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simbologia escrita lei tu ra si gn if ic ad o e s c r it a fa la l ei tu ra c o m p r e e n s ã o a u d iç ã o v i s ã o c o g n i ç ã o a q u i s i ç ã o c o m p r e e n s ã o f a l a s o m c o m p r e e n s ã o s i g n i f i ca d o si gn if i c a d o r e c e p ç ã o m e m ó r i a a u d i ç ã o v i s ã o s im b o l o g i a a q u i s iç ã c o g n i ç ã o f a l a p r o c e s s o s o m au d iç ã o r e c e p ç ã o e s c rita f a l a s i m b o l o g i a s i m b o lo gia m e m ó r i a s o m c o g n i ç ã o a q u i s i ç ã o a u dição visão s o m r a c i o c í n i o s i m b o l o g i a NEUROCIÊNCIA E LINGUAGEM TA INÁ THIES N EU RO CIÊN CIA e LIN GUAGEM TAIN Á TH IES Código Logístico 59735 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6724-4 9 7 8 8 5 3 8 7 6 7 2 4 4 Neurociência e Linguagem Tainá Thies IESDE BRASIL 2021 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ T369n Thies, Tainá Neurociência e Linguagem / Tainá Thies. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2021. 108 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6724-4 1. Neurolinguística. 2. Neurociências. 3. Linguagem e línguas. 4. Cogni- ção. 5. Evolução humana. I. Título. 20-67187 CDD: 612.82336 CDU: 81’234 Tainá Thies Mestre em Teoria da Literatura pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Linguística pela Universidade Gama Filho (UGF). Licenciada em Letras Português pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduanda de Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Atuou como consultora educacional, professora de ensino superior e coordenadora de projetos em educação. Atualmente, atua na formação de professores para o ramo editorial, como professora em cursos de pós-graduação e como autora de materiais didáticos para ensino básico e superior, além de produzir contos e histórias infantis. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 A evolução da linguagem humana 9 1.1 A evolução da espécie humana 9 1.2 A evolução da linguagem 15 1.3 Linguagem e neurociências 21 1.4 Cognição e linguagem 27 2 Linguagem oral e leitura 33 2.1 Linguagem oral 33 2.2 Variantes linguísticas 46 2.3 Cérebro leitor 51 3 Aquisição da escrita 59 3.1 Processo de aquisição da escrita 59 3.2 Métodos sintéticos de alfabetização 72 3.3 Métodos analíticos de alfabetização 78 4 Transtornos de linguagem 85 4.1 Estágios de desenvolvimento linguístico 85 4.2 Transtornos relacionados à aquisição da linguagem 92 4.3 Possibilidades de intervenção pedagógica 100 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Esta obra compreende as diferentes visões teóricas sobre a evolução da linguagem humana até que se tornasse o que é hoje. Assim, partimos das neurociências para entender a linguagem e os processos cognitivos que possibilitam essa habilidade. O campo das neurociências é vasto e conta com estudos sobre diferentes temas, sempre tentando elucidar a ligação entre nosso cérebro e nossos comportamentos, entre eles, a linguagem. Junto às neurociências, outras áreas científicas são necessárias para compreendermos a linguagem em sua totalidade, portanto utilizamos também conceitos ligados à linguística e à aquisição de linguagem, por entendermos que uma habilidade tão complexa como a linguagem não pode ser olhada somente por um ângulo. No primeiro capítulo discutimos a evolução da linguagem, compreendendo o campo das neurociências e a relação entre as estruturas cerebrais que evoluíram durante muitos anos para possibilitarem a produção da linguagem enquanto um processo cognitivo complexo, que precisa de prática e de interação para ser desenvolvido com maestria pelos seres humanos. No segundo capítulo nos debruçamos sobre a linguagem oral. Para compreendê-la em sua totalidade, distinguimos os fatores envolvidos em sua produção a nível cerebral e fonológico, verificando as principais estruturas e rotas para a produção e compreensão da linguagem. Ainda, discutimos o papel da variante linguística na aquisição de linguagem e na interação humana. Já no terceiro capítulo damos ênfase à linguagem escrita, detendo-nos nas etapas de aquisição de escrita e alfabetização, passando por diferentes métodos e sua ligação com uma alfabetização e um letramento eficientes. Por fim, o quarto capítulo contempla transtornos de aprendizagem de linguagem, fazendo uma distinção entre dificuldades e transtornos e esmiuçando o papel da escola e do professor nesse contexto. APRESENTAÇÃOVídeo Nesta obra são levantadas discussões de natureza reflexiva acerca do fazer pedagógico em relação à aquisição, às dificuldades e aos transtornos de linguagem, compreendendo que aprender a falar, ler e escrever depende de um esforço coletivo de muitos agentes, entre eles, aluno, família e escola. Dessa forma, as neurociências contribuem para compreendermos como um processo complexo como a aquisição da linguagem deve ser considerado por diferentes vieses e com um olhar global sobre todos os sujeitos envolvidos no processo. Boa leitura! A evolução da linguagem humana 9 1 A evolução da linguagem humana Seja bem-vindo à disciplina de Neurociência e Linguagem. Neste capítulo, vamos nos concentrar em compreender como se deu o processo de evolução da espécie humana e a evolução da faculdade da linguagem nos seres humanos. Também lançaremos luz sobre o campo das neurociências e sobre as estruturas neu- roanatômicas que possibilitam a produção da linguagem. Por fim, elucidaremos os processos cognitivos envolvidos na capacidade de produção e compreensão da linguagem. Esperamos que você aproveite muito os estudos desta obra e se aprofunde nos temas de seu interesse. Vamos lá?! 1.1 A evolução da espécie humana Vídeo Quando pensamos a sociedade em que vivemos e a espécie hu- mana, diversas vezes não nos damos conta de que foram necessários muitos séculos para chegarmos aonde estamos hoje. Entretanto, esse tempo não diz respeito apenas ao período como civilização, conforme aprendemos na escola – com as civilizações antigas, como a Grécia e a Mesopotâmia –, mas especialmente ao surgimento de tudo o que nos rodeia, uma vez que para chegarmos até aqui foram necessários muitos fatores. Entre esses fatores estão a formação do nosso mundo, o surgimen- to do ser humano e sua evolução. Vamos ver então, de modo breve, como chegamos até aqui como espécie humana? Uma das maiores curiosidades do ser humano sempre foi a de descobrir como a vida surgiu ou como tudo surgiu. Questionamo-nos se a vida seria um milagre ou se haveria surgido por leis materiais, 10 Neurociência e Linguagem se um ser exterior a nós foi quem a criou ou se a própria natureza dos elementos físicos tem a capacidade criadora de produzir vida a partir de simesma. Os cientistas estimam que o universo tenha se formado há 14 bi- lhões de anos, por meio de uma explosão. Nesta, teriam sido liberados diversos elementos, dentre eles, o hidrogênio, o qual daria origem aos demais elementos essenciais para a vida no planeta Terra. No início de tudo, a Terra era apenas um aglomerado de elementos que se movimentavam em uma velocidade frenética, gerando muita energia. Era um lugar inóspito, isto é, inabitável, por ser extremamen- te quente e envolto em diversos gases. Ao longo do tempo, houve um processo de resfriamento da nossa atmosfera; com isso, a Terra conse- guiu se solidificar, formando porções sólidas, e os gases começaram a formar os oceanos. Assim, há mais ou menos 4 bilhões de anos, o nosso planeta passou a ter condições para que houvesse vida (HARARI, 2016). Os primeiros seres vivos eram estromatólitos, seres parecidos es- truturalmente com as bactérias e que existem até hoje nos oceanos. Esses animais não precisavam de oxigênio, e sim de gás carbônico, como as plantas (FUTUYAMA, 2005). Consequentemente, iniciou-se o processo de fotossíntese, e o nosso planeta começou a se tornar abun- dante em oxigênio, elemento essencial para nós, humanos! Por volta de 2,3 bilhões de anos atrás, já existia a possibilidade de seres consumidores de oxigênio. Então, os primeiros seres com células eucariontes (que precisam de oxigênio e têm estrutura mais complexa) se formaram nos oceanos ou em torno deles, em especial moluscos e algas. Mesmo que esses seres vivos estivessem já povoando os mares, a Terra em si ainda tinha muitos gases tóxicos; somente após a forma- ção da camada de ozônio e o degelo progressivo é que alguns seres vivos conseguiram migrar do mar para a terra firme. Os primeiros foram os micróbios; em seguida, vieram os fungos e os musgos que, evoluindo, deram origem a uma Terra povoada por grandes folha- gens (RIDLEY, 2004). Enquanto isso, no oceano, os peixes estavam em processo de evolu- ção para os anfíbios. Além disso, o surgimento dos répteis possibilitou que ovos amnióticos (no caso da espécie humana, o saco gestacional) A evolução da linguagem humana 11 dessem origem aos mamíferos. Obviamente, tudo isso levou muito tempo (RIDLEY, 2004). Lembremo-nos também de que por muito tempo o reinado sobre a Terra foi dos répteis, com os dinossauros. Somente após a extinção desses grandes répteis é que os mamíferos começaram a conquistar a terra firme. Foram muitos processos evolutivos que originaram di- ferentes espécies de mamíferos, incluindo os primatas, da qual o ser humano também evoluiria (RIDLEY, 2004). Figura 1 Evolução dos seres vivos Ad ap ta do d e Ek at er in aP /S hu tte rs to ck répteis pássaros peixes cartilaginosos peixes ósseos moluscos mamíferos protistas protistas esponjas nematoides artrópodes anfíbios equino- dermos anelídeos agnados celenterados platelmintos Ao falarmos em evolução, pensamos logo em melhoria; como quan- do uma empresa de celulares lança um novo modelo, melhor do que o anterior, e