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07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 1/25 LINGUÍSTICA CAPÍTULO 3 - A LINGUAGEM MUDA EM FUNÇÃO DO CONTEXTO? Adriana Paula da Silva Amorim INICIAR Introdução Para iniciar este estudo, é importante que você tenha em mente que tanto o estruturalismo quanto o gerativismo – duas correntes linguísticas de base formal – consideram a linguagem como um aspecto essencialmente humano, e a língua como um sistema autônomo de regras por meio do qual uma comunidade linguística se comunica. De fato, as discussões realizadas pelos teóricos formalistas, em especial Saussure (1916) e Chomsky (1957), possuem grande relevância no âmbito dos estudos linguísticos. Ao longo da segunda metade do século XX, outras vertentes dos estudos linguísticos começaram a surgir com base em algumas indagações, tais como: se a língua de fato é homogênea, como postula Saussure (1916), por que mudamos nosso modo de falar em diferentes situações de comunicação? Se a linguagem é essencialmente humana, por que ao estudá-la desconsideramos as manifestações realmente proferidas pelos falantes das línguas? E, ainda, como podemos afirmar que ela não sofre influências da história e da cultura dos povos? No início do tópico 3.1, você poderá observar um diagrama que apresenta o resumo do percurso histórico dos estudos linguísticos. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 2/25 A fim de refletir sobre essas questões, neste capítulo trataremos de duas áreas da linguística que consideram fatores extralinguísticos, ou pragmáticos, no estudo da linguagem: o funcionalismo e a sociolinguística. Dessa forma, os dois primeiros tópicos deste capítulo destinam-se ao funcionalismo, enquanto os dois últimos à sociolinguística. Esperamos que você se sinta instigado a conhecer melhor e compreender esses conceitos, intensificando, assim, sua formação profissional e acadêmica. Bom estudo! 3.1 Funcionalismo europeu e norte- americano A ciência linguística passou por três momentos: o historicismo, o descritivismo e o funcionalismo, conforme você pode observar no diagrama a seguir. Após a preocupação de elaboração de árvores genealógicas das línguas e comparação entre línguas, que configuram o primeiro momento; a abordagem à análise descritiva da língua, realizada pelos estruturalistas e gerativistas, no segundo momento, surgiu uma outra forma de estudar e entender a língua, conforme seu uso em funcionamento. Figura 1 - Percurso histórico dos principais estudos linguísticos. Fonte: Elaborada pela autora, 2018. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 3/25 O funcionalismo é a corrente teórica da linguística que analisa a relação entre forma e função, entre a expressão e o conteúdo, ou significado, considerando a situação de comunicação. Em oposição ao estruturalismo e ao gerativismo, o funcionalismo busca estudar a estrutura linguística considerando sua relação com o contexto de comunicação em que ela se enquadra. Assim, embora seu surgimento tenha ocorrido dentro dos estudos estruturalistas, com linguistas do Círculo Linguístico de Praga, seus métodos e objetivos de análise diferem da abordagem estritamente estruturalista, visto que não se interessa somente pela forma, mas leva em consideração que o código linguístico é condicionado pelo significado, ou seja, a forma existe em função do conteúdo, diretamente ligado aos aspectos comunicativos externos ao sistema linguístico. Em outras palavras, quando formulamos um texto, selecionamos e organizamos as palavras a fim de atingir nossos objetivos de alertar, orientar, pedir, emocionar, entre outros. Figura 2 - Elementos situacionais passam a ser importantes na análise linguística. Fonte: Marcin Balcerzak, Shutterstock, 2018. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 4/25 Dessa forma, a língua não é mais considerada um sistema autônomo, conforme afirmavam estruturalistas e gerativistas. Por isso, os estudos funcionalistas trabalham com dados reais de fala ou escrita em variados contextos de produção da linguagem. VOCÊ SABIA? Existem formas variadas para uma única função linguística. Pense em diferentes expressões que servem para cumprimentar uma pessoa: oi! / olá! / e aí? /bom dia! / boa tarde! /boa noite!, entre tantas outras. Observou quantas formas usamos para a função “saudação” em português? Para compreender melhor a relação entre forma e conteúdo, leia as frases no esquema a seguir: Nos dois casos, temos a ocorrência de formas bem semelhantes, cuja ordenação dos termos difere em função do objetivo comunicativo do seu emissor. Na frase à esquerda, identifica-se uma ação (fazer um bolo) realizada por Karina. Em contrapartida, na frase à direita percebe-se claramente que, dada a situação comunicativa, acreditava-se que outra pessoa havia feito o bolo, logo o emissor enfatiza a informação de que foi Karina quem fez. São conhecidas duas vertentes funcionalistas dos estudos linguísticos, uma europeia, proveniente do estruturalismo; e uma norte-americana, mais radical em sua oposição às correntes formalistas e que, inclusive, influenciou muitos grupos de estudo e pesquisa funcionalistas no Brasil. Figura 3 - Transformação da estrutura da frase em virtude da função. Fonte: Elaborada pela autora, 2018. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 5/25 3.1.1 Funcionalismo europeu O funcionalismo europeu surgiu como um movimento dentro do estruturalismo, enfatizando a relevância da função das estruturas linguísticas (CUNHA, 2017), tais como: a função distintiva dos fonemas (bola e bala) e a função contextual da sintaxe (Karina fez um bolo / Quem fez o bolo foi Karina). Segundo Cunha (2017) e Lombardi e Gardelli (2015), os primeiros estudos funcionalistas – realizados a partir de 1926 pelo Círculo Linguístico de Praga, fundado por Vilém Mathesius – admitiam que forma e função interagem de modo que a função influencia, em certa medida, a organização formal. Isso foi considerado uma inovação nos estudos linguísticos, por incluir na análise os significados e os fatores externos à língua, ligados ao uso. Veja a seguir quais foram as principais contribuições dos grupos de estudos funcionalistas da Europa. O Círculo Linguístico de Praga se destacou nos estudos fonológicos. Segundo seus participantes, os fonemas: Não são elementos mínimos em si, mas feixes ou conjuntos de traços distintivos simultâneos. Por exemplo, o fonema /p/ é constituído dos traços: oclusivo, bilabial, surdo; enquanto o fonema /b/ reúne traços: oclusivo, bilabial, sonoro. Logo, /b/ e /p/ diferem quanto à sonoridade, e é esse o traço que distingue pares mínimos, como as palavras “pata” e “bata” ou “pico” e “bico” (CUNHA, 2017, p. 160). Trubetzkoy (apud CUNHA, 2017; LOMBARDI; GARDELLI, 2015) destaca a função demarcadora e expressiva dos fonemas. O acento tônico que diferencia as palavras influência (substantivo) e influencia (verbo) é um exemplo de função demarcadora da estrutura linguística. Já a função expressiva, que revela a emoção ou sentimento do emissor, pode ser exemplificada como a pronúncia alongada de determinados fonemas, como em magníiiiiiiiifico. De acordo com Cunha (2017), Jakobson – que elaborou um modelo do processo comunicativo e destacou as funções da linguagem – trabalhou com o conceito de marcação, afirmando que há categorias marcadas e não marcadas na língua. Por exemplo, a palavra patos é marcada em relação à palavra pato, pois apresenta um traço distintivo de número que a segunda não apresenta. Mathesius, por sua vez, dedicou-se à análise da organização da sentença. Para ele, organização das palavras na frase se dá em função das informações (CUNHA, 2017). 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 6/25 Conforme define Halliday (1985), informação é o processo de interação entre o conhecido e o novo.Assim, de acordo com suas análises, quando uma informação é nova tende a ser mencionada no final da frase, enquanto a informação dada, ou seja, já conhecida entre os interlocutores, tende a ser mencionada no início, por já ser conhecida. Imaginando que as frases Karina fez um bolo e O bolo estava delicioso foram retiradas de uma conversa entre duas pessoas conhecidas, percebemos que, na primeira cláusula, o elemento bolo é uma informação nova, por isso aparece no final, mas, contextualmente, na segunda já é conhecido, por isso aparece no início da cláusula (CUNHA, 2017). Dando prosseguimento à teoria da estrutura funcional da sentença, desenvolvida por Mathesius, Jan Firbas elaborou, no início da década de 1960, o modelo da estrutura informacional da sentença, afirmando que a informação dada, conhecida pelo ouvinte, tem menor grau de dinamismo comunicativo e é denominada tema, enquanto a informação nova possui grau máximo de dinamismo e é denominada rema. Nessa perspectiva, em O bolo estava delicioso, o bolo é o tema, e estava delicioso é o rema. Além do Círculo Linguístico de Praga, marcante nos estudos funcionalistas europeus, há a Escola de Genebra, de base saussuriana, representada por Charles Bally, Albert Sechehaye e Henri Frei. Esses teóricos foram além dos postulados de Saussure e passaram a considerar os fatos linguísticos relacionados à fala e sua relação com as funções atribuídas a eles de acordo com a situação comunicativa. Além disso, afirmavam que certos desvios individuais em relação às regras do sistema linguístico poderiam chegar a ser incorporados ao sistema da língua, dada a sua regularidade, bem como caracterizavam alguns desvios como resultados de intenções comunicativas diversas, quando “erramos” de propósito com determinada finalidade (CUNHA, 2017). Percebeu como os estudos funcionalistas ainda se encontram, de certa forma, apegados à estrutura ou ao sistema linguístico? Essa realidade mudou quando, em Londres, também se desenvolveu um grupo, através das ideias de Halliday (1985), que se apropriou de um conceito mais amplo de função, que inclui tanto as funções dos elementos dentro da estrutura como as funções de enunciados e textos inteiros. Nesse sentido, para ele, a linguagem deve ser concebida e estudada como um processo social, considerando cada indivíduo participante do ato comunicativo (CUNHA, 2017). 