o direito humano das populações quilombolas, em uma realidade marcada por profundos conflitos pela posse da terra. Hoje os quilombos são reconhecidos como comunidades negras rurais e urbanas habitadas principalmente por descendentes de africanos escravizados, que mantêm laços de parentesco e de identidade. Seu surgimento esteve relacionado à resistência dos povos escravizados no Brasil, que no quilombo encontraram uma forma de organização para enfrentar a opressão do Estado escravista e ao mesmo tempo preservar e valorizar a cultura africana, religiosa ou não. A Constituição Federal de 1988 determinou o direito dos povos remanescentes de comunidades quilombolas à “propriedade definitiva” de suas terras ancestrais. O mais reconhecido é o Quilombo de Palmares (AL), mas há mais de 1.200 comunidades certificadas e centenas de outras que aguardam reconhecimento oficial. A educação nessas áreas merece uma atenção especial, tanto do ponto de vista da garantia de infraestrutura, docentes e material pedagógico como do reconhecimento e valorização de sua história e cultura comum, por isso, está em discussão a construção de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola pelo Conselho Nacional de Educação. A partir de demanda das organizações quilombolas, a Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação vem realizando, desde 2011, missão de investigação sobre o tema. PARTE 3 DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO A FORMAÇÃO DOCENTE COMO UM DIREITO No início do século XXI, quando estão em pauta novos padrões de comportamento nas relações produtivas e sociais, em um contexto de transformações rápidas, complexas e diversificadas, causa preocupação a formação do educador, seus conhecimentos, valores e posturas fundamentais ao desempenho da prática docente. 26 26 Isto porque, ao lado de concepções que consideram a formação como processo, existem correntes pedagógicas que a concebem como algo estanque e acabado, negando ao professor a formação continuada, o desenvolvimento da aprendizagem no âmbito escolar, visões estas que vão moldar a ação pedagógica docente. Ora, estando a formação relacionada a trajetórias de vida e às peculiaridades de cada sociedade, é importante considerá-la como inacabada, um processo contínuo de construção e aprendizagem. É necessário pensar o educador como um agente de transformação, em articulação com seu tempo e contexto histórico, situando-se como profissional que desenvolve processos críticos de compreensão e de ação sobre a realidade, propiciando a criação de culturas e modos de pensar diferentes, que tenham o propósito de fortalecer processos emancipatórios e de inclusão. Por outro lado, devemos considerar as tensões, desafios e inseguranças do momento atual, tendo em vista a construção de uma cidadania democrática multicultural, necessária à justiça social, que, na compreensão de Sacavino (2001), encontra seu fundamento em uma filosofia antiracista, antisexista e anticlassista e que deve ser trabalhada pelas instituições sociais, incluindo a escola. Por isso, convém tomar a educação em direitos humanos como referência na formação do educador, tanto inicial como continuada. A consideração dos saberes em direitos humanos na formação do educador propiciará processos de maturidade profissional, ética e cultural, ações orientadas por princípios de justiça, de solidariedade e de igualdade na diversidade, em que a reflexão da realidade sociocultural e educacional contribuirá para as ações e decisões docentes. Aqui podemos entender a importância da formação docente. Não haverá mudança, inovação ou ensino de qualidade se a formação docente não for repensada, sob a ótica dos direitos humanos, dos valores e ações capazes de enfrentar os desafios, conflitos e inseguranças que se processam na atualidade. Ora, por muito tempo acreditamos que o modelo capitalista de desenvolvimento ocidental seria único para todos os países do planeta, com 27 27 etapas pré-determinadas. Porém, tal modelo configurou-se inviável na atualidade, pois, de acordo com a visão de Mészáros (2002), o mundo assiste a uma inusitada etapa de reordenamento do capital, marcada pela auto- expansão, pela incontrolabilidade e pela forma totalizadora de controle social. Diante desse novo cenário, desconfiguraram-se as certezas que orientavam a formação do educador anteriormente. Como então formar o educador para o enfrentamento das novas exigências e contradições da sociedade atual? Com efeito, se, de um lado o desafio é qualificar para a empregabilidade, de outro, o mercado encontra-se saturado e as exigências para a absorção do trabalhador se tornam cada vez maiores. Como se vê, estamos diante de questões que expressam as contradições da sociedade atual. Se, de um lado, a qualificação é requisito de