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RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA SP 3.3 – EXCESSO... – HEPATOPATIA CRÔNICA MÓDULO DE GASTRO 1. COMPREENDER A HEPATOPATIA CRÔNICA. (ALCOÓLICA) E AS COMPLICAÇÕES. A cirrose representa a via final comum de uma lesão hepática crônica e persistente em indivíduo geneticamente predisposto e que, independentemente da etiologia, acarretará fibrose e formação nodular difusas, com consequente desorganização da arquitetura lobular e vascular do órgão. Qualquer doença crônica que acometa o fígado pode resultar em cirrose a partir da instalação de necrose hepatocelular difusa e da consequente tentativa de regeneração dos hepatócitos. Este processo dinâmico de destruição-regeneração leva a modificações na matriz extracelular que culminam em deposição progressiva de tecido fibrótico em substituição ao parênquima funcionante. Surge, assim, uma significativa desorganização arquitetônica e vascular dos lóbulos hepáticos que acaba por gerar graves danos funcionais O termo "insuficiência hepática crônica" é utilizado para descrever as complicações sistêmicas decorrentes de uma queda lenta e gradual na função dos hepatócitos, tal como acontece na cirrose. Reservamos o termo "insuficiência hepática aguda" para os casos de lesão hepatocelular fulminante, em que a função dos hepatócitos é abruptamente perdida. ____________________________________________ EPIDEMIOLOGIA A doença apresenta distribuição global, independentemente de raça, idade e gênero. Levando em consideração estudos de autópsia, estima- se que a prevalência de cirrose fique entre 4,5 e 9,5%, o que poderia corresponder a cerca de 100 milhões de acometidos no mundo todo. Em 2001, estimou-se que 771.000 pessoas morreram por cirrose no mundo todo, ocupando a 14ª principal causa de morte no mundo. Todavia, existe uma expectativa de progressão do número de casos ao longo dos anos, projetando-se que a cirrose poderá alcançar a 12ª posição até o ano de 2020. No entanto, grande estudo analisando diferentes regiões do mundo demonstrou uma redução real dos casos de óbito por cirrose hepática, o que foi atribuído, em linhas gerais, a melhorias na abordagem das complicações, principalmente aquelas relacionadas à hipertensão portal (medicamentos mais potentes, tratamento endoscópico, colocação de TIPS pré- transplante), além de um melhor controle das condições causais, tais como redução global na prevalência e tratamentos mais efetivos das hepatites virais e modificações no hábito de consumir bebida alcoólica. ____________________________________________ ETIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO Em decorrência dos avanços sorológicos e imuno- histoquímicos, a cirrose tem sido classificada de acordo com sua etiologia. A antiga classificação morfológica em micronodular e macronodular (de acordo com o tamanho dos nódulos de regeneração e com a distribuição do tecido fibroso), embora ainda empregada por alguns, não auxilia na compreensão etiopatogênica da doença. Os principais agentes etiológicos causadores da cirrose podem ser classificados como: Metabólicos: decorrentes de erros congênitos ou adquiridos do metabolismo e que acometem crianças ou adultos jovens, como na galactosemia, na tirosinemia, na doença de Wilson, ou pacientes de idade mais avançada, como na hemocromatose, deficiência de alfa 1-antitripsina e esteato-hepatite não alcoólica, entre outras. Virais: ocasionadas pelos vírus B (associado ou não ao vírus D ou Delta) ou C da hepatite. Alcoólico: principal agente etiológico entre pacientes adultos. Ocorre após período médio de 5 a 10 anos de ingestão de quantidade diária superior a 80 g de etanol para os homens e 60 g para as mulheres. Induzida por fármacos: como metotrexato, isoniazida, oxifenisatina e alfametildopa, entre outras. Autoimune: consequente à evolução da hepatite ou da colangiopatia autoimune, caracteristicamente afetando mulheres em idade jovem ou na pós- menopausa, com fenômenos autoimunes RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA concomitantes. Atualmente, existem, pelo menos, três tipos de hepatite autoimune (HAI) bem caracterizados que podem ocasionar cirrose. Biliares: enquanto a cirrose biliar primária representa entidade clínica definida, a cirrose biliar secundária é o processo fjnal de doenças crônicas que acometem a árvore biliar com colangites de repetição, como na colangite esclerosante e na obstrução das vias biliares. Obstrução do fluxo venoso hepático: causa anóxia congestiva do fígado, como ocorre na síndrome de Budd-Chiari, na doença veno-oclusiva e na pericardite constritiva. Criptogênicas: a despeito de todo o progresso na identificação etiológica das cirroses, em torno de 5 a 10% delas permanecem com a etiologia indeterminada em todo o mundo. ____________________________________________ FISIOPATOGENIA Os principais achados morfológicos da cirrose hepática incluem fibrose difusa, nódulos regenerativos, arquitetura lobular alterada e estabelecimento de derivações vasculares intra-hepáticas. Outras características relevantes são capilarização dos sinusoides e fibrose perissinusoidal, trombose vascular e lesões obliterativas no trato portal e veias hepáticas. Juntas, essas alterações são responsáveis pelo desenvolvimento de hipertensão portal e suas complicações. FIBROSE HEPÁTICA E FIBROGÊNESE A fibrose representa o acúmulo relativo e absoluto dos componentes da matriz extracelular, em detrimento do componente celular. Esse acúmulo de tecido conjuntivo no fígado decorre de uma maior síntese e/ ou menor degradação desses componentes. Os mecanismos que determinam a reparação do tecido ou sua progressão para a fibrose são mediados pelas citocinas decorrentes da necrose e da infamação local, liberadas pelos linfócitos e monócitos/macrófagos, que podem efetivamente estimular ou inibir a proliferação, a síntese proteica e a movimentação das células responsáveis pela síntese do tecido fibroso (fbrogênese) e de sua degradação (fibrólise). Dentre os fatores citados, encontram-se o TGF-beta 1 (fator transformador do crescimento), o TNF (fator de necrose tumoral), as interleucinas, a fibronectina, o fator de crescimento plaquetário, sendo que destes o TGF-beta 1 parece o principal mediador da fibrogênese. As células efetoras do processo são os miofibroblastos que regulam tanto a fibrogênese como a fibrólise. Esses miofibroblastos são originados primariamente pela ativação das células estreladas dos sinusoides ou dos fibroblastos portais, das células derivadas da medula óssea e também da transição epitelial mesenquimal. Além de sintetizar as proteínas da matriz extracelular, as células estreladas estão diretamente associadas à degradação da matriz. Essa fibrólise depende da ativação das enzimas metaloproteases, como as colagenases. A atividade dessas enzimas é regulada por um sistema em que a ação das substâncias ativadoras das prometaloproteases (como o inibidor da C1- esterase e o PAI-1 – inibidor da ativação do plasminogênio) é contrabalanceada pela ação de substâncias que poderiam inibir sua liberação ou bloquear diretamente sua atividade, como o TIMPs (inibidor tecidual das metaloproteases) e a alfa-2 macroglobulina. Metaloproteases e TIMPs seriam produzidas pelas células estreladas sob a regulação de citocinas inflamatórias e também pelos macrófagos hepáticos, ou seja, as células de Kupfer, por intermédio da liberação de metaloproteases e citocinas anti- inflamatórias, principalmente a IL-10. Dessa maneira, no caso de uma lesão hepática crônica, a progressão para a fibrose hepática ou para a reparação do tecido dependerá do tipo de estímulo desencadeado pela lesão e da genética do indivíduo. Outros mecanismos fibrogênicos, além daquele mediado pelas citocinas, tambémpodem ocorrer. Vários estudos têm concordado sobre o papel do sistema de estresse oxidativo (EOx) hepático e da reduzida produção do oxido nítrico (ON), potente agente vasodilatador, na circulação porto-esplênica. Ambos teriam participação direta no processo fibrogênico, bem como na disfunção endotelial hepática que acompanha a progressão da doença até o estabelecimento da cirrose e da hipertensão portal (HP). A ativação do sistema de EOx resulta, em última instância, na produção de espécies reativas de RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA oxigênio, que culminam com a destruição e necrose celular por meio da peroxidação lipídica. Os produtos dessa lipoperoxidação, (especialmente malonaldeído, 4-hidroxinoneal e SOD) apresentam elevado potencial fibrogênico, por meio da estimulação direta das células estreladas. A lipoperoxidação só ocorrerá na dependência de