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NATUREZA, MÉTODO E EDUCAÇÃO EM ROUSSEAU DO SEGUNDO DISCURSO AO EMÍLIO

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2510 
 
Revista Contemporânea, v. 4, n. 1, 2024. ISSN 2447-0961 
 
 
Contemporânea 
Contemporary Journal 
4(1): 2510-2531, 2024 
ISSN: 2447-0961 
 
Artigo 
 
NATUREZA, MÉTODO E EDUCAÇÃO EM ROUSSEAU: 
DO SEGUNDO DISCURSO AO EMÍLIO 
 
NATURE, METHOD AND EDUCATION IN ROUSSEAU: 
FROM THE SECOND DISCOURSE TO EMILE 
 
DOI: 10.56083/RCV4N1-141 
Recebimento do original: 15/12/2023 
Aceitação para publicação: 18/01/2024 
 
Sophia Calil Breymaier 
Mestranda em Educação 
Instituição: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo 
Endereço: Av. da Universidade, 308, Butantã, São Paulo - SP, CEP: 05508-040 
E-mail: sophia.breymaier@usp.br 
 
RESUMO: Baseando-se em estudos bibliográficos das obras de Rousseau e 
de seus intérpretes, propõe-se investigar a ciência do homem e a educação 
no pensamento do filósofo genebrino, a partir de seu conceito de natureza. 
Com enfoque no Segundo Discurso e na obra Emílio ou da educação, será 
feita uma análise do método utilizado para pensar o homem no estado de 
natureza e, posteriormente, a criança e seu desenvolvimento. A hipótese é 
de que o quadro antropológico e da gênese da sociabilidade do Segundo 
Discurso, embora tenha um desfecho negativo com o esfacelamento do liame 
social, é referência para pensar a criança e a possibilidade educativa para a 
formação de uma moralidade virtuosa, e por conseguinte, o estabelecimento 
de uma sociabilidade agregadora. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Rousseau, Natureza, Método, Educação. 
 
ABSTRACT: Based on bibliographic studies of the works of Rousseau and his 
interpreters, it is proposed to investigate the science of man and education 
in the thought of the Genevan philosopher, based on his concept of nature. 
Focusing on the Second Discourse and the work Emile or on education, an 
analysis will be made of the method used to think about man in the state of 
nature and, later, the child and his development. The hypothesis is that the 
 
 
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Revista Contemporânea, v. 4, n. 1, 2024. ISSN 2447-0961 
 
anthropological framework and the genesis of sociability in the Second 
Discourse, although it has a negative outcome with the breakdown of the 
social bond, is a reference for thinking about children and the educational 
possibility for the formation of a virtuous morality, and therefore, the 
establishment of an aggregating sociability. 
 
KEYWORDS: Rousseau, Nature, Method, Education. 
 
 
 
 
 
1. Introdução 
 
No século das Luzes, segundo Cassirer (1992), havia uma sede de 
saber e uma curiosidade intelectual para novas descobertas, além de um 
otimismo diante do poder da razão e do pensamento. Compreendia-se, como 
afirma Cláudio Dalbosco (2011), a razão como modo de elevação cultural e 
a ciência como agente do desenvolvimento econômico social e conquista de 
uma vida confortável e feliz. O Iluminismo, contudo, diferente de um 
movimento construído em forma de um programa com proposições iguais, 
trata-se de distintas posições filosóficas que foram marcadas pela tensão 
entre um otimismo frente às novidades geradas pelo poder da razão e da 
ciência e as angústias diante das catástrofes naturais e sociais eminentes. 
De acordo com Souza (2001), o nascimento da ciência moderna e a 
perspectiva do domínio da natureza pela atividade humana leva à ideia de 
progresso, que é cara ao pensamento iluminista. Mas essa ideia toma 
diferentes sentidos a depender da concepção histórica. Para a autora, aquela 
concepção solidária ao conceito de ilustração concebe a trajetória do homem 
quase que naturalmente como um aperfeiçoamento moral pelo acúmulo de 
conhecimento e desenvolvimento da razão, unindo história e civilização. Há 
portanto, uma relação entre o avanço do saber e da ciência, entre o 
 