seleção para a ocupação nos postos de trabalho, de outro, isso não significa necessariamente um canal de acesso direto e sem impedimentos ao emprego porque, na verdade, não existem empregos para o grande contingente de pessoas constituí- das por jovens, adultos, portadores de deficiências físicas, negros, índios, mulheres e, inclusive, as crianças (BERTOLDO, 2007, p. 235). Decorrente dessas questões, assistimos a busca pela qualificação, propagação de cursos para formação de profissionais de elite, centrados na noção de competências, de excelência, que enaltecem a lógica e os valores do capital. Porém, no âmbito da lógica capitalista, existe uma tendência de desvalorização do trabalho docente e da qualidade da educação, embora os discursos expressem o contrário. Ora, a sociedade moderna traz as exigências de universalização da educação e ampliação de acesso. Isso pareceria positivo se suas implicações não negativassem o processo de formação docente, com a criação de cursosà distância, a criação de faculdades, a interiorização de universidades, uma maioria de professores substitutos nas universidades. Além do mais, “De acordo com pesquisas, o educador hodierno tem uma extensa 28 28 jornada de trabalho, é mal remunerado, mal formado e apresenta sérios problemas de saúde” (BERTOLDO, 2007, p. 238). Visualizando de outra forma, sob uma nova ótica, essas questões que se apresentam como problemas para a qualidade da formação docente, também podem ser tratadas como soluções, considerando a grande quantidade de estudantes e/ou profissionais docentes que não têm acesso à Universidade Pública, e necessitam iniciar ou dar continuidade a sua formação, em face das exigências do mercado de trabalho. Em vista desses problemas, que denunciam a realidade de desvalorização do profissional docente, questionamos: é possível formar o professor como sujeito humano, investindo em sua subjetividade, contrariando a lógica e os valores do capital? Acreditamos que sim. Já que as alternativas baseadas nessa lógica apontam para reformas limitadas e corretivas na educação, outras estratégias precisam ser forjadas. Entre elas encontra-se uma educação para os direitos humanos, que implica na formação da subjetividade humana e na revisão de princípios e valores que orientam a formação de profissionais na sociedade atual. Nesse sentido, a educação em e para os direitos humanos contribui para a conquista da autonomia e da cidadania plena, quando fornece subsídios para que o indivíduo compreenda o mundo e compreenda-se no mundo. A formação do educador que contemple esse viés deverá estar associada a um contexto mais amplo da relação entre educação, trabalho e sociedade, em uma reflexão que compreenda tal realidade e que busque a sua superação. Formação do Educador em Direitos Humanos e as Práticas Educativas na Educação Básica No cenário das lutas por educação, situa-se a luta por condições mínimas de funcionamento das escolas e a luta pela melhoria da formação do educador. Essas são condições para a realização de um processo educacional 29 29 de qualidade, em que prédios, turnos, turmas funcionem satisfatoriamente, contribuindo para o exercício eficaz da prática docente. Porém, é necessário compreendermos que essa prática diferenciada é resultante também de uma formação diferenciada. Ora, a expansão do ensino básico exigiu mais professores e esse fato trouxe também para a escola profissionais não qualificados ou com uma formação deficiente, modificando-se o perfil do educador brasileiro, fator este agravado pela proliferação de escolas de formação, em razão da exigência legal de formação em nível superior para atuação na educação básica. O que se deve fazer, então? A educação de qualidade consagra-se como um direito subjetivo da criança e do adolescente, incluindo professores e profissionais da educação preparados, direito garantido pela LDB, em seu artigo 62, que determina: A formação de docentes para atuar na educação básica farse-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do Magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. Ademais à determinação legal, complementada pela disposição do artigo 67, inciso II, em que é garantido aos professores “aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim”, o CNE dispõe sobre programas especiais de formação docente, que contemplam as disciplinas curriculares do ensino fundamental, médio e profissional em nível médio. Lembrando que a educação é um direito fundamental, assegurada pelo artigo 6˚ da CF, cabe ressaltar os princípios da universalização e da isonomia, significando que todos têm o direito ao atendimento, ao acesso e à permanência na escola, competindo ao educador a condução do processo ensino aprendizagem. Entende-se aqui que a ação do educador é insubstituível. E se