uma “falha” no sistema antioxidante hepático, representado principalmente pelo sistema da glutationa, além de licopenos, betacarotenos e vitaminas E e C, que atuariam como aceptores dos radicais livres, impedindo a lipoperoxidação. A redução na biodisponibilidade do ON está diretamente relacionada com a atividade aumentada desse sistema pró-oxidativo, uma vez que o ON que se liga ao superóxido dismutase (SOD) é capaz de modular a produção do peroxinitrito (ONOO-), um potente agente oxidante com fundamental papel na lesão oxidativa hepática. A participação dos radicais livres e da lipoperoxidação tem sido amplamente documentada na lesão hepática alcoólica, na hepatite crônica C, na doença hepática gordurosa não alcoólica, na hemocromatose primária, entre outras. Por outro lado, as alterações da matriz extracelular determinadas pela fibrose auxiliam a perpetuar o processo fibrótico. Os componentes da matriz extracelular, os colágenos, proteoglicanos e as glicoproteínas encontram-se em concentração elevada no tecido hepático, seja nos septos fibrosos, seja na fibrose intersticial, e podem interferir no processo fibrogênico, atuando como mediadores desse processo. Outras áreas maiores do desenvolvimento no processo fibrogênico hepático incluem o papel da microbiota intestinal e da hipóxia tecidual, com o estabelecimento de um microambiente anaeróbico pró-infamatório, além da influência das modificações epigenéticas na progressão da fibrose. ____________________________________________ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E CLASSIFICAÇÃO O diagnóstico da cirrose pode ser feito a partir das manifestações clínicas da doença, como icterícia, hemorragia digestiva e encefalopatia. Em alguns casos ele é obtido em consequência do acompanhamento da doença de base (hepatite crônica viral, doença metabólica, alcoolismo etc.), mas, na maioria dos casos (cerca de 45%, em nossa casuística), o diagnóstico acaba sendo feito por exame clínico ou complementar solicitado em decorrência de sintoma não relacionado à hepatopatia. É o caso da elevação das aminotransferases séricas ou plaquetopenia, em exames rotineiros, do encontro de varizes esofágicas em endoscopia realizada para investigação dispéptica ou, ainda, do achado de sinais de hepatopatia em exame ultrassonográfico ou tomográfico, solicitados para investigação de outras lesões abdominais ou na propedêutica de dor abdominal. A julgar por alguns estudos de necrópsia, é possível que um contingente desconhecido desses pacientes possa ir a óbito sem que o diagnóstico tenha sido feito em vida. De acordo com as formas clínicas de apresentação, os pacientes cirróticos podem ser classificados em compensados ou descompensados (presença de ascite, encefalopatia e/ou icterícia) ou, ainda, por meio de critérios clínicos e laboratoriais. A Tabela demonstra importante valor prognóstico, em termos de mortalidade dos portadores de cirrose. As complicações da doença hepática, especialmente o aparecimento de varizes esofágicas, ascite e hemorragia digestiva pelas varizes, apresentam importante impacto na sobrevida desses pacientes. RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA ___________________________________________ DIAGNÓSTICO O diagnóstico da cirrose é, antes de tudo, anátomo- patológico; por esse motivo, a forma mais correta de fazê-lo seria por meio da biópsia do fígado, com agulha. Entretanto, em decorrência das alterações da coagulação que esses pacientes apresentam e pelas alterações vasculares hepáticas e peri-hepáticas, há elevado risco de complicações desse procedimento. Em vários pacientes, por outro lado, as alterações encontradas ao exame físico (como hepatoesplenomegalia, com fígado nodular, sinais periféricos de insuficiência hepática) e/ou no exame de imagem (alteração da ecogenicidade e retração do parênquima com superfície nodular e os sinais de hipertensão portal) e exame endoscópico (varizes esofagogástricas) tornam a biópsia desnecessária e eticamente questionável. Nesses casos, apenas uma dúvida etiológica poderia justificar o emprego de uma biópsia por via laparoscópica ou transjugular. Em função dos riscos da biópsia, vários marcadores não invasivos têm sido empregados no estudo dos pacientes hepatopatas, e é exatamente nos cirróticos que eles têm encontrado sua melhor aplicação. MARCADORES NÃO INVASIVOS DE FIBROSE HEPÁTICA Existem dois tipos básicos de marcador de fibrose: Biomarcadores diretos: aqueles envolvidos com a síntese e a degradação da matriz extracelular, como ácido hialurônico, pró-colágeno tipo III, metaloproteases etc. Biomarcadores indiretos: compostos por parâmetros não diretamente relacionados à matriz, mas que refletem as alterações bioquímicas da fibrose, como os níveis de AST, ALT, bilirrubinas, proteínas e contagem de plaquetas. Utilizando vários modelos estatísticos e algoritmos matemáticos, esses parâmetros são selecionados, a partir de sua atuação na identificação, no estadiamento e na capacidade de graduação da fibrose hepática, podendo ser agrupados na forma de índices. Entre os marcadores diretos, os mais utilizados no estudo da fibrose hepática são: • colágenos: propeptídeo N-terminal do procolágeno tipo III (PIIINP) e o colágeno tipo IV; • glicoproteínas: laminina e fibronectina; • glicosaminoglicano: ácido hialurônico (AH); • proteínas envolvidas na degradação da matriz (TIMPs e metaloproteinases). Esses marcadores não são utilizados na prática médica. ____________________________________________ TRATAMENTO GERAL DA CIRROSE Sempre que possível, o tratamento deve ter como objetivo a erradicação do agente causal da cirrose. Nos últimos anos, têm surgido vários relatos de regressão da cirrose após tratamento da doença de base, especialmente nas hepatites virais e autoimunes, desmistificando a ideia de irreversibilidade da cirrose hepática. Há muito tempo, sabe-se do potencial de reversibilidade da deposição do tecido fibroso no fígado, mas tinha-se como certo que, uma vez atingido o estágio de cirrose, essa fibrose seria irreversível. No início, esses achados foram atribuídos a erros de amostra da biópsia e eram reforçados pelo fato de vários outros pacientes persistirem cirróticos anos após a erradicação viral ou remissão da hepatite autoimune. Atualmente, entretanto, dado o volume de casos e relatos, não há mais dúvidas de que isso é real. Resta, porém, compreender até qual momento da cirrose a fibrose pode ser reversível. Não resta dúvida de que aqueles casos nos quais a cirrose é mais histológica que clínica representam o grande contingente dos pacientes em que a fibrose regride; em contrapartida, quando a cirrose já apresenta grande retração do órgão e hipertensão portal bem estabelecida, a possibilidade de regressão é bem menor, se existir. Esses dados sugerem que a desorganização estruturaldo fígado e/ou a maturidade do colágeno depositado no órgão, podem estar relacionadas à irreversibilidade da lesão. A despeito do grande número de medicamentos em estudos clínicos e experimentais, ainda não se dispõe de nenhuma droga antifibrogênica. Embora alguns estudos clínicos tivessem demonstrado melhora dos parâmetros bioquímicos e, talvez, da sobrevida de pacientes com cirrose em uso de colchicina, estudo de RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA metanálise não conseguiu identificar qualquer efeito da droga sobre os parâmetros de sobrevida e melhora bioquímica. A administração de metionina sulfatada, um importante estimulador da síntese de glutationa, na doença hepática alcoólica por dois anos, em estudo multicêntrico, foi acompanhada de menor mortalidade e indicação de transplante em portadores de cirrose hepática Child A e B, quando comparados a um grupo semelhante que fez uso de placebo. Entretanto, estudos clínicos com lecitina poli-insaturada em pacientes com doença hepática alcoólica apresentaram resultados desapontadores, a despeito de todos os bons resultados observados em estudos experimentais com babuínos. NUTRIÇÃO NA DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA A destacada participação do fígado no metabolismo de hidratos de carbono, lipídios, proteínas, vitaminas e minerais pode afetar significativamente o estado nutricional e o equilíbrio orgânico quando da vigência de anormalidades na função hepática. Alterações no metabolismo energético e proteico em pacientes cirróticos, independentemente da etiologia, podem contribuir para a piora do estado nutricional. Intolerância à glicose, aumento da oxidação de lipídios e aminoácidos, resultam em perdas energéticas e, consequentemente, depleção nos depósitos de gordura e de proteínas. Tanto o álcool quanto o vírus podem ocasionar