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/ Página 1 de 33 Elucidar a hepatopatia crônica (Epidemiologia, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico); Abordar a encefalopatia crônica (Fisiopatologia, fatores de risco, quadro clínico, diagnóstico e tratamento); Elucidar a icterícia do paciente hepatopata crônico (Fisiopatologia, diagnóstico e tratamento); Explanar a hipertensão portal (Fisiopatologia, quadro clínico); Fundamentar a hemorragia digestiva alta varicosas (Fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico e tratamento); Abordar a ascite do paciente hepatopata (Fisiopatologia, diagnóstico (Avaliação do líquido ascitico) e tratamento). Didaticamente, as doenças hepáticas crônicas podem ser divididas em dois grupos: hepatites crônicas e colestases crônicas. Para a avaliação de um paciente com suspeita de hepatite crônica, deve-se saber quais são as possíveis etiologias da doença, qual é a frequência em nosso meio e como a hepatite crônica pode se apresentar no paciente. O conhecimento do mecanismo de produção da lesão pode ajudar a confirmar os possíveis diagnósticos (viral, autoimune, de reação a drogas). O conhecimento das bases moleculares e a fisiopatologia das principais etiologias poderão contribuir para o estabelecimento da terapia da doença. E, finalmente, o conhecimento da história natural poderá contribuir para prever e talvez interferir profilaticamente na evolução da doença, lembrando que a atuação preventiva (vacinação, tratamento da doença em estágio precoce e rastreamento de tumores) pode ser muito eficaz, reduzindo a morbidade e a mortalidade e os custos em termos de saúde pública. Classicamente, a hepatite crônica é definida como a persistência de reação inflamatória que se mantém sem melhora pelo prazo mínimo de seis meses. Apesar de envolver um conceito histopatológico, na maioria das vezes o reconhecimento pode ser feito pela análise simultânea de características clínicas e laboratoriais. É o caso das hepatites por vírus, em que há antígenos virais no soro (etiologia) e níveis elevados de aminotransferases (atividade inflamatória), podendo estar associados aos sinais e sintomas clínicos sugestivos de hepatopatia e confirmados pela histologia (grau de atividade inflamatória e grau de fibrose hepática). Dessa maneira, o diagnóstico final de hepatite crônica deve basear-se em três aspectos: etiologia, grau de atividade inflamatória e estadiamento da lesão estrutural (fibrose) hepática. A caracterização da etiologia da hepatite crônica é importante. Numerosas causas podem ser incluídas na sua definição, mas há franca tendência entre os hepatologistas em restringir o conceito àquela de origem viral, autoimune e às relacionadas à ação de drogas, aceitando-se ainda as de causa incerta (criptogênicas). / Página 2 de 33 No Brasil, na maior parte dos pacientes que apresenta alguma forma de hepatite, com grande destaque para as formas crônicas, predomina a etiologia viral, com cerca de 60% dos casos. Hepatites crônicas mais raras, encaminhadas como referência pela rede pública de saúde, também estão significativamente representadas, como exemplo a hepatite autoimune (HAI). Os principais vírus hepatotrópicos atualmente conhecidos são os vírus das hepatites A (VHA), B (VHB), C (VHC), delta (VHD) e E (VHE). Entretanto, entre estes vírus, apenas VHB, VHC e VHD são os que mais frequentemente podem apresentar evolução para a cronificação. Embora a hepatite pelo VHE seja geralmente de curso limitado, há relatos recentes de persistência do VHE em imunocomprometidos (receptores de órgãos transplantados). Entretanto, alguns pacientes que apresentam sinais e sintomas de hepatites virais, mas não apresentavam marcador sorológico dos vírus descritos até então, e foram classificados como portadores de hepatites não ABCDE. Por meio do avanço na biologia molecular, novos vírus têm sido descritos, como o da hepatite G (VHG), vírus TT (TTV), vírus SEN (SENV), entre outros. Ainda, outros podem causar hepatite, mas tendo o fígado como sítio primário de infecção. Exemplos incluem os vírus da febre amarela, da dengue, citomegalovírus (CMV), herpes vírus 1 e vírus Epstein-Barr. Além disso, 5 a 20% das hepatites são classificadas como criptogênicas, e aparentemente não podem ser atribuídas a toxicidade, doenças metabólicas ou sistêmicas. Dessa forma, pesquisas estão sendo realizadas para a identificação de novos vírus. Por se tratar de uma droga lícita, amplamente disponível e de baixo custo, o álcool é sem dúvida uma das substâncias psicoativas mais consumidas pela sociedade e pode ser uma causa frequente de hepatopatias crônicas. Geralmente é necessário o consumo de 40 a 80 g de álcool ao dia para os homens e 20 a 40 g para mulheres desenvolverem lesões hepáticas. Em razão do grau alcoólico variado das bebidas, é importante converter as doses habituais das bebidas em gramas de álcool. A doença hepática alcoólica (DHA) pode se apresentar com diferentes tipos de lesões hepáticas, desde esteatose à cirrose. A esteatose caracteriza-se pela deposição de gordura nos hepatócitos. Existem várias causas para esteatose: obesidade, diabetes, deficiência nutritiva, medicamentos e agentes tóxicos, entretanto, a mais frequente é a esteatose álcool-induzida. Esta é a primeira e a mais frequente das lesões hepáticas induzidas pelo etanol, apresentando-se em cerca de 50 a 55% dos alcoolistas. A lesão seguinte mais frequente é a hepatite alcoólica, que se caracteriza pela presença de esteatose macrovesicular e processo inflamatório no parênquima hepático, podendo haver ou não corpúsculos de Mallory, fibrose ou cirrose. A cirrose hepática é a fase da DHA considerada irreversível pela maioria dos autores. O padrão inicial pode ser micronodular, mas na fase avançada pode ser macronodular ou misto. O diagnóstico da DHA deve se basear em um conjunto de informações, desde a anamnese, em que o conhecimento dos hábitos etílicos é de fundamental importância; exame físico, pelo qual o paciente pode ou não apresentar sinais comumente relacionados ao alcoolismo e/ou doença hepática, como febre, aranhas vasculares, icterícia, ginecomastia, eritema palmar, / Página 3 de 33 hepatoesplenomegalia, entre outros; exames bioquímicos, como elevação de aminotransferases e, caracteristicamente, a relação AST/ALT igual ou maior que 1 é muito sugestiva de hepatite ou cirrose alcoólica, e elevação da gGT. Além dos dados clínicos e laboratoriais, exames de imagem, como ultrassonografia, tomografia ou ressonância hepática, podem ser úteis tanto para a avaliação de presença de esteatose ou sinais de cirrose hepática quanto para o diagnóstico diferencial com icterícia obstrutiva, por exemplo. A histologia hepática é útil para o diagnóstico em etilistas para a confirmação da hipótese de DHA, determinação do tipo de lesão e a intensidade, diagnóstico de doença hepática coexistente e avaliação terapêutica. Por último, um dado importante para o diagnóstico de DHA é a melhora clínica e laboratorial com a abstinência, entretanto, a ausência dessa melhora não permite excluir a hipótese de DHA. A hepatite medicamentosa tem se tornado causa frequente de insuficiência hepática aguda em países ocidentais. O quadro clínico e histológico pode assemelhar-se a qualquer outra causa de hepatopatia. Exceto por acetaminofeno (paracetamol), que induz hepatotoxicidade intrínseca (dose-dependente e predizível), a maioria das hepatites medicamentosas é idiossincrática, isto é, rara, e as reações adversas não predizíveis, em que a dose apresenta pouca ou nenhuma influência. A suscetibilidade individual à