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HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DA ÁFRICA AULA 2 Prof. Edmar Almeida de Macedo 2 CONVERSA INICIAL Esta aula está organizada em dois grandes eixos: o primeiro diz respeito à apresentação, discussão e problematização sobre as fontes disponíveis para o estudo da história africana. O segundo versa sobre aspectos da pré-história africana, com destaque para o surgimento do próprio homem no continente, bem como das práticas agrícolas e das artes. Organizada dessa maneira, esta aula corresponde, em linhas gerais, ao que denominamos de pré-história — termo que, assim como outros, merece ser discutido. […] O termo pré-história, embora remeta-nos diretamente a um debate do século XIX, cuja definição de história estava estreitamente ligada às populações que possuíam a escrita como código cultural, passará por ressignificações que precisam ser observadas. (Oliveira; Andrade; Aragão, 2020, p. 286) Assim, não é possível trabalhar com o conceito de pré-história sem ao menos criticar o seu conteúdo, que remete sempre à falta: de escrita, de Estado, de agricultura, de civilização. Quando já sabemos que isso não é verdadeiro, posto que várias dessas instituições tiveram início na própria pré-história (salvo a escrita, adotada como marco temporal disruptivo), ao fim e ao cabo não faz parte de nenhum período, mas é a fronteira entre dois deles. Estudar esse período da vida humana nos remete também às próprias possibilidades do fazer historiográfico e o uso que se faz das fontes. Se a história conquistou um lugar diferente da literatura para narrar o passado é porque o historiador é capaz de, ao mesmo tempo, fazer uso das fontes e a sua crítica (Le Goff, 1996). Assim, a história já não é mais um encadeamento de fatos, acontecimentos e personagens que emergem dos documentos, mas um campo do conhecimento capaz de encontrar sentido nas narrativas, que produz a partir da crítica às fontes. Se o trabalho com as fontes é o âmago do trabalho do historiador e, ao mesmo tempo, de certa forma, conhecer algo é poder classificar esse objeto, é de grande interesse a classificação de fontes expressa na imagem a Figura 1. 3 Figura 1 – Taxonomia das fontes históricas Fonte: Barros, 2012. Nessa classificação, do ponto de vista da posição, as fontes podem ser; • diretas: o autor ou enunciador do texto chega ao seu objeto ou nos transmite alguma informação sem passar por um intermediário; • indiretas: “o autor ou enunciador do texto chega ao seu objeto ou nos transmite alguma informação passando por um intermediário ou mais” (Barros, 2012, p. 134). Do ponto de vista da intencionalidade, as fontes podem ser: • voluntárias: como as correspondências, as crônicas, as memórias produzidas com intencionalidade e caráter testemunhal; • involuntárias: documentação comercial, cartorial ou jurídica, documentação da administração estatal ou privada, da maior parte dos objetos da cultura material, produzidas sem a intencionalidade testemunhal. Já do ponto de vista da qualidade as fontes se distinguem em: • materiais: aqueles documentos em que o principal interesse está na sua própria existência material; 4 • cultural: aqueles documentos em que o mais importante não é o meio, mas a mensagem que carregam. Por fim, do ponto de vista da serialidade, temos as: • seriais: aquelas que constituem um todo (uma série), homogêneas, sem grandes lacunas; • não seriais: definidas pela negativa, de não constituírem uma série. Se essa taxonomia é importante para a história em geral, é mais importante ainda tê-la presente para o estudo da pré-história, para que tenhamos em mente, de maneira definitiva, que a ação do homem antes da invenção da escrita é plenamente alcançável pelos métodos da história, em especial através das fontes materiais, não seriais, involuntárias, diretas e indiretas. TEMA 1 – FONTES ARQUEOLÓGICAS A história como campo do conhecimento possuidor de enlaces constitutivos com outras áreas