ele não for capacitado? Nesse sentido o direito à educação de qualidade não se realizará, por carência intelectual/cultural dos educadores 30 30 no desenvolvimento do currículo, valendo afirmar também que sem as condições mínimas de funcionamento, de nada adiantará uma formação de qualidade. Assim, é através da articulação entre condições de funcionamento das escolas e formação docente que se realizará o direito à educação. Como então garantir tal formação? Na perspectiva de uma educação em direitos humanos, para que essa formação aconteça, é preciso desenvolver uma prática pedagógica coerente e articulada com seus valores. Prática esta que segundo Nascimento (apud TAVARES, 2007, p. 490) proporcione “a possibilidade de aprofundar a consciência de sua própria dignidade, a capacidade de reconhecer o outro, de vivenciar a solidariedade, a partilha, a igualdade na diferença e a liberdade”, criando assim pontos de participação e organização que possibilitem o exercício da cidadania. Para Morgado (apud TAVARES, 2007, p. 491), a prática pedagógica da Educação em Direitos Humanos pauta-se em um saber docente acerca dos direitos humanos, ou seja, um conjunto de saberes específicos à prática do educador em direitos humanos, saberes que se relacionam a outros três: saber curricular, pedagógico e experiencial, ambos articulados a duas dimensões essenciais: a emancipadora e a transformadora. É através delas que é possível sensibilizar-se, indignar-se, atuar e comprometer-se. Nesse sentido, proporcionar uma formação no viés educação em direitos humanos aos futuros professores deve constituir-se uma das tarefas primordiais da esfera universitária, por ser a mesma responsável pela formação de profissionais que “se formam para formar”, ao mesmo tempo em que assumem um compromisso social por terem como objeto de trabalho o ser humano. A Universidade, que teve na Constituição de 1988 sua autonomia didática, científica, administrativa, financeira e patrimonial defendida, sendo regida no princípio da indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão, é responsável por oferecer uma formação ao educador numa perspectiva de educação em direitos humanos, no intuito de desenvolver uma educação 31 31 norteada pelos princípios éticos e históricos que a regem, despertando nos futuros docentes os valores de dignidade humana, respeito, tolerância e cultura da paz. Assim sendo, educar em e para os direitos humanos deve se constituir um dos fios condutores do princípio ético-político orientador da prática pedagógica universitária, principalmente nos Cursos de Licenciaturas, por serem os cursos que estão em contato permanente com o desenvolvimento e com a aprendizagem humana. Para isso, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) traz para o Ensino Superior, propostas de ação que buscam incluir as Instituições de Ensino Superior (IES) na participação e construção de uma cultura de promoção, defesa e reparação dos direitos humanos, através de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Visando incentivar a elaboração de metodologias pedagógicas de educação em direitos humanos, estabelecendo políticas e parâmetros para a formação continuada de professores nos vários níveis e modalidades de ensino; apoiando a criação e o fortalecimento de fóruns, núcleos, comissões e centros de pesquisa e extensão destinados à promoção, defesa, proteção e estudo dos direitos humanos; implementando programas e projetos de formação e capacitação sobre educação em direitos humanos para gestores, professores, servidores, corpo discente e comunidade local, dentre outras estratégias. Iniciativas que aos poucos estão se inserindono contexto do ensino superior, ganhando forma, mas diante da diversidade de contextos e das responsabilidades das IES na formação dos “profissionais da educação”, em particular, nota-se que tais ações ainda se encontram em processo de construção. Portanto abrir cada vez mais os espaços para a temática “Educação em Direitos Humanos” se faz necessário. Por ser a Instituição Superior um espaço de formação que consiste em preparar pessoas para se tornarem profissionais competentes, que contribuirão com a sociedade através de sua atuação, cabe à Universidade refletir acerca da importância de uma formação em Direitos Humanos, tendo em vista, 32 32 especificamente, o papel social da Educação e do Educador, desenvolvendo processos educativos, respaldados na formação em direitos humanos. Piovesan (2006) aponta uma visão contemporânea dos direitos humanos, alertando para sua unidade indivisível, interdependente e inter- relacionada, daí a necessidade de sua não violação, pois quando um direito é violado, muitos outros também o são. Dessa forma, quando uma pessoa tem negado o seu direito à educação, consequentemente será