hepatotoxicidade idiossincrática é determinada pela combinação de predisposição genética e/ou fator ambiental. O diagnóstico é baseado na (a) exclusão de outras causas; (b) história detalhada de ingestão de medicamentos, incluindo fitoterápicos, drogas ilícitas e hepatotoxinas ambientais; (c)relação temporal entre a exposição e sintomas e sinais de doença hepática; e (d) evidência extrínseca. Quando há suspeita de hepatotoxicidade, a droga potencialmente causadora de lesão deve ser interrompida imediatamente e, nos casos de intoxicação por acetaminofeno, deve-se tratar imediatamente com N-acetilcisteína. Drogas registradas: acetaminofeno, amiodarona, antirretrovirais (p. ex., ritonavir), carbamazepina, fenitoína, ácido clavulânico, azatioprina, ciclofosfamida, anestésicos inalatórios, isoniazida, metotrexato, anti-inflamatórios não hormonais (AINH) e sulfametoxazol. Fitoterápicos: kava-kava (Piper methysticum), chaparral, germander. Drogas ilícitas: anabolizantes esteroidais, cocaína, ecstasy. Hepatotoxinas ambientais: aflatoxina, toxina de Bacillus cereus, moléculas halogenadas, fósforo, alcaloides, toxinas de cogumelos (Amanita phalloides, Lepiota helveola e Gyromitra sp), vitamina A. A HAI é caracterizada por predomínio em mulheres, presença de hipergamaglobulinemia, autoanticorpos circulantes e boa resposta ao tratamento com imunossupressores. Existem três tipos de HAI, de acordo com o padrão de autoanticorpos circulantes: o Tipo 1: representa a forma mais comum, com positividade para o anticorpo antinúcleo (AAN) e para o anticorpo antimúsculo liso (AAML), com reatividade presumível para a actina polimerizada (AAA). o Tipo 2: caracteriza-se pela presença do anticorpo antimicrossoma de fígado e rim tipo 1 (AAMFR-1). o Tipo 3: caracterizado pela presença de anticorpo antiantígeno hepático solúvel (AAAHS). Existem ainda síndromes sobrepostas, em que são descritas condições nas quais características clínicas, bioquímicas e sorológicas de HAI coexistem com aquelas de outras doenças autoimunes hepáticas (cirrose biliar primária e colangite esclerosante primária). / Página 4 de 33 Representada por desordens caracterizadas predominantemente por esteatose hepática macrovesicular que ocorre mesmo na ausência do consumo de álcool, considerado lesivo para o fígado. A morbimortalidade relacionada a essa entidade tem sido reconhecida cada vez mais frequentemente. A probabilidade de um paciente apresentar a doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é diretamente proporcional ao peso e, desta forma, em razão do aumento da prevalência da obesidade nos Estados Unidos, tem sido considerada um problema de saúde pública. Esse diagnóstico deve ser considerado em todos os pacientes que apresentarem os fatores de risco para a doença, que incluem obesidade, diabetes, hipertrigliceridemia, perda excessiva de peso (especialmente naqueles que eram obesos previamente) e síndromes associadas à resistência insulínica (p. ex., diabete lipoatrófica). Também deve ser considerada no diagnóstico diferencial em indivíduos que recebem drogas associadas à DHGNA. Finalmente, também deve ser considerada em todos aqueles que apresentam elevação de alanina aminotransferase (ALT) persistente e sem outra causa conhecida para tal. A DHGNA é a causa mais comum de elevação incidental de transaminases séricas. A maioria das pessoas com esteatose é assintomática; os pacientes com esteato-hepatite ativa ou fibrose também podem ser assintomáticos, mas alguns podem apresentar fadiga, mal-estar, dor no quadrante superior direito ou sintomas mais graves de doença hepática crônica. A biópsia hepática é necessária para o diagnóstico. Felizmente, a frequência de progressão da esteatose para a esteato-hepatite ativa e da esteato-hepatite ativa para a fibrose é baixa. Apesar disso, a DHGNA é considerada condição de contribuição significativa para a patogenia da cirrose criptogênica. O tratamento atual para DHGNA é direcionado à redução da obesidade e à diminuição da resistência à insulina. A história natural da hepatite B depende principalmente das respostas do hospedeiro em eliminar os hepatócitos infectados pelo VHB e a história natural da doença, que pode ser dividida em três fases: tolerância, clareamento e integração do DNA do VHB e tolerância. Esta fase geralmente ocorre na infância ou no adulto jovem, quando o VHB replica extensivamente no hospedeiro. É caracterizada pela alta viremia e níveis séricos do DNA do VHB, limitada reatividade imunológica ao VHB e expressão do AgHBe. As lesões hepáticas são leves nesta fase e geralmente assintomáticas, com aminotransferases normais. Dessa forma, observam- se que os jovens que são portadores geralmente não procuram tratamento médico, portanto, o VHB continua a ser transmitido pela comunidade. Nesta fase, não há indicação de tratamento antiviral segundo os guias de tratamentos correntes. : Após a fase de tolerância, a proporção de indivíduos com doença hepática ativa aumenta entre os mais velhos, quando sintomas de hepatite se desenvolvem durante os períodos de exacerbações agudas. / Página 5 de 33 A fase de clareamento ocorre tipicamente durante a terceira década de vida. Os mecanismos envolvidos nesta fase não estão claros, mas parece haver “perda” da tolerância imunológica, levando a episódios de exacerbações agudas, durante as quais o portador pode apresentar sinais e sintomas indistinguíveis da hepatite B aguda. Ocorre resposta imune mediada por células e os hepatócitos infectados pelo VHB são eliminados do hospedeiro. A replicação do VHB continua nesta fase, mas a carga viral é mais baixa do que na fase de tolerância. Os níveis séricos do AgHBe declinam com o tempo e o anticorpo contra o AgHBe (anti - HBe) aumenta (sero-conversão). O portador do AgHBs geralmente procura auxílio médico nesta fase, em virtude dos sintomas debilitantes e particularmente se um membro da família tiver morrido em razão de uma doença hepática relacionada ao VHB. Os efeitos psicológicos são aspectos que devem ser considerados no aconselhamento aos portadores do AgHBs. Nos portadores crônicos do VHB, pode ocorrer clareamento espontâneo da viremia com eliminação do AgHBs, dependente da idade, ocorrendo à taxa de 2,5% ao ano. Em alguns pacientes, a atividade de doença pode persistir, ocorrendo na forma de hepatite crônica AgH-Be positivo ou AgHBe negativo (variantes com mutações na região pré-core ou na região promotora basal do core) e se um tratamento efetivo estiver disponível, nesta fase de atividade persistente, seria provavelmente boa para tratar, antes que lesões irreversíveis estivessem instaladas. Na terceira fase, muito embora os hepatócitos infectados pelo VHB tenham sido eliminados, o DNA do VHB pode integrar-se ao genoma do hospedeiro e desenvolver tolerância imunológica. A replicação ativa do VHB cessa nos hepatócitos, mas as células hepáticas contendo o DNA do VHB integrado continuam a expressar o AgHBs. O anti-HBe é detectado no soro. Aproximadamente 40% dos portadores do VHB sem lesões hepáticas graves prévias podem desenvolver cirrose à frequência de aproximadamente 2% ao ano. O aparecimento da cirrose é insidioso e muitas vezes assintomático até muitas décadas (de 40 a 60 anos) após a infecção. A presença de cirrose e inflamação necro-inflamatória persistente aumenta o risco de morte significativamente. Um grupo expressivo poderá desenvolver o CHC. A infecção crônica pelo VHB é a causa mais frequente de CHC no mundo. A velocidade de progressão da hepatite crônica para o CHC varia de 0,2 a 0,7% ao ano e da cirrose compensada de 0,2 a 8% ao ano. A cirrose e o CHC