do conhecimento, como já vimos, não pode estar restrita apenas às fontes de natureza escrita e documentais. Assim, as fontes acessadas pela arqueologia possuem grande relevância. A arqueologia é o campo de estudo por excelência das fontes materiais, e pode ser definida como uma ciência social no sentido de que tenta explicar o que aconteceu no passado de alguns grupos específicos de seres humanos e generalizar os processos de mudança cultural. Diferentemente dos etnólogos, geógrafos, sociólogos […], os arqueólogos não podem observar o comportamento da gente que estuda e, diferente dos historiadores, muitos deles não tem acesso ao pensamento dessa gente através das suas fontes escritas. Em seu lugar, os arqueólogos devem deduzir o comportamento e as ideias humanas a partir dos restos materiais de todo aquele que os humanos criou e utilizou, e a partir do impacto do meio ambiente de suas atuações. (Trigger, 1992, p. 29) No estudo das populações ágrafas, a arqueologia é uma ciência imprescindível, dado que ela pode, com primazia, a partir do estudo da cultura material produzida por esses povos, produzir conhecimento acerca do seu modo de vida, sua organização política, religiosa, econômica e demais aspectos da existência dessas populações. Milhares de anos da história africana não contam com documentos escritos. Dessa forma, a arqueologia e suas fontes ganham grande espaço para subsidiar a reconstrução da história desse continente. Para a investigação da 5 história africana, até o ano de 622, predominam as fontes arqueológicas (Silvério, 2013). A combinação da arqueologia com a paleobotânica, por exemplo, possibilita compreender, datar e narrar o surgimento da agricultura no continente, a ação do homem em relação à natureza e a transição, no neolítico, da economia de coleta para a de produção (Silvério, 2013). Um dos campos em que fica evidente a importância da arqueologia é no que comumente chamamos de egiptologia. Nesse campo de estudos, dedicado à civilização egípcia antiga, tanto a escrita quanto as fontes propriamente arqueológicas são utilizadas. Se comumente se associam as populações agrafas e a pré-história com a ideia de “idade da pedra”, não é sem alguma razão. Afinal, a indústria lítica foi um aspecto fundamental da relação entre o homem e a natureza, constituindo- se atualmente em uma grande fonte histórica. Os vestígios líticos, de maneira geral, são todas as pedras que foram utilizadas pelas populações, neste caso pré-históricas, transformando- as em instrumentos úteis para o cotidiano, como para a caça, defesa, pesca e colheita, variando os seus métodos de fabricação entre principalmente o lascamento, polimento e/ou picoteamento. (Rocha, 2015, p. 75) Portanto, a análise desses vestígios líticos constitui-se em importante fonte de informação em relação à forma como essas populações relacionavam- se com a caça, com a defesa, bem como com o domínio de técnicas de fabricação desses artefatos. As técnicas e métodos próprios da arqueologia fazem dessa ciência um campo do conhecimento possuidor de uma grande particularidade, que é o emprego da química, da física, da história, da antropologia, da botânica e de diversas outras ferramentas ligadas a diversas áreas do conhecimento para os seus objetivos (Silvério, 2013). Para recolher o objeto arqueológico ou mesmo dar início à prospecção de um sítio, são empregadas técnicas de escavação, fotografia (inclusive aérea), análise de solo e de matérias orgânicas, de resistividade elétrica, de exame magnético, dentre outras. O primeiro passo ao se recolher a mostra arqueológica ou estudar uma construção é submetê-la a um tratamento arqueométrico. Nessa técnica, são usadas diversas técnicas com o objetivo de aferir a autenticidade do achado, sua correta identificação, o arrolamento de eventuais palavras presentes,a determinação da origem e das técnicas de fabricação. 