hipermetabolismo, sendo que pacientes hipermetabólicos se apresentam mais frequentemente desnutridos quando comparados aos normometabólicos em terapias convencionais ou transplante hepático. A patogênese da desnutrição nos portadores de doença hepática crônica (DHC) é multifatorial, incluindo ingestão dietética inadequada, em virtude de anorexia e restrição alimentar, alteração na biossíntese de nutrientes, absorção intestinal comprometida, utilização inadequada de substratos, anormalidades no metabolismo de proteínas, carboidratos e lipídios e aumento no nível de citocinas pró-infamatórias, resultando em estado hipercatabólico. Todos esses fatores ocasionam alterações dos indicadores antropométricos, bioquímicos e clínicos, evidenciando importante comprometimento nutricional. A desnutrição está presente em 20% dos pacientes com doença hepática compensada e acima de 80% naqueles com cirrose descompensada. A terapêutica nutricional é imprescindível para esses pacientes, contribuindo para uma melhor qualidade de vida e redução da taxa de complicações e mortalidade. Até o momento, não há estudos que comprovem a importância da mudança de estilo de vida (MEV), incluindo atividade física, assim como suplementação de alimentos com propriedades antioxidantes no tratamento e na prevenção da cirrose hepática, mas, pelos dados apresentados, já é possível perceber que tais condutas serão importantes na qualidade de vida dessa população. ____________________________________________ COMPLICAÇÕES A perda progressiva de hepatócitos funcionantes leva a uma série de alterações que se instalam de maneira insidiosa. Distúrbios endócrinos e hemodinâmicos predominam nas fases iniciais da hepatopatia, enquanto problemas como encefalopatia hepática, hipoalbuminemia e coagulopatia aparecem nas fases mais avançadas. ➢ Os distúrbios endócrinos são caracterizados pelo hiperestrogenismo e hipoandrogenismo, explicando (pelo menos em parte) vários achados semiológicos da cirrose, como o eritema palmar, as telangiectasias, a ginecomastia, a rarefação de pelos e a atrofia testicular. ➢ As alterações hemodinâmicas da cirrose são complexas: ao lado de um estado hiperdinâmico de alto débito cardíaco e retenção hidrossalina, observa-se uma "hipovolemia relativa", na qual o volume circulante efetivo, e, portanto, o fluxo sanguíneo para os órgãos, está reduzido. RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA ACHADOS PERIFÉRICOS 1. SINAIS DE HIPERESTROGENISMO E HIPOANDROGENISMO Por mecanismos pouco compreendidos, a cirrose hepática altera a homeostase dos hormônios sexuais. Podemos dizer que o achado característico da cirrose hepática é a associação de hiperestrogenismo com hipoandrogenismo. Nas fases iniciais, pode-se detectar um aumento dos níveis séricos de estrona, devido à maior conversão periférica de androgênios em estrogênios no tecido adiposo. Com o avançar da hepatopatia, caem os níveis séricos de testosterona pela diminuição da síntese deste hormônio nas gônadas. O hiperestrogenismo é o responsável pelas alterações vasculares cutâneas da cirrose, representadas pelo eritema palmar e pelas telangiectasias do tipo "aranha vascular". Sabe-se que altos níveis de estrogênio causam proliferação e dilatação de vasos cutâneos, especialmente na porção superior do corpo. O enchimento após a compressão da lesão ocorre do centro para a periferia, sendo específico desse tipo de telangiectasia. São encontradas no pescoço, na porção superior do tronco e dos membros superiores. Ps. Fisiológico na gestação. O hipoandrogenismo é responsável pela queda da libido, impotência masculina, atrofia testicular, redução importante da massa muscular (evidenciada pela atrofia dos músculos interósseos das mãos) e rarefação de pelos (cuja distribuição passa a respeitar o padrão feminino). A ginecomastia é decorrente do hipoandrogenismo associado ao hiperestrogenismo. 2. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA O termo "encefalopatia hepática" se refere a uma síndrome neuropsiquiátrica potencialmente reversível que pode surgir em pacientes portadores de RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA hepatopatia crônica avançada ou mesmo na insuficiência hepática aguda. A encefalopatia é causada pela passagem de substâncias tóxicas (provenientes do intestino) para o cérebro, que em uma pessoa normal seriam depuradas pelo fígado. Estas substâncias são absorvidas pelos enterócitos, ganham a circulação venosa mesentérica e em seguida a veia porta, para então penetrar nos espaços-porta, atingindo os sinusoides hepáticos. A disfunção hepatocelular grave é um elemento primordial para o desenvolvimento da síndrome, porém, na cirrose hepática avançada, outro fator também deve ser considerado: a hipertensão portal, que desvia o sangue mesentérico para a circulação sistêmica "bypassando" os sinusoides hepáticos. Por isso a sinonímia – encefalopatia portossistêmica. A encefalopatia hepática crônica pode, de fato, produzir alterações orgânicas degenerativas no cérebro, as quais provavelmente são consequências (e não causas) do processo patológico. A principal alteração descrita consiste em mudanças morfológicas e funcionais dos astrócitos tipo II, decorrentes de edema celular (astrocitose tipo II de Alzheimer). Surge, nesses casos, degeneração de células nervosas e de fibras axonais do cérebro, cerebelo e medula espinhal, com áreas de cavitação microscópicas, conferindo uma aparência esponjosa. Para esse tipo de alteração patológica emprega-se o termo "degeneração hepatocerebral adquirida". Uma das substâncias mais implicadas na gênese da encefalopatia hepática é a amônia (NH3). As principais fontes de amônia intestinal são: (1) enterócitos – metabolismo do aminoácido glutamina; (2) bactérias colônicas – catabolismo de proteínas alimentares e da ureia secretada no lúmen intestinal. Outras substâncias são: • Mercaptanos. • Manganês.• Oxindoles. • Ácidos graxos de cadeia curta. • "Falsos neurotransmissores" (octopamina, feniletanolamina). • Aminoácidos aromáticos (triptofano, fenilalanina, tirosina). • Benzodiazepinas endógenas É importante ressaltar que o fígado normal depura quase toda a amônia presente no sistema porta. Os hepatócitos transformam esse composto de alta toxicidade no aminoácido glutamina ou numa substância bem menos tóxica para o organismo – a ureia. Efeitos da amônia no metabolismo cerebral: (1) aumenta a captação de aminoácidos aromáticos pela barreira hematoencefálica; (2) aumenta a osmolaridade das células gliais (astrócitos), fazendo com que estas células se tornem edemaciadas – edema cerebral do tipo celular; (3) inibe a atividade elétrica neuronal pós-sináptica; e (4) estimula a produção de GABA, um importante depressor da atividade cortical. Um ponto importante da patogênese da encefalopatia hepática é a hiperatividade do sistema neurotransmissor GABAérgico. O GABA (ácido gama- aminobutírico) é um neurotransmissor inibitório cujo receptor pós-sináptico pode ser estimulado pelos benzodiazepínicos e barbitúricos. Neurotoxinas como a amônia aumentam indiretamente a atividade desse sistema, através da estimulação da síntese de neuroesteroides, os mais poderosos moduladores do GABA. ------------------------------------------------------------------------ SINAIS E SINTOMAS Podemos classificar a encefalopatia em vários grupos, de acordo com a apresentação clínica: ● EH mínima. ● EH aguda esporádica, espontânea ou desencadeada por "fatores precipitantes". ● EH crônica, continuamente sintomática. ● EH associada à insuficiência hepática fulminante. ------------------------------------------------------ ENCEFALOPATIA HEPÁTICA MÍNIMA (OU SUBCLÍNICA) É definida pela presença de alterações neuropsiquiátricas só detectadas pelos testes neuropsicométricos, pelo fato de serem sutis. Tais alterações geralmente não são percebidas nem pelo RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA paciente, nem pelo médico, mas estão presentes em até 70% dos cirróticos. Exames complementares como o eletroencefalograma podem reforçar o diagnóstico, mas, na prática, em geral NÃO se recomenda a pesquisa deste tipo de encefalopatia em todos os cirróticos, pois seus critérios diagnósticos não são bem estabelecidos e o risco do tratamento pode ser superior aos benefícios. A conduta perante o paciente com "encefalopatia mínima" deve ser individualizada. Como a dificuldade para dirigir vem sendo considerada a principal complicação associada a esse tipo de encefalopatia, pacientes e familiares devem ser orientados quanto a este risco. ------------------------------------------------------ ENCEFALOPATIA HEPÁTICA AGUDA ESPORÁDICA O paciente é trazido