causam morbidade e mortalidade importantes e são refratários aos tratamentos correntes. Após o clareamento do AgHBs, segue a fase em que o DNA do VHB pode ser detectado no fígado em baixos níveis, mas geralmente indetectável no soro, enquanto os anticorpos anti -HBc, com ou sem anti-HBs, podem ser positivos. Imunossupressão pode levar à reativação do VHB nesta fase. A perda do AgHBs logo no início da doença é associada a bom prognóstico, com risco reduzido de cirrose, descompensação e CHC. Se a cirrosese desenvolver antes do período de clareamento do AgHBs, o risco de CHC persiste e, portanto, o rastreamento do tumor deve ser realizado Elevações intermitentes das aminotransferases maior do que 10 vezes o limite superior normal (LSN) ou duas vezes o valor basal (exacerbações agudas) podem ocorrer espontaneamente. Além disso, outras situações foram descritas, levando a exacerbações da hepatite B como: imunossupressão (quimioterapia, pós-transplantes, após suspensão de corticosteroide), durante terapia antiviral (interferon, nucleosídeos), presença de mutações (na região pré-core, core promoter, polimerase), na coinfecção com VHA, VHC, VHD e vírus da imunodeficiência humana (HIV). / Página 6 de 33 Em aproximadamente 70% dos pacientes, a doença é leve e progride em várias décadas, ao passo que nos, 30% restantes, pode progredir rapidamente. Os mecanismos responsáveis pela persistência do VHC e pelo seu curso clínico variável são desconhecidos, mas cogita-se que se deva a uma interação complexa entre a alta diversidade viral e a imunidade do hospedeiro. Estudos prospectivos têm tentado identificar fatores clínicos, sorológicos ou virológicos que identifiquem a pior progressão da doença. A resolução da hepatite C aguda geralmente é associada com a detecção de anticorpos neutralizantes, em alta frequência de células T específicas para o VHC com produção de citocinas Th1. Em contraste, quando a infecção cronifica, a resposta celular T no sangue periférico geralmente não é detectada na fase aguda e há a produção de citocinas Th2. Dessa forma, diferenças na qualidade e na intensidade de resposta celular T nos estágios iniciais da infecção podem influenciar a evolução de hepatite C, mas as causas primárias desses comportamentos não estão definidas. Na hepatite C crônica, a progressão para a fibrose é o que determina o prognóstico da doença e, desta forma, a necessidade e urgência de tratamento. A fibrogênese é um processo dinâmico, mediado pela atividade necroinflamatória e pela ativação das células estreladas. A velocidade da progressão da fibrose parece variar entre os pacientes e os principais fatores associados com a progressão para a fibrose parecem ser a idade na qual foi adquirida a infecção, sexo masculino e consumo excessivo de álcool. A carga viral e o genótipo parecem não influenciar significativamente a progressão para a fibrose. Também parecem contribuir para a progressão da fibrose a imunossupressão, a esteatose, a obesidade e o diabete. Níveis de ALT elevados são associados a maior risco de progressão da fibrose, e a piora desta parece ser incomum em pacientes com níveis de aminotransferases normais. A biópsia hepática é um dos métodos mais precisos para o estadiamento da fibrose e grau de atividade necroinflamatória. No momento, o acompanhamento histológico a cada 3 a 5 anos parece ser o método mais adequado para avaliar a progressão da fibrose. A infecção pelo VHC também é um importante fator de risco para o desenvolvimento do CHC. Geralmente, o CHC se desenvolve somente após duas ou mais décadas de infecção pelo VHC e o risco está aumentado nos pacientes portadores de cirrose ou fibrose avançada. Tem sido uma das complicações frequentes nos países orientais, mas já se observa uma tendência no aumento da frequência nos países ocidentais. A classificação histopatológica das hepatites crônicas surgiu da necessidade de se oferecer informações mais objetivas, reprodutíveis e com correlação com os aspectos clinicoterapêuticos. Para tal, impõe-se analisar separadamente: (1) aspectos ligados ao estadiamento, significando distúrbios arquiteturais (quanto da arquitetura lobular foi destruída); e (2) alterações de natureza necroinflamatória, oferecendo uma graduação da atividade das lesões, que devem ser subcompartimentalizadas em portais, periportais e parenquimatosas ou lobulares. Apesar da grande variação entre os atuais sistemas de escores, entre nós a graduação dessas variáveis é padronizada de 0 a 4, tanto para o estadiamento quanto para a avaliação da atividade necroinflamatória. O diagnóstico histológico de hepatite crônica é reservado aos quadros de acometimento di fuso do fígado por infiltrado inflamatório portal predominantemente linfocitário, associado à quantidade variável de histiócitos e plasmócitos; quando presentes, os polimorfonucleares estão em número reduzido. O infiltrado pode ficar restrito ao interstício portal e estar acompanhado de neoformação conjuntiva, podendo também permear o epitélio biliar. Um bom indicador de atividade e possível / Página 7 de 33 progressão do dano hepático é a “hepatite de interface”, morte por apoptose de hepatócitos da placa limitante lobular mediada por linfócitos T CD8+, também conhecida por necrose em saca-bocados. As lesões parenquimatosas são habitualmente menos exuberantes que as das hepatites agudas. São variadas as combinações de tumefação e retração acidofílica/apoptose de hepatócitos e necrose focal, sendo bem menos frequentes as hepatites crônicas com necrose confluente e raros os casos com necrose submaciça ou maciça. Siderose hepatocitária ou nas células de Kupffer é frequente, mas colestase é rara. Os hepatócitos sobreviventes exibem graus variados de regeneração, formando trabéculas espessas. No parênquima lesado, encontram- se linfócitos e histiócitos. Em vários casos, podem formar-se cordões linfocitários ao longo dos sinusoides, mesmo em áreas com menor lesão hepatocelular. A principal característica do dano hepático crônico grave é a fibrose. No início, apenas os tratos portais exibem fibrose, mas em alguns pacientes, com o passar do tempo, septos fibrosos — faixas de densa cicatriz — estendem-se entre os tratos portais. Na maioria dos casos graves, a fibrose continuada e a formação de nódulos levam ao desenvolvimento de cirrose. A hepatite crônica geralmente é assintomática até o aparecimento de sintomas e sinais de doença hepática avançada. Muitos pacientes descobrem a hepatite por meio de sorologias positivas ou elevações de aminotransferases ao realizar uma doação de sangue, durante realização de exames de sangue de rotina ou na investigação de outras doenças. Quando questionados, a astenia é um dos sintomas mais relatados. Outras manifestações incluem artralgias, anorexia, dor vaga e persistente em hipocôndrio direito. Icterícia, aparecimento de hematomas e sangramento fácil, edemas e ascite indicam desenvolvimento de doença hepática avançada. Os exames laboratoriais podem estar pouco alterados, com flutuações das aminotransferases séricas, especificamente ALT. A bilirrubina é frequentemente normal ou discretamente elevada, assim como a fosfatase alcalina e o gGT. Nessas ocasiões, o exame histopatológico pode ajudar no diagnóstico, no estadiamento da doença e na indicação de tratamento. Exames como a dosagem de bilirrubinas, de albumina e tempo de protrombina (INR) podem ajudar a avaliar a função hepática. Ainda, é frequente pacientes serem encaminhados para avaliação de doenças hepáticas por apresentarem plaquetopenia, leucopenia ou anemia, por estarem já na fase de cirrose com hipertensão portal