6 Um outro desafio é a datação, que pode ser inferida pelas técnicas arqueométricas ou combinada com exames de radiocarbono, potássio-argônio, ou ainda por exame de termoluminescência. Por fim, as técnicas de conservação são essenciais, em especial no cenário africano. A aridez e o calor submetem os materiais orgânicos a condições extremas, fazendo com que papiros, pergaminhos, couros etc. apresentem grande ressecamento e fragilidade. Técnicas de restauração da umidade são passos prévios ao estudo desses materiais. Mesmo os monumentos em pedra não estão livres das intempéries e agentes de deterioração, sejam a chuva, o sol, o frio, o calor, o vento, o sal, que combinados em alternância colaboram para a perda de informações valiosas. TEMA 2 – FONTES ORAIS E ESCRITAS A produção de fontes escritas para a história da África pode ser dividida em dois grandes períodos (Silvério, 2013): um anterior ao século XV e outro posterior. Esse século marca a retomada de um contato mais profundo entre o continente europeu e o africano, o que vai representar diversas mudanças, inclusive na produção de fontes escritas. O período anterior ao século XV, do ponto de vista da produção documental, pode ser ainda subdividido em (Silvério, 2013): • Antiguidade até o islã: Antigo Império até +622 (expansão do Islã); • Primeira Idade Islâmica: de +622 até a metade do Século XI (1050); • Segunda Idade Islâmica: do século XI ao século XV. Como já vimos, nesse primeiro período, que vai até 622, as fontes escritas são raras, predominando as fontes arqueológicas. Para a África Ocidental e Central, é desconhecida ainda hoje qualquer fonte escrita desse período (Silvério, 2013). Para esse primeiro período, são importantes as fontes escritas egípcias, os gregos (Ptolomeu e Heródoto, dentre outros), bem como autores romanizados do norte africano após a conquista romana. A partir da conquista árabe do norte do continente, proliferam crônicas, arquivos e outras fontes escritas, fazendo a primeira Idade islâmica pródiga em fontes não arqueológicas. Nesse período, não só o norte africano, mas a África negra começa a aparecer com mais detalhes nas fontes escritas (Silvério, 2013). 7 O terceiro período, que aqui chamamos de Segunda Idade Islâmica (séc. XI até séc. XV), mostra uma variedade ainda maior de fontes escritas. Mesmo a África subsaariana é retratada em detalhes. As fontes literárias são abundantes, assim como as fontes políticas e administrativas. O final do século XV e início do XV marcam uma proliferação vertiginosa das fontes escritas sobre a África (Silvério, 2013). Correspondências, relatórios, registros comerciais e religiosos, entre outros são produzidos, dando conta de todo o território africano. Sua origem é autóctone, mas também produzidas por árabes, otomanos, europeus e mesmo descendentes de africanos na América. Seu registro continua sendo produzido em língua árabe, mas agora também temos fontes em alfabeto latino e mesmo os alfabetos autóctones deixam numerosos registros. Biografias, genealogias, narrativas, estatísticas e posteriormente jornais vão ampliando a tipologia das fontes escritas. São abundantes na África também as fontes orais. Grande parte das civilizações africanas assentou a transmissão de testemunhos de uma geração a outra de forma oral — o que não as coloca em um patamar inferior, ou mesmo seja possível defini-las pela simples ausência da escrita. Uma sociedade oral reconhece a fala como um meio de preservação da sabedoria dos ancestrais, venerada em locuções-chave, isto é, a tradição oral […]. A oralidade é uma atitude diante da realidade. Antes de interpretar suas tradições, o historiador deve iniciar-se nos modos de pensar da sociedade oral. (Silvério, 2013, p. 52) É preciso levar em conta que as fontes orais têm uma fragilidade peculiar, que é a possibilidade de aquela narrativa se transformar com o passar do tempo. As fontes escritas, em contraste, também apresentam suas peculiaridades, podendo desaparecer repentinamente — fruto de um incêndio, por exemplo, o que é mais difícil que aconteça com uma fonte oral. Do