 
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aperfeiçoamento do homem e uma sociedade mais feliz, ou seja, entre 
conhecimento, virtude e felicidade. 
Jean-Jacques Rousseau não era adepto do otimismo frente aos 
progressos do conhecimento e se opôs ao primado da razão para determinar 
a condição humana. No Discurso Sobre as Ciências e as Arte (1973a), 
responsabiliza o desenvolvimento da razão e do conhecimento pela 
depravação moral do homem e dos costumes engendrando as desigualdades 
que “alteram, desse modo, todas as nossas inclinações naturais” 
(ROUSSEAU, 1973b, p.288). Os homens tornaram-se escravos das paixões 
e das opiniões que deveriam testemunhar a felicidade, assim, “a felicidade 
não está no homem, mas na inquietude que busca sempre mais e mais o 
reconhecimento do outro.” (PISSARRA, 2002, p.43). 
No Discurso sobre a origem e o fundamento da desigualdade entre os 
homens (1973b), o Segundo Discurso, Rousseau procura responder à 
pergunta se a desigualdade é natural. Sua tese será pela negativa, 
constatando que a desigualdade moral e política é produzida pela maneira 
como a sociabilidade se desenvolveu orientada pelo amor-próprio 
interessado e desregrado, levando a convenções arbitrárias como a 
instituição da propriedade privada e dos governos despóticos. Nessa obra é 
possível notar, portanto, como o autor se distancia da concepção de 
progresso como aprimoramento e da história como positiva, pois para ele a 
condição atual que observava havia sido produzida pelos artifícios da 
sociedade. Assume, portanto, uma postura crítica diante da história, 
retratando esta como o declínio do homem e das instituições, a história dos 
vícios. 
Diferente dos iluministas que valorizavam a razão Rousseau, de acordo 
com Pissarra (2002), valoriza o âmbito da moralidade. Em sua ciência do 
homem desenvolvida no Segundo Discurso, constata que antes de ser capaz 
de raciocinar ele tem sentimentos, o amor-de-si e a piedade. Por isso, 
Rousseau (1973a) toma a consciência como um guia mais seguro do que a 
 
 
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razão, sendo a moral a verdadeira ordem natural. Assim também será para 
as crianças, cujo raciocínio ocorre pela ação dos sentidos, pois antes de 
raciocinar ela sente. 
Não será pela defesa do poder emancipador da razão, nem do regresso 
à natureza enquanto direcionamento à interioridade humana como defendem 
os críticos de Rousseau que consiste em sua originalidade na educação. De 
acordo com Dalbosco (2011), ela consiste em sua atuação enquanto crítico 
da racionalidade a partir da qual pode julgar a maneira como as crianças 
eram tratadas e "(...) ao mesmo tempo, justificar a importância pedagógica 
de serem respeitadas como criança, isto é, em seu próprio 
mundo"(DALBOSCO, 2011, p.113). Os sentimentos serão, portanto, 
essenciais para compreender a existência humana, bem como a infância e a 
dimensão ética da obra educacional Emílio ou da educação (1979). Será a 
partir deles que as categorias morais serão desenvolvidas, como a 
capacidade de autodeterminação da vontade - a liberdade - necessária para 
a formação de um homem virtuoso. 
No Segundo Discurso a história hipotética da gênese da sociabilidade 
não é apenas uma compilação de fatos, pois estes são descritos 
cientificamente por um procedimento dedutivo e racional. É uma história 
descrita como "(...) uma série de transformações sucessivas e necessárias 
das faculdades e dos modos de vida dos indivíduos que interagem entre si" 
(KAWAUCHE, 2019, p.3). Combinando, como afirma Kawauche (2019), 
considerações do ponto de vista da moral e da política para discorrer sobre 
o entrelaçamento entre os progressos do indivíduo e da sociedade. "(...) é, 
entre outras coisas, uma história conjectural do gênero humano"(PIMENTA, 
2017, p. 94) ordenada por um método. 
Enquanto a segunda parte da obra trata da história hipotética da 
sociedade e das relações sociais, como uma análise social, na primeira parte 
"(...) a imaginação do autor se eleva por cima da experiência, e encontra o 
homem num estado de natureza (...) " (PIMENTA, 2017, p. 94).Rousseau 
 
 
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descreve esse estado e nos fornece um quadro antropológico, articulando 
aspectos físicos, metafísicos e morais do homem. É a ciência do homem, o 
conhecimento que para ele, como escreve no Segundo Discurso, seria "(...) 
o mais útil e o menos avançado de todos os conhecimentos 
humanos"(ROUSSEAU, 1973b, p.231). Tal ciência será referência 
fundamental para pensar a criança e sua educação na obra Emílio ou da 
educação. Fornecendo os conceitos básicos para operar com a condição 
humana, como as faculdades relacionadas aos modos de agir - a 
perfectibilidade e a liberdade - e os sentimentos que orientam suas 
disposições - o amor-de-si, a piedade e o amor-próprio. 
Dessa maneira, baseando-se em estudos bibliográficos das obras de 
Rousseau e de seus intérpretes, propõe-se investigar a ciência do homem e 
a educação no pensamento do filósofo genebrino, a partir do seu conceito de 
natureza. Com enfoque no Segundo Discurso e na obra Emílio ou da 
educação, será feita uma análise do método utilizado para pensar o homem 
no estado de natureza e, posteriormente, a criança e seu desenvolvimento. 
A hipótese é de que o quadro antropológico e da gênese da sociabilidade do 
Segundo Discurso, embora tenha um desfecho negativo com o 
esfacelamento do liame social, é referência para pensar a criança e a 
possibilidade educativa para a formação de uma moralidade virtuosa, e por 
conseguinte, o estabelecimento de uma sociabilidade agregadora. 
 