ao hospital por familiares, com um quadro de desorientação, agitação psicomotora, torpor ou mesmo estado de coma ("coma hepático"). A boa notícia é que a grande maioria destes pacientes melhora do quadro neurológico com a terapia voltada para a encefalopatia hepática e com o controle do fator precipitante (é importante ter em mente que em cerca de 80% dos casos de encefalopatia hepática aguda possui um fator precipitante detectável). Eventualmente, nenhum fator precipitante é detectado – para este caso, reservamos o termo "EH aguda esporádica espontânea". A encefalopatia hepática "manifesta" compreende várias anormalidades neurológicas e psiquiátricas, tais como: distúrbios de comportamento (agressividade, agitação), sonolência/letargia, inversão do ciclo sono-vigília (insônia noturna com sonolência diurna), fala arrastada com bradipsiquismo, "hálito hepático" (ou fetor hepaticus), asterixis (= flapping), incoordenação muscular e hipertonia, escrita irregular, reflexos tendinosos exacerbados ou alentecidos, sinal de Babinski, crises convulsivas e postura de descerebração. OBS. Um ponto importante é saber avaliar a presença de flapping. Deve-se solicitar ao paciente que estenda o braço para frente e faça a dorsoflexão da mão (mão aberta e com os dedos bem separados). A pessoa normal mantém a posição estável, enquanto no paciente com encefalopatia a mão cai repetidamente, em movimentos ritmados, devido a relaxamentos rápidos (perda do tônus) seguidos de retomada da contração muscular. Se não for desencadeado espontaneamente, o médico pode hiperestender o punho do paciente, causando o chamado "flapping induzido". Causas da EH manifesta: • Hemorragia digestiva alta. • Hipocalemia. • Alcalose metabólica ou respiratória. • Desidratação/hipovolemia. • Diuréticos tiazídicos ou de alça (furosemida). • Infecções (incluindo a peritonite bacteriana espontânea). • Uso de sedativos (benzodiazepínicos e barbitúricos). • Dieta hiperproteica. • Procedimentos cirúrgicos. • Constipação intestinal. • Hipóxia. O paciente cirrótico é propenso à hemorragia digestiva por vários motivos: (1) distúrbio da hemostasia – plaquetopenia + coagulopatia; (2) presença das varizes esofagogástricas, clássicas da hipertensão portal; (3) aumento do risco de úlcera péptica. O sangue liberado no tubo digestivo é digerido pelas bactérias colônicas. Do metabolismo da hemoglobina (proteína), forma-se mais amônia. Esta amônia é prontamente absorvida pelos enterócitos, desencadeando a EH. A alcalose metabólica desencadeia encefalopatia hepática pelo seguinte mecanismo: o pH plasmático mais alcalino converte a forma ionizada NH4+ (amônio) na forma não ionizada NH3 (amônia). Esta última, por ser lipossolúvel, passa livremente pela barreira hematoencefálica, aumentando a impregnação cerebral da neurotoxina. A hipocalemia aumenta a produção renal de NH3, por reduzir o pH intracelular das células tubulares proximais (saem íons K+ em troca da entrada de íons H+). A maior produção de NH3 e a precipitação de uma alcalose fazem da hipocalemia um fator desencadeante de encefalopatia hepática. Perceba que os diuréticos de alça (furosemida) e os RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA tiazídicos podem causar encefalopatia em cirróticos (se usados indiscriminadamente), por provocarem hipocalemia, alcalose metabólica e, eventualmente, desidratação. (LACTULOSE – DIMINUI A ABSORÇÃO DE AMÔNIA) As infecções são importantes fatores precipitantes de EH, por mecanismos pouco conhecidos. O destaque é para a peritonite bacteriana espontânea. Todo paciente com ascite e encefalopatia deve ter sua ascite investigada para infecção, mesmo na ausência de sinais infecciosos. As infecções urinárias e respiratórias também são importantes, pela sua elevada frequência. (ANTIBIÓTICOS) A dieta hiperproteica pode desencadear EH por aumentar a produção de amônia pelas bactérias colônicas que metabolizam a proteína alimentar. A constipação intestinal, ao aumentar a proliferação dessas bactérias e o tempo de contato entre a amônia produzida com a mucosa intestinal (aumentando sua absorção), também pode precipitar o evento mórbido. (CORREÇÃO PROTÉICA E DE CONSTIPAÇÃO) Classificação da EH manifesta: ------------------------------------------------------ ENCEFALOPATIA HEPÁTICA CRÔNICA Esta forma de encefalopatia hepática é definida pela permanência dos sintomas neuropsiquiátricos por longo período, com certo grau de variabilidade. Tais pacientes geralmente são cirróticos em estado muito avançado e têm uma sobrevida curta, caso não sejam transplantados. O tratamento deve se basear na troca de proteínas de origem animal para vegetal, com a menor restrição proteica possível, no tratamento da constipação intestinal e na administração crônica de lactulose, com ou sem antibiótico associado. ____________________________________________ PATOLOGIA HEPÁTICA NO ALCOOLISMO Alesão hepática inicial e a mais frequentemente encontrada, quando há consumo agudo ou crônico de etanol, é a esteatose hepática. Sua patogênese está ligada aos processos bioquímicos de metabolização do etanol. Fundamentalmente, ocorre diminuição na degradação das gorduras, aumento de sua síntese e uma resposta lipoproteica inadequada no transporte da gordura para fora do fígado. Na fase de esteatose, encontra-se grandes quantidades de lipídios neutros acumulados no interior dos hepatócitos, com distribuição inicial e preferencial na área centrolobular. A hepatite alcoólica, diferentemente da esteatose, ocorre apenas em casos de etilismo crônico, embora possa ser resultante de uma exacerbação alcoólica recente. A patogênese é multifatorial, e entre os fatores envolvidos cita-se a anoxia, para explicar a predominância da lesão em área centrolobular do fígado, onde os teores de oxigênio são mais baixos. Também a produção de radicais livres durante a oxidação do etanol e do acetaldeído, assim como a formação de agregados proteicos insolúveis (aductos), produzem lesões da membrana hepatocelular. Além do papel central das endotoxinas com aumentos de TNF-alfa (fator de necrose tumoral), IL-6 (interleucina-6), IL-8 (interleucina-8) e várias citocinas, outros fatores são o desenvolvimento de lesão imunológica, com formação de neoantígenos, e linfócitos citotóxicos agredindo as células. A fibrose costuma se estender aos sinusoides, mostrando aspecto característico, particularmente na zona 3 de Rappaport. RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA Como apenas 20% dos etilistas crônicos, com quantidade e tempo de etilismo semelhantes, desenvolvem cirrose, é possível afirmar que diferentes fatores, além desses, contribuem para essa evolução. Se for considerado o mesmo espaço de tempo, em média 20 a 40 anos de etilismo, sabe-se que, quanto maior a quantidade de etanol ingerido, maiores são as probabilidades de desenvolvimento de cirrose, podendo chegar a 50% dos casos. O grande fator patogênico para o desenvolvimento de cirrose é, certamente, a progressão da fibrose. Na cirrose, assim como em outras doenças hepáticas, o dano celular e o processo infamatório propiciam a evolução para regeneração celular e fibrose. Na cirrose alcoólica, caracteristicamente, os nódulos de regeneração costumam ser pequenos (micronódulos) e a fibrose que os envolve não é extremamente densa. Nas fases finais da cirrose alcoólica, entretanto, principalmente quando o tempo de abstinência é longo, os dados histopatológicos sugestivos dessa etiologia desaparecem totalmente. ------------------------------------------------------------------------ HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA O desenvolvimento da cirrose alcoólica costuma ser lento e silencioso. Assim, mesmo com cirrose plenamente instalada, o paciente permanece assintomático e não procura auxílio médico. Apenas a investigação ativa é capaz de diagnosticar os casos compensados de cirrose alcoólica. O surgimento de sintoma clínico, ou descompensação, costuma ocorrer em ritmo de 10% ao ano. Em um período de 10 anos, as probabilidades de desenvolver descompensação são de 58%. ➢ O surgimento de ascite é a primeira e a mais comum das descompensações da cirrose alcoólica. ➢ O desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, mais frequente no sexo masculino, é um dos agravantes na história natural da cirrose alcoólica, podendo ocorrer em até 26% dos casos. A regeneração hepatocelular, provavelmente associada à abstinência alcoólica, também tem sido referida como um dos fatores que propiciam o surgimento do carcinoma. A sobrevida de cinco anos em pacientes com cirrose alcoólica, a partir de sua primeira descompensação, costuma ser de 30 a 40%, sendo adversamente