e hiperesplenismo. / Página 8 de 33 Exames radiológicos podem ajudar a avaliar o parênquima, o tamanho do baço, o sistema portal e a existência de lesões focais hepáticas. A endoscopia digestiva alta também pode contribuir para o diagnóstico de cirrose, se houver indícios de sinais sugestivos de hipertensão portal, como varizes de esôfago ou gastropatia hipertensiva. Em razão das diferentes formas de apresentação da hepatite viral pelo VHB, é importante conhecer as recentes definições relacionadas a essa infecção. A hepatite crônica B é a doença necroinflamatória do fígado causada por infecção persistente pelo VHB. Para fins de tratamento, a hepatite crônica ativa pode ser classificada em: (a) hepatitecrônica B AgHBe positivo; e (b) hepatite crônica B AgHBe negativo. Critérios diagnósticos: AgHBs positivo por mais de seis meses, elevações persistentes de aminotransferases e histologia compatível com hepatite crônica. Com relação à viremia, em pacientes com hepatite crônica AgHBe negati-vos considera-se DNA do VHB maior que 2.000 UI/mL. Para pacientes AgHBe positivos: 2.000 UI/mL (pacientes caucasianos) ou 20.000 UI/mL (pacientes orientais). Ainda, na histologia, podem ser encontrados alguns marcadores que indiquem a infecção pelo VHB, como o hepatócito em vidro fosco, e a detecção por imuno-histoquímica do AgHBs e do AgHBc. : A maioria dos pacientes com hepatite pelo VHC é assintomática. Referem que descobriram ser portadores ao realizar doação de sangue, exames de rotina ou exames por outras causas. A infecção se torna crônica em aproximadamente 80% dos casos. Embora os estudos para determinar a história natural da hepatite C sejam controversos, relata-se que pelo menos 20% dos pacientes cronicamente infectados desenvolvem cirrose em 20 anos. Na hepatite aguda, o RNA do VHC pode ser detectado no soro em quase todos os pacientes em uma a duas semanas após a exposição. Os níveis de RNA do VHC aumentam rapidamente nas primeiras semanas e, depois mais lentamente, atingem níveis entre 105 a 107 UI/mL pouco antes da elevação das aminotransferases séricas e sintomas. O nível de ALT indicativo de lesão hepática e necrose inicia-se 2 a 8 semanas depois da exposição e pode chegar a 10 vezes o limite superior normal. Aproximadamente um terço dos pacientes desenvolve sintomas clínicos e icterícia. Na hepatite C aguda autolimitada, os sintomas duram algumas semanas e melhoram com a queda da ALT e os níveis de RNA do VHC. A hepatite aguda pode ser grave, mas raramente é fulminante. Os anticorpos contra o VHC detectados por métodos imunoenzimáticos aparecem junto ou logo após os sintomas; dessa forma, 30% dos pacientes podem ser negativos na época dos sintomas. Geralmente todos os pacientes desenvolvem o anti-VHC, embora os títulos possam ser baixos ou até mesmo indetectáveis em pacientes imunodeprimidos. Em estudos de seguimento prolongado, alguns pacientes que se recuperam da hepatite C perdem a reatividade para o anti -VHC e ficam sem cicatriz sorológica. A hepatite crônica C é caracterizada pela persistência do RNA do VHC por pelo menos seis meses após a infecção. A frequência de cronicidade varia de 75 a 85%. A fase inicial da doença é semelhante à da hepatite aguda, o RNA do VHC surge no soro uma a duas semanas e aumenta a titulação. A elevação da ALT se inicia em poucas semanas e os sintomas, se ocorrerem, se iniciam com a elevação da ALT. Pacientes que desenvolvem infecção crônica parecem ter menos sintomas e icterícia que aqueles com hepatite aguda em resolução. O anti-VHC aparece com os sintomas ou logo depois. Tipicamente, os anti-VHC atingem níveis mais elevados e parecem persistir durante a infecção crônica. Durante a evolução de hepatite aguda para crônica, os níveis de ALT e RNA do VHC podem flutuar e pelo menos um quarto dos pacientes pode apresentar inclusive períodos de RNA do VHC indetectáveis e ALT normal. Dessa forma, apenas uma medida com ALT normal e RNA do VHC / Página 9 de 33 negativo na fase de convalescença da fase aguda da hepatite C não indica resolução da doença, recomendando-se seguimento regular nos 6º e 12º meses para confirmação da resolução. Uma vez estabelecida a infecção crônica, os níveis do RNA séricos tendem a estabilizar e a resolução espontânea após 6 ou 12 meses de infecção é infrequente. Assim sendo, uma vez documentada a infecção crônica do VHC tornam-se desnecessários testes repetidos para detecção do RNA do VHC, a menos que o tratamento seja considerado. A maioria dos pacientes apresenta poucos sintomas, se apresentarem. O sintoma mais comum costuma ser astenia, que é tipicamente intermitente. Os níveis de ALT são contínua ou intermitentemente elevados, e a elevação correlaciona-se à baixa atividade da doença e em um terço dos casos a ALT pode estar normal. A histologia hepática na infecção crônica pelo VHC mostra infiltração mononuclear no parênquima e áreas portais, necrose hepatocitária focal e graus variados de fibrose. Quase todos os pacientes apresentam algum grau de atividade necroinflamatória, mas a gravidade da doença e a quantidade de lesão estrutural (fibrose) podem variar consideravelmente. Dessa forma, a biópsia hepática tem papel importante no estadiamento da atividade inflamatória e no grau de fibrose na hepatite crônica C. As complicações de longo prazo da infecção pelo VHC incluem evolução para cirrose, insuficiência hepática e CHC, que pode se desenvolver em um grupo de pacientes depois de muitos anos ou décadas de infecção. A infecção crônica pelo VHC tem sido associada a muitas manifestações extra-hepáticas, incluindo crioglobulinemia mista essencial, porfiria cutânea tarda, glomerulonefrite membranoproliferativa, tireoidite autoimune, síndrome de Sjögren e diabete melito. Essas manifestações autoimunes podem ser decorrentes da reação direta entre antígenos virais e anticorpos produzidos pelo hospedeiro, levando à formação de imunocomplexos e sua precipitação. O diagnóstico da hepatite viral é baseado nos achados sorológicos e na detecção do RNA ou DNA do vírus pelas diversas técnicas de biologia molecular. Os testes para o diagnóstico da hepatite B incluem os sorológicos e marcadores moleculares: o Anti-HBc (anticorpo anticore do VHB). Detecta a formação de anticorpo contra a proteína core do VHB. O teste pode apresentar três formas diferentes: formas IgG, IgM e total (IgG e IgM). Um teste de antiHBc total positivo pode indicar infecção presente ou pregressa. A positividade para o anti-HBc IgM geralmente indica hepatite aguda, entretanto pode estar positivo também nas reativações associadas à imunossupressão ou a exacerbações da hepatite crônica. o AgHBs (antígeno de superfície do VHB). Testes de imunoensaio de micropartículas por quimioluminescência (CMIA) detectam quantitativamente a proteína que forma a capa externa do VHB. Sua positividade indica a presença de hepatite aguda ou crônica. O desaparecimento do soro indica clareamento viral. o AgHBe e anti-HBe (antígeno “e” e anticorpo anti-e do VHB). O antígeno “e” é a parte estrutural da proteína core e pode ser detectado por um teste de Elisa. A presença indica replicação ativa e pode ser encontrado tanto na hepatite aguda quanto na hepatite crônica replicativa. Nos pacientes com hepatite aguda resolvida ou na hepatite crônica inativa, o AgHBe desaparece e o anti-HBe se torna positivo. Em alguns pacientes, uma mutação na região pré-core ou na região promotora do core basal do VHB impede a formação do antígeno e, desta forma, esses pacientes podem apresentar a doença na forma replicativa com o AgHBe negativo. A replicação do VHB nesses casos é detectada por