2. Rousseau e o Iluminismo: o Paradigma Científico e o Método 
 
De acordo com Cassirer (1992), o Iluminismo na França rompeu com 
o molde obsoleto do conhecimento filosófico, com a forma do sistema 
metafísico abandonando o espírito de sistema de maneira a incutir a ele mais 
valor e eficácia. "A filosofia do século XVIII está, em todas as suas partes, 
vinculada ao exemplo privilegiado, ao paradigma metodológico da física 
newtoniana (...)" (CASSIRER, 1992, p.30). Assim, o século XVIII renunciou 
 
 
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a uma forma de dedução e explicação sistemática buscando uma outra 
concepção de verdade e de filosofia que não opta pela via da dedução pura, 
mas a da análise. 
O pensamento não começa por definir princípios e axiomas universais 
e arbitrários. Move-se na direção inversa em que os fenômenos são o dado 
e os princípios, aquilo que se deve buscar descobrir pela experiência e 
observação. Utiliza-se, assim, o mesmo método para as ciências da natureza, 
assim como para o conhecimento social, político e psicológico partindo dos 
fatos empíricos estabelecidos pela observação, para compreender como 
conectam-se e dependem uns dos outros em forma de sistema, ao invés de 
colocá-los em cadeia e agregá-los. 
Rousseau, neste sentido, faz uso do método da razão para construir 
suas análises, estabelecendo os princípios e as leis gerais a partir da 
observação empírica dos fatos, utilizando como recurso a abstração para ser 
capaz de julgar a realidade na qual vive e ser capaz de projetar um mundo 
ideal, formulando um outro modelo de sociedade, de homem e de educação. 
Os textos de Rousseau são atravessados por uma perspectiva científica ao 
escolher utilizar um método rigoroso à maneira dos físicos de seu tempo, 
sem utilizar-se de fundamentos absolutos, mas analisando seus objetos de 
estudo por meio da observação empírica e da dedução para se chegar aos 
conceitos e categorias operatórias no plano abstrato ou lógico. É com um 
método, então, que Rousseau olha para a desigualdade, para a sociedade, 
para a condição humana, para o ser em crescimento - a criança - e sua 
educação. 
 
O método se encontra em ato nos próprios movimentos do 
pensamento filosófico, e a principal tarefa do intérprete é restituir a 
unidade indissolúvel deste pensamento que inventa teses, praticando 
um método (GOLDSCHMIDT, 1970, p.141). 
 
Atentar para o aspecto do método do pensamento de Rousseau é 
fundamental para compreender as teses por ele criadas e inventadas, pois 
 
 
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como afirma Victor Goldschmidt (1970), a filosofia enquanto explicitação e 
discurso, se revela em movimentos sucessivos que culminam em teses 
ligadas umas às outras numa ordem e por um método, e a progressão desses 
movimentos confere à obra uma estrutura, uma arquitetura, que situa-se em 
um tempo puramente lógico, em outra temporalidade. Separar a teoria do 
método de investigação impossibilita as condições de inteligibilidade do 
pensamento filosófico. 
Como também afirma Goldschmidt (1970), falar de movimentos e de 
progressão metódica do pensamento é supor um tempo que é lógico e 
metodológico, que existe fora do tempo vivido e que, por isso, permite 
encadear pensamentos em uma outra temporalidade. Quando tratamos das 
obras de Rousseau como o Segundo Discurso e o Emílio ou da Educação é 
importante notar que o raciocínio acontece em tempos lógicos, que permitem 
a formulação dessas duas experiências de pensamento distintas e de seus 
modelos abstratos em um plano normativo que se alterna a todo momento 
com um tempo cronológico, da história factual. Assim, a partir da observação 
dos homens e da sociedade tais como são, ou seja, do fato empírico que está 
em um tempo histórico e contingente, Rousseau elabora conjecturas, como 
abstrações factíveis com lastro na realidade, porém hipotéticas. Estas 
possibilitam pensar a partir dos fatos, as coisas como devem ser, ou seja, os 
princípios, as normas ou os fundamentos convencionais. 
Rousseau, como lembra Pissarra (2002), começou pela crítica da 
cultura, no Discurso sobre as ciências e as artes, descrevendo as sociedades 
civis corrompidas - o fato - para poder estabelecer sua crítica à sociedade 
no Segundo Discurso, buscando a origem da corrupção e da desigualdade 
moral e política entre os homens na própria história, assim como fora dela. 
Através de um raciocínio hipotético forma “conjecturas extraídas unicamente 
da natureza do homem e dos seres que o circundam, acerca do que se teria 
transformado o gênero humano se fora abandonado a si mesmo” 
(ROUSSEAU, 1973b, p.242). Formulando para tanto, um tempo e espaço 
 