influenciada pela continuidade do hábito alcoólico, falência hepatocelular, hipertensão portal ou hepatite alcoólica. Cerca de 75% dos pacientes com cirrose alcoólica têm nessa doença hepática sua causa de óbito. ------------------------------------------------------------------------ HISTÓRIA CLÍNICA A doença hepática alcoólica apresenta-se frequentemente com sintomas inespecíficos: • cansaço • perda de peso • dores abdominais. Grande porcentagem de casos é totalmente assintomática, sendo referida ao especialista após o encontro casual de hepatomegalia e/ou aumento de enzimas hepáticas. Alguns sintomas específicos indicam estágios mais avançados da doença, caracterizando a cirrose descompensada, como: • ascite • icterícia • hemorragia digestiva alta • alterações de comportamento por encefalopatia hepática ------------------------------------------------------------------------ DIAGNÓSTICO O diagnóstico clínico da cirrose tem como base dados de história, exame clínico, exames complementares incluindo laboratório e imagem. Atualmente, é possível fazer o diagnóstico seguro de esteatose por exame de imagem, que, aliado a dados epidemiológicos de etilismo e eventuais alterações enzimáticas, principalmente a elevação de GGT e/ou níveis de AST mais elevados que os de ALT, sugerem o etilismo como o fator etiológico da hepatopatia. A presença de fibrose hepática tem sido avaliada por marcadores indiretos, tanto com exames biológicos diretos, ligados à matriz extracelular como os marcadores indiretos como o APRI e o FIB-4. Além destes, outros tipos de métodos, de natureza RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA mecânica, como a elastografia hepática transitória, mais conhecida como FibroScan®, possibilitam avaliar a fibrose hepática Os métodos de imagem são interessantes em casos clinicamente compensados de cirrose, quando demonstram fígados retraídos, com bordas rombas, alterações grosseiras da textura hepática e/ou sinais de hipertensão portal. Esses dados, fortemente sugestivos de evolução para cirrose, podem, quando presentes de forma consistente, dispensar a realização de biópsia hepática. ------------------------------------------------------------------------ TRATAMENTO Os cuidados terapêuticos na DHA passam necessariamente por condutas diversas, visando a abstinência alcoólica, essencial para o sucesso terapêutico. Nos pacientes sem dependência alcoólica, a simples conscientização do problema hepático pode resultar em abandono do hábito etílico. Para os dependentes, infelizmente a maioria dos casos, são necessárias atitudes de apoio tanto médica quanto familiar e social, havendo bons resultados com terapia específica ou grupos de apoio (p. ex., Alcoólicos Anônimos). Medicamentos, como naltrexona podem ser administrados para reduzir o craving, ou seja, o desejo incontrolável de consumir a droga. Ele só pode ser dado com o consentimento do paciente, que não pode ter utilizado ou estar tomando qualquer medicação opioide. O tratamento nutricional passa a ter importância fundamental no prognóstico do paciente. Uma ingestão calórica alta e uma dieta bem balanceada fazem parte dos cuidados essenciais ao paciente. Como vários transtornos digestivos, principalmente anorexia, má digestão e má absorção, dificultam o tratamento nutricional, a via parenteral, com suas eventuais desvantagens, tem sido aventada. Também os suplementos hepáticos, em especial os aminoácidos de cadeia ramificada, podem ser empregados. 2. ESTUDAR A HIPERTENSÃO PORTAL ASSOCIADA A CIRROSE. A veia porta compõe um sistema vascular muito especial. Ele difere dos demais sistemas vasculares do corpo por ligar estrategicamente duas importantes redes capilares: mesentérica e hepática. Anatomicamente, esta grande veia abdominal é formada pela junção das veias mesentérica superior e esplênica (as outras veias envolvidas são tributárias dessas duas veias principais). Assim, todas as substâncias que vêm dointestino e do baço chegam ao fígado pelo sistema porta, penetrando neste órgão através dos espaços-porta interlobulares e ganhando a circulação sinusoidal que banha os hepatócitos. Tecnicamente, a hipertensão porta é definida por uma pressão na veia porta > 10 mmHg (normal = 5 a 10 mmHg). No entanto, como a mensuração direta da pressão na veia porta é muito complicada, outra definição habitualmente utilizada se refere a uma forma indireta de avaliação: Gradiente de pressão venosa hepática (HVPG) > 5 mmHg identifica a existência de hipertensão porta (normal = 1-5 mmHg). A literatura demonstrou que o HVPG é um bom preditor prognóstico: as varizes esofagogástricas começam a ser formar quando o HVPG ultrapassa o valor de 10 mmHg, tornando-se o risco de sangramento clinicamente significativo a partir de valores de HVPG > 12 mmHg. Valores > 20 mmHg preveem hemorragia incontrolável ou chance elevada de ressangramento em pacientes submetidos à terapia endoscópica durante um episódio de hemorragia aguda. Em suma, quanto maior o HVPG, maior o risco de hemorragia e a mortalidade. Quando o tratamento farmacológico da hipertensão porta consegue promover reduções do HVPG > 10-20% do valor inicial (colocando o valor absoluto < 12 mmHg), a morbimortalidade efetivamente diminui. A SÍNDROME DA HIPERTENSÃO PORTA é composta basicamente pela: • esplenomegalia congestiva • varizes gastroesofágicas RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA • circulação colateral visível no abdome. Muitas causas de hipertensão porta, como a cirrose hepática (a principal), também cursam com outro sinal importante – a ascite. Na cirrose, a hipertensão porta contribui ainda para a encefalopatia hepática (ao desviar para a circulação sistêmica parte do sangue portal, rico em amônia), ganhando a sinonímia de encefalopatia portossistêmica. A hipertensão porta pós-sinusoidal e intrassinusoidal têm uma grande tendência à formação de ascite, ao passo que a hipertensão porta pré- sinusoidal (ex.: esquistossomose) raramente causa ascite e, quando o faz, a ascite é leve. ------------------------------------------------------------------------ ANATOMIA ------------------------------------------------------------------------ FISIOPATOLOGIA Durante muito tempo, pensou-se que a hipertensão portal fosse consequência apenas do aumento da resistência ao fluxo venoso portal causado por um aumento da resistência vascular em nível pré-hepático (trombose de veia porta), intra-hepático (cirrose) ou pós-hepático (síndrome de Budd-Chiari). Entretanto, foi demonstrado que, além desse aumento na resistência vascular, há também um aumento no fluxo sanguíneo portal, em decorrência da vasodilatação esplâncnica. A hipertensão porta encontrada na cirrose hepática é decorrente de dois processos: (1) aumento da resistência intra-hepática ao fluxo sanguíneo por alterações estruturais; (2) aumento do fluxo esplâncnico secundário à vasodilatação deste leito É importante ressaltar que na hipertensão portal da cirrose hepática a obstrução ao fluxo portal é resultante de dois componentes: Resistência estrutural secundária à fibrose e à formação de nódulos regenerativos; Elevação primária do tônus vascular intra-hepático pela contração das células hepáticas estreladas, miofibroblastos e células de músculo liso vascular. Este último componente responde por 20-30% do aumento da resistência intra-hepática. Existe ainda outro mecanismo de retroalimentação: o óxido nítrico produzido pelo sistema intestinal, no paciente saudável, chega ao sistema porta intra- hepático, dilatando-o. Na hipertensão porta esse óxido nítrico deixa de chegar ao fígado, provocando vasoconstrição no leito hepático, ao mesmo tempo em que acumula no sistema esplâncnico, promovendo vasodilatação e aumentando o fluxo em direção ao sistema porta. Desse modo, os dois fatores contribuem na gênese da hipertensão portal. ------------------------------------------------------------------------ ETIOLOGIA Podemos dividir as síndromes de hipertensão porta em três principais categorias: 1. Pré-hepáticas. 2. Intra-hepáticas: ● Pré-sinusoidal; ● Sinusoidal; ● Pós-sinusoidal. 