diz que é a evolução dos smartphones. Todavia, essa não é a concepção de evolução que devemos ter em mente. O termo evolução deriva do latim evolvere, que significa desenrolar. Portanto, evoluir não significa necessariamente melhorar, mas sim o 12 Neurociência e Linguagem desenrolar de fatos que levam a diferentes situações. Podemos pen- sar a evolução do ser humano como o desenrolar de fatores e acon- tecimentos que promovem diferentes fases do desenvolvimento e as variedades na espécie. Então, quando pensamos a evolução de uma pessoa, sabemos que ela passará por fases que se desenrolam: embrião, feto, bebê, criança, adolescente, jovem adulto, adulto e idoso. Além disso, esse desenrolar da evolução proporciona que tenhamos características em comum (an- damos em duas pernas, somos mamíferos, não temos o corpo coberto por pelos longos etc.) e, ao mesmo tempo, características individuais (cor da pele, dos olhos, altura, peso, entre outras). É preciso distinguir o termo evolução do termo melhoria, pois nem sempre a evolução de fato traz uma melhoria, e sim algo diferente do que era antes. Logo, não devemos pensar que nossa espécie atual é “me- lhor” do que as espécies que vieram antes de nós, mas que somos dife- rentes, pois o desenrolar da evolução nos trouxe para outro caminho. Com a evolução de mamíferos roedores, vieram os primatas. Aos poucos, os grandes primatas (como gorilas e chimpanzés) se tornaram capazes de andar sobre duas pernas. Segundo os cientistas, nossos últimos ancestrais comuns com os chimpanzés viveram há 7 mi- lhões de anos. Com essa separação dos chimpanzés, nossa espé- cie começou uma longa caminhada, que se iniciou com o Homo australopithecus (FUTUYAMA, 2005). Após o australopithecus, muitos outros vieram, como você deve ter estudado na escola. O problema é que muitas vezes nos ensinam como se fosse uma sucessão de espécies, uma após a outra. No entanto, essa visão linear é equivocada, pois muitas espécies diferentes, e que originaram a espécie huma- na, conviveram no mesmo momento (HARARI, 2018). De acordo com Harari (2018), o Homo australopithecus foi migrando para outras partes da África (em especial, para o norte), rumando depois para a Europa e a Ásia. Contudo, ao mesmo tempo que grupos de australopithecus povoavam novas regiões, aque- les que ficaram na África evoluíram. Da mesma forma, a cada conquista de novo território, os Fala-se muito sobre a teo- ria da evolução, mas você sabe como ela aconteceu e o que de fato postula? Assista ao vídeo O que é a teoria da evolução de Charles Darwin e o que inspirou suas ideias revolu- cionárias, produzido pela BBC News Brasil, para entender melhor quem foi Darwin e como ele chegou a essa teoria. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=ambANBIHjCI. Acesso em: 18 dez. 2020. Saiba mais Representação do Homo australopithecus Ni co la s Pr im ol a/ Sh ut te rs to ck https://www.youtube.com/watch?v=ambANBIHjCI https://www.youtube.com/watch?v=ambANBIHjCI https://www.youtube.com/watch?v=ambANBIHjCI A evolução da linguagem humana 13 australopithecus precisavam se adaptar a diferentes climas e vegeta- ções, evoluindo também. Portanto, não tivemos uma sucessão de hominídeos, como em uma linha, em que uma espécie inteira evoluiu para outra. Tivemos indivíduos dentro da mesma espécie que evoluíram para outra espécie, dadas as condições do local onde viviam, enquanto seus parentes que haviam mi- grado evoluíram para uma espécie diferente, e assim por diante. Para compreender melhor, observe a Figura 2. Perceba quantas es- pécies vieram antes de nós, Homo sapiens, e como várias destas vive- ram ao mesmo tempo, porém em locais distintos do planeta. Figura 2 Linha do tempo da evolução dos hominídeos Ie sd e S/ A 14 Neurociência e Linguagem Conforme Harari (2018), as principais espécies já encontradas em fósseis de diferentes locais são as seguintes: • Homo australopithecus, na África Oriental – migrantes; • Homo neanderthalensis, na Europa e na Ásia Ocidental; • Homo erectus, na Ásia Oriental – espécie de maior duração (1,5 milhões de anos); • Homo soloensis, na Ilha de Java, Indonésia; • Homo floresiensis, na Ilha de Flores, Indonésia; • Homo denisova, na Sibéria; • Homo rudolfensis, Homo ergaster (homem trabalhador) e Homo sapiens (homem sábio), na África. Dessa forma, ao dizemos que evoluímos dos chimpanzés, significa que houve um longo caminho evolutivo de milhões de anos para que chegássemos a ser como somos. Nesse meio tempo, tornamo-nos “hu- manos” por algo que Harari (2018) chama de revolução cognitiva. No início, os sapiens não tinham nada de muito diferente das outras espécies, porém, ao deixarem a África, há 70 mil anos, começaram a dominar o planeta. Nessa exploração de novos territórios, passaram a desenvolver ferramentas diferentes, como barcos, arcos e flechas, além do que podemos reconhecer comoos primeiros objetos de arte, os princípios do comércio, da sociedade e da religião. Todas essas invenções foram fruto da revolução cognitiva, isto é, algo que na evolução dos sapiens fez com que seus cérebros se tornassem mais potentes do que o de seus parentes. Uma das grandes “inovações” da revolução cognitiva foi a forma de se comunicar. Todas as espécies têm linguagem, mas não uma língua estruturada – traço esse que nos diferencia das outras espécies. Foram necessários milhões de anos para que a evolução preparasse terreno para uma espécie que conseguisse empregar seu cérebro de maneira diferenciada, utilizando suas faculdades cognitivas de diversas maneiras, o que possibilitou o surgimento da linguagem humana como a conhecemos hoje. A evolução do ser humano ocorreu de modo linear, isto é, em uma sucessão de diferentes representantes até chegar ao Homo sapiens? Justifique. Atividade 1 A evolução da linguagem humana 15 1.2 A evolução da linguagem Vídeo Você deve estar se perguntando como a linguagem evoluiu. Todas as línguas surgiram com essa evolução? Evidentemente, não. Para ten- tarmos compreender como se deu a evolução da linguagem, teremos que estudar algumas teorias. Não temos como encontrar a resposta correta, a menos que um dia inventemos uma máquina do tempo, afi- nal, não há como realizar observações de como a linguagem humana se formou. Todavia, há teorias que, com base em muitos estudos, tentam compreender e desmistificar como a nossa linguagem se desenvolveu. Por muito tempo, os pesquisadores deixaram de lado os estudos sobre as origens da linguagem humana, porém, a partir dos anos 1990, eles começaram a ser retomados por diversas áreas, entre elas, a neu- rociência, a psicologia, a linguística e a primatologia. Em 2002, o grupo do linguista Noam Chomsky publicou um artigo que colocou em discussão e serviu como ponto de partida para as correntes de hipóteses que tentam compreender a origem da linguagem humana atualmente. Esse artigo, originalmente intitulado The faculty of language: what is it, who has it, and how did it evolve? (A faculdade da linguagem: o que é, quem tem e como evoluiu?, em tradução livre), de Hauser, Chomsky e Fitch, coloca algumas questões importantes em debate. De acordo com Dalgalarrondo (2011), o grupo de Chomsky chegou à conclusão de que a faculdade da linguagem (FL) poderia ser dividida em: faculdade da linguagem em sentido amplo (FLSA) e faculdade da linguagem em sentido estreito (FLSE). Veja no quadro a seguir os com- ponentes de cada uma dessas categorias. Quadro 1 Componentes da faculdade da linguagem FL FLSA FLSE Sistema sensório-motor Capacidade neuronal e fonológica Sistema conceitual-intencional FLSE Recursividade Fonte: Elaborado pela autora. Para conhecer Noam Chomsky, assista à entrevista que ele concedeu em 1989 a uma universidade. No vídeo, o renoma- do linguista fala sobre a origem das línguas e da gramática. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=W53UvJoLAwI. Acesso em: 18 dez. 2020. Saiba mais https://www.youtube.com/watch?v=W53UvJoLAwI https://www.youtube.com/watch?v=W53UvJoLAwI https://www.youtube.com/watch?v=W53UvJoLAwI 16 Neurociência e Linguagem A FLSE seria uma capacidade de recursividade englobada pela FLSA, isto é, “processo de repetição de um objeto ou procedimento, e regras que articulam tal processo” (DALGALARRONDO, 2011, p. 288). Segundo Hauser, Chomsky e Fitch (2002), essa capacidade seria o que diferencia a linguagem humana da linguagem dos demais animais, pois permi- te que regras gramaticais sejam repetidas, criando sentenças infinitas. Assim, a recursividade, como característica de replicação de regras gra- maticais, teria surgido pelo processo evolutivo, por pequenas diferen- ças com outros símios. Ainda conforme Hauser, Chomsky e Fitch (2002), além da hipó- tese delineada no parágrafo anterior e aceita por eles, haveria ou- tras duas hipóteses para a origem da linguagem humana. A primeira é a de que a FLSA “seria homóloga à comunicação animal, diferindo dela apenas em aspectos quantitativos de complexidade e riquezas” (DALGALARRONDO, 2011, p. 290). Ou seja, embora seres humanos e outros primatas tenham diferenças anatômicas e na função da lingua- gem, ambos têm um ancestral em comum que possibilitou a faculdade de linguagem para todos. O que diferenciaria a linguagem dos primatas da dos seres humanos seria a utilização e a complexidade. Essa hipó- tese é muito aceita entre primatólogos e etólogos. A segunda hipótese crê que a FLSA não seria uma extensão da linguagem animal, e sim uma adaptação específica dos seres humanos. Em geral, é uma hipó- tese aceita por linguistas. O que diferencia essa hipótese daquela de- fendida por Chomsky e seus colegas é que, para eles, somente a FLSE seria produto unicamente humano, enquanto as outras características da FLSA seriam comuns às dos outros animais. Com base nessa discussão, pode-se diferenciar duas grandes correntes de hipóteses sobre a origem da linguagem, com diferentes autores e suas teorias: gradualista e descontinuísta. Veja a seguir as definições de cada uma dessas correntes: ar tyw ay /S hu tte rs to ck Autores acreditam na hipótese de que a linguagem humana tenha evoluído de maneira gradual, lenta e contínua, desde os primatas ligados à espécie humana (gorilas, chimpanzés e bonobos) e dos primeiros hominídeos, os australopithecus, até chegar ao sapiens. (Continua) Corrente gradualista símio: palavra substantiva que designa macaco. Glossário A evolução da linguagem humana 17 Autores acreditam no big bang linguístico, isto é, que os sapiens adquiriram a faculdade de linguagem de modo súbito. Para eles, houve uma mutação genética muito grande, possibilitando o surgimento dessa capacidade cerebral. Corrente descontinuísta Para que possamos ter uma maior compreensão das diferentes hipóteses de surgimento da faculdade de linguagem no ser humano, vamos conferir os principais autores de cada corrente. 