métodos moleculares (PCR, p. ex.). o Anti-HBs (anticorpo antissuperfície do VHB). O teste detecta a formação de anticorpo contra a proteína de superfície do VHB. Este anticorpo neutralizante indi-ca infecção pregressa ou / Página 10 de 33 também pode estar presente em pessoas que foram imunizadas com vacinas para o VHB. Habitualmente, valores acima de 10 UI/mL conferem pro-teção contra a infecção. o PCR (reação em cadeia da polimerase) em tempo real. É uma técnica de biologia molecular que amplifica um fragmento do DNA do VHB. É um dos testes mais sensíveis e essenciais para o diagnóstico. Determina a car-ga viral do VHB e auxilia no seguimento e decisão de iní-cio de tratamento da hepatite crônica B. Os níveis do DNA devem ser expressos em UI/mL. Valores expressos em có-pias por mL podem ser convertidos dividindo por cinco. Testes para o diagnóstico da hepatite C incluem os sorológicos e marcadores moleculares: O teste derastreamento para o VHC é um teste Elisa que detecta a presença de anticorpos em duas regiões do genoma do VHC. O teste é altamente sensível, mas não tão específico. Habitualmente um teste positivo pode ser confirmado com um teste de RIA recombinante (Riba), que constitui a exposição do soro do paciente a uma fita de nitrocelulose impregnada com bandas de antígenos do VHC. O Riba não é tão sensível quanto ao Elisa e, assim, não deve ser utilizado como teste de rastreamento. Determinação do RNA do VHC, que pode ser detectado por técnicas de biologia molecular, como o PCR em tempo real. Se os anticorpos anti-VHC forem detectados, a pesquisa do RNA do VHC deve ser realizada por método sensível. Quantificação e genotipagem do VHC. Devem ser realizados para os pacientes que têm indicação de tratamento antiviral. A quantificação deve ser realizada por método sensível e seus níveis devem ser expressos em UI/mL. A genotipagem também deve ser realizada previamente à decisão do tipo e da duração de tratamento antiviral. O termo "encefalopatia hepática" se refere a uma síndrome neuropsiquiátrica potencialmente reversível que pode surgir em pacientes portadores de hepatopatia crônica avançada ou mesmo na insuficiência hepática aguda. A encefalopatia é causada pela passagem de substâncias tóxicas (provenientes do intestino) para o cérebro, que em uma pessoa normal seriam depuradas pelo fígado. A disfunção hepatocelular grave é um elemento primordial para o desenvolvimento da síndrome, porém, na cirrose hepática avançada, outro fator também deve ser considerado: a hipertensão portal, que desvia o sangue mesentérico para a circulação sistêmica "bypassando" os sinusoides hepáticos. Por isso a sinonímia – encefalopatia portossistêmica. Uma das substâncias mais implicadas na gênese da encefalopatia hepática é a amônia (NH3)! As principais fontes de amônia intestinal são: (1) enterócitos – metabolismo do aminoácido glutamina; (2) bactérias colônicas – catabolismo de proteínas alimentares e da ureia secretada no lúmen intestinal. É importante ressaltar que o fígado normal depura quase toda a amônia presente no sistema porta. Os hepatócitos transformam esse composto de alta toxicidade no aminoácido glutamina ou numa substância bem menos tóxica para o organismo – a ureia. Para compreender a patogênese da encefalopatia hepática, deve-se ter em mente o seguinte conceito: uma das principais funções do fígado é a depuração de toxinas provenientes da absorção intestinal. Estas substâncias são absorvidas pelos enterócitos, ganham a circulação venosa mesentérica e em seguida a veia porta, para então penetrar nos espaços-porta, atingindo os sinusoides hepáticos. Entre tais substâncias, a mais importante é a amônia, derivada dos enterócitos e do metabolismo das bactérias colônicas. Sua não depuração (tanto pela insuficiência / Página 11 de 33 hepatocelular quanto pela hipertensão portal, que desvia o sangue do sistema porta para a circulação sistêmica) causa a encefalopatia hepática. PATOGÊNESE Existem inúmeros fatores supostamente incriminados na gênese da encefalopatia hepática. Em primeiro lugar, a natureza "metabólica" da disfunção cerebral é revelada pela sua reversibilidade (pelo menos parcial) e pela ausência de alterações neuropatológicas orgânicas que, por si só, poderiam explicar a síndrome. Apesar desse conceito irrefutável, a encefalopatia hepática crônica pode, de fato, produzir alterações orgânicas degenerativas no cérebro, as quais provavelmente são consequências (e não causas) do processo patológico. A principal alteração descrita consiste em mudanças morfológicas e funcionais dos astrócitos tipo II, decorrentes de edema celular (astrocitose tipo II de Alzheimer). Surge, nesses casos, degeneração de células nervosas e de fibras axonais do cérebro, cerebelo e medula espinhal, com áreas de cavitação microscópicas, conferindo uma aparência esponjosa. Para esse tipo de alteração patológica emprega-se o termo "degeneração hepatocerebral adquirida". Muito bem... Voltemos aos mecanismos causais da encefalopatia hepática. Quais são as substâncias incriminadas? A hiperamonemia é um achado quase universal na insuficiência hepática grave. A amônia é uma importante neurotoxina e provavelmente o mais importante "vilão" da encefalopatia hepática! Outras neurotoxinas, como os mercaptanos e os ácidos graxos de cadeia curta, potencializam o efeito neurotóxico da amônia. Vejamos alguns efeitos da amônia no metabolismo cerebral: (1) aumenta a captação de aminoácidos aromáticos pela barreira hematoencefálica; (2) aumenta a osmolaridade das células gliais (astrócitos), fazendo com que estas células se tornem edemaciadas – edema cerebral do tipo celular; (3) inibe a atividade elétrica neuronal pós-sináptica; (4) estimula a produção de GABA, um importante depressor da atividade cortical (ver adiante). Os aminoácidos aromáticos dão origem a neurotransmissores inibitórios do tipo serotonina e aos falsos neurotransmissores (octopamina, feniletanolamina), caracteristicamente aumentados na encefalopatia hepática. Um ponto importante da patogênese da encefalopatia hepática é a hiperatividade do sistema neurotransmissor GABAérgico. O GABA (ácido gama-aminobutírico) é um neurotransmissor inibitório cujo receptor pós-sináptico pode ser estimulado pelos benzodiazepínicos e barbitúricos. / Página 12 de 33 Neurotoxinas como a amônia aumentam indiretamente a atividade desse sistema, através da estimulação da síntese de neuroesteroides, os mais poderosos moduladores do GABA... Um fato curioso: foram identificadas benzodiazepinas endógenas que se acumulariam em pacientes com encefalopatia hepática!!! Isso explica o porquê de alguns pacientes obterem melhora dos sintomas com o flumazenil – um antagonista benzodiazepínico... SAIBA MAIS... Foi identificado um fator de predisposição genética para a encefalopatia hepática: mutações na região promoter do gene da glutaminase renal! A presença de tal fator aumenta a chance de EH em cerca de 2x nos portadores de cirrose, possivelmente devido ao maior acúmulo de amônia e outros compostos nitrogenados nesses doentes. Podemos classificar a encefalopatia em vários grupos, de acordo com a apresentação clínica. Os tipos clínicos de encefalopatia hepática (eh) são: 1. EH mínima. 2. EH aguda esporádica, espontânea ou desencadeada por "fatores precipitantes". 3. EH crônica, continuamente sintomática. 