ponto de vista da fidedignidade daquilo que nos informam, os dois tipos de fonte são igualmente sujeitas a crítica e a verificação. As fontes orais estão imersas e impregnadas da tradição do povo que as preserva. Assim, uma análise desse tipo de fonte não pode prescindir da compreensão do arcabouço cultural que envolve essa fonte e que torna possível sua repetição e produção. Uma característica das sociedades orais e que sustentam suas tradições com base nos relatos também orais é a questão da contagem do tempo. Mesmo que não seja difícil identificar o antes e o depois, comumente as tradições orais abreviam, fundem ou alongam determinados 8 períodos do tempo, para que a história contada faça sentido e não se perca em detalhes inúteis. Isso tudo torna a fonte oral desafiadora. Quando uma fonte oral pode contar com outros tipos de fontes para confronto, o trabalho do historiador se vê facilitado. Assim, uma fonte arqueológica pode ajudar a datar ou precisar certa narrativa oral. Uma fonte escrita pode corroborar ou não uma fonte oral, sem que tenhamos proeminência de uma sobre outra, que devem ser confrontadas então com outras fontes para a busca de uma maior precisão. A crítica literária, sociológica, linguística, histórica e de outras ordens é o que vai conferir maior ou menor probabilidade de uma fonte oral ser proveitosa para o estudo da história de determinado povo. TEMA 3 – SURGIMENTO DO HOMEM Ao discutirmos o surgimento do homem, que tem a África como seu palco, é preciso primeiramente colocar a fé e a ciência cada uma seu lugar. Quando estudamos o surgimento do homem em uma disciplina de um curso superior, seja ela na história, na biologia ou em qualquer outra, temos por base o conhecimento acumulado pela ciência a respeito desse assunto. Isso porque a história é um campo do conhecimento humano (e podemos até discutir se é uma ciência ou não), mas não é uma fé. Uma fé caracteriza-se pela crença; por acreditar, sem a necessidade de prova do objeto da fé. Já a história, não; ela está calcada nas fontes históricas e na produção de conhecimento com base em um método. História não é fé, e a fé não é história. Mesmo que a história possa estudar a fé, e a fé possa produzir narrativas acerca da história, elas não se confundem. Assim, as narrativas religiosas acerca do surgimento do ser humano estão no campo da fé, para as quais não existe a necessidade de provas. Já o conhecimento histórico, por ser de outra ordem, opera com base no diálogo com a biologia, a arqueologia, a paleontologia e outras ciências, para firmar um conhecimento que é histórico, e não religioso. Por isso, não existe lugar em aulas de história, seja no Ensino Superior ou no Ensino Básico, para as explicações religiosas acerca do surgimento do homem ou de qualquer coisa, já que essa ordem de explicações (as religiosas) possui outra base e seu lugar são os lugares de culto das diversas religiões. Logo, é um grande equívoco do ponto de vista do ensino da história, da educação em geral e do princípio da laicidade querer que se explique, nas 9 escolas, duas versões (a religiosa e a científica) sobre o surgimento do homem ou da vida. A escola é o lugar da explicação científica, enquanto a igreja é o lugar da religião. Afinal, ninguém imagina o sacerdote dividindo sua explicação entre aquilo que prega o seu livro religioso de preferência e aquilo que ensina a ciência sobre determinado assunto. Não deveríamos imaginar o mesmo a respeito dos professores. Postas essas questões iniciais, é possível afirmar que hoje é universalmente aceita a teoria do monogenismo (Silvério, 2013), ou seja, que o homem surgiuem um único lugar e de lá espalhou-se pelo globo. As evidências disponíveis indicam que essa origem está localizada na África Oriental há aproximadamente 3 milhões de anos (Silvério, 2013). É esse hominídeo, chamado australopitecos, o primeiro a usar de maneira sistemática as pedras lascadas como instrumento, feitas a partir de sua iniciativa consciente. É