1.2.1 Corrente gradualista Veremos a seguir os principais autores e as pesquisas da corrente gradualista sobre a origem da linguagem. Charles Darwin Conhecemos Darwin da teoria da evolução. De acordo com ele, a evolução humana foi um longo processo em que foram sendo somados elementos distintos àqueles elementos e características que já compar- tilhávamos com os primatas. Para o pesquisador, a linguagem divide-se em uma complexidade semântica e gramatical que, por um lado, é unica- mente humana; por outro, é composta de gritos e expressões não articu- ladas que são compartilhadas com os animais (DALGALARRONDO, 2011). Darwin entende, então, que a linguagem humana tem origem tanto em imitações de sons naturais quanto em elementos musicais e prosó- dicos, que serviriam de ligação emocional entre os ancestrais humanos. Portanto, é na expressão prosódica, na comunicação que lança mão de determinada protomúsica, no exercício de um canto mar- cadamente emocional, que os primeiros humanos, à semelhan- ça de alguns animais, foram aos poucos sofisticando elementos fundamentais na comunicação intraespecífica. Foi assim na in- teração entre os sexos, na expressão de sentimentos significa- tivos relacionados a embates e em relações sociais importantes que lentamente a linguagem humana teria se desenvolvido. […] As palavras, a linguagem articulada dotada de riqueza semân- tica, teriam tido um desenvolvimento progressivo e gradual a Após a leitura das teorias que tentam decifrar a origem da linguagem, descubra qual delas mais se aproxima do seu próprio pensamento e pesquise mais para se aprofundar no assunto. Desafio 18 Neurociência e Linguagem partir da linguagem prosódica, musical, emocional e expressiva. (DALGALARRONDO, 2011, p. 293) Portanto, para Darwin, a linguagem teria evoluído de uma necessi- dade de resposta a situações emocionais, como acasalamento e dispu- tas. Segundo ele, a articulação desses sons com o pensamento abstratoe conceitual foi possível porque a maioria das espécies de primatas apresenta o pensamento conceitual de modo rudimentar. Assim, os sapiens teriam conseguido, por meio de pequenas mutações e intera- ções com o ambiente, articular a música com os conceitos. David Armstrong e Michael Tomasello Esses são os principais representantes da teoria gestual, a qual pro- põe que a base da sintaxe linguística estaria nos gestos, tanto corporais quanto vocais. Nessa teoria, os gestos já funcionariam como uma ten- tativa de organizar a linguagem. Dessa maneira, a comunicação passa gradativamente dos gestos para a comunicação fonética; gestos e fo- nemas possivelmente se articularam ao longo do processo evolutivo. Robin Dunbar Para esse autor, a linguagem surgiu por meio de uma prática re- corrente entre os primatas, o grooming – o conhecido catar piolhos, rea- lizado entre os macacos. No entanto, o grooming não serve apenas para a limpeza, mas tem como função principal a conexão entre os indiví- duos de um bando e a aquisição de influência sobre outros indivíduos, que pode ser potencialmente favorável às necessidades, fornecendo comida, proteção ou não agredindo o outro. Os humanos, assim como os outros primatas, praticavam o grooming como forma de interação social, porém, à medida que os hominídeos foram aumentando seus bandos, não foi mais possível realizar essa prática para obter informações e influências, pois eram muitos indiví- duos em um único grupo. Logo, a linguagem fonética conseguiria al- cançar maior número de indivíduos e colher muito mais informações do que o oferecimento de um serviço de limpeza e alívio de coceiras. Com a necessidade de contato com uma rede maior de relações, a lin- guagem também evoluiu. A evolução da linguagem humana 19 Dean Falk Antropóloga que propôs a teoria do “mamanhês”, ou da linguagem dirigida aos bebês. Com o novo andar sobre duas pernas e a falta de pelos espessos, as mães não conseguiam mais carregar seus bebês agarrados ao corpo, como as mães primatas; assim, para colher ali- mentos, era necessário soltar o bebê no chão. Como não havia mais o colo para acalmá-lo e para saber se tudo ia bem, a vocalização da mãe foi ganhando espaço na comunicação com seu bebê, possibilitando a evolução da linguagem de maneira lenta. 1.2.2 Corrente descontinuísta A seguir, apresentaremos os principais autores e as pesquisas da corrente descontinuísta sobre a origem da linguagem. Teoria dos sistemas de comunicação O pesquisador Robbins Burling separou o sistema de comunicação em dois grandes blocos: linguagem verbal (unicamente humana) e lin- guagem não verbal (compartilhada entre humanos e primatas). Burling sugeriu que não podíamos estudar a origem da linguagem humana por meio da linguagem não verbal, uma vez que primatas e humanos compartilham esse tipo de linguagem sem modificações há milhares de anos. Assim, o que nos distinguiria de fato dos primatas seria a lingua- gem verbal, a qual se fundamenta nos processos cognitivos. Portanto, para esse pesquisador, só seria possível encontrar uma continuidade entre a linguagem empregada pelos primatas e sua evo- lução para a linguagem humana se olhássemos apenas para a lingua- gem não verbal. Como queremos saber a origem da linguagem verbal, precisaríamos focar a linguagem verbal descontinuada da linguagem dos primatas, isto é, algo completamente diferente da linguagem com- partilhada com outros animais. Big bang linguístico Para o grupo de pesquisadores que trabalham com registros ar- queológicos, a linguagem verbal ocorreu de maneira abrupta. Eles en- tendem que a linguagem verbal, como forma de simbolização, permitiu 20 Neurociência e Linguagem aos Homo sapiens criar a arte rupestre. Segundo os cientistas, é possí- vel rastrear essa explosão simbólica desde 80 mil anos atrás no conti- nente africano. Dessa forma, os pesquisadores dessa linha de pensamento acre- ditam que houve um período de latência em que as capacidades cognitivas para a linguagem ficaram de certa forma adormecidas, capa- cidades essas que têm traços compartilhados com os outros primatas. No entanto, a maior indicação de que a aquisição de uma linguagem verbal tenha sido abrupta, conforme Dalgalarrondo (2011), é a de que no Homo sapiens é possível verificar diferenças anatômicas da laringe. Essa pequena diferença de posicionamento da laringe no sapiens possibilitou que as habilidades linguísticas que estavam “adormecidas”, ou pelo menos subutilizadas, pudessem se desenvolver. O humano te- ria então condições de uma produção muito maior de sons, permitindo ao seu cérebro se adaptar ao controle dessa nova habilidade. Dessa forma, segundo essa teoria, a capacidade cognitiva de simbolização juntou-se à habilidade de produzir diferentes sons para dar origem à linguagem humana. A hipótese genética Há um bom tempo os cientistas têm tentado localizar genes que se liguem à produção e à compreensão de linguagem. A descoberta de genes ligados à linguagem só se mostra possível com estudos sobre disfunções da linguagem que tenham origem motora, isto é, síndromes ou doenças que façam com que a pessoa tenha dificuldades muscula- res ligadas à linguagem. Assim, alguns geneticistas, por meio de um mapeamento com uma família portadora de diferentes disfunções motoras de linguagem, chegaram ao conhecimento de um gene que atua sobre esta. Além do mais, chegaram à conclusão de que o gene FOXP2 atua na relação mo- tora entre a linguagem e as estruturas neuronais. Com isso, foi possível verificar que esse gene também está presente em outros primatas, mas que o FOXP2 apresenta algumas diferenças entre as espécies. De acordo com os cientistas, essas diferenças teriam sido produzidas há mais ou menos 200 mil anos, exatamente no perío- do em que se considera o aparecimento do Homo sapiens. Uma leitura muito inte- ressante para compreen- dermos melhor quem somos na qualidade de espécie e como consti- tuímos o mundo à nossa volta é a obra Sapiens: uma breve história da humanidade, de Yuval Harari, um professor is- raelense de História. Sua obra traz a evolução do homem e da sociedade de maneira muito fluida e acessível. São Paulo: L&PM, 2016. Livro A evolução da linguagem humana 21 Portanto, as teorias descontinuístas tentam mostrar que, provavel- mente, um gene compartilhado com primatas sofreu modificação na sua estrutura quando do surgimento dos sapiens. Essas alterações fica- ram latentes até que se consolidassem as mutações na localização da laringe, as quais possibilitariam a produção da linguagem verbal. Como você pode ter observado, não há uma resposta exata de como surgiu a linguagem humana. Contudo, com esforços de dife- rentes áreas e saberes, estamos caminhando para um maior conheci- mento de como se originou a faculdade de maior peso para os Homo sapiens, afinal, somente com a linguagem verbal e a simbolização é que nos tornamos de fato humanos. 