3. Pós-hepáticas. RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA É importante termos em mente que, em algumas doenças associadas a aumento da pressão no sistema porta, entram em ação mais de um mecanismo. As causas intra-hepáticas de hipertensão porta são classificadas de acordo com a zona anatômica de obstrução do fluxo sanguíneo porta dentro do fígado. Dessa forma, essas síndromes são divididas em três categorias: pré-sinusoidal, sinusoidal e pós-sinusoidal. Na realidade, a maioria dessas doenças, quando em estágio avançado, apresenta obstrução em mais de um local do sistema porta, coexistindo impedimento ao fluxo pré e sinusoidal. A HP sinusoidal e pós-sinusoidal deve-se a uma doença do parênquima hepático (exemplo clássico: cirrose). A HP pré-sinusoidal resulta de obstrução de pequenos ramos intra-hepáticos da veia porta (exemplo clássico: esquistossomose). HP INTRA-HEPÁTICA SINUSOIDAL: • CIRROSE HEPÁTICA: É a causa mais comum de hipertensão porta. Qualquer que seja a sua causa (vírus, álcool, autoimune, etc.), a presença dos nódulos de regeneração comprimindo os sinusoides, a fibrose do espaço de Disse e a contração dos miofibroblastos se encarregam de aumentar a resistência ao fluxo portal hepático • HEPATITE AGUDA E CRÔNICA HP INTRA-HEPÁTICA PRÉ-SINUSOIDAL: • ESQUISTOSSOMOSE HEPATOESPLÊNICA • HIPERTENSÃO PORTAL IDIOPÁTICA (SÍNDROME DE BANTI OU FIBROSE PORTAL NÃO CIRRÓTICA IDIOPÁTICA) HP INTRA-HEPÁTICA PÓS-SINUSOIDAL: • DOENÇA HEPÁTICA VENO-OCLUSIVA ------------------------------------------------------------------------ DIAGNÓSTICO Deve-se suspeitar de hipertensão porta em todo paciente que apresente uma combinação dos seguintes achados: Ascite Esplenomegalia Encefalopatia Varizes esofagogástricas Os exames laboratoriais iniciais nos ajudam a identificar a existência ou não de disfunção hepatocelular associada e incluem a dosagem sérica de albumina, o hemograma completo, as provas de função hepática e a determinação do TAP. 1. ULTRASSONOGRAFIA-DOPPLER: A USG é o método tradicionalmente utilizado na avaliação inicial do sistema porta em pacientes com suspeita de HP. Possui elevada acurácia em distinguir entre uma veia porta trombosada de uma patente. Além disso, as colaterais do sistema porta em torno da veia ázigos, estômago, baço e retroperitônio são também visualizadas. O tamanho do baço é determinado com clareza e constitui dado diagnóstico adicional. O calibre da veia porta, em casos de hipertensão, acha-se em torno de 15 mm, entretanto, um valor normal (até 12 mm) não afasta esta condição. Uma veia porta normal aumenta seu calibre em resposta à alimentação (hiperemia reativa). A ausência desse fenômeno é sugestiva de hipertensão portal. A inabilidade de visualizar a veia porta é sugestiva de trombose deste vaso. O fluxo hepatofugal (contrário ao fígado) revela a existência de hipertensão porta grave. 2. ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA: A endoscopia digestiva está sempre indicada na suspeita ou após o diagnóstico de HP. A presença de varizes esofagogástricas (esofagianas e/ou gástricas) sela o diagnóstico de hipertensão portal. RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA Uma proporção variável de pacientes com HP não possui varizes. A presença de outras complicações da hipertensão porta como encefalopatia e ascite não é capaz de indicar, com confiabilidade, se um indivíduo já tem ou não varizes. Uma vez identificadas, a graduação das varizes de acordo com o seu tamanho é útil paraindicarmos profilaxia primária (antes do primeiro episódio) ou não. Outros achados endoscópicos que se correlacionam com o risco de ruptura incluem manchas vermelho- cereja (cherry-red spots) e manchas hematocísticas. As varizes gástricas são de reconhecimento um pouco mais difícil, uma vez que se assemelham às pregas da mucosa. A coexistência de outras lesões, como gastrite e úlceras pépticas, é frequente em pacientes com cirrose. A gastropatia hipertensiva portal é descrita como uma mucosa com áreas esbranquiçadas reticulares entremeadas a áreas róseas (por vezes sangrantes), dando o aspecto de "pele de cobra". Seu reconhecimento, através da endoscopia, é difícil, porém útil no diagnóstico diferencial de hemorragias digestivas altas nessa população. ------------------------------------------------------------------------ COMPLICAÇÕES As consequências clínicas mais importantes da HP estão associadas à formação de colaterais portossistêmicos. A importância clínica do fenômeno vai depender de sua localização e a frequência com que ocorre. ● As colaterais gastroesofágicas se desenvolvem entre as veias gástricas curtas, as veias esofagianas e a veia ázigos e veias intercostais, determinando o aparecimento de varizes gástricas e esofagianas, que possuem importância clínica em razão de sangramentos de vulto que podem ocorrer. ● As colaterais retais podem determinar o aparecimento de varizes anorretais que se desenvolvem através da conexão da veia retal superior (sistema porta) com as veias retais média e inferior (sistema cava). Estas varizes podem sangrar, embora isso não seja muito comum. ● O remanescente da veia umbilical pode se dilatar e servir como conexão entre o ramo esquerdo da veia porta e as veias epigástricas (sistema cava), fenômeno responsável pela "cabeça de medusa" observada à ectoscopia, constituindo-se em um sinal que nos indica a presença de hipertensão porta. ● Colaterais podem se desenvolver entre o sistema porta e a parede abdominal posterior e através da cápsula do fígado e diafragma. ● Grandes e espontâneas anastomoses podem se desenvolver entre o sistema porta e a veia renal esquerda. Estas podem ser tão grandes que simulam algumas vezes uma derivação cirúrgica. Estas colaterais nunca sangram e são raramente identificadas. ---------------------------- VARIZES ESOFAGIANAS: A prevalência de varizes esofagianas em pacientes recém-diagnosticados com cirrose hepática encontra-se em torno de 50%, sendo de 40% nos pacientes Child A e 85% nos Child C. As varizes esofagianas evoluem para sangramento em pelo menos 30-40% dos casos e são a causa mais comum de hemorragia digestiva alta em pacientes com hipertensão porta. Para os pacientes que sobrevivem à hemorragia inicial, cerca de 70% voltam a sangrar novamente em um período de um ano, com uma letalidade de 30%. A mortalidade decorrente de um primeiro episódio de sangramento é de 25-30%. O risco de segundo sangramento é máximo após os primeiros dias e diminui gradativamente nas próximas seis semanas. Pacientes com Child C possuem mortalidade precoce de 50% (versus 15% nos Child A) e de até 90% em um ano após um episódio de hemorragia. Mesmo os pacientes com Child A possuem uma sobrevida de apenas 50% em cinco anos. ---------------------------- VARIZES GÁSTRICAS (VG) E GASTROPATIA HIPERTENSIVA PORTAL As varizes gástricas podem ser isoladas ou associadas às esofágicas (achado mais comum), sendo mais frequentes na hipertensão porta pré-hepática. São responsáveis por até 10% de todos os episódios de hemorragia digestiva alta no paciente cirrótico. RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA O diagnóstico requer, além da endoscopia convencional, o uso de ultrassonografia endoscópica. As varizes gástricas são alimentadas pelas veias gástricas curtas e posteriores, sendo geralmente associadas a uma pressão portal menor do que a encontrada nas varizes esofágicas. Shunts gastrorrenais espontâneos através da veia esplênica ocorrem em 60-85% dos casos, explicando dois achados: menor risco de sangramento (quando comparado às esofagianas) e maior incidência de encefalopatia. Após um primeiro episódio de sangramento por VG, a recidiva varia de 25-90%. A mortalidade relacionada ao sangramento encontra- se em torno de 20%. A Gastropatia Hipertensiva Portal (GHP) é caracterizada por alterações na mucosa do estômago relacionadas à hipertensão porta. Histologicamente, observam-se dilatações dos capilares e vênulas da mucosa. O sangramento da GHP é difuso por toda a mucosa gástrica, sendo conhecido como sangramento "em lençol"; o sangramento pode ser crônico e insidioso, sendo uma causa de anemia ferropriva nos pacientes cirróticos, ou agudo, apresentando-se com melena. ------------------------------------------------------------------------ TRATAMENTO CIRURGICO SLIDE ------------------------------------------------------------------------ PROFILAXIA SECUNDÁRIA DO SANGRAMENTO A profilaxia secundária é aquela realizada após o primeiro episódio de hemorragia já controlada. Em um ano, sem a profilaxia, 25% dos pacientes Child A, 50% dos Child B e 75% dos Child C terão um novo sangramento varicoso. Idealmente, a prevenção de novos sangramentos é feita pela combinação de: (1) terapia endoscópica; e (2) betabloqueadores. ------------------------------------------------------------------------ PROFILAXIA PRIMÁRIA DO SANGRAMENTO É a prevenção do primeiro episódio de hemorragia em pacientes com varizes esofagogástricas.. Como cerca de 30-40% das varizes esofágicas na hipertensão porta evoluem para sangramento, e como tal episódio possui letalidade de 25-30% (chegando a 50% ou mais nos pacientes Child C), a profilaxia primária deve ser levada muito a sério. Portanto, TODO paciente com cirrose hepática deve ser submetido à endoscopia digestiva alta para rastrear as varizes esofagogástricas. Nos pacientes sem varizes, a EDA deve ser realizada a cada 2-3 anos e, nos pacientes com varizes de pequeno calibre, mas sem sinais de alto risco, a EDA deve ser repetida anualmente. Na presença de varizes de médio ou grosso calibre (classificação F2 ou F3), ou pequeno calibre com sinais de alto risco (ex.: pontos vermelhos, Child B ou C) a profilaxia primária está indicada. Aqui, pode-se optar pelo uso de betabloqueadores não seletivos ou pela estratégia de erradicação endoscópica das varizes, isto é, diferentemente da profilaxia secundária (onde ambos os tratamentos devem ser feitos em conjunto), na profilaxia primária devemos escolher apenas um deles. Os betabloqueadores de escolha são o propranolol ou o nadolol, devendo ser prescritos numa dose suficiente para reduzir a frequência cardíaca em 25%. Na presença de contraindicação ou intolerância aos betabloqueadores, resta apenas a terapia endoscópica. Na ausência de varizes, não há indicação de profilaxia, nem mesmo betabloqueadores. 