 
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hipotético fora do tempo vivido, o estado de natureza, bem como um homem 
a-histórico - o homem natural. 
Uma das inovações do pensamento de Rousseau relativa ao método 
que utiliza, consiste portanto, na formulação de uma história conjectural, 
para pensar a constituição de um outro ser humano, em um plano do dever 
ser e, por conseguinte, uma outra forma de sociabilidade que permitisse a 
constituição de uma nova sociedade. De acordo com Carlota Boto (2002), a 
formulação de uma temporalidade hipotética construída mediante verdades 
conjecturais, teria a vantagem de projetar teleologicamente um futuro 
melhor, pensando poder deduzir a partir delas implicações válidas para a 
vida social. 
O método dedutivo que permite a comparação entre o fato e a norma 
é, portanto, aspecto fundamental de seu pensamento e o coloca no estatuto 
da ciência de seu tempo. É uma regra prática aplicada ao longo dos escritos 
do autor aqui estudados. Desde o Segundo Discurso onde o apresenta como 
o princípio que permite "examinar os fatos, assim, por intermédio do 
direito"(ROUSSEAU, 1973b, p.274) para tratar e julgar a história da espécie 
humana, da sociabilidade e da desigualdade, até o Emílio ou da Educação, 
onde irá da mesma forma, contrapor o aluno ideal para tratar do 
desenvolvimento e da constituição humana em contrapartida com o aluno 
real e os modelos vigentes de educaçãos e compreensão da criança no século 
XVIII. 
Para realizar o procedimento dedutivo é preciso primeiro estabelecer a 
norma, ou um fundamento convencional,para julgar e avaliar objetivamente 
o presente e os fatos observados na realidade. Para tanto, por um esforço 
de abstração, Rousseau define no Segundo Discurso o que seria em seu 
pensamento o homem natural e o estado de natureza, 
 
(...) o empreendimento de distinguir o que há de original e de 
artificial na natureza atual do homem e de bem conhecer um estado 
que já não existe, que talvez não tenha existido, que provavelmente 
jamais existirá, e do qual é necessário, porém, ter noções exatas para 
bem julgar nosso estado presente” (ROUSSEAU, 1973b, p. 233) 
 
 
 
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Para ele, o estado de natureza seria o ponto de partida para conjecturar 
acerca da gênese da sociabilidade e do desenvolvimento da espécie humana, 
separando as coisas como são de como podem ser. Tal procedimento 
imprime ao longo da exposição, pela alternância entre os dois pontos de vista 
(o fato e o direito), não apenas uma complementaridade entre eles mas 
também ampliam, de acordo com Kawauche (2019) o conhecimento do 
objeto pesquisado permitindo colocar lado a lado argumentos filosóficos da 
ordem legítima, ideal ou desejada, e relatos de fatos históricos e da ordem 
do real "(...) sem que a diferença de registros da teoria e da prática implique 
em incoerência do discurso."(KAWAUCHE, 2019, p.12). Possibilitam, na 
verdade, a harmonização da teoria e da prática em um sistema planejado. 
Tendo isso em mente, o pensamento de Rousseau não se trata de uma 
defesa do retorno ao estado de natureza, nem de encontrar ou formar o 
homem natural no plano histórico. Não se trata, tampouco, de aplicar a 
pedagogia do Emílio como um programa de educação. O intuito não é 
encontrar a teoria na realidade, mas estabelecer parâmetros, pela teoria, 
para julgar a realidade histórica e factual com justiça, com método e com 
racionalidade, de forma a ser aceito como ciência de acordo com o paradigma 
de seu tempo. 
Conhecer o homem, para Jean-Jacques Rousseau, é conhecer sua 
natureza para então “(...) encontrar um princípio capaz de julgar os 
costumes humanos e os próprios homens: a busca pela origem leva ao 
encontro dessa pureza anterior.” (PISSARA, 2002, p.46). Pureza que deve 
ser entendida enquanto artifício metodológico para se pensar a teoria pura, 
o modelo abstrato. É uma representação deduzida da realidade empírica pelo 
método de reflexão sobre a natureza que ao deixar de lado todos os livros 
científicos e "(...) por descartar todos os fatos, pois eles não se prendem à 
questão"(ROUSSEAU, 1973b, p.242), permite explorar a alma humana 
separando dela tudo que lhe fora acrescentado pelos acidentes da espécie 
na história. Aqui temos nitidamente a separação entre o que Rousseau 
 
 
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chama de homem natural e homem social, entre a teoria pura e aquele 
fenômeno observado na empiria, entre os homens como são e como podem 
ser. Instaurando-se dessa forma, 
 
(...) uma 'topologia da diferença' (na expressão de Bento Prado Jr. 
[2008, p.80]), pensando o homem civilizado como um acidente em 
relação ao homem natural, e não mais, como se costuma fazer na 
época, como o produto necessário de disposições naturais ou inatas 
(...) (PIMENTA, 2017, p. 94). 
 