essa atividade fabril, fruto da capacidade do trabalho humano, que é a chave para explicarmos a “hominização” (Silvério, 2013), ou seja a passagem do mundo natural para o mundo cultural. Outras formas biologicamente parecidas com esse homem primitivo já teriam existido antes e simultaneamente, portadores de cérebros avantajados, andar ereto e polegar opositor. No entanto, é o desenvolvimento do trabalho como habilidade consciente e sistemática que proporciona a hominização. O surgimento do trabalho, por sua vez, não encerra o processo de evolução biológica. Ao contrário, o homo sapiens só se fixou como padrão preponderante entre os demais hominídeos há cerca de 100 mil anos atrás, mesmo tendo surgido há cerca de 200 mil anos atrás (Silvério, 2013), na região da atual Etiópia. E muito provavelmente sequer é descendente do australopitecos, mas compartilha com este um ancestral comum. Assim, é importante termos em mente que hominídeos e outros aparentados de diversas espécies conviveram no tempo (mesmo que em espaços geográficos distintos). O fato inconteste (Silvério, 2013) é que diversas dessas espécies tiveram origem na África e migraram para outros continentes, sendo por isso possível encontrar hominídeos de origem africana em lugares distantes como a Ásia e a Europa, mesmo antes da dispersão do homo sapiens. 10 TEMA 4 – AGRICULTURA A agricultura na África, como não poderia deixar de ser, está profundamente relacionada com o clima do continente. Assim, o centro da África é ocupado por florestas tropicais, ladeadas a norte e ao sul por savanas, que, por sua vez, possuem como vizinhos, ao norte e ao sul áreas desérticas, para finalmente, no extremo sul e norte do continente, encontrarmos climas “mediterrâneos” (em que pese as peculiaridades do extremo sul). Esse é o cenário que por vezes sofreu mais aridez e por vezes mais umidade, constituindo-se no quadro em que se desenvolveu a agricultura do continente. Podemos localizar alguns berços agrícolas africanos, em que a agricultura surgiu e desenvolveu-se (Silvério, 2013): • Berço afro-mediterrâneo: do Egito ao Marrocos; • Berço afro-ocidental: no oeste, com dois setores, tropical e subequatorial; • Berço Nilo-abissínio: no leste, com dois setores, o nilótico e o abissínio; • Berço afro-central; • Berço afro-oriental: a leste do berço afro-central, estendendo-se para o oeste, na direção da atual Angola. No extremo sul, houve grande demora no desenvolvimento do pastoreio e da agricultura, predominando a coleta. Já o berço-afro central não se caracteriza exatamente como uma área agrícola, mas sim como uma área de predomínio de atividades hortícolas. As atividades hortícolas caracterizam-se “pela predominância de tubérculos multiplicados por via vegetativa e pelas práticas agrícolas semelhantes às da jardinagem” (Silvério, 2013, p. 129). Já nas estepes e savanas, predominava a semeadura e os cereais. O sorgo, de provável origem africana, estava presente em quase todos os berços agrícolas. No berço afro-ocidental, teve origem o cultivo do arroz, originalmente de variedades africanas, que depois conviveram com variedades vindas da Ásia (séc. VIII pela mão dos árabes e século XVI pela mão dos europeus). O berço mediterrâneo influenciou a agricultura e a criação de animais no Saara e trocou influências com o berço do Oriente Médio, através do Egito. Por isso, é nessa região que se encontram o trigo, a cevada, além da oliveira e da alfarrabeira. Também a região abissínia foi pródiga no desenvolvimento da 11 cevada e de leguminosas, além do sorgo. É também por essa região que são introduzidas no continente a bananeira e o café. O período decisivo de início da agricultura no continente foi em torno do ano 9000 a.C. a 5000 a.C. (Silvério, 2013). É o desenvolvimento da agricultura, da criação de animais e mesmo o aperfeiçoamento da coleta, que propiciam um crescimento nos excedentes alimentares, criando condições para o aumento das populações, em especial a beira dos rios