impedida de efetivar outros direitos que lhe são associados. E o educador que teve uma formação pautada nos direitos humanos deve considerar esse direito à educação numa forma multidimensional, ou seja, o direito a educar-se significa o direito a aprender, a ser sujeito histórico e crítico de sua realidade. Tendo em vista tais fatores, torna-se relevante um trabalho de formação que propicie um despertar da consciência crítica dos educadores, tendo em vista impeli-los a uma prática docente respaldada nos direitos humanos, baseada no respeito à dignidade dos educandos. O Ensino Superior precisa contribuir para essa formação, despertando o sujeito para uma consciência crítico-ativa, visando contribuir para a construção de uma educação baseada no respeito à diversidade, voltada para a paz e para a dignidade, ajudando a construir a postura do educador, que terá sua formação alicerçada nos direitos humanos. Para isso, é preciso que o futuro educador acredite na educação em direitos humanos e a torne uma prática corriqueira, como forma de expressar coerência entre discurso e atitude, revelando comprometimento com a causa que defende, desenvolvendo, assim, uma visão e uma consciência crítica da realidade, no intuito de formar sujeitos ativos e transformadores. Todavia, como formar em e para os direitos humanos se o futuro professor não possui ou não assume um compromisso em defesa dos direitos humanos? Segundo Candau (apud TAVARES, 2007, p. 496), uma proposta metodológica alicerçada na perspectiva da formação em direitos humanos precisaria se fundar na ideia de que “a escola deveria exercer um papel de humanização a partir da socialização e da construção de conhecimentos e de valores necessários à conquista do exercício pleno da cidadania”. 33 33 Diante dessas perspectivas, a Universidade não pode se eximir de suas responsabilidades e compromissos sociais, devendo, pois, viabilizar dentro de seus espaços institucionais e legais a promoção, a visibilidade e o conhecimento a respeito dos direitos humanos, suas etapas históricas, suas defesas e luta. A Educação em Direitos Humanos apesar de, no contexto brasileiro, apresentar uma maior inserção nos espaços de educação não formal, como nas associações civis, nos movimentos sociais, no espaço da educação formal, ou seja, na escola, também oportuniza condições favoráveis à disseminação de tais direitos. A escola, assim como a universidade, constitui-se em um espaço de socialização de experiências, saberes, aprendizagens, cultura, diversidade, representando assim um ambiente de afirmação da cidadania. Com efeito, a constituição de uma cultura baseada no respeito e promoção de tais direitos abrange temas como: valores éticos, subjetividade, história conceitual e institucional dos direitos humanos, pluralidade cultural e política, respeito à diversidade, construção de diálogos interétnico e inter-religioso, entre outros. Assim, tendo em vista a função social que a escola assume e representa, faz-se necessário repensar o papel da educação escolar em suas diversas esferas, do nível básico ao superior, no desenvolvimento de uma educação em direitos humanos, considerando que a sua organização não é neutra, uma vez que sua sistematização, suas teorias e práticas pedagógicas estão norteadas por relações de poder e refletem o contexto sociopolítico e econômico em que se inserem. Dessa forma, deve-se redefinir o perfil da escola que assume e promove os direitos humanos. É o que nos afirma Silva (apud TAVARES, 2007, p. 496), quando considera que “É necessária a construção de um projeto pedagógico democrático e participativo, onde a formação do sujeito possa ser assumida coletivamente”. Conforme a autora, um projeto de escola que assume o compromisso de uma formação em direitos humanos deve considerar alguns elementos, como: cumprir, de fato, seu papel e função social, adotar a educação em direitos humanos como um projeto global da escola, bem como da universidade, estimular o desenvolvimento da conscientização dos direitos e deveres como um processo contínuo e 34 34 permanente, concebendo a educação formal como essencial à formação da cidadania. Considerando que a Educação em direitos humanos acontece nas inúmeras situações do cotidiano, é na escola que o educando encontra paradigmas que poderão influenciá-lo em sua prática cidadã. Portanto, o docente que educa em e para os direitos humanos, precisa apresentar uma conduta condizente entre teoria e prática. Assim, um educador em direitos humanos não deve ter condutas autoritárias, antidemocráticas, que desrespeitem a pluralidade e especificidade de seus educandos. Deve o mesmo ser ainda compromissado com os direitos que defende e desenvolver suas práticas pedagógicas norteadas por princípios como: a igualdade, a liberdade e a