1.3 Linguagem e neurociências Vídeo Diversas áreas científicas têm cada vez mais utilizado conceitos for- mulados pelas neurociências. Para entendermos melhor esse campo, precisamos antes entender que as neurociências são plurais, visto que existem distintas áreas que estudam o cérebro humano, por diferentes ângulos. Vejamos no quadro a seguir as diferentes neurociências. Quadro 2 Neurociências Neurociência Estuda Conhecida como Molecular Estrutura e função das moléculas do sistema nervoso (SN) Neuroquímica/ neurobiologia molecular Celular Células que formam o SN Neurocitologia/ Neurobiologia celular Sistêmica Populações de células nervosas que constituem sistemas funcionais Neuroanatomia: morfolo- gia das células Neurofisiologia: aspectos funcionais Comportamental Estruturas neurais que produzem comportamento Psicofisiologia/ Psicobiologia Cognitiva Capacidades mentais complexas Neuropsicologia Fonte: Elaborado pela autora com base em Lent, 2001, p. 6. 22 Neurociência e Linguagem Cada neurociência engloba o estudode um aspecto do sistema ner- voso (SN) humano. Assim, temos uma área que se fixa nas moléculas; outra nas células; outra no agrupamento dessas células; e ainda outras em estruturas que produzem o comportamento humano e na área que estudará as funções complexas do nosso sistema nervoso, como a lin- guagem, a atenção e a memória. Mesmo se tratando de áreas de estudo distintas, os limites entre elas podem não estar assim tão evidentes, porque uma complementa o estudo da outra (LENT, 2001). Com relação aos profissionais que atuam nessa área, Lent (2001) afirma que podemos separá-los em duas grandes categorias, inde- pendentemente da sua formação. Temos os neurocientistas, os quais pesquisam na área de neurociências, e os profissionais do campo da saúde, que muitas vezes investigam e aplicam as pesquisas realizadas pelos pesquisadores para garantir saúde e qualidade de vida. Além disso, as neurociências hoje auxiliam muito aqueles que tra- balham no campo das engenharias, da robótica e da informática, pois possibilitam bases para a construção de programas de inteligência arti- ficial, entre outras situações. Não menos importante, a área de educação tem demonstrado grande interesse pelas neurociências; em especial, a neurociência cognitiva, tentando decifrar como acontece a aprendizagem e como podemos melhorá-la. Por isso é tão importante compreendermos a área das neurociências, afinal, esse campo nos possibilita atuar em diferentes áreas, buscando soluções inovadoras para melhorar a vida em diversos campos. Na educação, estamos sempre às voltas com a questão da motiva- ção para o aprendizado, além da retenção e compreensão do que é ensinado. Logo, a neurociência cognitiva possibilita aos educadores ter uma visão mais ampla de como acontecem, por exemplo, os processos de memória, atenção e ligação emocional com o aprendizado, o racio- cínio lógico e a aquisição de linguagem. Consequentemente, cada vez mais precisamos pensar de modo multi e transdisciplinar, isto é, não podemos apenas ver a nossa área de saber por um único ângulo, é preciso expandir, trocar ideias com outros saberes. Afinal, todas as ciências tentam explicar o homem, a natureza e suas relações, mas por diferentes ângulos, por isso sempre Para entender as origens das neurociências, assista ao vídeo O que é neuro- ciência?, publicado pelo canal Caio Dallaqua. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=0zJ4ksWfhw4. Acesso em: 18 dez. 2020. Saiba mais Por que o termo neurociências deve ser utilizado no plural? Atividade 2 https://www.youtube.com/watch?v=0zJ4ksWfhw4 https://www.youtube.com/watch?v=0zJ4ksWfhw4 https://www.youtube.com/watch?v=0zJ4ksWfhw4 A evolução da linguagem humana 23 há possibilidade de áreas distintas conversarem e encontrarem solu- ções em conjunto para melhorar a educação em seus diferentes níveis. Na sequência, veremos brevemente a perspectiva neurobiológica, com foco na perspectiva cognitiva das neurociências. Contudo, é im- portante saber que essas áreas têm hoje se ligado de maneira estreita para estudar a linguagem, visto que uma se utiliza das descobertas da outra para ampliar seus conhecimentos. Não traremos aqui um tratado de anatomia, mas tenha em mente que a compreensão do funcionamento da linguagem em nível anatomo- fisiológico depende de diversas estruturas que se ligam a outras funções. Veremos um resumo sobre as principais áreas envolvidas na produção, recepção e compreensão da linguagem, com o objetivo de compreender como essas áreas se ligam a determinadas habilidades linguísticas. Grande parte dos estudos sobre linguagem teve como base pesquisa com pessoas que apresentavam distúrbios nessa área. Somente após o surgimento de tecnologias avançadas de exames por imagens é que foi possível desvendar a linguagem no cérebro de pessoas sem distúrbios. Primeiro, é preciso compreender como se estrutura o sistema ner- voso de modo geral. A primeira distinção a ser feita é que muitas ve- zes o que chamamos de cérebro é, na verdade, o encéfalo. O cérebro é a maior parte do encéfalo e, de fato, é nele que se localizam as fun- ções cognitivas, como a linguagem. O cérebro faz parte do encéfalo, que é composto ainda pelo cerebelo e pelo tronco encefálico, confor- me podemos notar na imagem a seguir. Adaptada de Jolygon/Shutterstock CerebeloTronco encefálico Cérebro Ie sd e S/ A 24 Neurociência e Linguagem O que costumeiramente chamamos de cérebro também podemos chamar de córtex cerebral, formado por diversas células, mas pri- mordialmente pelos neurônios. O córtex é estruturado em giros e sulcos, os quais são dobras situadas em ambos os hemisférios cere- brais, direito e esquerdo. O cérebro pode ser dividido em quatro lobos, nomeados de acordo com os ossos que estão por cima deles. Observe a divisão dos lobos cerebrais na imagem a seguir. Lobo occipital Lobo frontal Lobo temporal Lobo parietal W ikim edia Commons. Cada um desses lobos tem seus sulcos e giros e apresenta funções especializadas. O lobo frontal está bastante envolvido com a memória de curto prazo e o planejamento de ações futuras, além do controle do mo- vimento; o lobo parietal está envolvido com a sensação somática, a formação de uma imagem corporal e sua relação com o espaço extrapessoal; o lobo occipital está envolvido com a visão; e o lobo temporal está envolvido com a audição e – por meio de suas estru- turas profundas, o hipocampo e os núcleos da amígdala – com o aprendizado, a memória e a emoção. (KANDEL et al., 2014, p. 8) Portanto, de acordo com Kandel et al. (2014), nosso cérebro é espe- cializado, ou seja, traz áreas específicas para diferentes habilidades, o que não é diferente com a linguagem. Um dos princípios das neurociências é o de que o processamento das funções é distribuído por todo o cérebro; isso não quer dizer que todo o cérebro se envolva em todas as atividades, mas sim que funções A evolução da linguagem humana 25 como linguagem ou planejamento são produzidas em conjunto por di- versas áreas, distribuindo o trabalho. Uma característica muito importante da linguagem no cérebro é que, além de ter diversas áreas conectadas entre si, ela se apresenta de maneira lateralizada no cérebro. O nosso cérebro tem dois hemisfé- rios – direito e esquerdo – e algumas estruturas formadas por muitos neurônios que ligam esses dois hemisférios. Em geral, o hemisfério es- querdo é o dominante. As áreas da linguagem estão distribuídas entre os dois hemisférios, porém a maior parte delas se encontra no hemisfério esquerdo. Talvez você já tenha ouvido falar que a linguagem está no lado esquerdo, mas essa afirmação não é inteiramente correta, pois a emoção é uma cogni- ção ligada à linguagem, e ela é primordialmente processada no hemis- fério direito. Aliás, a prosódia é a característica que confere a emoção à fala, e a emoção nos proporciona diferentes entonações, algo muito importante na compreensão da linguagem. Dois neurologistas muito importantes para essa descoberta foram Paul Broca e Karl Wernicke. Broca foi o primeiro a descobrir que a lin- guagem se processava no hemisfério esquerdo. Poucos anos depois, Wernicke formulou sua teoria do processamento distribuído, da qual acabamos de tratar, desenvolvendo o modelo inicial da linguagem. De acordo com esse modelo, os passos iniciais no processamen- to neural da palavra falada ou escrita ocorrem em áreas senso- riais separadas do córtex, especializadas em informação visual ou auditiva. Essa informação é então retransmitida para uma área cortical associativa, o giro angular, especializado no pro- cessamento de informações tanto visual quanto auditiva. Aqui, de acordo com Wernicke, palavras faladas ou escritas são trans- formadas em um código sensorial neural, compartilhado tanto pela fala quanto pela escrita. Essa informação é retransmitida para a área de Wernicke, onde é reconhecida como linguagem e associada a seu significado. Essa informação também é retrans- mitidapara a área de Broca, que contém as regras, ou gramática, para transformar a representação sensorial em uma representa- ção motora que possa ser percebida como linguagem falada ou escrita. Quando essa transformação de representação sensorial em motora não ocorre, o paciente perde sua capacidade de falar e escrever. (KANDEL et al., 2014, p. 10-11) 26 Neurociência e Linguagem Assim, as principais áreas envolvidas na linguagem são: ar tyw ay /S hu tte rs to ck Responsável por controlar a produção da fala. Como está próxima à área motora, está implicada no controle de língua e boca, ou seja, do aparelho fonador que articula as palavras. Responsável pela recepção da linguagem, processa os sinais auditivos recebidos e está envolvida na compreensão da fala. Como se localiza próxima ao giro angular e ao córtex auditivo primário, essa área também combina a entrada dos sons com outros sentidos. Área de Wernicke Área de Broca As áreas não trabalham sozinhas, elas se complementam para rea- lizar o trabalho da linguagem. A figura a seguir ilustra as estruturas implicadas na linguagem. Fonte: Adaptada de Kandel et al., 2014, p. 11. Portanto, quando pensamos em linguagem, devemos compreen- der que ela é uma função localizada primordialmente no hemisfério Você sabia que, ao con- trário do aprendizado de segunda língua quando criança, que possibilita que a área de Broca utilize sua especificidade para ambas as línguas, depois de adultos utiliza- mos uma região diferente para aprender uma se- gunda língua? Saiba mais assistindo ao vídeo Como seu cérebro muda ao falar outros idiomas. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=_fmqo8p- 57Q. Acesso em: 18 dez. 2020. Curiosidade Ie sd e S/ A https://www.youtube.com/watch?v=_fmqo8p-57Q. https://www.youtube.com/watch?v=_fmqo8p-57Q. https://www.youtube.com/watch?v=_fmqo8p-57Q. A evolução da linguagem humana 27 esquerdo, envolvendo as áreas de Broca e Wernicke e áreas adjacentes a essas duas principais. Todavia, devemos também lembrar de que a emoção é um componente fundamental na linguagem, possibilitando a prosódia, a qual localiza-se no hemisfério direito. Atualmente, cada vez mais é possível investigar e descobrir o funcio- namento do cérebro e da linguagem. Com exames de imagem moder- nos, pode-se pesquisar a cognição sem que a pessoa tenha um distúrbio e no momento que a linguagem acontece, isto é, observar o cérebro no momento da recepção ou emissão da linguagem oral ou escrita. Estudar as áreas envolvidas na leitura e na escrita é ainda um desafio, pois não são habilidades inatas, como a fala, mas criadas culturalmente e muito recentes na história da humanidade. Por isso mesmo, os neuro- cientistas creem que é ainda muito cedo, considerando o processo evo- lucionário, para termos áreas específicas para leitura e escrita, uma vez que o cérebro do ser humano ainda não desenvolveu tais competências de maneira inata, isto é, sem a necessidade de um aprendizado formal. Se você tem interesse na área de neurociências e quer se aprofundar em diferentes abordagens, indicamos a leitura do livro Cem bilhões de neurô- nios: conceitos fundamen- tais de neurociência. LENT, R. Rio de Janeiro: Atheneu, 2001. Livro 1.4 Cognição e linguagem Vídeo Assim como as neurociências apresentam diferentes abordagens para estudar o sistema nervoso, também são várias as áreas que bus- cam entender a linguagem. Entre elas, há as que dão ênfase ao pro- cesso psicológico, que está relacionado com a percepção da linguagem, e as que pretendem descrever a estrutura da linguagem, embasadas pela linguística. No entanto, aqui, como já mencionamos, daremos ên- fase na neurociência cognitiva e na psicolinguística. A neurociência cognitiva, como vimos, pesquisa como se dá a lin- guagem no cérebro e quais estruturas cerebrais estão implicadas no processo. Já a psicolinguística vai se preocupar com como a linguagem é produzida e compreendida, ligando-se de um lado às neurociências e de outro à linguística (STERNBERG, 2016). Mesmo que diversas ciências abordem os estudos da linguagem, de acordo com Sternberg, há seis propriedades distintivas da linguagem compartilhadas por todas as áreas, são elas: 28 Neurociência e Linguagem Há uma estrutura regular em cada língua, que se desfeita perde o sentido. Estruturada regularmente Arbitrariamente simbólica A relação entre o nome e o objeto que indica é arbitrária, não natural. As línguas evoluem. Dinâmica Propriedades da linguagem, segundo Sternberg Comunicativa Permite que nos comuniquemos. Pode-se analisar sons, sílabas, palavras, frases ou textos. Estruturada em níveis múltiplos Gerativa e produtiva A linguagem pode gerar inúmeras formas de expressão dentro de sua estrutura. Então, isso significa que, por meio da linguagem e das línguas, nós nos comunicamos, e para isso utilizamos um sistema estruturado e ar- bitrário; isto é, por que em português nomeamos uma mesa de mesa? A resposta mais simples é porque em algum momento alguém deu esse nome ao objeto – na verdade, um outro nome na origem da nossa língua, provavelmente em latim, o qual foi evoluindo para mesa, afinal, as línguas também evoluem, esse é um dos seus princípios. Comunicamo-nos por uma língua que entende que alguns sons com- binados têm significado, enquanto outros não, ou seja, há uma estrutura para compreendermos a língua. Ao mesmo tempo, essa estrutura pode ser analisada em diferentes níveis, pois por ser complexa oferece diver- sas formas de compreensão, de um fonema a um texto. As línguas são criativas. A língua portuguesa permite inúmeras variações, possibilitando que criemos sentenças completamente distintas umas das outras. É exatamente essa criatividade que per- mite que uma língua evolua. Sabemos que as línguas se distinguem entre si, às vezes mais, às vezes menos, a depender de suas origens. Contudo, além das pro- priedades listadas anteriormente serem inerentes a todas as línguas (mesmo que uma língua tenha uma gramática mais detalhada e ou- tra não), as línguas e a linguagem humana como um todo também compartilham de dois aspectos: A arbitrariedade do signo foi inicialmente postulada pelo linguista Ferdinand de Saussure e nos fala so- bre a dualidade do signo (uma palavra qualquer), formado por um signifi- cado e um significante, sendo a relação entre eles arbitrária. Assista ao vídeo Sobre o princípio da arbitrariedade do signo em Saussure para entender melhor esse conceito. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=GHLmdj- L3HA. Acesso em: 18 dez. 2020. Saiba mais https://www.youtube.com/watch?v=GHLmdj-L3HA https://www.youtube.com/watch?v=GHLmdj-L3HA https://www.youtube.com/watch?v=GHLmdj-L3HA A evolução da linguagem humana 29 1. Compreensão e decodificação na recepção da linguagem. 2. Codificação e elaboração na produção da linguagem. De acordo com Sternberg (2016, p. 307, grifo do original), decodificação refere-se à obtenção do significado com base em qualquer sistema de referência simbólico usado (por exemplo, enquanto a pessoa escuta ou lê) […]. A codificação, quando apli- cada à linguagem, envolve transformar nossos pensamentos em uma forma que pode ser expressa como produção linguística (por exemplo, fala, sinalização ou escrita). Assim, a decodificação acontece no campo da compreensão verbal, enquanto a codificação ocorre na expressão verbal. Desse modo, ao decodificarmos somos capazes de compreender os elementos da lín- gua e a mensagem passada; e ao codificarmos somos capazes de ela- borar a fala ou a escrita. Agora, veremos os níveis estruturais constituintes de uma língua, muito necessários à compreensão e à expressão verbais. A menor unidade da língua é o fonema – som distinguido como parte de uma língua, como no português, em que temos um número restrito de consoantes e vogais. Por isso, a fonética estuda os sons pro- duzidos oralmente e sua representação escrita. Na sequênciado fonema, encontramos o morfema, a menor unida- de com significado dentro de uma língua. Em português, nós temos a raiz da palavra (morfemas de conteúdo) e os afixos – prefixos e sufixos (morfemas de função). A morfologia, então, faz o estudo de todas as si- tuações envolvendo a estrutura das palavras, como a flexão de tempo, número, grau e gênero, além de declinações e outras situações refe- rentes à morfologia. O terceiro nível estrutural da língua é o léxico, “o conjunto completo de morfemas em uma determinada língua ou de repertório linguístico de uma pessoa” (STERNBERG, 2016, p. 310). O léxico é o nosso vocabulário, o qual se desenvolve de modo gradual e por meio de exposição à língua desde o nascimento e passa pelo aprendizado dos fonemas e morfemas. O quarto nível é a sintaxe – arranjo das palavras em uma lín- gua, o que atribui a ela uma estrutura singular. Em português, por exemplo, temos a possibilidade de frases nominais e frases ver- bais, isto é, frases que se estruturam em torno do substantivo e Quais são as proprieda- des gerais da linguagem? Atividade 3 30 Neurociência e Linguagem do sujeito (frase nominal) ou em torno do verbo e do predicado, indicando ação (frase verbal). Por fim, temos a semântica da língua, a forma como palavras e sentenças significam algo na língua, ocupando-se assim com o uso da língua e os discursos subjacentes aos gêneros textuais. Afinal, como todos esses níveis e propriedades da linguagem se re- lacionam com o sistema nervoso de um ser humano? Roberto Lent (2001) afirma que há uma rede cerebral para o funcio- namento da linguagem, formada por áreas conectadas entre si, e tais conexões formam o sistema linguístico. As áreas dividem-se em: • Áreas conceitualizadoras: especializadas tanto no planejamen- to da fala quanto no que é ouvido, ou seja, a compreensão da mensagem recebida. • Áreas formuladoras: responsáveis pelo planejamento e pelo entendimento da forma, seja das palavras, seja de frases. • Áreas articuladoras: possibilitam que os movimentos arti- culem a fala com o aparelho fonador (boca, língua, pregas vocais etc.). • Regiões do córtex cerebral: áreas auditivas, visuais, de pro- cessamento das emoções, da memória, e assim por diante. Portanto, a compreensão da linguagem passa inicialmente pela via auditiva, isto é, primeiro ouvimos os sons emitidos por outra pessoa, e então o processo se inicia. De acordo com Lent (2001, p. 691): em certo momento do processamento auditivo, no entanto, o cérebro “descobre” que certos sons são linguísticos e “encami- nha” a sua representação neural […] para as regiões responsá- veis pela compreensão da fala. Nesse caso, para compreender o que se ouviu será preciso proceder passo a passo, quase no sen- tido inverso ao da emissão da fala: identificação fonológica identificação léxica compreensão sintática compreensão semântica. Logo, os processos de identificação fonológica, identificação léxi- ca, compreensão sintática e compreensão semântica ativam algumas áreas no cérebro. Embora a identificação de tais áreas seja difícil, os neurocientistas e psicolinguistas identificam que nós temos diferentes léxicons, isto é, conjunto de palavras, como em um banco de palavras que fica arquivado em nossa memória. Entenda melhor a distin- ção entre alguns desses níveis de linguagem por meio do vídeo O que são léxico, sintaxe e morfo- logia? Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=7kCjb5fMBKg. Acesso em: 18 dez. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=7kCjb5fMBKg https://www.youtube.com/watch?v=7kCjb5fMBKg https://www.youtube.com/watch?v=7kCjb5fMBKg A evolução da linguagem humana 31 De acordo com Lent (2001), temos os seguintes léxicons: • Fonológico: guarda os sons dos idiomas aprendidos; sons de fo- nemas, palavras e frases. Localizado na área de Wernicke. • Semântico: permite reconhecer o contexto e o significado das palavras. Localizado nos giros angular e supramarginal – intima- mente ligados à área de Wernicke – e nos giros temporais médio e inferior. • Sintático: guarda as regras da linguagem. Localizado na área de Broca. Cada área da rede da linguagem busca as informações em um léxicon específico, ou seja, ao ativar a área conceitualizadora, ela fará a ligação com o léxicon semântico. Já a área formuladora liga-se aos léxicons sintático e fonológico, enquanto a área articuladora proporcio- na a emissão da linguagem. Assim, estudar linguagem significa compreender como as línguas se estruturam em seus fonemas, morfemas e outros níveis estruturais, mas também como todas essas estruturas atuam no cérebro, ou, me- lhor dizendo, como o cérebro é capaz de desenvolver todas essas es- truturas e trabalhar com elas para formar a linguagem. Portanto, não há como dissociarmos o aprendizado de uma língua de seus correspondentes cerebrais nem das regras que a formam, pois estes andam de mãos dadas para nos proporcionar a habilidade que mais nos distingue de outros animais, uma linguagem estruturada. Caso deseje se apro- fundar nos estudos cognitivos da lingua- gem, indicamos o livro Linguagem e cognição: processamento, aquisição e cérebro, que traz discussões interessantes acerca da psicolinguística e da neurociência cog- nitiva, desde a aquisição da língua materna até os processos envolvidos no bilinguismo. BUCHWEITZ, A.; MOTA, M. B. (org.). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2015. Livro CONSIDERAÇÕES FINAIS Esperamos que você tenha apreciado essa passagem pelas ori- gens do Homo sapiens e pelas maravilhas que o cérebro humano foi capaz de atingir em bilhões de anos de evolução. Tenha em mente que compartilhamos sim muitas características com nossos primos primatas, mas que a linguagem humana é única e foi capaz de criar toda a sociedade em que vivemos. Sem a linguagem, ainda estaríamos na Idade da Pedra, mas graças ao poder de criar coisas que não estão ao nosso alcance visual, lembrar de ex- periências e relatá-las aos outros, pudemos nos tornar de fato humanos. 32 Neurociência e Linguagem REFERÊNCIAS DALGALARRONDO, P. Evolução do cérebro: sistema nervoso, psicologia e psicopatologia sob a perspectiva evolucionista. Porto Alegre: Artmed, 2011. FUTUYAMA, D. Evolution. Massachusetts, EUA: Sinauer Associates, 2005. HARARI, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. São Paulo: L&PM, 2016. HAUSER, M.; CHOMSKY, N.; FITCH, W.T. The faculty of language: what is it, who has it, and how did it evolve? Science, EUA, v. 298, n. 5598, p. 1569-1579, nov. 2002. KANDEL, E. R. et al. Princípios de neurociências. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. Rio de Janeiro: Atheneu, 2001. RIDLEY, M. Evolution. 3. ed. Hoboken, EUA: Blackwell Publishing, 2004. STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. São Paulo: Cengage Learning, 2016. GABARITO 1. Não. Embora talvez tenhamos aprendido que uma espécie deu origem à outra, sendo extinta no mesmo momento, não é a verdade. Muitas espécies conviveram ao mesmo tempo até o Homo sapiens passar a reinar sobre a Terra. Para que isso acontecesse, este muito provavelmente exterminou e ao mesmo tempo se juntou a outras espécies. 2. Porque as neurociências são um conjunto de diversas áreas que abordam o estudo do sistema nervoso por diferentes ângulos: molecular, celular, sistêmica, comporta- mental e cognitivo. 3. Independentemente da língua, a linguagem permite a comunicação entre as pessoas, é arbitrariamente simbólica, estruturada regularmente e em níveis múltiplos, além de gerativa, produtiva e dinâmica. Linguagem oral e leitura 33 2 Linguagem oral e leitura Neste capítulo vamos compreender como a linguagem oral se processa no cérebro e quais estruturas estão envolvidas nessa habilidade. Além disso, vamos identificar como a linguagem oral funciona em um nível de articulação, isto é, na fala. Com base no estudo da fala, seguiremos com uma discussão sobre as variantes da língua, afinal, o cérebro de todosos falantes possui um funcionamento muito parecido para processar a lingua- gem, porém, sendo ela um produto social, terá características pró- prias do lugar onde é falada, da idade, do gênero, da classe social e do momento sociocultural em que é produzida. Por fim, veremos como esses aprendizados de linguagem oral se conectam para possibilitar a formação de circuitos capazes de produzir a leitura da palavra escrita. Esperamos que a leitura seja muito produtiva. Bons estudos! 2.1 Linguagem oral Vídeo Sabemos que a língua é arbitrária, isto é, a combinação de letras e sons que formam uma palavra é uma convenção, algo que uma co- munidade estabeleceu como uma possível sequência de signos para descrever um objeto ou ser. Assim, todos os falantes de uma língua aprendem, por um processo de repetição mecânica, no início de seu desenvolvimento, a relacionar um som a um significado. De acordo com Pinker (2002), esse processo de aprendizagem de re- conhecimento de sons e de ligação desses sons a um objeto ou a uma pessoa permite que os seres humanos sejam capazes de memorizar um número muito grande de informações, diferentemente dos nossos parentes primatas. Com uma memória semântica desenvolvida, os in- divíduos conseguem transmitir ideias, conceitos e informações de uma 34 Neurociência e Linguagem mente para outra mente, por exemplo: da nossa mente saem ideias que conseguimos fazer chegar até você, por meio da linguagem. Outro elemento muito importante para o desenvolvimento da espé- cie humana é a habilidade de ordenar e dar regras às línguas, ou seja, a gramática. Com diferentes ordenações das palavras, podemos criar significados totalmente diferentes. Por exemplo, na frase João comeu uma maçã, temos quatro palavras que podem ser usadas em diversos contextos. A nossa gramática determina que há uma ordem na frase para a compreensão (sem levarmos em consideração as exceções). A ordem mais comum é: sujeito-verbo-predicado. Poderíamos, então, alterar a ordem dos elementos da frase e tería- mos: uma maçã comeu João. No plano real, sabemos que é uma frase praticamente impossível de acontecer no cotidiano, mas no plano vir- tual, da língua, é muito plausível e poderia ser usada em um filme de ficção científica em que de fato uma maçã come um personagem. Por- tanto, as regras permitem que façamos diversas combinações, fazendo com que as línguas sejam capazes de expressar a complexidade do mundo em que vivemos. Além de adquirir sons e palavras, o ser humano também adqui- re regras para que eles façam sentido. Mas como o corpo humano é capaz de expressar todos os dife- rentes sons? Para responder a essa pergunta, precisaremos nos voltar agora para a fonologia, uma área da linguística que estuda a estrutura sonora que forma uma determinada língua. Mais ainda, utilizaremos os estudos da fonética para entender como nosso cérebro trabalha em conjunto com outras estruturas para produzir os sons. Segundo Silva (2003), a fonética pode ser dividida em quatro áreas de estudo: articulatória, auditiva, acústica e instrumental (Figura 1). As áreas acústica e instrumental se ligam mais a estudos que relacionam os Fonte: Elaborada pela autora com base em Silva, 2003, p. 23. Fonética Fonética articulatória Compreende o estudo da produção da fala do ponto de vista fisiológico e articulatório Fonética auditiva Compreende o estudo da percepção da fala Fonética acústica Compreende o estudo das propriedades físicas dos sons da fala, a partir de sua transmissão do falante ao ouvinte Fonética instrumental Compreende o estudo das propriedades físicas da fala, levando em consideração o apoio de instrumentos laboratoriais Al ek sa nd r B ry lia ev /S sh ut te rs to ck Figura 1 Áreas da fonética Linguagem oral e leitura 35 sons com as áreas da física, engenharia, mecânica, além de outras que têm interesse no estudo dos sons. A fonética auditiva estuda como os indivíduos percebem os sons. Há culturas que não possuem determinados fonemas, como o /r/, por isso não conseguem reconhecê-los na fala de outra pessoa e nem articulá- -los. Mas para que alguém perceba esse som, quais mecanismos cere- brais estão ativos? Vamos ver resumidamente como se dá a audição e a percepção dos sons. De