e lagos, que passam a se tornar cada vez mais sedentárias. TEMA 5 – ARTE PRÉ-HISTÓRICA De fato, a arte é o homem. E a arte mural africana é o primeiro livro de história desse continente, testemunho ambíguo e enigmático, que precisa do respaldo de outras fontes de informação. Por meio da arte pré-histórica, o homem africano proclamou, através dos tempos, sua luta encarniçada para dominar a natureza, para alcançar o prazer infinito da criação, o êxtase do homem demiurgo. (Silvério, 2013, p. 125) Esse primeiro livro de história da África, a arte, teve início no Epipaleolítico e teve seu auge no Neolítico. Outra forma de periodizar a arte pré-histórica africana toma como referencial os animais mais representados em cada período. Segundo essa classificação (Silvério, 2013), temos: • Búfalo (+- 9000 AP até +- 6000 AP): é o início do período Quaternário, quando são representados em abundância o elefante e o rinoceronte. • Boi (início em +- 6000 AP): predomina o naturalismo e as cenas de pastoreio. • Cavalo (início em +- 3500 AP): por vezes aparece atrelado a um carro. Corresponde ao período de introdução e auge do uso do cavalo. O hipopótamo, que aparecia nos períodos anteriores, aqui desaparece. • Camelo (+- ano 2000 AP): já no início da era cristã, a introdução do camelo na África do Norte marca o último período arte rupestre, já fora do período pré-histórico. Corresponde à substituição do uso do cavalo pelo camelo no deserto do Saara, cada vez mais árido. Os locais de maior abundância de ocorrência da arte rupestre são a região do Saara e a África Austral. Na região do Saara, temos três tipos e estilos de arte rupestre: 12 • Arcaica: coincidente com o período do Búfalo, de tamanho monumental, seminaturalista ou simbolista. Predominam as figuras de animais de grande porte e isolados. Uma segunda vertente do tipo arcaico inclui homens (“cabeças redondas”) e animais menores, como os antílopes e argalis. • Naturalista: marcada por figuras de tamanho pequeno, isolados ou em grupo. Retrata o domínio do homem sobre os animais. É um estilo descritivo, que usa cores em abundância. • Simbolista: o esquematismo geométrico convive com a precisão do traço, com movimento e predomínio das técnicas de gravura. Os “cabeças redondas” típicos da do estilo arcaico são muito significativos, posto que são algumas das primeiras representações humanas. São caracterizados por figuras humanas en las que la cabeza se suele reflejar mediante un círculo sin representar los rasgos faciales y normalmente unida al cuerpo sin la intermediación del cuello. (Teslaar, 2013, p. 95) Do ponto de vista da sua função na sociedade, é possível afirmar que ela era múltipla. Possuía uma função mitológica, portadora de mensagens pedagógicas e sociais, mas também uma função espiritual e mágica. É também possível identificar funções puramente estéticas. Como fonte histórica, a arte pré-histórica nos dá acesso ao ambiente ecológico do período, às atividades econômicas, à relação com os animais e à passagem da caça ao aprisionamento e à criação. Combinada com a descoberta de utensílios, pode dar indicativos da densidade demográfica em determinadas regiões, além de pistas sobre vestuário e moradia. NA PRÁTICA Promover atividades práticas no ensino da pré-história africana é um desafio. No entanto, podemos sempre começar aproveitando a função educativa dos museus, que são locais privilegiados na abordagem da arqueologia.Portanto, para abordar a arqueologia como produtora de fontes, temos vários museus virtuais brasileiros: • Museu Nacional: tour virtual pelo museu antes do incêndio de 2018; • Museu de Arqueologia e Ciências Naturais da UNICAP: tour virtual; 13 • Documento Cultural: Museu Virtual do Patrimônio Cultural; • Arqueoenvironment: Museu Virtual de Arqueologia; • Laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia: Acervo Multimídia de Arqueologia e Multimídia. O museu Maropeng, na África do Sul, tem um rico acervo sobre a pré- história africana. Em