O homem natural enquanto hipótese da constituição humana e 
fundamento que reúne característica comuns a todos como o amor-de-si, a 
piedade, a perfectibilidade e a liberdade é, de acordo com Kawauche (2019), 
um artifico mental construido como uma realidade formal, ou seja, uma ideia 
compatível com os dados da observação e ao mesmo tempo "(...) 
rigorosamente coerente com os modelos abstratos e a-históricos das ciências 
mecânicas(...)" (KAWAUCHE, 2019, p.8). É neste sentido que Rousseau diz 
que 
 
Não se devem tomar as pesquisas que se podem realizar sobre esse 
assunto por verdades históricas, mas somente por raciocínios 
hipotéticos e condicionais, mais apropriados para esclarecer a 
natureza das coisas do que para lhes mostrar a verdadeira origem, e 
semelhantes aos que fazem, todos os dias, os nossos físicos sobre a 
formação do mundo.(ROUSSEAU, 1973b, p.242) 
 
3. A Natureza como Recurso Metodológico: do Homem Natural 
à Criança 
 
Pelo expediente de observação, reflexão e abstração que permite o 
afastamento dos fatos, chega-se à suposição metodológica do estado de 
natureza, que como afirma Pissarra (2002), é uma suposição didática e não 
existe e jamais existirá no tempo e no espaço, mas que enquanto uma 
hipótese, permite formular a origem hipotética do homem e da sociabilidade. 
Estando fora da história, esse estado encontra-se em um tempo lógico. A 
 
 
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passagem que ocorre entre a natureza e a sociedade que será descrita no 
Segundo Discurso, também não é factual, mas um artifício do método para 
compreender a formação da subjetividade do homem e a origem das relações 
sociais, marcando a entrada do indivíduo em uma ordem temporal e moral 
com sua transformação de homem natural em civilizado. Momento em que a 
perfectibilidade tira o homem de sua condição original, desnaturando-o, e 
quando a desigualdade moral e política gradativamente se estabelece. 
A tese filosófica que será sustentada pela argumentação do Segundo 
Discurso é a de que a desigualdade não é natural, mas produzida pelos 
progressos do homem em sociedade. Progresso que na concepção de 
Rousseau pode levar a várias direções, não apenas aquela que leva à 
perfeição tal como supunham os enciclopedistas, mas também ao declínio, 
assim como constatado na história conjectural da espécie humana. 
O estado da natureza é retratado como um estado de paz onde o 
homem vive independente e livre; onde não há propriedade nem moradias; 
onde não há nem sequer a noção de injustiça ou de justiça; mas onde os 
homens vivendo isolados são todos iguais. Do ponto de vista político, foram 
as convenções nefastas que legitimaram as desigualdades com a instituição 
da propriedade, a formação do governo e a separação entre ricos e pobres, 
fracos e poderosos, magistrados e desprivilegiados. As desigualdades foram 
historicamente e socialmente produzidas. Do ponto de vista moral, elas 
foram constituídas pelos homens orientados pelas paixões desregradas e 
pelo desejo de superioridade. Abrindo-se, assim, o caminho para uma série 
de sentimentos desagregadores como a inveja, a soberba e a vaidade que, 
a longo prazo, concorrem para a corrupção moral do homem e das 
instituições. 
A constituição das relações sociais neste quadro estaria fadada ao 
esfacelamento do liame social tal como constatado ao longo da história 
conjectural do Segundo Discurso. Apesar do desfecho negativo, será a partir 
do modelo antropológico do homem natural esboçado neste escrito que 
 
 
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Rousseau mais tarde poderá conjecturar acerca da infância e da educação, 
propondo uma saída diferente para a formação da subjetividade e da 
sociabilidade. O homem natural será referência para pensar sobre a criança, 
sendo caracterizados pelos mesmo atributos, de tal modo que "Revisitar as 
ideias pedagógicas de Rousseau do Emílio requererá, sob qualquer hipótese, 
refletir sobre a concepção dele acerca do estado de natureza (...)" (BOTO, 
2010, p.209) 
Rousseau opera no Segundo Discurso um retorno hipotético a um 
estado em que não havia sociabilidade como um recurso para construir uma 
temporalidade onde fosse possível pensar um homem desprovido de 
qualquer atributo que fosse produzido nas relações sociais. Esse homem, 
que é descrito a partir de suas características físicas, psicológicas e morais, 
além de ser forte e robusto, é dotado de algumas disposições. A liberdade, 
a característica que o difere dos animaise impulso que o permite escolher; 
e a perfectibilidade, a capacidade de aperfeiçoar-se e adaptar-se como uma 
potência para a mudança sem uma direção determinada que engendra seu 
afastamento em relação à natureza. 
Esse homem também é um ser sensível. Suas vontades e disposições 
são orientadas por um sentimento original - o amor-de-si - a preferência 
por si mesmo, sem qualquer valor moral, que está relacionada aos apetites 
de nutrir-se, de reproduzir, de descansar. O homem natural vive apenas no 
presente e sem a necessidade de outros homens, bastando a si mesmo. Por 
isso, não há sociabilidade na natureza. Tampouco há moralidade, pois não 
se conhece o bem nem o mal e “não é nem o desenvolvimento das luzes, 
nem o freio da lei, mas a tranquilidade das paixões e a ignorância do vício 
que os impedem de proceder mal” (ROUSSEAU, 1973b, p.258). Diferente do 
estado civil, onde o homem terá suas vontades orientadas por um 
desdobramento do sentimento original, o amor-próprio, este sim com caráter 
moral, podendo ser nocivo ao homem a depender das circunstâncias nas 
quais se desenvolve. 
 