fraternidade; pautandose em pedagogias participativas e dialógicas, que garantam dignidade, igualdade de oportunidades, exercício da participação e da autonomia, estabelecendo a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade entre os conteúdos, fundamentando-se numa concepção crítica da educação. Mas, para que essas atitudes se concretizem na rotina escolar é preciso que o professor tenha recebido uma formação voltada para tais práticas, o que comprova a relevância da abordagem que a educação em direitos humanos deverá obter durante o processo de formação de tais professores. Ao falarmos de prática pedagógica em direitos humanos, podemos citar Magendzo (apud TAVARES, 2007, p. 488), que sugere alguns princípios relacionados aos aspectos conceituais de tais práticas. São eles: princípio da integração, onde os conteúdos e temas de direitos humanos se integram aos conteúdos do currículo e dos programas de estudo, em um processo de interdisciplinaridade, caracterizando a formação do educador em direitos humanos, que deverá conhecer as temáticas dos direitos humanos. O segundo princípio, denominado recorrência, faz referência à vivência do que foi ensinado. O terceiro princípio é o da coerência, ou seja, ter uma conduta calcada nos direitos humanos é estabelecer uma relação de coerência entre teoria e prática. O outro princípio é o da construção coletiva, em que as pessoas são construtoras ativas das informações que recebem. Por fim, temos 35 35 o princípio da apropriação, uma espécie de recriação do discurso recebido de forma consciente e crítica. Dessa maneira, a formação do educador em direitos humanos está envolta por uma prática pedagógica condizente com uma educação interdisciplinar, fundamentada no respeito ao ser humano, utilizando práticas educacionais dialógicas e participativas,em que a vivência dos direitos humanos se torne uma prática cotidiana, visando proporcionar não apenas o saber pedagógico, mas principalmente o saber experiencial. A mobilização global para uma educação em direitos humanos na esfera institucional escolar implica na elaboração de políticas públicas, no intuito de concebê-la como Política de Estado, mediante a legalidade que lhe é atribuída tanto no âmbito nacional como internacional. Mas para que a Educação em Direitos Humanos se concretize em políticas, programas e ações, é preciso que ela seja assumida por todos, uma vez que é um direito e dever de todos que compõem a sociedade. Tendo em vista o caráter de política pública atribuído à educação em direitos humanos e a função social dada à escola e à universidade, promover uma educação orientada para os direitos humanos é, sobretudo, despertar a comunidade acadêmica para uma educação que prioriza o ser humano em sua dignidade, e que se alicerça nos princípios de igualdade, liberdade, respeito à diversidade, tolerância. Nesse sentido, o processo de efetivação dos direitos, parte da conscientização de seus atores sociais, e de sua formação e ação transformadora e emancipatória, visando o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, que deve ser estimulado pela Educação em todos seus níveis e modalidades de ensino. Como exemplo do despertar da universidade e dos educadores em formação para uma educação norteada pelos e para os direitos humanos, podemos citar os Projetos “Educando Jovens e Adultos em Direitos Humanos” (PROBEX/UFPB, 2008), “Educando Jovens e Adultos em Direitos Humanos: uma Proposta de Intervenção na Escola Pública”, “Ensinando Direitos Humanos na EJA: uma Estratégia para o Exercício Pleno da Cidadania”, do 36 36 Programa de Licenciatura (PROLICEN/UFPB, 2009 e 2010, respectivamente). E ainda, o projeto Educação em Direitos Humanos: construindo o sujeito de direitos nas salas de EJA, também vinculado ao Programa de Licenciaturas (PROLICEN/UFPB/2011, 2012 e 2013), todos elaborados no intuito de promover processos educativos na formação dos graduandos de Pedagogia, bem como possibilitar a troca de experiências da educação em direitos humanos com os educandos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), de escolas da rede pública de ensino da cidade de João Pessoa. Porém, precisamos lembrar que a prática intervencionista muitas vezes encontra limites e barreiras para sua efetivação. A instituição escolar é um espaço marcado por contradições, em que ocorrem conflitos em várias dimensões (cognitiva, emocional, relacional), sendo necessário avaliar/ repensar os valores que norteiam a ação/prática educativa, considerando fatores como disciplina e indisciplina, controle e violência na escola. EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS A Educação em Direitos Humanos (EDH) é, na atualidade, um dos mais importantes instrumentos dentro das formas de combate às violações de direitos humanos, já que