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 7/25 Michael Alexander Kirkwood Halliday nasceu no condado de Yorkshire (Inglaterra), em 1925. Formou-se em linguística na Universidade de Londres e trabalhou como professor em instituições da Inglaterra, Austrália e China. Estabeleceu seu trabalho de linguagem como parte da vida social humana (GHIO, 2005). Halliday (1985) trabalhava com a análise da língua em três níveis: o texto: utilizado para explicar a linguagem posta em prática, seja ele dito ou escrito; o sistema: a articulação dos elementos para a produção e recepção de sentidos pelos interlocutores; a estrutura: cada elemento da língua é explicado pela sua função dentro do sistema linguístico. Procurando integrar língua e fala, consideradas categorias dicotômicas pelo estruturalista Saussure (1916), a proposta de Halliday (1985) é chamada de linguística sistêmico-funcional. Na prática, consideremos a seguinte frase: “Ele é tão cruel quanto Hitler”. Certamente, ao escolher a palavra Hitler, o interlocutor não considerou somente o fato de ser o nome de uma pessoa, adequada para esta posição na sentença, mas o seu significado, identificado por aqueles que conhecem os acontecimentos em torno dessa personalidade reconhecida mundialmente pelos seus feitos políticos e pelo holocausto durante a Segunda Guerra Mundial (1939- 1945). Em síntese, quando formulamos frases, escolhemos as palavras mais adequadas pela sua função dentro do contexto, a depender da finalidade e da pessoa com quem estamos falando, e não simplesmente pela sua função dentro do sistema linguístico. Conforme Cunha (2017), paralelamente, o grupo holandês composto por Simon Dik e seus seguidores, elaboraram um modelo de análise sintática funcional, segundo o qual a frase deve ser analisada em três níveis: sintático, semântico e pragmático. Dessa forma, na frase “Karina fez um bolo”, o termo “Karina”, no nível sintático, possui função de sujeito; no nível semântico, possui função de agente e, na função VOCÊ O CONHECE? 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 8/25 pragmática, possui função de tema (informação dada). Em síntese, para ele, funções sintáticas devem ser analisadas junto às funções pragmáticas, que também fazem parte do sistema de regras da língua. No Brasil, Rodolfo Ilari (1987) ocupou-se da análise linguística acerca dos conceitos de tema e rema, em linha com os estudos do Círculo Linguístico de Praga, bem como acerca da relação entre a semântica e as estruturas linguísticas, refletindo sobre as operações inconscientes que realizamos o tempo todo ao nos comunicarmos. Além disso, Ilari (1999) colaborou sobremaneira para os estudos descritivos das línguas românicas, oferecendo um aparato científico para novos estudiosos da área. 3.1.2 Funcionalismo norte-americano Nos EUA, foi muito forte a tendência estruturalista e behaviorista de Bloomfield e Sapir, no entanto, Sapir foi influenciado pela visão funcionalista da linguagem, assim como Franz Boas e Benjamin Lee Whorf. Os estudos norte-americanos são considerados mais radicais em relação à combinação entre forma e função. De acordo com estas teorias, as funções externas à linguagem definem as categorias gramaticais. Logo, não há necessidade de se estudar os níveis estruturais da língua, apenas os seus princípios comunicativos, os quais veremos no próximo tópico. Segundo Lombardi e Gardelli (2015), Dwight Bolinger, precursor do funcionalismo norte-americano, destacava o papel dos fatores pragmáticos na ordenação dos elementos na frase. Os funcionalistas norte-americanos defendiam que só é possível descrever e explicar a língua com base nos elementos extralinguísticos, pois “a sintaxe é uma estrutura em constante mutação em consequência das vicissitudes do discurso, ao qual se molda” (CUNHA, 2017, p. 163). Ainda conforme descreve Cunha (2017), Talmy Givón, em contraposição à visão estruturalista, centrou seu trabalho na relação de motivação entre fatores externos à língua e fatos gramaticais, ou seja, a iconicidade, que será vista com mais detalhes no tópico posterior. Hopper e Thompson (1980), por sua vez, desenvolveram o conceito de transitividade, ou transferência da ação de um agente para um paciente, gerado pela ocorrência de frases com agende explícito ou não, o que, para eles, releva intenção discursiva do falante. Ultrapassando as fronteiras dos Estados Unidos, as ideias funcionalistas norte- americanas influenciaram grupos de linguistas na Alemanha e no Brasil. Na Alemanha, os estudos dedicaram-se às questões de mudança linguística e de 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 9/25 gramaticalização. No Brasil, a partir da década de 1980, foram formados o Projeto de Estudo do Uso da Língua e o Grupo de Estudos Discurso & Gramática. Enquanto o primeiro assume uma visão semelhante à sociolinguística, considerando fatores de ordem comunicativa para interpretar a função das estruturas linguísticas, o segundo estuda os processos de gramaticalização (CUNHA, 2017). CASO O Grupo de Estudos Discurso & Gramática foi fundado em 1991, sob o título “Iconicidade na fala e na escrita”, assumido pelo grupo por dois anos. Seus participantes organizaram amostras de língua falada e escrita com informantes em cinco cidades brasileiras: Rio de Janeiro (RJ), Natal (RN), Rio Grande (RS), Juiz de Fora (MG) e Niterói (RJ), a fim de criar um banco de dados reais de fala dos brasileiros para análise da língua. O material é considerado rico, pois além dos registros da modalidade oral da língua, há registrosda modalidade escrita, o que permite ao analista comparar as duas modalidades, se necessário. Veja mais em: <http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/ (http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/)>. No tópico seguinte, serão abordados os princípios de análise funcionalista: informatividade, iconicidade, marcação, transitividade e gramaticalização. 