 
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"A fonte de nossas paixões, a origem e o princípio de todas as outras, 
a única que nasce com o homem e não o deixa nunca durante sua vida, é o 
amor a si mesmo." (ROUSSEAU, 1979, p.174) Paixão elementar da qual 
todas as outras decorrem como modificações positivas ou negativas. Na 
natureza o homem conhece apenas os males da dor e da fome, não havendo 
miséria nem escravidão, pois essas são características do estado civil quando 
“os laços de servidão são formados pela dependência mútua dos homens e 
pelas necessidades recíprocas que os unem” (ROUSSEAU, 1973b, p.264). 
Não havia também qualquer forma de acúmulo cultural na natureza, "(...) 
não havia nem educação, nem progresso; as gerações multiplicavam-se 
inutilmente e, partindo cada uma sempre do mesmo ponto (...)" 
(ROUSSEAU, 1973b, p.263). 
Na ordem natural, o amor-de-si é moderado pela piedade, que confere 
ao homem a capacidade de se colocar no lugar de outros seres por meio da 
imaginação e sentir repugnância pelo sofrimento alheio. É o sentimento do 
qual os afetos podem emergir e que “no estado de natureza, ocupa o lugar 
das leis, dos costumes e da virtude, com a vantagem de ninguém sentir-se 
tentado em desobedecer sua doce voz” (ROUSSEAU, 1973b, p.260). Do 
encontro com outros homens, a piedade, ao permitir a identificação e o 
reconhecimento de si no outro pelo sofrimento em comum, é o sentimento 
que engendra a sociabilidade e do qual podem decorrer todas as qualidades 
sociais como a humanidade, a generosidade, a clemência. 
Enquanto uma virtude moral a piedade só se desenvolve quando a 
expansão do amor-de-si em direção ao outro, "(...) guiado pela imaginação, 
realiza um processo de identificação com outro ser sensível (...)" (VARGAS, 
2019, p.124). Assim, é possível sofrer com ele, retornar a si mesmo e 
comover-se, brotando dessa sensibilidade as primeiras qualidades para uma 
boa sociabilidade através do reconhecimento das misérias em comum. 
Contudo, na história conjectural da espécie humana do Segundo Discurso 
essa não foi a ordem dos desenvolvimentos dos afetos, a piedade foi abafada 
 
 
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e sobreposta pelo desabrochar do amor-próprio interessado e seu desejo de 
superioridade. Os sentimentos que dali brotaram foram perversos, fazendo 
nascer uma sociabilidade limitada e desagregadora. 
Para sobreviver às novas circunstâncias como desastres naturais ou a 
competição com animais por recursos, o homem precisou aliar-se a seus 
semelhantes estabelecendo as primeiras formas de vínculos sociais, quando 
o amor-de-si gradativamente se modificou em amor-próprio. Logo o primeiro 
sentimento do homem fora o de sua existência, preocupado com sua 
conservação (amor-de-si) até que do “primeiro olhar que lançou sobre si 
mesmo” e que “produziu-lhe o primeiro movimento de orgulho” (ROUSSEAU, 
1973b, p.267) nasceu o indivíduo (amor-próprio). Com os progressos do 
espírito, o homem olhando para os outros e retornando a si mesmo, começou 
a observar certas relações e a fazer comparações, produzindo nele certa 
reflexão acerca das diferenças de talento. As comparações continuaram até 
que passou a desejar ser o melhor, ser estimado e preferido pelos outros. 
Assim, o amor-próprio inflamado conduziu o homem a um caminho egoísta 
e desvirtuado, fazendo escolhas em benefício próprio, às custas dos outros 
e do bem comum. Por isso, a condição do homem civil que Rousseau 
descreve no Segundo Discurso é a de um homem corrompido e escravo das 
paixões. 
A capacidade do homem de ser um agente livre permite a ele resistir 
aos instintos e ao que a natureza determina. O animal “escolhe e rejeita por 
instinto” enquanto o homem “por um ato de liberdade” (ROUSSEAU, 1973b, 
p.248) é capaz de transcender a natureza e ir além de sua disposição 
instintiva, como afirma Barros (1963). Além disso, ele é capaz de apropriar-
se de todos os outros instintos, ou capacidades, na medida em que é dotado 
de perfectibilidade, uma aptidão associada a um modo de agir que leva-o a 
aperfeiçoar-se e a aprender. 
Contudo, tal capacidade não implica o aperfeiçoamento rumo à 
perfeição, pois as direções são diversas e podem levá-lo, inclusive, à 
 