4. EH associada à insuficiência hepática fulminante. É definida pela presença de alterações neuropsiquiátricas só detectadas pelos testes neuropsicométricos, pelo fato de serem sutis. Tais alterações geralmente não são percebidas nem pelo paciente, nem pelo médico, mas estão presentes em até 70% dos cirróticos! Exames complementares como o eletroencefalograma podem reforçar o diagnóstico, mas, na prática, em geral NÃO se recomenda a pesquisa deste tipo de encefalopatia em todos os cirróticos, pois seus critérios diagnósticos não são bem estabelecidos e o risco do tratamento pode ser superior aos benefícios. A conduta perante o paciente com "encefalopatia mínima" deve ser individualizada... Como a dificuldade para dirigir vem sendo considerada a principal complicação associada a esse tipo de encefalopatia, pacientes e familiares devem ser orientados quanto a este risco. Aqui está o que você está acostumado a ver nas enfermarias de clínica médica ou gastroenterologia! O paciente é trazido ao hospital por familiares, com um quadro de desorientação, agitação psicomotora, torpor ou mesmo estado de coma ("coma hepático")... A boa notícia é que a grande maioria destes pacientes melhora do quadro neurológico com a terapia voltada para a encefalopatia hepática e com o controle do fator precipitante (é importante ter em mente que em cerca de 80% dos casos de encefalopatia hepática aguda possui um fator precipitantedetectável). Eventualmente, nenhum fator precipitante é detectado – para este caso, reservamos o termo "EH aguda esporádica espontânea". A encefalopatia hepática "manifesta" compreende várias anormalidades neurológicas e psiquiátricas, tais como: distúrbios de comportamento (agressividade, agitação), sonolência/letargia, inversão do ciclo sono-vigília (insônia noturna com sonolência diurna), fala arrastada com bradipsiquismo, "hálito hepático" (ou fetor hepaticus), asterixis (= flapping), incoordenação muscular e hipertonia, escrita irregular, reflexos tendinosos exacerbados ou alentecidos, sinal de Babinski, crises convulsivas e postura de descerebração. Um ponto importante é saber avaliar a presença de flapping. Deve-se solicitar ao paciente que estenda o braço para frente e faça a dorsoflexão da mão (mão aberta e com os dedos bem separados). A pessoa normal mantém a posição estável, enquanto no paciente com encefalopatia a mão cai repetidamente, em movimentos ritmados, devido a relaxamentos rápidos (perda do tônus) seguidos de retomada da contração muscular. Se não for desencadeado espontaneamente, o médico pode hiperestender o punho do paciente, causando o chamado "flapping induzido". / Página 13 de 33 O asterixis (ou flapping) não é patognomônico da encefalopatia hepática! Pode ocorrer em outras condições importantes na prática médica, como a encefalopatia urêmica, a carbonarcose da DPOC, a pré-eclâmpsia grave ou eclâmpsia e a intoxicação pelo lítio. A EH manifesta é classicamente dividida em graus, que são descritos: Muito bem... Quais são os fatores precipitantes da encefalopatia hepática? Aqui estão os principais: o Hemorragia digestiva alta; o Hipocalemia; o Alcalose metabólica ou respiratória; o Desidratação/hipovolemia; o Diuréticos tiazídicos ou de alça (furosemida); o Infecções (incluindo a peritonite bacteriana espontânea); o Uso de sedativos (benzodiazepínicos e barbitúricos); o Dieta hiperproteica; o Procedimentos cirúrgicos; o Constipação intestinal; o Hipóxia; o Shunts portossistêmicos: espontâneos (ex.: esplenorrenal) e cirúrgicos (incluindo o TIPS – Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunt). O paciente cirrótico é propenso à hemorragia digestiva por vários motivos: (1) distúrbio da hemostasia – plaquetopenia + coagulopatia; (2) presença das varizes esofagogástricas, clássicas da hipertensão portal; e (3) aumento do risco de úlcera péptica. Por que um sangramento digestivo pode desencadear encefalopatia hepática nesses doentes? O sangue liberado no tubo digestivo é digerido pelas bactérias colônicas. Do metabolismo da hemoglobina (proteína), forma-se mais amônia. Esta amônia é prontamente absorvida pelos enterócitos, desencadeando a EH. SAIBA MAIS... Mas por que os pacientes cirróticos apresentam maior incidência de úlceras pépticas? A explicação é bem simples... A histamina produzida no organismo é depurada pelo fígado. Com o desenvolvimento da insuficiência hepatocelular, há um aumento dos níveis de histamina circulante. Relembrando o bloco de Gastro, a histamina estimula diretamente as células parietais do estômago a produzirem ácido clorídrico, justificando a propensão ao surgimento de doença ulcerosa péptica... / Página 14 de 33 A alcalose metabólica desencadeia encefalopatia hepática pelo seguinte mecanismo: o pH plasmático mais alcalino converte a forma ionizada NH4+ (amônio) na forma não ionizada NH3 (amônia). Esta última, por ser lipossolúvel, passa livremente pela barreira hematoencefálica, aumentando a impregnação cerebral da neurotoxina. A hipocalemia aumenta a produção renal de NH3, por reduzir o pH intracelular das células tubulares proximais (saem íons K+ em troca da entrada de íons H+). A maior produção de NH3 e a precipitação de uma alcalose fazem da hipocalemia um fator desencadeante de encefalopatia hepática! Perceba que os diuréticos de alça (furosemida) e os tiazídicos podem causar encefalopatia em cirróticos (se usados indiscriminadamente), por provocarem hipocalemia, alcalose metabólica e, eventualmente, desidratação. As infecções são importantes fatores precipitantes de EH, por mecanismos pouco conhecidos. O destaque é para a peritonite bacteriana espontânea. Todo paciente com ascite e encefalopatia deve ter sua ascite investigada para infecção, mesmo na ausência de sinais infecciosos! As infecções urinárias e respiratórias também são importantes, pela sua elevada frequência. A dieta hiperproteica pode desencadear EH por aumentar a produção de amônia pelas bactérias colônicas que metabolizam a proteína alimentar. A constipação intestinal, ao aumentar a proliferação dessas bactérias e o tempo de contato entre a amônia produzida com a mucosa intestinal (aumentando sua absorção), também pode precipitar o evento mórbido. O diagnóstico de encefalopatia hepática é eminentemente clínico, mas existem exames complementares que podem corroborá-lo? A resposta é sim, mas com diversas limitações... A dosagem sérica de amônia, por exemplo, não é recomendada de rotina; geralmente encontra-se elevada na encefalopatia hepática, porém sua especificidade é baixa (existem diversas patologias que podem elevar a amônia). E mais: seus níveis séricos não têm boa correlação com o grau de encefalopatia!!! As alterações eletroencefalográficas encontradas na EH (alentecimento global, ondas theta na fase pré-comatosa e ondas delta nas fases avançadas) não são patognomônicas nem possuem valor prognóstico, mas podem ser úteis na avaliação da resposta terapêutica. Um exame bastante promissor é a ressonância nuclear magnética com espectroscopia, no qual se avalia o metabolismo cerebral. Estudos ainda estão em andamento para definir sua função no manejo da encefalopatia hepática... De uma forma geral, os exames auxiliares são empregados apenas em estudos científicos, sendo o diagnóstico, na prática, fundamentado no reconhecimento puramente clínico da síndrome. Sempre que um paciente cirrótico interna com encefalopatia hepática deve ser feita a seguinte pergunta: qual foi o fator precipitante? A busca deve ser ativa, com a anamnese (uso de medicamentos, libação alimentar, constipação...), investigação de quadro infeccioso (com paracentese diagnóstica se ascite presente), exames laboratoriais (com avaliação hidroeletrolítica) e observação do aspecto das fezes (pesquisa de melena). O tratamento da encefalopatia hepática se baseia primariamente no controle dos fatores precipitantes e na redução da produção e