3.2 Princípios ou categorias funcionalistas Conforme você estudou, por meio dos estudos funcionalistas, surgiram novas categorias de análises da estrutura linguística, levando em consideração a importância do contexto situacional para a descrição e explicação dos fatos linguísticos. Veja quais são eles e como são aplicados à análise linguística. 3.2.1 Informatividade Como já explicitado anteriormente, o termo informação diz respeito ao processo de interação entre o que é conhecido dos interlocutores e o que lhes é novo (HALLIDAY, 1985). Nessa perspectiva, a partir desse princípio, se analisa o nível informacional http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/ 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 10/25 dos elementos linguísticos, com ênfase nos sintagmas nominais, que podem ser classificados em dado, novo, disponível ou inferível. Com finalidade de exemplificação, utilizaremos trechos retirados do corpus Discurso & Gramática. Observe: I: é: assim é ... eu vou contar um ... um ... um acidente que aconteceu comigo em setenta e três né... uma coisa que marcou muito ... na minha vida ... é eu tinha seis anos ... aí nós saímos da ... nós morávamos em Nova Descoberta ... aí nós saímos de casa né ... a passeio durante o ... pela manhã ... eu ... eu ... meu irmão ... papai ... um motorista ... (CUNHA, 1993, p. 1). Um elemento é novo quando é introduzido pela primeira vez no enunciado. Assim, o termo “acidente” recebe essa classificação. Um elemento é considerado dado quando já foi mencionado no texto ou se estiver disponível na situação de comunicação, como quando se refere aos próprios interlocutores. No excerto acima, a expressão “uma coisa que marcou muito a minha vida” é exemplo de informação dada, por já ter sido citada anteriormente na fala do informante. Além disso, o elemento pode estar disponível, quando se subentende que está na mente dos interlocutores por ser único e fazer parte do contexto social e cultural a que pertencem, como “sol”, “lua”, “São Paulo”. No excerto em análise, “Nova Descoberta” é um elemento disponível. Em última instância, um elemento pode ser inferível quando não está explícito, mas pode ser identificável por outra informação. É o caso do veículo onde estavam as pessoas que se envolveram no acidente. Embora não esteja explícito o tipo de veículo, sabe-se que se trata de um veículo automotivo, pela informação “motorista”, presente no texto. A relevância da informatividade reside na seleção e ordenação dos elementos linguísticos na frase, em decorrência de seu status informacional (CUNHA, 2017). 3.2.2 Iconicidade Saussure (1916) e seus seguidores estruturalistas trabalhavam com o conceito de arbitrariedade da língua. Em contrapartida, o conceito de iconicidade (relação de motivação entre forma/código e função/significado) ganhou espaço nos estudos funcionalistas, já que para eles a estrutura linguística revela intenções dos interlocutores. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 11/25 A versão inicial de iconicidade, por meio da qual se defende uma relação de igualdade entre código e significado (BOLINGER, 1977, apud COSTA, 2017), foi questionada devido ao fato de que as mudanças linguísticas causadas pelo tempo ou pelo contexto alteram o significado de algumas expressões, como a conjunção concessiva “embora”, que outrora tinha valor de advérbio temporal, sob a forma “em boa hora”, e hoje também é utilizada como partícula de afastamento, como no caso de “vamos logo embora”. Conclui-se, portanto, que a iconicidade dos termos está sujeita a modificações temporais, tanto na forma “em boa hora > embora”, como na função, inclusive porque os usuários da língua a utilizam criativamente, atribuindo novos significados a expressões em determinados contextos. Assim, a iconicidade passou a ser tratada sob novos aspectos, quais sejam: a quantidade de informação, o grau de integração entre forma e conteúdo e a ordenação dos segmentos na frase. De acordo com o subprincípio da quantidade, “quanto maior a quantidade de informação, maior a quantidade de forma” (CUNHA, 2017, p. 168). Isso pode ser visto nas palavras derivadas, que além de possuírem mais elementos formais, veiculam mais conteúdos, mais informações. Por exemplo: Pedra – Pedraria – Pedregulho – Petrificar Por conseguinte, segundo o subprincípio da integração, expressões de significados próximos tendem a aparecer próximas na forma. É possível percebermos essa relação entre o substantivo e o adjetivo relacionado a ele. Por exemplo: Janaína comprou uma calça preta e uma blusa branca. Temos, no predicado dessa oração, dois sintagmas nominais, compostos por um substantivo e um adjetivo relacionado a ele; cada adjetivo aparece próximo ao nome ao qual se refere, o que confirma a hipótese da integração. Por fim, o subprincípio da ordenação sequencial é subdividido em dois. O primeiro é o subprincípio da ordenação linear, segundo o qual a ordenação dos elementos na frase tende a refletir a ordem temporal em que os fatos realmente ocorrem, como no relato a seguir: I: De noite estava batendo, na porta e meu primo, abriu a porta era uma, moça toda de branco. Aí ela foi sumino, sumino ela foi embora. No outro dia de noite estava batendo na po. E meu primo não atendeu. De manhã meu primo viu a marca do monstro 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 12/25 (VOTRE; OLIVEIRA, s. d., p. 71). O outro subprincípio de ordenação é o subprincípio de topicalidade, muito semelhante aos conceitos de tema e rema desenvolvidos pelo Círculo