sua página na internet1, existe algum conteúdo disponível, em inglês. Em português, existe um acervo extraordinário sobre a evolução humana. Trata-se do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP: Museu Virtual de Evolução Humana2, onde é possível acessar mapas com a localização, na África, dos principais fósseis descobertos acerca desse assunto. Existe também um rico acervo de vídeos na internet sobre os assuntos abordados nesta aula. Um dos mais interessantes é um debate3 entre dois pesquisadores sobre a evolução humana. FINALIZANDO Pudemos conhecer, nesta aula, as fontes e seus usos para a história africana, uma proposta de taxionomia das fontes, com uso não somente para a história da África, mas também para a história em geral. A utilidade específica dessa classificação está em nos levar a perceber que longe de se resumir aos documentos escritos, as fontes podem ter vários formatos, intencionalidades, qualidades e serialidades. Desse modo, está posta a importância das fontes arqueológicas, tão úteis para o estudo da pré-história em geral e da africana também. Os vestígios líticos, as moradias, os restos paleobotânicos, dentre outros são importante fontes de informação a respeito das civilizações ágrafas (mas não só delas), possibilitando reunir conhecimentos sobre a vida social, econômica, política e demais recortes a respeito desses povos. Já em relação às fontes orais e escritas, vimos como são importantes fontes relativas aos períodos mais recentes da história africana. No cenário da história do continente, as línguas autóctones, o islã e as línguas europeias ofereceram suportes diversificados para as fontes orais e escritas, que se distribuem de maneira desigual no tempo e no espaço. 1 Disponível em: <https://www.maropeng.co.za/>. 2 Disponível em: <http://evolucaohumana.ib.usp.br/>. 3 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qpnnw23jDT4>. 14 Em relação ao surgimento e à evolução do ser humano, vimos o lugar central da África nesse debate e, ainda, como a abordagem dessa questão no âmbito da educação deve ser pautada pelos conhecimentos científicos. No que se refere à agricultura, ficou patente a ligação entre as possibilidades dadas pelo meio natural e o desenvolvimento de determinadas técnicas e espécies, constituindo “berços” agrícolas com dinâmicas e características próprias e que propiciaram o aumento populacional ligado ao aumento da produção agrícola, da pecuária e do pastoreio. Por fim, vimos como a arte, essa expressão singular da humanidade, floresceu no continente africano, cumprindo múltiplas funções religiosas, estéticas e outras, passando por diversos períodos, marcados por características próprias, embora seja impossível vê-las de modo absolutamente estanque. As expressões artísticas são também preciosas fontes de conhecimento acerca da mentalidade, natureza e vida social dos povos que as produziram. 15 REFERÊNCIAS BARROS, J. D. Fontes Históricas: revisitando alguns aspectos primordiais para a Pesquisa Histórica. Mouseion, n. 1, p. 129-159, 2012. LE GOFF, J. História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1996. OLIVEIRA, A. L.; ANDRADE, J. A.; ARAGÃO, L. A. O conceito de pré-história nos livros didáticos de História no Brasil. PerCursos, n. 21, 277-302, set./dez. 2020. ROCHA, L. C. “As pedras na história”: o uso de fontes arqueológicas “pré- históricas” para a historiografia. História Unicap, n. 2, p. 64-78, jan./jun, 2015. Disponível em: <http://www.unicap.br/ojs/index.php/historia/article/view/593/507>. Acesso em: 21 mar. 2021. SILVÉRIO, V. R. Síntese da Coleção História Geral da África: pré-história ao século XVI. Brasília: Unesco; Ministério da Educação; UFSCAR, 2013. TESLAAR, H. A. Interpretación del arte rupestre centro-sahariano: una aproximación al estilo de cabezas redondas. Espacio, Tiempo y Forma, p. 87- 121, 2013. TRIGGER, B. G. Historia del pensamiento arqueológico. Barcelona: Crítica, 1992.
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