acordo com Roberto Lent (2010, p. 266): Sons são certas vibrações do meio que se transmitem ao órgão receptor da audição e são transformadas em potenciais bioelé- tricos para processamento no sistema auditivo. Nem todas as vi- brações do meio representam sons: só aquelas com frequências situadas entre 20Hz e 20kHz e intensidades entre 0 e 120dB. A modalidade auditiva divide-se em algumas submodalidades: dis- criminação de intensidade sonora, discriminação de tons, identi- ficação de timbres, localização espacial dos sons e compreensão da fala e dos sons complexos. Perceber sons é muito mais do que ouvir, pois implica localizar de onde esse som vem, qual é a altura, o timbre e o tom dele, compreen- dê-lo e ligá-lo a informações preexistentes armazenadas na memória. E toda essa complexidade só é possível porque possuímos uma arqui- tetura cerebral que nos proporciona receber as ondas sonoras, isto é, as vibrações que são modificadas em impulsos elétricos em nosso cé- rebro, transportando a informação para diferentes áreas. A percepção dos sons é uma habilidade que auxilia todos os animais a se adaptarem, especialmente a reconhecerem perigos e predadores, possibilitando estratégias de fuga ou luta, ou até mesmo o reconhe- cimento de quando chega o alimento, como no caso de animais que caçam pela audição. Segundo Lent (2010), crianças humanas possuem uma capacidade de ouvir um número muito maior de sons, capacidade esta que vai declinando com o passar do tempo. Assim, a audição tornou possível detectar as vibrações do ar e da água provocadas pelos movimentos dos animais e das plantas, bem como desen- volver todo um sistema de comunicação através da vocalização, isto é, da emissão “intencional” de vibrações do meio. Através dos sons tornou-se possível identificar a presença de certos objetos Quer entender melhor como o som é formado e percebido acustica- mente? Acesse o vídeo Ondas sonoras do canal Brasil Escola e conheça as propriedades das ondas sonoras. Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=kR5FSlOPrhI. Acesso em: 18 dez. 2020. Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=kR5FSlOPrhI https://www.youtube.com/watch?v=kR5FSlOPrhI https://www.youtube.com/watch?v=kR5FSlOPrhI 36 Neurociência e Linguagem mesmo quando estes se situam fora do campo de visão, ou estão encobertos por outros objetos. (LENT, 2010, p. 267) Para que essa “mágica” aconteça, é necessário um sistema que evo- lui para ser muito pequeno, mas muito eficiente. Nosso ouvido possui estruturas muito especializadas, as quais possibilitam que os sons che- guem às áreas auditivas do cérebro, conforme ilustrado a seguir. Canais semicirculares Ad ap ta da d e ko tik ot i/S hu tte rs to ck Martelo Bigorna Nervo auditivo Cóclea Estribo Tímpano Canal O sistema auditivo se inicia na orelha externa, o que vulgarmente chamamos de orelha, a qual funciona como um captador e direcionador do som. O som entra pelo canal (ou meato acústico externo), chegando ao tímpano. O tímpano é uma membrana que se localiza na entrada da orelha média, responsável por transmitir o som até a orelha interna. Quando as ondas sonoras chegam até o tímpano, sua vibração aciona os ossículos (martelo, bigorna e estribo), que levam o som até a orelha interna. Nesta, o som passa para a cóclea, formada por uma estrutura óssea com uma membrana que vibra de acordo com o som recebido, enviando as informações ao nervo auditivo. Os canais semicirculares participam especialmente dos movimentos da cabeça e do equilíbrio, entre outras funções (MARTINEZ; ALLODI; UZIEL, 2015). As informações são encaminhadas ao cérebro, primeiramente ao tronco encefálico e posteriormente para aárea auditiva primária, onde os neurônios especializados conseguem distinguir os sons, extraindo as suas características de timbre, tom, intensidade e localização. Isso tudo em uma velocidade muito alta. No caso da compreensão da lin- guagem oral, após a área auditiva primária receber os sons, a informa- Linguagem oral e leitura 37 ção segue para a área de Wernicke, a qual processa diversos aspectos da linguagem, além do auditivo (LENT, 2010). Observe na imagem a seguir as principais áreas envolvidas na linguagem oral. Lobo frontalLobo frontal Adaptada de M edusArt/Shutterstock Área de Wernicke Área de Broca Lobo parietalLobo parietal Lobo Lobo occipitaloccipital Cerebelo Tronco encefálico Córtex auditivo primário Área motora envolvida na vocalização Lobo temporalLobo temporal De acordo com Kandel et al. (2014, p. 613-614, grifos do original): A audição tem duas funções independentes no aprendizado vocal. Em primeiro lugar, ouvir a vocalização de outros permite a imitação do comportamento vocal […]. Contudo, […] inicialmen- te produzem vocalizações desconexas e imaturas, chamadas de balbucios em seres humanos […]. Eles devem então ser capazes de ouvir essas vocalizações para gradualmente refiná-las e atin- gir o grau desejado de semelhança de produção vocal durante o processo de aprendizado sensório-motor. Segundo, a audição provê aos aprendizes vocais a informação sensorial sobre a acurácia de seu desempenho motor, na forma de uma retroalimentacão auditiva […]. A […] dependência da au- dição da própria voz é evidente em seres humanos. Assim, a fala de crianças que se tornam surdas durante a infância se deteriora marcadamente, mesmo que elas tenham tido um aprendizado significante da fala antes da surdez. Como se dá o desenvol- vimento da linguagem em crianças surdas? Você sabe? O site Crônicas da surdez traz diversos con- teúdos para o desenvolvi- mento da linguagem em pessoas surdas. Indica- mos a leitura da matéria Aquisição de linguagem oral pela criança surda para compreender como esse processo acontece. Disponível em: https:// cronicasdasurdez.com/linguagem- oral-crianca-surda/. Acesso em: 18 dez. 2020. Leitura https://cronicasdasurdez.com/linguagem-oral-crianca-surda/ https://cronicasdasurdez.com/linguagem-oral-crianca-surda/ https://cronicasdasurdez.com/linguagem-oral-crianca-surda/ 38 Neurociência e Linguagem Logo, a audição é de extrema importância para o aprendizado e a produção da linguagem oral. Sem o reconhecimento dos sons e sem a audição da própria fala, o ser humano não é capaz de se comunicar oralmente, pois a articulação das palavras depende das informações complexas que também são processadas pelas áreas auditivas. Agora que vimos brevemente como se processa a audição do sons, podemos pensar sobre como os produzimos. O que é preciso? Primei- ramente é preciso conhecê-los. Isso parece óbvio, mas é preciso enten- der que para conhecer os sons é necessário aprendê-los por meio de imitação. A produção de sons nos seres humanos não é algo comple- tamente natural; sem alguém para nos ensinar os sons de uma língua, não aprendemos a falar. Ao escutar os sons, os bebês automaticamente começam a imitá- -los, e essa imitação envolve as áreas de produção da fala e a articu- lação dos sons. Veremos de maneira breve como se forma a fala no cérebro e, depois, o papel do aparelho fonador na produção da fala. A fala vai se desenvolvendo ao mesmo tempo que a percepção dos sons. Para produzirmos a fala, o cérebro inicia o processo nas áreas conceitualizadoras, planejando a mensagem que será transmitida. Essas áreas acessam os nossos léxicons, em especial o semântico, para encontrar o conceito que estamos tentando transmitir. Na sequência, as áreas formuladoras do cérebro buscam os fonemas, as palavras e também a gramática, formando frases. Nesse processo está envolvida a área de Broca, que controla a formulação da mensagem e se liga às áreas motoras que farão a articulação das palavras. Na etapa de articulação, o cérebro planeja os movimentos que o corpo deverá realizar para a emissão da fala, enviando os comandos para o tronco encefálico, mais especificamente os núcleos motores que acionam músculos respiratórios, pregas vocais, língua, boca, músculos da face e faringe. Portanto, a fase de articulação é primordialmente motora; as fases anteriores envolvem o planejamento e a produção dos conceitos que serão expressos por meio da articulação (LENT, 2010). Para entendermos como se processa a articulação da fala, preci- samos primeiro compreender como é formado o nosso aparelho fo- Linguagem oral e leitura 39 nador, o qual é composto pelos sistemas articulatório, fonatório e respiratório, conforme a imagem a seguir. Pleura Ad ap ta da d e Ve rc to rM in e/ Sh ut te rs to ck Cavidade nasal Nariz Boca Laringe Costela Pulmão Brônquios Diafragma Sistema respiratório: pulmões, brônquios, traqueia e diafragma Sistema articulatório: faringe, língua, nariz, palato e dentes Sistema fonatório: laringe e glote Faringe Glote Esôfago Traqueia Pulmão Os seres humanos nascem com a capacidade de produzir qualquer fonema, porém, com o aprendizado da língua materna, o aparelho fona- dor passa a se especializar em determinados sons, tendo maior dificul- dade, com o passar do tempo, de produzir sons distintos daqueles com os quais possui familiaridade. Por isso, o aprendizado de diversas línguas desde cedo propicia maior habilidade na produção de sons diferentes. Conforme Kandel et al. (2014, p. 1.185): Aprender uma língua nativa produz um compromisso neural para a detecção dos padrões acústicos dessa língua, e esse com- promisso interfere no aprendizado posterior de uma segunda língua. A exposição precoce à linguagem resulta em um circui- to neural que é “afinado” para detectar as unidades fonéticas e os padrões prosódicos dessa língua. O compromisso neural Nascemos com a habilidade de falar qualquer som do mundo. Então por que é tão difícil aprender outra língua quando somos adultos? Atividade 1 40 Neurociência e Linguagem com a língua nativa aumenta a