Linguístico de Praga. Segundo esse princípio, informações velhas ou já mencionadas anteriormente tendem a vir no início da frase, enquanto as informações novas tendem a aparecer no final. Por exemplo: I: Entrei na lancha juntamente com dois colegas de serviço e sentei na cadeira do canto, porém não vi que a cadeira estava sem encosto. Caí com tudo pra trás no colo de um senhor que estava no banco de trás (VOTRE; OLIVEIRA, 1996, p. 5). Nesse relato escrito, percebemos que a palavra “cadeira”, quando citada pela primeira vez, aparece no final da frase, por ser um elemento novo no discurso. Em compensação, ela aparece no início da frase seguinte, por já ser uma informação dada, mencionada anteriormente. Portanto, o princípio da iconicidade está intrinsecamente ligado às intenções do falante ou ao conhecimento partilhado entre ele e o ouvinte, o que motiva a organização das informações na sentença. 3.2.3 Marcação Como você viu, o Círculo Linguístico de Praga deu origem à categorização dos elementos da língua em marcados ou não marcados. Um item é considerado marcado quando possui um traço ausente em outro item, como é o caso das palavras “cidadão” e “cidadãos”. A palavra “cidadãos” é marcada em relação à palavra “cidadão”, pois possui uma desinência de número (que marca o plural) que a outra não possui. Essa caracterização sempre acontece na comparação entre dois elementos. Em resumo, as formas não marcadas, segundo Cunha (2017), apresentam as características na figura a seguir. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 13/25 De fato, se pensarmos nas palavras não marcadas pelo plural, ou seja, palavras no singular, percebemos que elas estão em maior número na Língua Portuguesa, possuem um conteúdo mais amplo (como quando dizemos “o cidadão brasileiro merece respeito” nos referindo a todos os cidadãos, mesmo usando o singular). Sua forma é mais simples que o plural, com menos elementos formais, e é mais facilmente assimilada pelascrianças em aprendizagem da língua. Outro exemplo, é a organização das frases em Língua Portuguesa que, em sua maioria, aparecem na ordem direta: sujeito > verbo > complemento. Outras formações frasais, em que o sujeito aparece no final da oração, por exemplo, são consideradas formas marcadas em relação à ordenação direta da oração, mais comum. 3.2.4 Transitividade Provavelmente você já ouviu falar da transitividade dos verbos de acordo com a gramática tradicional. Os manuais didáticos de gramática afirmam que os verbos transitivos necessitam de complemento, enquanto os intransitivos não necessitam de complemento. Nesse sentido, Hopper e Thompson (1980) afirmam que a transitividade, sob a visão funcionalista, é o nível de transferência da ação de um agente para um paciente, de acordo com “a dinamicidade do verbo, a agentividade do sujeito e a afetação do objeto” (CUNHA, 2017, p. 172). Figura 4 - Características das formas marcadas, segundo Cunha (2017). Fonte: Elaborada pela autora, 2018. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 14/25 Retomando a frase “Karina comeu o bolo”, observe que esta sentença possui um nível de transitividade mais alto do que em “Karina observou o bolo”, a partir dos critérios apresentados por Cunha (2017). Os autores supracitados observaram que, em textos mais extensos, as orações com maior nível de transitividade apresentam conteúdos centrais no texto, enquanto as orações com baixa transitividade aparecem em comentários descritivos e avaliativos, geralmente sem centralidade nos textos. 3.2.5 Gramaticalização Como premissa do funcionalismo, “a gramática é um organismo maleável, que se adapta às necessidades comunicativas e cognitivas dos falantes” (CUNHA, 2017, p. 173). Nesse sentido, certas palavras ou organizações sintáticas utilizadas em contextos específicos podem chegar a ser incorporados ao sistema da língua ou sofrer mudanças dentro dele. Cunha (2017) cita o exemplo do verbo “querer”, que passou a ser utilizado como conjunção em algumas situações comunicativas, por exemplo, na formação “quer você vá, quer você não vá, o importante é que eu vou”. Atualmente, esse significado da palavra “querer” já é admitido dentro da gramática da língua. Figura 5 - O sistema linguístico tem caráter adaptativo. Fonte: TypoArt BS, Shutterstock, 2018. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 15/25 O processo de gramaticalização é diacrônico, ou seja, acontece gradativamente ao longo dos anos, de modo que não percebemos. O que leva uma forma não gramatical a ser incorporada à gramática ou sua variação gramatical é a frequência com que é utilizada pelos falantes da língua. O livro “Introdução à gramaticalização”, de Sebastião Carlos Leite Gonçalves (2007), aborda a questão da variação do sistema linguístico, devido a sua constante necessidade de renovação. Inicialmente, o autor apresenta a teoria do processo de gramaticalização para depois demonstrar a ocorrência desse fenômeno no português do Brasil. VOCÊ QUER LER? 3.3 Sociolinguística A sociolinguística, como o próprio nome sugere, tem como premissa a relação entre a estrutura da língua e os aspectos sociais e culturais dos falantes. Assim como o funcionalismo, os estudos sociolinguísticos também analisam a língua a partir de textos realmente proferidos em situação real de comunicação, com método objetivo e sustentando a tese de que a língua não é autônoma, ou seja, deve ser estudada de forma interdependente em relação aos fatores extralinguísticos que interferem diretamente no sistema linguístico. Foi nos estudos da sociolinguística que surgiu o termo variação linguística, pois foram percebidas variações sistemáticas, ou seja, motivadas por fatores sociais ou culturais específicos em determinadas situações, como o uso de gírias entre os jovens. Por isso, a sociolinguística também é conhecida como teoria da variação. A sociolinguística, enquanto ramo da linguística que estuda sua relação com os fatores sociais inerentes à comunicação humana, situou seus estudos na variação da língua em função de fatores extralinguísticos, como contexto, faixa etária, classe social e escolaridade. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 16/25 Segundo Cezario e Votre (2017), o precursor dos estudos sociolinguísticos foi o linguista William Labov, a partir da década de 1960, nos EUA. Desde então, muitos estudiosos têm se interessado por esse tema, dada sua relevância não somente no campo da linguagem, mas da sociedade como um todo. Neste tópico, serão apresentados alguns conceitos importantes para a sociolinguística, bem como um breve panorama histórico de surgimento dos estudos e pesquisas no âmbito da sociolinguística. 3.3.1 Sociedade e linguagem Todo indivíduo encontra-se inserido em uma comunidade de fala, e compartilha com outros membros dessa comunidade alguns traços como religião, trabalho, lazer, faixa etária, escolaridade, profissão e sexo, formando, assim, grupos menores dentro da comunidade maior. Figura 6 - A língua é um importante recurso na comunicação digital, principalmente por meio de redes sociais. Fonte: Ivelin Radkov, Shutterstock, 2018. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 17/25 Cada um desses grupos possui formas distintas de dizer a mesma coisa, o que é chamado de variação linguística. Cada uma dessas formas é chamada de variante. Essa variação pode ser de ordem fonológica, morfológica, sintática, lexical (de vocabulário) e motivada por fatores linguísticos ou não linguísticos (contexto, classe social, sexo, faixa etária). Além disso, uma variante pode ser mais utilizada do que a outra, sendo considerada padrão, enquanto a outra é não padrão. Um exemplo da relação entre linguagem e sociedade é apresentado por Cezario e Votre (2017, p. 151): existe alternância de utilização dos fonemas /l/ e /r/ nos encontros consonantais do português, como em “claro / craro”, “bicicleta / bicicreta”. Ainda de acordo com Cezario e Votre (2017), pesquisas de Mollica e Paiva (1987) e Cezario (1991) demonstraram que há uma: “[...] variação estável que caracteriza duas comunidades de fala: a forma não padrão /r/ é usada pelos falantes das classes menos favorecidas e com baixo grau de escolaridade. A outra forma, canônica, é usada pelo grupo mais escolarizado.” (CEZARIO; VOTRE, 2017, p. 151). Figura 7 - Dentro de uma mesma comunidade de fala, são formados grupos linguísticos, cada qual com suas formas distintas de dizer o mesmo. Fonte: A1Stock, Shutterstock, 2018. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 18/25 Além disso, é possível verificar uma variação entre a linguagem utilizada por homens e mulheres em diversas sociedades. Em algumas comunidades da África, as mulheres são proibidas de pronunciar o nome do sogro, dos irmãos dele e de seu próprio genro. Também devem evitar palavras da língua que sejam semelhantes aos nomes deles. Nesse caso, há palavras que somente os homens podem falar, devido a fatores culturais. No português, também há variação linguística em função do sexo: é comum, no Brasil, um homem dizer: “esta é minha mulher”, mas não é comum ouvir uma mulher dizer: “este é o meu homem”, pois em alguns contextos essa frase pode ser considerada vulgar (CEZARIO; VOTRE, 2017). É válido lembrar que não cabe ao analista da linguagem julgar se as formas são corretas ou erradas, pois o sociolinguista busca, na verdade, descrever as variações da língua e explicá-las por meio de hipóteses baseadas nas informações não linguísticas de que possa dispor. 3.3.2 O advento da sociolinguística Segundo Cezario e Votre (2017), o termo sociolinguística foi utilizado para primeira vez na década de 1950, mas a partir dos estudos de Labov, na década de 1960, esse ramo da linguística, de fato, se desenvolveu. A sociolinguística é fruto da insatisfação de muitos linguistasem relação ao estruturalismo e ao gerativismo, que desconsideravam os usos reais da linguagem influenciados por fatores sociais e culturais pertencentes às comunidades de fala, considerando o uso da língua um caos que impossibilitaria seu estudo. A sociolinguística possui interface com outras disciplinas, como a sociologia, a antropologia, entre outras. Além disso, é possível perceber que há uma interação entre a sociolinguística e o funcionalismo. Como o funcionalismo também trabalha com enunciados realmente proferidos em situações reais de fala, muitos grupos funcionalistas utilizam o aparato teórico-metodológico da sociolinguística para coletar seu corpus e analisar os dados (conforme você estudou no tópico 3.2, sobre o corpus Grupo Discurso & Gramática). Em contrapartida, algumas explicações sobre a variação linguística são realizadas através de conceitos funcionalistas. A pesquisa sociolinguística parte da coleta de dados, por meio da gravação da fala de um número considerável de informantes, para posterior análise. A intenção é que o informante não se preocupe muito com a forma como vai manifestar suas ideias, ou seja, que a fala seja mais espontânea possível. Assim, pede-se que ele faça um relato de uma experiência pessoal, para que vá, aos poucos se envolvendo com a narração, e não monitore sua forma de falar. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 19/25 As regularidades encontradas na fala de indivíduos do mesmo grupo linguístico revelam as características linguísticas de cada região geográfica, de cada classe social, de cada contexto de comunicação (mais ou menos formal), de cada faixa etária, entre outros fatores sociais verificáveis. Meillet (1926, apud CEZARIO; VOTRE, 2017), muitos anos antes do advento da sociolinguística, já dizia que não se pode separar a história das línguas da história da cultura e da sociedade em que estão inseridas. No tópico seguinte, você conhecerá os aspectos sociais que influenciam na variação linguística e alguns exemplos pertinentes para cada um deles. 3.4 Mudanças e variedades linguísticas Ao longo dos muitos trabalhos no âmbito da sociolinguística, tem-se percebido que as variações linguísticas podem gerar mudanças no sistema linguístico, com o desaparecimento de algumas formas e aparecimento de outras. É o caso, por exemplo, da forma de tratamento “vossa mercê”, que após passar por sucessivas variações, caiu em desuso, dando lugar à forma “você”, como é utilizada hoje. Essa percepção só é possível após sucessivas análises dessas formas em períodos diferentes, a fim de perceber as possíveis mudanças pelas quais a língua possa estar passando.Em um estudo sincrônico, ou seja, em um determinado espaço de tempo, é possível encontrar muitas variantes, muitas formas de expressar o mesmo conteúdo, a depender da situação. É o caso das variantes relativas à primeira pessoa do plural: “nós” e “a gente”. A partir da constatação da existência das variantes, o analista busca encontrar regularidades ou explicações para o uso de cada uma delas. Nessa perspectiva, “nós” é considerada uma estrutura mais formal, enquanto “a gente” é utilizada em contextos mais coloquiais. Existem, ainda, as variantes mais estigmatizadas da combinação dessas formas com o verbo: “nós vai”, “a gente vamos”, geralmente utilizadas por pessoas de classe social baixa e baixo nível de escolaridade. No entanto, também há ocorrências de utilização dessas variantes por pessoas de escolaridade mais alta, em contextos bem informais e/ou com interlocutores de baixa escolaridade e classe social desfavorecida. Na sequência, você identificará os detalhes de cada um dos aspectos que levam à variação linguística. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 20/25 3.4.1 Aspectos de variação da língua O sociolinguista procura as probabilidades de ocorrência de determinada variante em grupos divididos por sexo, idade, escolaridade, etnia, nível socioeconômico e contexto comunicativo, entre outros aspectos que lhe pareçam relevantes na análise do seu corpus. Em relação ao nível socioeconômico e à escolaridade, por exemplo, verifica-se que as pessoas analfabetas costumam proferir frases como: “As casa foi pintada”, marcando o plural somente no primeiro elemento, enquanto pessoas com nível superior geralmente marcam o plural em todas as palavras: “As casas foram pintadas”, o que não quer dizer que em um contexto informal, uma pessoa com nível universitário não se expresse da primeira forma, já que não vê necessidade de ser formal se for compreendido por seu interlocutor (CEZARIO; VOTRE, 2017, p. 143). Em relação à regionalidade, não podemos esquecer que residimos num país muito extenso que, habitado por povos indígenas, passou pelos processos de colonização (por portugueses e espanhóis), de chegada de africanos no período de escravidão e de imigração (de italianos, alemães e judeus, entre outros). Essa mistura de etnias propiciou a formação de múltiplos sotaques e dialetos no país. Podemos citar as diferentes pronúncias do fonema /r/ em palavras como cantar e comer pelo Brasil: no Sul, a pronúncia é vibrante; no interior de estados como São Paulo, o /r/ é retroflexo (com a língua dobrada para trás) e no Nordeste, o som do /r/ no final dos verbos é omitido. VOCÊ SABIA? O português brasileiro difere bastante do português de Portugal, desde a forma como as palavras são escritas e pronunciadas, até a estrutura sintática e as variações de significado. Isso ocorreu devido ao processo de interação entre o português trazido pelos colonizadores, a língua nativa e as várias outras que chegaram ao país pelos processos de imigração. Em relação ao contexto comunicativo, consideramos que cada pessoa possui (ou deveria possuir) um repertório linguístico variado, do qual lança mão dependendo de cada situação. Um grande empresário certamente se expressa de formas distintas quando conversa com seus fornecedores e clientes, quando conversa com 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 21/25 um familiar ao telefone, quando apresenta os resultados de sua empresa a um grupo de financiadores ou quando combina um jogo de futebol com os amigos. O léxico e a sintaxe utilizados, de fato, serão alterados em cada um desses casos. Em síntese, os processos de variação ocorrem de três formas principais, segundo Cezario e Votre (2017): Variação regional: relativa à origem geográfica dos falantes (cidades, estados, regiões do país). É o caso das palavras