absorção de amônia pelo cólon. Sabemos que a amônia é produzida pelo metabolismo das bactérias colônicas, ao degradar os compostos nitrogenados (ureia e proteínas) presentes no lúmen intestinal. durante muito tempo a restrição proteica foi advogada como medida essencial na abordagem terapêutica da EH aguda. Todavia, o impacto nutricional dessa medida provavelmente / Página 15 de 33 acarreta mais riscos para o estado geral do paciente do que quaisquer benefícios quanto ao controle do quadro neuropsiquiátrico! Desse modo, a restrição proteica na dieta não está indicada de rotina no tratamento da EH aguda... Contudo, nos pacientes com encefalopatia hepática aguda ou crônica refratária ao tratamento com lactulose e/ou antibióticos – ver a seguir – a manipulação dietética tem papel adjuvante: nestes casos recomenda-se substituir fontes proteicas animais (ex.: carnes, ovos, leite) por fontes proteicas vegetais (ex.: soja). Vale lembrar que pacientes com EH estágio III ou IV devem ficar em dieta zero pelo menos nas primeiras 24-48h, e tão logo comecem a se recuperar, a dieta deve ser reintroduzida. como vimos, a constipação aumenta a proliferação bacteriana no cólon. Para combatê-la, o laxante mais utilizado é a lactulose oral (ver adiante), mas nos casos refratários, recomenda-se que a lactulose seja feita sob a forma de clister (com lactulose a 20%). Para fazereste clister, misturamos 300 ml de lactulose com 700 ml de água. A resposta costuma ser muito boa. a lactulose (ou betagalactosidofrutose) é considerada a "pedra mestra" na terapia da encefalopatia hepática aguda esporádica, tendo uma eficácia oscilando entre 70-80%. A lactulose tem uma grande vantagem sobre os outros açúcares dissacarídeos (como a sacarose, a lactose e a frutose): ela não é "quebrada" pelas dissacaridases presentes nas microvilosidades dos enterócitos do intestino delgado e, portanto, consegue atingir o cólon de forma intacta. Seu principal mecanismo de ação vem do fato de ser metabolizada pelas bactérias colônicas em ácidos graxos de cadeia curta (ácido láctico e ácido acético), reduzindo o pH do lúmen colônico para em torno de 5,0. Com o pH mais ácido, o NH3 (amônia) é convertido em NH4+ (amônio), este último inabsorvível pela mucosa intestinal. O resultado é a menor absorção de amônia e a melhora do quadro da EH. A lactulose também age pelo seu efeito catártico (laxante). Uma opção à lactulose é o lactitol, com efeitos semelhantes, porém com sabor mais palatável. Veja os principais efeitos da lactulose na Tabela 6. A dose da lactulose deve ser 20-30 g (30-45 ml da solução disponível no mercado) de duas a quatro vezes por dia. A "meta" é fazer com que o paciente tenha de 2-3 evacuações pastosas por dia. certos antibióticos orais podem ser administrados com o intuito de reduzir a flora bacteriana colônica produtora de amônia. O mais tradicional é a neomicina, na dose 2-8 g/dia VO, em quatro tomadas (6/6h). Ou seja, uma dose inicial de 500 mg VO 6/6h e máxima de 2 g VO 6/6h. Mesmo sendo pouco absorvido (menos de 4% da dose), este aminoglicosídeo pode ser ototóxico e nefrotóxico, principalmente quando tomado por longo tempo. Outro antibiótico clássico é o metronidazol, na dose 250 mg VO 8/8h, porém apresenta um grande limitante ao seu uso crônico: / Página 16 de 33 o desenvolvimento de neuropatia periférica. A rifaximina 550 mg VO 12/12h recentemente ganhou espaço no tratamento da EH, após alguns estudos terem sugerido que ela é tão ou mais eficaz que os antimicrobianos anteriormente citados, com a vantagem de não apresentar efeitos colaterais significativos. Existem evidências de que seu uso crônico pode reduzir a recorrência de EH, além de aumentar a eficácia do tratamento agudo quando ministrada em conjunto com a lactulose. Seja como for, os antibióticos costumam ser reservados para os pacientes intolerantes ou refratários à lactulose... Nestes últimos, vale dizer, o antibiótico NÃO deve substituir a lactulose: tais pacientes utilizam lactulose + antibiótico para o controle da EH. Síndrome de abstinência alcoólica + encefalopatia hepática Portadores de cirrose alcoólica que ainda bebem podem se apresentar com quadros de alteração do estado mental que têm componentes tanto de encefalopatia hepática quanto de abstinência alcoólica. O tratamento da abstinência alcoólica envolve o uso de benzodiazepínicos, porém sabemos que esta classe de drogas deve ser evitada no contexto da encefalopatia hepática (já que os benzodiazepínicos podem desencadear ou agravar esta última)... Como proceder então??? Veja: os benzodiazepínicos são excelentes sedativos, e até podem ser usados em quadros de agitação psicomotora (APM) mesmo em portadores de encefalopatia hepática “pura”, quando se julga que o paciente põe em risco sua integridade física e a de terceiros, e principalmente quando ele não responde ao tratamento farmacológico padrão da APM, que consiste no uso de antipsicóticos (ex.: haloperidol) em baixas doses. Logo, perante a suspeita das duas síndromes combinadas, principalmente se houver APM importante e refratariedade ao antipsicótico, com risco à integridade física, podemos e devemos lançar mão dos benzodiazepínicos! O detalhe está na escolha da droga específica: em cirróticos, o benzodiazepínico de escolha é o lorazepam, que de todos os fármacos desta classe é o que apresenta maior eliminação RENAL. a L-Ornitina-L-Aspartato (LOLA) aumenta a depuração hepática e, em menor grau, muscular da amônia! Estudos mostraram benefícios em relação ao placebo, porém o LOLA ainda não foi comparado ao tratamento padrão (lactulose), e faltam estudos em pacientes graves... A administração oral de PROBIÓTICOS, como o extrato de bactérias sacarolíticas não produtoras de urease, pode modificar a flora colônica do paciente para uma flora menos produtora de amônia. Alguns pacientes também melhoram com a suplementação de ZINCO. O FLUMAZENIL (antagonista dos benzodiazepínicos) pode ser tentado na encefalopatia grave para evitar intubação orotraqueal, mas a resposta é imprevisível. O BENZOATO DE SÓDIO apareceu como droga promissora em um estudo indiano, agindo através do aumento da excreção renal de nitrogênio com efetividade semelhante à lactulose, mas seu uso ainda não foi corroborado por estudos norteamericanos e europeus. Esta forma de encefalopatia hepática é definida pela permanência dos sintomas neuropsiquiátricos por longo período, com certo grau de variabilidade. Tais pacientes geralmente são cirróticos em estado muito avançado e têm uma sobrevida curta, caso não sejam transplantados. O tratamento deve se basear na troca de proteínas de origem animal para vegetal, com a menor restrição proteica possível, no tratamento da constipação intestinal e na administração crônica de lactulose, com ou sem antibiótico associado. Icterícia é a coloração amarelo-alaranjada que pode ser observada nas mucosas conjuntival e sublingual e na pele, em decorrência da elevação das concentrações séricas de bilirrubina . Detectável a partir de 2,5 a 3,0 mg/dL (42,8 a 51,3 mmol/L), pode ser sutil ou bastante evidente, a / Página 17 de 33 depender da coloração da pele, das condições de iluminação, da sensibilidade do observador e da fração de bilirrubina que se encontra elevada. A presença de icterícia no adulto pode indicar um problema grave. Classicamente, está associada às hepatopatias, porque a conjugação da bilirrubina ocorre em uma taxa relativamente constante no hepatócito, e a elevação dos níveis séricos desse metabólito pode ser marcador de alteração da função do fígado. Contudo, a icterícia pode ocorrer tanto em situações de agressão