 
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degeneração como na história do Segundo Discurso. É a perfectibilidade que 
tira o homem de sua condição original promovendo, junto com o auxílio das 
circunstâncias, o processo de desnaturação, “desabrochando as luzes e 
erros, vícios e virtudes” (ROUSSEAU, 1973b, p.249). 
A perceptibilidade, de acordo com Dalbosco (2018), explicaria a 
pluralidade da condição humana, pois é inerente a todos os homens e ao lhes 
conferir a maleabilidade, também os deixa indeterminados, "(...) podendo se 
desenvolver nas mais diferentes direções." (DALBOSCO, 2018, p.4) É a 
condição aberta, indeterminada e ambivalente do homem, sua plasticidade, 
que será aspecto fundamental para compreender a possibilidade educativa 
no Emílio. Se a condição humana é indeterminada e aberta, abre-se, de 
acordo com Dalbosco (2012), um espaço indefinido para a ação humana de 
autodeterminar-se e de formar a si mesmo. Justifica-se, portanto, a 
educação. 
Emílio é uma obra que trata do processo de desenvolvimento do 
homem da infância à idade adulta, em etapas sucessivas que correspondem 
às etapas de desenvolvimento da espécie humana, do homem natural ao 
homem civil (ou social). Do ponto de vista do desenvolvimento do indivíduo 
operado através da figura de menino Emílio, a transformação do amor-de-si 
em amor-próprio, acompanha a passagem da infância à juventude, quando 
há uma tempestuosa revolução na configuração do jovem com o desabrochar 
das paixões. Rousseau retoma as características do homem natural para 
conjecturar sobre a infância, logo a perfectibilidade, a liberdade e a piedade, 
também são essenciais para explicar a condição da criança e a possibilidade 
educativa. Desse modo, analisando o Emílio ou da educação à luz do quadro 
do Segundo Discurso, verifica-se que há uma mesma base antropológica 
ancorada na normatividade do conceito de natureza que conecta seu projeto 
de educação à sua ciência do homem e à genealogia da sociabilidade. 
A natureza será de um lado, a educadora de Emílio na infância por 
intermédio do educador. Etapa na qual, pelo contato com a natureza e 
 
 
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distante da sociedade corrompida, o menino deve fortalecer seu corpo e sua 
interioridade para saber dominar a si mesmo para, quando inserido no meio 
social, na juventude, ser capaz de combater e cultivar suaspaixões 
nascentes. De outro lado, é a natureza que ao dotar-lhe de perfectibilidade, 
deixando-o indeterminado, mas também livre, permite a Emílio "(...) usufruir 
do espaço livre que a natureza lhe deixou para ser ele mesmo a partir de 
suas disposições e escolhas."(DALBOSCO, 2018, p.5). Buscando, assim, sua 
autodeterminação constantemente. 
É a conjugação entre perfectibilidade e liberdade, que possibilita a 
educabilidade. Por meio dela, é que ele pode se autodeterminar, escolher 
suas ações diante das diferentes circunstâncias, sem deixar submeter-se ao 
impérios das paixões desordenadas desencadeadas pelo amor-próprio que o 
levam à depravação, mas elevar-se no plano moral. Tal elevação à virtude 
será possível pela educação proposta no Emílio, pelas intervenções do 
educador a fim de ordenar os afetos do jovem à medida em que despertam 
em sua constituição. Mais especificamente, pela educação do amor-próprio 
para seu lado virtuoso conjugando-o com a piedade para fazer brotar em seu 
coração sentimentos agregadores. 
A tarefa educativa dentro do projeto de educação do Emílio será, 
portanto, o estabelecimento de uma constituição harmoniosa do homem com 
seu entorno, de relações éticas para o desenvolvimento de uma boa 
sociabilidade. Através sobretudo, da recuperação da bondade original do 
homem, ou seja, do aspecto piedoso do amor-de-si antes que o amor-próprio 
lhe toque o coração. Dessa forma, será possível orientar essa paixão 
ambígua, que é de acordo com Dalbosco (2018) a mola propulsora do laço 
social, pela virtude para direcioná-lo ao seu lado construtivo "(...) 
aproximando seres humanos entre si pelo ideal da justiça e da bondade (...)" 
(DALBOSCO, 2018, p.6) 
 
 
 
 
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4. Considerações Finais 
 
As experiências de pensamento de Rousseau, como vimos, se dão por 
um procedimento dedutivo que permite a comparação entre o fato e a 
norma, entre o que é e o que poderia (ou deveria) ser. Tal procedimento 
permite julgar o presente com justiça, a partir dos princípios e fundamentos 
convencionais estabelecidos por uma teoria pura, como o estado de 
natureza, o homem natural e a criança Emílio. Segundo Streck (2004), 
considerar os homens como são implica no reconhecimento das dificuldades 
engendradas e consolidadas ao longo da história que não podem ser 
apagadas, no entanto, tal realidade também não pode ser considerada como 
um critério para se pensar o futuro. "É preciso encontrar um ponto de apoio 
que dê segurança para sair do ciclo da necessidade ou da fatalidade do 
presente."(STRECK, 2004, p.22). É neste sentido que se toma as coisas como 
podem ser, as verdades convencionais, como parâmetro para se pensar um 
futuro melhor, as verdades conjecturais. 
O estado de natureza como um postulado de método permite expor 
características intrínsecas ao homem e explicar aspectos da existência 
humana, que estão em constante mudança, como vimos na história 
conjectural do Segundo Discurso, que representa o declínio do homem e da 
sociedade. Ao elaborar uma hipótese histórica que transcende os fatos, 
Rousseau chega ao homem natural, sua categoria de referência. A trajetória 
da educação da criança descrita no Emílio ou da Educação, reproduz em uma 
escala individual a trajetória da desnaturação da espécie humana. Dessa 
forma, a análise de tal obra é atravessada pelo quadro teórico exposto no 
Segundo Discurso. A educação do menino Emílio deve ser, assim, lida como 
uma construção lógica, um tratado de uma ciência da natureza humana que 
permite teorizar sobre a moral na esfera individual ao arquitetar uma 
narrativa hipotética sobre o desenvolvimento da criança. 
 