mandioca, macaxeira e aipim, ditas em diferentes partes do país para se referir ao mesmo alimento. É possível, também, perceber uma variação entre o português de Portugal e do Brasil. Enquanto no Brasil dizemos “estou ligando para você”, em Portugal se diz “estou a ligar para você”. Variação social: relativa a grupos socioeconômicos, faixa etária, escolaridade, etnia, profissão, entre outros. Por exemplo, é o caso dos jargões próprios da área profissional da informática, como log, PC e bug. Variação de registro: relativa ao grau de formalidade do contexto situacional, como o ambiente, os interlocutores ou o próprio meio de comunicação. É o caso da linguagem mais formal utilizada em e-mails profissionais e menos formal utilizada em salas virtuais de bate-papo (chats) de entretenimento. O filme Cine Holliúdy mostra, de forma bem-humorada, o dilema vivido por Francisgleydisson em relação à chegada da TV ao interior cearense, e o desinteresse da população pelo cinema. Apesar de brasileiro, o filme é legendado, pois os personagens utilizam o dialeto nordestino – “falado em cearensês”, como avisam os produtores –, e as legendas possibilitam que os diálogos sejam entendidosnas demais regiões do Brasil. Para assistir, acesse o endereço: https://www.youtube.com/watch?v=zP-nMen5APQ (https://www.youtube.com/watch?v=zP-nMen5APQ). É importante destacar que, normalmente, uma variante pode refletir mais de um tipo de variação. É o exemploda utilização de “tu” e “você” como forma de tratamento. Trata-se de uma variante regional, visto que no Rio Grande do Sul, a forma “tu” é bastante utilizada, enquanto no Rio de Janeiro as duas formas são VOCÊ QUER VER? https://www.youtube.com/watch?v=zP-nMen5APQ 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 22/25 utilizadas com frequência. Do ponto de vista social, é possível perceber que os jovens preferem utilizar a forma “tu”; os menos escolarizados também. Por fim, em relação ao registro, a forma “tu” é utilizada em contextos informais. 3.4.2 Preconceito linguístico Considerando as variações da língua, Bagno (2008, p. 48) afirma que “[...] em toda língua do mundo existe um fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico”. No entanto, são notáveis as manifestações de cunho preconceituoso com as variantes da língua menos prestigiadas. Na comparação entre o dialeto padrão e o não padrão, este é considerado errado e inferior em relação ao primeiro, considerado correto e puro. A variedade padrão é privilegiada no ensino e, segundo alguns professores, deve ser buscada como meio para se conseguir prestígio social. Mais que isso, muitas vezes, a norma culta da língua tem sido instrumento de dominação social e humilhação de pessoas que falam de uma forma específica porque moram vêm de uma determinada região ou porque não teve oportunidade de estudar (BAGNO, 2008). De fato, é importante e necessário aprender e estudar a modalidade padrão da língua, visto que ela é utilizada em situações mais formais, como no mercado de trabalho. No entanto, as outras variantes não devem ser esquecidas e/ou consideradas inferiores. Bagno (2008) chama atenção para a importância de se romper esse círculo vicioso que tem se tornado o preconceito linguístico. A saída, para ele, é ensinar as crianças a valorizarem todas as modalidades de registro, mostrando que nenhuma é melhor, ou pior, do que as outras. O livro “Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolingüística & educação”, de Stella Maris Bortoni-Ricardo (2005), é fruto de uma pesquisa sociolinguística realizada no Brasil. É direcionado a professores de línguas – portuguesa ou estrangeiras –, ou a outros profissionais interessados na relação entre linguagem e sociedade. VOCÊ QUER LER? 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 23/25 Diante do exposto, percebemos a relevância dos estudos dos funcionalistas e sociolinguistas, que consideram os fatores não linguísticos envolvidos na comunicação humana (tais como os interlocutores, o contexto de comunicação e a finalidade do que é dito), reconhecendo a capacidade dinâmica e evolutiva da língua. Síntese Ao concluir o estudo sobre funcionalismo e sociolinguística, você já está apto a perceber as semelhanças e diferenças entre as variações linguísticas, bem como sua importância a partir pontos de vista distintos sobre o mesmo objeto de análise: a língua. Neste capítulo, você teve a oportunidade de: reconhecer a língua como um instrumento de interação social; perceber a relação entre forma e função; compreender as categorias de análise funcionalista: informatividade, iconicidade, marcação, transitividade e gramaticalização; entender a relação entre linguagem e sociedade; compreender que uma língua tem diversas variantes e que não há uma mais certa ou mais errada. Referências bibliográficas BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 50. ed. São Paulo: Loyola, 2008. BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? sociolingüística & educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. CEZARIO, M. M. Alternâncias líquidas nos grupos consonantais – abordagem variacionista em tempo real. In: CONGRESSO DA ASSEL-RIO, 1., Anais..., Rio de Janeiro, PUC, 1991. 07/09/2023, 16:38 Linguística https://ambienteacademico.com.br/mod/url/view.php?id=1088362 24/25 ______.; VOTRE, S. Sociolinguística. In: MARTELOTTA, M. E. (org.). 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