capacidade de detectar padrões com base naqueles já aprendidos […] mas reduz a capacidade de detectar padrões que não se assemelham aos já conhecidos. Aprender os padrões motores exigidos para se falar uma língua também leva a um compromisso neural. Os padrões motores aprendidos para uma língua são, muitas vezes, incompatíveis com aqueles exigidos para a pronúncia de uma segunda língua e, portanto, podem interferir no esforço em pronunciar a segunda língua sem sotaque. Assim, ao aprender padrões motores para sua língua materna, al- guns sons de outras línguas se perdem para ao falante. Quanto mais próximos forem os sons entre dois idiomas, maior será a facilidade de um falante produzir essa segunda língua. Tendo isso em mente, é necessário entendermos que as línguas do mundo possuem um número limitado de sons, mesmo que distintos entre si. Por isso, convencionou-se a compreensão de que alguns sím- bolos descrevem os sons das diferentes línguas conhecidas ao redor do mundo. Temos, então, o Alfabeto Fonético Internacional (AFI), que nos auxilia na compreensão da pronúncia das consoantes e das vogais. De acordo com Silva (2003), todas as línguas naturais possuem segmentos consonantais e vocálicos. Segmentos consonantais são sons produzidos com obstrução to- tal ou parcial das correntes de ar nas cavidades supraglotais, isto é, nas estruturas acima do sistema fonador. Essa obstrução pode ou não gerar uma fricção em alguma dessas estruturas. Coloque a mão levemente em sua garganta e tente falar as diferentes consoantes, tentando perceber se elas obstruem ou não a passagem de ar, e, se quando você fala, elas produzem uma vibração na sua garganta. Tente não inserir nenhuma vogal após cada consoante. Desafio Segmentos vocálicos são sons que não se formam por obstrução, portanto não apresentam nenhuma fricção.Coloque a mão novamente em sua garganta e agora fale as vogais. Veja se elas obstruem a passagem do ar e se você sente vibração na sua mão quando fala. Desafio Conforme Silva (2003), na produção das consoantes há algumas categorias a serem analisadas para podermos compreender de fato No século XVII, os estudiosos já buscavam algo que pudesse descrever os sons das línguas, principalmente as ocidentais. Essa ideia foi concretizada no século XIX por linguistas e professores de idiomas, que formaram a Associação Fonética Internacional e produziram o primeiro alfabeto internacional. Esse alfabeto foi revisado inúmeras vezes, estabelecendo-se o que hoje conhecemos como Alfabeto Fonético Internacional, o qual descreve os sons dos alfabetos das línguas de origem latina e germânica, em especial. Esse alfabeto nos permite reconhecer os sons e pronunciar palavras de diferentes línguas, mesmo que não tenhamos aprendido o idioma. Ele é usado em todos os dicionários para inserir a pronúncia logo após a entrada do termo. Disponível em: https://upload. wikimedia.org/wikipedia/ commons/2/23/IPA_Kiel_2019_ full_por-br_Brazilian_ Portuguese_Português_brasileiro. png. Acesso em: 18 dez. 2020. Saiba mais https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/23/IPA_Kiel_2019_full_por-br_Brazilian_Portuguese_Português_brasileiro.png https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/23/IPA_Kiel_2019_full_por-br_Brazilian_Portuguese_Português_brasileiro.png https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/23/IPA_Kiel_2019_full_por-br_Brazilian_Portuguese_Português_brasileiro.png https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/23/IPA_Kiel_2019_full_por-br_Brazilian_Portuguese_Português_brasileiro.png https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/23/IPA_Kiel_2019_full_por-br_Brazilian_Portuguese_Português_brasileiro.png https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/23/IPA_Kiel_2019_full_por-br_Brazilian_Portuguese_Português_brasileiro.png Linguagem oral e leitura 41 como esses sons são produzidos. Veja no quadro a seguir como classi- ficar as consoantes de acordo com cada categoria. Quadro 1 Classificação das consoantes Categoria Explicação Características Exemplos Mecanismo da corrente de ar É o ar que é expe- lido dos pulmões e permite a produção do som. Pode ser pulmonar, glotálico ou velar. Pulmonar (ato de res- pirar): todas as con- soantes do português. Glotálico: que utiliza o ar na glote e não ocorre no português. Velar: quando o som sai pelo nariz e há obs- trução do ar na boca, saindo pelo véu pa- latino. Normalmente nas expressões nasais como uhum. Corrente de ar Pode ser de dentro para fora ou de fora para dentro, isto é, o som pode ser pro- duzido na inspiração ou mais comumente na expiração. Corrente egressiva: ar que sai dos pul- mões com ajuda do diafragma. Corrente ingressiva: ar que entra nos pul- mões. Egressiva: utilizada no português. Ingressiva: algumas ex- clamações de espanto ou surpresa, quando se puxa o ar com sono- ridade pela boca. Estado da glote A glote é um espa- ço circundado pe- las pregas vocais e pode obstruir a pas- sagem dos pulmões à faringe. Vozeado/sonoro: quando as pregas vocais vibram em um som pois a glote se estreita, dimi- nuindo a passagem do ar. Desvozeado/surdo: quando a glote está aberta e não há vibra- ção nas pregas vocais. Vozeada: som de v. Desvozeada: som de f (Figura 2). Posição do véu palatino Véu palatino é a parte posterior do palato, isto é, o que geral- mente chamamos de céu da boca. O véu palatino, ou palato mole, é a porção mó- vel do “céu da boca”, que termina na úvula (campainha). Sons orais: o véu pa- latino e a úvula estão levantados. Sons nasais: o véu e a úvula estão abai- xados. Quando falamos a é um som oral. Ao falar ã, torna-se um som nasal. Experimente e veja a posição do seu véu palatino. (Continua) 42 Neurociência e Linguagem Categoria Explicação Características Exemplos Articulador ativo Estruturas do siste- ma articulador que se movimentam. Modificam a confi- guração da voz e se movem em direção aos articuladores passivos. Papel ativo na articulação das consoantes. Lábio inferior; língua; véu palatino; pregas vocais (Figura 3). Articulador passivo Estruturas do siste- ma articulador que não se movimentam. Localizam-se na man- díbula superior. Lábio superior; dentes superiores; alvéolos; palato duro; palato mole (atua como ativo nos sons nasais e pas- sivo nos sons velares). Fonte: Elaborado pela autora com base em Silva, 2003, p. 26-31. Figura 2 Glote e pregas vocais Fechada Pregas vocaisPregas vocais Glote Traqueia Cartilagem Ad ap tad a d e D es ig nu a/ Sh ut te rs to ck Aberta Estado da glote e, consequentemente, das pregas vocais. Pregas vocais e glote abertas produzem consoantes desvozeadas. Pregas vocais e glote fechadas produzem consoantes vozeadas. Agora que sabemos as estruturas envolvidas e as características da produção da fala em relação ao aparelho fonador, veremos os luga- res ou pontos de articulação das consoantes, aplicando as categorias estudadas e entendendo como os articuladores ativos e passivos se relacionam para formar os sons. A junção dos articuladores ativos e passivos formam os diferentes sons das consoantes, conforme ilustra a figura a seguir. Linguagem oral e leitura 43 Figura 3 Articuladores Ad ap ta da d e An dr ea Da nt i/S hu tte rs to ck Lábio superior Dentes superiores Alvéolos Véu palatino Úvula Lábio inferior Ápice da língua Dentes inferiores Posterior Anterior Média Lâmina da língua Palato duro Localização dos articuladores ativos e passivos, envolvidos nos pontos de articulação das consoantes. As consoantes são produzidas em diversos lugares no sistema ar- ticulatório. Assim, temos consoantes com diferentes classificações, a depender do local, e articuladores envolvidos em sua produção. Veja no quadro a seguir essas classificações. Quadro 2 Lugares de articulação das consoantes no sistema articulatório Lugar Articulador ativo Articulador passivo Exemplo Bilabial Lábio inferior Lábio superior /p/ /b/ Labiodental Lábio inferior Dentes incisivos superiores /f/ /v/ Dental Lâmina da língua Dentes incisivos superiores /s/ /z/ Alveolar Lâmina da língua Alvéolos /d/ /t/ Alveopalatal Parte anterior da língua Parte média do palato duro /ch/ /j/ Palatal Parte média da lín- gua Parte final do palato duro /nh/ /lh/ (Continua) 44 Neurociência e Linguagem Lugar Articulador ativo Articulador passivo Exemplo Velar Parte posterior da língua Véu palatino /k/ /g/ (em sons de casa ou gato) Glotal Músculos ligamen- tais da glote Músculos ligamentais da glote /r/ na garganta Fonte: Elaborado pela autora com base em Silva, 2003, p. 32. Agora que você já sabe as estruturas envolvidas na formação de cada consoante no português, veremos os modos de articulação, que nos dão a compreensão de como a corrente de ar interfere nessa rela- ção entre os articuladores passivos e ativos. Quadro 3 Modos de articulação em relação à passagem do ar pelos sistemas respiratório, fonador e articulatório Ar Articuladores Consoantes no PT Oclusiva Obstrução total do ar na boca Véu palatino levantado p, t, c, b, d, g Nasal Obstrução total do ar na boca; ar se dirige à cavidade nasal Véu palatino abaixado m, n, nh Fricativa Obstrução parcial Fricção por aproxima- ção dos articuladores f, v, s, z, ch, j, r vibrante Africada Obstrução comple- ta na boca no início da vocalização e obstrução parcial no fim da vocaliza- ção Véu palatino levantado no início e fricção no fim da vocalização t e d acompanhados de som de ch/j, como em: tchia e djia Tepe Rápida obstrução de passagem do ar na boca Articulador ativo toca o passivo rapidamente r (como em: cara, para) Vibrante Obstrução parcial Articulador ativo toca rapidamente e algumas vezes o articulador pas- sivo rr (como marrom, va- riante utilizada
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