 
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Para tratar da criança é preciso, portanto, reportar-se à ciência do 
homem iniciada no Segundo Discurso, ao modelo antropológico do homem 
natural e suas características gerais. Será essa estrutura teórica geral do ser 
humano que, de acordo com Kawauche (2019), como uma escala de 
medidas, Rousseau toma como instrumento de observação para julgar os 
homens existentes. Mantendo a coerência e o rigor científico, o fio condutor 
de seu pensamento, na obra educacional também temos a aplicação do 
método da dedução e o conceito de natureza do Segundo Discurso como 
norma. 
Rousseau mantém o olhar empírico e experimental que observa os 
fenômenos a partir deles mesmos, ou seja, a criança a partir de si mesma e 
não mais considerada como um adulto em miniatura. Assim, o olhar para a 
criança envolve não apenas a harmonia do corpo e da alma nas diferentes 
etapas de desenvolvimento, mas também a sua relação com o meio, sejam 
as relações com o meio físico, a natureza, ou com outros homens. É 
importante observar que a criança da mesma forma que o homem natural e 
o estado de natureza é um pressuposto metodológico, uma ficção para 
descrever a infância em uma época em que a mesma não era vista em sua 
especificidade. Como afirma Carlota Boto (2010), a história do menino Emílio 
integra uma narrativa lógica e explicativa sobre o desenvolvimento do 
indivíduo e a infância é uma categoria escolhida para operar seu pensamento 
sobre a condição humana. 
Tendo como referência o modelo antropológico do homem natural 
exposto no Segundo Discurso, coloca-se no Emílio, a criança, no centro do 
processo de aprendizagem buscando identificar na natureza as leis do 
ensinar e aprender. Tarefa que será de extrema importância, pois de acordo 
com Streck (2004) será na natureza que Rousseau encontra a inspiração 
para uma vida e uma sociedade diferentes. A meta da educação será, dessa 
maneira, formar um agente livre perguntando-se pela educabilidade do 
homem. 
 
 
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Há, no entanto, uma diferença essencial entre o Segundo Discurso e 
Emílio, o fato de que enquanto a primeira trata de uma "(...) crítica da 
cultura baseada numa antropologia filosófica"(DALBOSCO, 2012, p.275), 
sem intervenções, a segunda esboça um projeto educacional em que há a 
todo momento propício intervenções pedagógicas que procuram evitar o 
declínio moral dos homens. Intervenções que são possíveis pelo 
 
(...) significado filosófico atribuído ao conceito de perfectibilité que 
impediu Rousseau de ser um determinista tout court. Tal conceito, 
significando a relação do homem consigo mesmo e com suas 
objetivações, indica um processo aberto no qual o homem pode, 
evidentemente, deformar-se a si mesmo, mas também, de outro 
modo, construir-se com dignidade moral. (DALBOSCO, 2012, p. 275) 
 
A decadência humana, portanto não é fatal nem irreversível e o amor-
próprio apesar de como constatado no Segundo Discurso ter produzido 
modos de existência que resultaram em vícios e degeneração, como bem 
coloca Kawauche (2021) não se trata de uma maldade natural. Isso é 
exatamente aquilo que Rousseau refuta uma vez que o problema da 
corrupção social "(...) é que as condições que determinam a sociedade são 
desfavoráveis à produção de dispositivos que promovam comportamentos 
virtuosos."(KAWAUCHE, 2021, p.41). 
Deixado indeterminado pela natureza, ao invés de ignorar "(...) o que 
nossa natureza nos permite ser (....)"(ROUSSEAU, 1979, p.35), viver de 
acordo com a natureza seria utilizar desse espaço em benefício próprio para 
se autodeterminar a partir de suas escolhas, dado que a natureza também o 
fez livre para escolher. Tal procedimento é possibilitado pela educabilidade, 
a capacidade de determinar a si mesmo e desenvolver suas faculdades em 
um processo constante e sem fim definido. 
Tendo em mente a ambiguidade do amor-próprio engendrada pela 
perfectibildiade que permite impulsionar os laços sociais para um lado 
destrutivo provocando a corrupação dos homens e da sociedade ou para um 
lado construtivo orientadopela virtude, o que Rousseau pretende formar no 
 
 
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menino Emílio "(...) é a capacidade que todo o ser humano possui de dirigir-
se virtuosamente a si mesmo que constitui o antídoto indispensável à 
maldade das paixões humanas."(DALBOSCO 2018, p.6). Neste sentido, a 
base do projeto educacional de Rousseau encontra-se na educação do amor-
próprio e sua extensão à virtude pela piedade, promovendo dessa forma, a 
formação de uma sociabilidade agregadora, diferente daquela descrita no 
Segundo Discurso. 
 
 
 
 
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