3. EXPLICAR A ASCITE E A ANÁLISE DE LIQUIDO ASCÍTICO. Ascite quer dizer derrame líquido na cavidade peritoneal – não representa uma doença, mas uma manifestação comum a várias doenças. Não devemos esquecer, entretanto, que (1) existe um transudato fisiológico (até 100 ml), responsável pela lubrificação das membranas peritoneais; e (2) os derrames de sangue ou pus na cavidade peritoneal não representam ascite, mas, respectivamente, hemoperitônio e pioperitônio. RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA A hipertensão portal relacionada à cirrose hepática é a principal causa de ascite no Brasil e no mundo. -------------------------------------------------------- ETIOLOGIA HIPERTENSÃO PORTA (HP) O aumento da pressão no sistema venoso porta- hepático gera sabidamente ascite. Uma pergunta que devemos responder é:de onde vem o líquido que preenche toda a cavidade abdominal? Existe "válvulas de segurança" no meio deste sistema venoso da circulação porta que permitem que haja um "escape" pressórico toda vez que a pressão porta se eleva muito – exatamente como em uma panela de pressão. Os sinusoides hepáticos são esta válvula. Eles são extremamente fenestrados, de forma que qualquer aumento de pressão porta resulta em extravasamento de líquido (linfa hepática) para a cavidade peritoneal. Mas e se a obstrução porta estiver localizada em um ponto anterior (em relação ao sentido do fluxo sanguíneo) aos sinusoides hepáticos? Como não há aumento da pressão no interior dos sinusoides, haveria mesmo assim ascite? Pois bem, chegamos ao ponto mais importante sobre conceitos que envolvem hipertensão porta e ascite. Todo quadro de hipertensão porta deve obrigatoriamente ser classificado em: ● Pré-sinusoidal; ● Pós-sinusoidal; ● Intrassinusoidal. ➢ As obstruções pré-sinusoidais dificilmente geram ascite porque não envolvem os sinusoides hepáticos – é o caso da esquistossomose, em que a obstrução ocorre nos espaços-porta. Como não há "válvulas de escape", estes pacientes acabam desenvolvendo um quadro clínico marcado por manifestações graves de HP, como circulação colateral, varizes de esôfago sangrantes e esplenomegalia severa, mas sem ascite. ➢ As obstruções pós-sinusoidais, como a síndrome de Budd-Chiari, produzem um quadro de hipertensão porta completamente diferente, marcado principalmente pela ascite – aliás, grave e de difícil controle. É menos frequente nestes pacientes encontrarmos varizes de esôfago sangrantes, esplenomegalia grave ou circulação colateral abundante. Mas 85% dos casos de hipertensão porta são resultantes de cirrose hepática, que na verdade origina ambos os mecanismos patogênicos (pré e pós- sinusoidal) – assim, muitos classificam o mecanismo da cirrose como "intrassinusoidal". Nos cirróticos, em geral, encontramos em conjunto tanto a ascite quanto todos os outros sinais clínicos de HP grave. OUTRAS CAUSAS: ➢ DOENÇA PERITONEAL ➢ ASCITE NEOPLÁSICA ➢ TUBERCULOSE PERITONEAL -------------------------------------------------------- SINAIS E SINTOMAS A ascite pode ser graduada em três estágios: I = só detectada pelo USG; II = ascite moderada, detectada pelo exame físico; III = grande ascite com importante distensão abdominal. EXAME FÍSICO Quando a ascite é volumosa, o abdome apresenta-se globoso, tanto com o paciente em pé quanto deitado. A cicatriz umbilical pode se aplanar ou até everter (ao contrário da gravidez e do meteorismo, em que isso em geral não ocorre). Se a ascite for devido à hipertensão porta, é comum a presença de circulação colateral evidente no abdome ("cabeça de medusa"). Quando a ascite não é muito volumosa e o tônus da musculatura abdominal está reduzido: ● No paciente em pé, o abdome pode "cair" sobre o púbis, configurando a forma "em avental"; RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA ● No paciente deitado, o abdome se alarga para os flancos, configurando a forma de "batráquio". Sinal do Piparote (Morgani): o sinal do Piparote deve ser pesquisado no paciente em decúbito dorsal – o médico dá um "peteleco" em um dos flancos do paciente e tenta sentir a propagação da força no outro flanco. Para evitar a propagação de uma onda superficial da parede abdominal que confundiria o diagnóstico, o médico deve colocar a borda cubital da mão na região mediana ou pedir para que o próprio paciente o ajude. Cumpre ressaltar que este sinal só é positivo quando a ascite é muito grande, geralmente superior a cinco litros, e ainda pode ser negativo se houver tensão da parede abdominal. Macicez móvel de decúbito: é o melhor método semiológico para detecção de ascite; baseia-se na análise diferencial dos sons da percussão abdominal, quando o paciente se posiciona em várias angulações de decúbito lateral. Inicialmente se faz a percussão do paciente em decúbito dorsal, marcando o local do flanco em que o som fica maciço. Pede-se então que o paciente adote uma angulação de decúbito lateral. Percute-se no local marcado e, se este estiver timpânico agora, configura-se a macicez móvel de decúbito. Geralmente detecta ascite a partir de 1,5 litros. ------------------------------------------------------------------------ DIAGNÓSTICO ULTRASSONOGRAFIA (USG) A USG é o método de escolha para se detectar pequenas coleções líquidas no abdome, que aparecem como imagens anecoicas (livres de ecos). A USG também diz se o derrame peritoneal está encistado ou faz parte de massas complexas, isto é, ao mesmo tempo sólidas e líquidas (hematomas, abscessos e tumores necrosados). A USG pode ainda, frequentemente, diagnosticar a causa da ascite, demonstrando alterações compatíveis com cirrose, uma massa abdominal ou pélvica, metástases, cistos pancreáticos, etc. Por fim, este exame também é importante na realização de punções diagnósticas ou terapêuticas de coleções abdominais. TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (TC) A TC permite o diagnóstico de ascite com segurança e também diferencia as coleções líquidas livres das massas sólidas ou císticas, uma vez que o líquido ascítico apresenta menor densidade radiológica que as estruturas sólidas adjacentes. As ascites de pequeno volume podem ser detectadas pela tomografia axial computadorizada, na região da ponta do fígado, e na goteira paracólica esquerda e na pelve. Como é um método caro, a TC não costuma ser usada no diagnóstico de ascite – entretanto, é frequentemente utilizada para o seu diagnóstico etiológico. PARACENTESE A paracentese abdominal tem as seguintes finalidades principais: ● Obtenção de material para análise (diagnóstico etiológico da ascite); ● Aliviar o doente dos sintomas compressivos. A paracentese diagnóstica é exame obrigatório no paciente com ascite. É a melhor maneira de se começar a investigação etiológica. Em pacientes cirróticos com ascite, uma paracentese sempre deve ser realizada numa internação hospitalar (por qualquer motivo) para procurar o diagnóstico da importante síndrome da peritonite bacteriana espontânea, eventualmente diagnosticada em cirróticos ascíticos assintomáticos. A paracentese deve ser realizada com o paciente em decúbito dorsal, após anestesia local, com assepsia cuidadosa da área a ser puncionada. Para determinar o ponto de punção devemos traçar uma linha imaginária do umbigo à espinha ilíaca anterossuperior esquerda e dividi-la em três partes. Na junção entre o terço médio e o terço inferior, procede-se à inserção da agulha para realização da paracentese. Mas por que deve ser feito do lado esquerdo? Por um motivo simples: o ceco (localizado à direita) é mais fixo RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA em sua