educa na tolerância, na valorização da dignidade e nos princípios democráticos. Mas a sua inserção nos vários âmbitos do saber requer a compreensão do seu significado e da sua práxis. No campo da educação formal, é igualmente necessário estar atento às metodologias que lhe são compatíveis e às possibilidades de que ela possa permear os conteúdos de todas as disciplinas, dentro de uma visão interdisciplinar. Neste sentido, a formação de educadores que estejam aptos a trabalhar a EDH, é o primeiro passo para sua implementação. Ela deve passar pelo aprendizado dos conteúdos específicos de direitos humanos, mas deve especialmente estar relacionada à coerência das ações e atitudes tomadas no dia-a-dia. Sem esta coerência, o discurso fica desarticulado da prática e deslegitima o elemento central da EDH: a ética. 37 37 Por outro lado, também é preciso ter a consciência de que a formação é o estágio inicial, mas que o processo educativo em direitos humanos é contínuo. Sua finalidade maior é a constituição de uma cultura de direitos humanos e, nesta perspectiva, está sempre em renovação. É a educação em direitos humanos que permite a afirmação de tais direitos e que prepara cidadãos e cidadãs conscientes de seu papel social na luta contra as desigualdades e injustiças. Abordar as questões relacionadas a este processo de conscientização e à construção do saber nesta área é o principal objetivo deste trabalho, que centra seu foco na formação dos educadores em direitos humanos a partir de uma perspectiva interdisciplinar. O processo educativo em direitos humanos A educação em direitos humanos é um campo recente tanto no contexto brasileiro como no latino-americano, apesar de vários documentos internacionais já tratarem sobre a necessidade de sua implementação. Relatório do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, sobre o tema, aponta que, desde a Declaração Universal e, mais especificamente, no Protocolo Adicional à Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, o direito à educação em direitos humanos faz parte do direito à educação. (INSTITUTO INTERAMERICANO..., 2000, p. 6). Nesta perspectiva, identifica-se uma relação intrínseca entre ambas. A educação é o caminho para qualquer mudança social que se deseje realizar dentro de um processo democrático. A educação em direitos humanos, por sua vez, é o que possibilita sensibilizar e conscientizar as pessoas para a importância do respeito ao ser humano, apresentando-se na atualidade, como uma ferramenta fundamental na construção da formação cidadã, assim como na afirmação de tais direitos. Magendzo (2006, p. 23) a define como a prática educativa que se funda no reconhecimento, na defesa e no respeito e promoção dos direitos humanos e que tem por objeto desenvolver nos indivíduos e nos povos suas máximas 38 38 capacidades como sujeito de direitos e proporcionar as ferramentas e elementos para fazê-los efetivos. A finalidade maior da EDH, portanto, é a de atuar na formação da pessoa em todas as suas dimensões a fim de contribuir ao desenvolvimento de sua condição de cidadão e cidadã, ativos na luta por seus direitos, no cumprimento de seus deveres e na fomentação de sua humanidade. Dessa forma, uma pessoa que goza de uma educação neste âmbito, é capaz de atuar frente às injustiças e desigualdades, reconhecendo-se como sujeito autônomo e, ademais, reconhecendo o outro com iguais direitos, dentro dos preceitos de diversidade e tolerância, valorizando assim a convivência harmoniosa, o respeito mútuo e a solidariedade. Através da EDH, é possível contribuir para reverter as injustificadas diferenciações sociais do país e criar uma nova cultura a partir do entendimento de que toda e qualquer pessoa deve ser respeitada em razão da dignidade que lhe é inerente. Pois a dignidade é um valor absoluto que o ser humano possui por constituir-se em um fim em si mesmo e não em um meio. (KANT, 1989). É igualmente por meio dessa educação que se pode começar a mudar as percepções sociais radicais, discriminatórias e violentas, na maioria das vezes, legitimadoras das violações de direitos humanos. E reconstruir as crenças e valores sociais fundamentados no respeito ao ser humano e em conformidade com os preceitos democráticos e as regras do Estado de Direito. (TAVARES, 2006). A relevância da educação em direitos humanos pode ser mensurada através dos documentos da ONU sobre o tema como, por exemplo, o Decênio das Nações Unidas para a Educação na Esfera dos Direitos Humanos (1995- 2004) ou o Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos, aprovado no final de 2004. Este Programa está estruturado em fases sucessivas, com sua primeira etapa guiada por um plano de ação para 2005- 2007. 39 39 O Programa estabelece
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