posição do que as alças contralaterais, aumentando o risco de perfuração do lado direito. As complicações da paracentese abdominal são muito raras e incluem perfuração intestinal e hemorragia. A perfuração pode ser evitada se a paracentese for realizada apenas naqueles que sabidamente tenham ascite e não tenham obstrução intestinal ou acentuada distensão de alças – também não deve ser realizada próximo a cicatrizes cirúrgicas, devido à possibilidade de, nesses locais, existirem alças aderidas à parede abdominal. !! Embora aumente o risco de hemorragia, o distúrbio da coagulação (comum em hepatopatas) não contraindica o procedimento, pois o risco continua sendo pequeno, contanto que se utilize a técnica corretamente. Obs.: após a punção, pode ocorrer saída constante de líquido (principalmente se a ascite for grande), o que pode ser evitado realizando-se a técnica em "Z" (desloca-se a pele para o lado e realiza-sea punção, perfurando a pele e o peritônio em locais diferentes). Após a punção, deve-se aplicar um curativo compressivo. ------------------------------------------------------------------------ EXAME DO LÍQUIDO ASCÍTICO Fundamental para a elucidação diagnóstica da ascite, o exame do líquido colhido na primeira paracentese deve incluir: (1) aspecto macroscópico; (2) exames bioquímicos como LDH, proteínas, glicose, amilase, lipídios, marcadores tumorais e outros; (3) citologia convencional e oncótica; (4) bacterioscopia (Gram/Ziehl-Nielsen); (5) cultura (bactérias/fungos/BK). MACROSCOPIA Quanto ao aspecto macroscópico, o líquido ascítico pode ser: ● Seroso: mais comum – o líquido é claro e transparente ou amarelo-citrino e decorre de várias causas. É o aspecto clássico da cirrose não complicada. ● Hemorrágico: aspecto serossanguinolento, róseo ou de cor sanguínea mais viva – pode ser observado nas neoplasias e, mais raramente, na peritonite tuberculosa. ● Turvo: sugestivo de infecção. Pode haver odor fétido. ● Lactescente: constituído por líquido branco- amarelado, de aparência leitosa, distinguindo-se em duas variedades: (1) quiloso – caracterizado pela presença de linfa; e (2) quiliforme – caracterizado pela presença de células endoteliais e leucócitos em estados de degeneração gordurosa ou de lipídios em abundância ● Bilioso: de coloração esverdeada, observado nos traumatismos das vias biliares (inclusive cirúrgicos). ● Gelatinoso: amarelado e espesso, de viscosidade semelhante à da gelatina – observado nos tumores mucinosos e no pseudomyxoma peritonei. BIOQUÍMICA A análise bioquímica do líquido ascítico é de extrema importância para a abordagem inicial de qualquer forma de ascite. Atualmente o exame de maior destaque, por ser um "divisor de águas" para o início das investigações, envolve a dosagem de albumina (no líquido ascítico e ao mesmo tempo no plasma), é o gradiente de albumina soroascite. Outros parâmetros bioquímicos que podem ser bastante úteis em situações específicas são a proteína total, a glicose e o LDH (para diferenciar a peritonite bacteriana espontânea da peritonite secundária), os triglicerídeos (bastante aumentados nas ascites quilosas), as bilirrubinas (presentes nas ascites biliares), os níveis de ureia (elevados na ascite urinária) e a amilase (presente na ascite pancreática). CITOMETRIA ● O encontro de um grande número de hemácias orienta para o diagnóstico de neoplasia e, em menor RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA grau, para o de tuberculose. Outras causas possíveis são patologia pancreática e trombose mesentérica; ● A contagem de leucócitos elevada sugere fortemente a presença de um processo inflamatório do peritônio – a predominância de Polimorfonucleares (PMN) sugere infecção bacteriana aguda, enquanto a presença de mononucleares (linfócitos/monócitos) sugere tuberculose peritoneal, neoplasia e colagenoses. CITOLOGIA ONCÓTICA É o principal exame para o diagnóstico da ascite carcinomatosa (cânceres gastrointestinais, câncer de ovário), apresentando alta sensibilidade. No hepatocarcinoma, a citologia oncótica é quase sempre negativa. BACTERIOLOGIA Os exames bacteriológicos incluem a bacterioscopia e as culturas – deve-se saber que a bacterioscopia, seja pelo Gram, seja pelo Ziehl-Nielsen, é de valor limitado (baixa sensibilidade): são positivos em apenas 2% dos pacientes com peritonite tuberculosa, e 10% dos pacientes com peritonite bacteriana espontânea. Esse percentual aumenta bastante nos casos de perfurações intestinais. As ascites fúngicas são muito raras; desta forma, não são geralmente pedidas culturas para fungos. ------------------------------------------------------------------------ TRATAMENTO • TRATAMENTO DA DOENÇA HEPÁTICA DE BASE • REPOUSO, RESTRIÇÃO DE SAL E DE ÁGUA • DIURÉTICOS • TERAPIA DA ASCITE REFRATÁRIA • PARACENTESE DE GRANDE VOLUME • TIPS • CIRURGIA DE DERIVAÇÃO PORTOSSISTÊMICA • TRANSPLANTE HEPÁTICO 4. ESTUDAR OS EXAMES UTILIZADOS PARA AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO HEPÁTICA. Gamaglutamiltransferase (GGT) O aumento de GGT é provavelmente a mais comum entre as alterações bioquímicas produzidas pela ingestão de etanol. A síntese dessa enzima de origem hepática é induzida pelo álcool, independentemente da presença de doença hepatocelular. Os aumentos de GGT são em média de 3 a 5 vezes o seu valor máximo normal, sendo que níveis elevados da enzima têm sido encontrados em até 90% dos grandes consumidores de bebidas alcoólicas. Embora extremamente sensível, esse exame não é específico, ou seja, aumentos de GGT ocorrem também em doenças colestáticas ou quando há uso de diferentes medicamentos e, ainda, em várias doenças hepáticas não alcoólicas. Na abstinência alcoólica, os níveis de GGT costumam regredir, mas podem fazê-lo de modo lentamente progressivo. A recidiva de alcoolismo é facilmente detectada por novos aumentos de GGT. Aspartato aminotransferase (AST) Seus níveis, elevados em 45 a 70% dos casos de DHA, costumam variar de 1,1 até 5 vezes o valor máximo normal, não refletindo necessariamente gravidade do dano hepatocelular. Como essa enzima está presente também em músculo esquelético e cardíaco, seu aumento pode refletir o dano alcoólico causado a esses músculos, e não necessariamente lesão hepatocelular. A AST mitocondrial (isoenzima) costuma se elevar mais que a citoplasmática em casos de alcoolismo. A alanina aminotransferase (ALT), por outro lado, eleva-se menos que a AST, quando há ingestão alcoólica, associada ou não à doença hepática, podendo estar discretamente aumentada ou mesmo normal em DHA grave. A ALT é elevada em várias doenças hepáticas, de diferentes etiologias, geralmente em níveis superiores aos da AST. Assim, o índice AST/ ALT tem sido apregoado como um bom marcador de etiologia alcoólica, em que índices maiores que 2 ocorrem em cerca de 70% dos casos de hepatite alcoólica ou cirrose alcoólica ativa. 5. CONHECER A ICTERÍCIA E A AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS DE BILIRRUBINAS. RENATA LIMA – MEDICINA – 5º SEMESTRE – TUTORIA As hemácias (glóbulos vermelhos) têm uma vida média de 120 dias. Todos os dias, milhões de hemácias novas são produzidas na medula óssea e milhões de hemácias velhas são destruídas no baço. Um dos produtos liberados neste processo de destruição é a bilirrubina, um pigmento amarelo-esverdeado. A bilirrubina gerada pela destruição das hemácias velhas no baço é chamada bilirrubina indireta. A bilirrubina indireta é captada pelo fígado e processada, transformando-se em bilirrubina direta. A grande diferença entre a bilirrubina indireta e a bilirrubina direta é a capacidade de diluição na água, que é baixa na primeira e elevada na segunda. A bilirrubina direta é eliminada do fígado através das vias biliares, indo em direção ao trato gastrointestinal, onde é excretada nas fezes. A bilirrubina direta ao chegar aos intestinos sofre metabolização e torna-se um pigmento de coloração marrom, que é responsável pela cor característica das nossas fezes. Uma pequena parte da bilirrubina direta produzida no fígado acaba extravasando para a corrente sanguínea. Essa pequena quantidade bilirrubina direta é filtrada pelos rins e eliminada na urina. Parte da coloração amarelada da urina se dá pela presença desse pigmento. Portanto, há sempre pequenas quantidades de bilirrubina direta e indireta no nosso sangue. Os valores normais são os seguintes: • Bilirrubina indireta: 0,1 e 0,7 mg/dL • Bilirrubina direta: 0,1 a 0,4 mg/dL • Bilirrubina total (direta + indireta): 0,2 a 1,1 mg/dL. Quando os níveis de bilirrubina no sangue tornam-se elevados, esse pigmento tende a se depositar na pele, provocando um quadro chamado de icterícia, que é basicamente umapele amarelada.