direta ao fígado como em condições sistêmicas, por exemplo, insuficiência cardíaca direita descompensada, septicemia e tireoidopatias ou, ainda, nas alterações do metabolismo da bilirrubina em níveis pré e pós-hepático. A icterícia resulta de distúrbios em uma ou mais etapas do metabolismo da bilirrubina, com elevação das concentrações de bilirrubina direta e/ou indireta. Bilirrubinas são catabólitos potencialmente tóxicos cuja metabolização depende de um mecanismo fisiológico complexo. Estudos recentes começam a revelar papel fisiológico mais amplo das bilirrubinas, com efeitos benéficos antidiabéticos. As bilirrubinas participam da regulação do metabolismo do colesterol, dos níveis de adipocinas e da expressão de PPAR gama. Em ratos, a administração de bilirrubinas revelou-se capaz de aumentar a sensibilidade à insulina, melhorar o controle glicêmico e induzir a obesidade induzida por alimentação. Existem três etapas principais do metabolismo das bilirrubinas: pré-hepática, intra-hepática e pós-hepática. : A bilirrubina provém do heme liberado com a degradação da hemoglobina, proteína que atua no transporte e no metabolismo do oxigênio das hemácias. A produção diária de bilirrubina no adulto é de aproximadamente 4 mg/kg de massa corpórea, 70 a 90% provenientes da reciclagem de hemácias senescentes degradadas em baço e fígado. O restante provém de outras fontes, como mioglobina, citocromo P-450, catalase e peroxidase. Na periferia, o heme é convertido em biliverdina pela enzima heme-oxigenase; posteriormente, transforma-se em bilirrubina sob atuação da biliverdina-redutase. Nessaetapa, a bilirrubina está na forma não conjugada, também denominada forma indireta. Cerca de 96% da bilirrubina plasmática está na forma indireta, que, não sendo hidrossolúvel, liga-se à albumina para chegar ao fígado. : No fígado, a bilirrubina indireta é captada por um processo de transporte facilitado e também por difusão. No interior do hepatócito, permanece ligada às proteínas da família da glutationa-S-transferase. Sofre, então, o processo de conjugação com ácido glicurônico pela ação da enzima UGT1A1, que é uma UDP-glicuronosil-transferase, e converte- se em mono e diglicuronato de bilirrubina, também denominadas bilirrubina direta. A conjugação torna-a hidrossolúvel e, portanto, incapaz de se difundir através de membranas celulares. A atividade enzimática total da UGT1A1 deve ser reduzida a menos de 50% do normal para chegar a produzir hiperbilirrubinemia não conjugada. A excreção biliar depende de uma ATPase transportadora de bilirrubina , conjugada através da membrana do polo biliar do hepatócito, denominada MRP2 (proteína associada à resistência a múltiplas drogas 2) ou cMOAT (transportador canalicular multiespecífico de ânions orgânicos). Na bile, a fração direta representa 95% das bilirrubinas, 90% constituída por diglicuronato. A bilirrubina é conduzida pelos ductos biliar e cístico, atingindo a vesícula, onde pode permanecer armazenada. Pode, também, prosseguir através da ampola de Vater e atingir a luz do / Página 18 de 33 duodeno. Nos intestinos, parte da bilirrubina é excretada com o bolo fecal; o restante é metabolizado pela flora intestinal em urobilinogênios e é reabsorvido. A maior parte dos urobilinogênios do sangue é filtrada pelos rins e excretada na urina. Apenas uma pequena fração dos urobilinogênios é reabsorvida nos intestinos e novamente excretada para a bile. A bilirrubina não conjugada é tóxica para células e suas organelas . Alguns mecanismos fisiológicos protegem o organismo contra a toxicidade da bilirrubina: a ligação da bilirrubina não conjugada à albumina plasmática, a rápida entrada da molécula no hepatócito, sua conjugação e o clearance pelo fígado. Níveis muito elevados de bilirrubina indireta podem promover danos ao sistema nervoso central, pois a molécula lipossolúvel é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica. A icterícia pode ser um achado incidental em um indivíduo assintomático, sem representar risco à saúde de seu portador, mas também pode sinalizar a coexistência de uma condição grave. Embora os pacientes possam apresentar a queixa de “pele amarelada ou alaranjada”, a confirmação de icterícia se dá mediante achado de escleróticas e mucosas conjuntival e sublingual com tonalidade amarelada, examinadas à luz do dia ou em ambiente iluminado artificialmente com luz branca. A icterícia pode ser descrita de acordo com a extensão de acometimento. Quanto à tonalidade, tradicionalmente valorizaram-se diferentes padrões na investigação etiológica, os quais atualmente tendem ao desuso. Por exemplo, a icterícia verdínica ocorre relacionada aos processos obstrutivos das vias biliares. A icterícia favínica, de tonalidade amarelo pálido, ocorre nos portadores de anemias hemolíticas. A icterícia rubínica resulta da soma da icterícia com um matiz vermelho da pele, podendo ocorrer nas hepatites virais. Níveis mais elevados de bilirrubina conjugada, por tempo prolongado, como ocorre nas colestases crônicas, podem se apresentar com uma tonalidade mais escura, marrom-alaranjada. Na pseudoicterícia, ou carotenemia, a coloração alaranjada da pele ocorre em decorrência de hábito dietético rico em betacaroteno (p. ex., consumo de cenoura e mamão), ou associada ao mixedema e ao hipotireoidismo. Deve-se diferenciá-la, também, da tonalidade amarelo-palha, característica da insuficiência renal crônica. Nesses casos, não há impregnação de escleróticas, mucosas, tampouco hiperbilirrubinemia. A anamnese precisa esclarecer se a instalação foi abrupta ou insidiosa, se é o primeiro episódio ou recorrente. Os quadros agudos podem ser causados por infecções, sendo necessário avaliar se o paciente está febril, apresentando dor abdominal e sintomas gripais. O clínico precisa esclarecer se a icterícia é acompanhada de prurido, emagrecimento, dor abdominal, colúria, anemia e ascite. Sinais de hipertensão portal, como esplenomegalia, circulação colateral evidente em região umbilical da parede abdominal, denominada sinal de Cruveilhier-Baumgarten ou “cabeça de medusa”, devem ser pesquisados. Evidências de insuficiência hepática, como telangiectasias do tipo “aranhas vasculares”, ginecomastia, asterixe, rebaixamento do nível de consciência e equimoses, também podem acompanhar a icterícia. Xantelasmas, xantomas e arcos córneos acompanham os distúrbios do metabolismo lipídico da cirrose biliar primária. Hipocolia ou acolia fecal correspondem à obstrução de vias biliares extra-hepáticas. / Página 19 de 33 O levantamento minucioso de medicações, drogas, fitoterápicos e compostos químicos utilizados nos meses que antecederam a instalação da icterícia, com caracterização de doses e frequências, pode ser elucidativo. O paciente deve ser questionado a respeito de consumo de álcool e de tóxicos, bem como contato profissional ou domiciliar com substâncias químicas potencialmente hepatotóxicas. Como algumas doenças do fígado também podem ser acompanhadas de manifestações extra-hepáticas, deve-se pesquisar a existência de sinais e sintomas, como queixas em outros órgãos e aparelhos, por exemplo, pioderma gangrenoso, poliartralgias, uveíte, dermatite herpetiforme, aftas orais, glossite. A concentração total de bilirrubina plasmática do adulto é de 1 a 1,5 mg/dL, conforme a técnica aplicada. Em condições fisiológicas, o plasma contém basicamente bilirrubina não conjugada e apenas traços da conjugada. Bilirrubina conjugada plasmática superior a 15% do total, confirmada por detecção de bilirrubinúria, é sugestiva de que há uma condição patológica que precisa ser identificada. Quando a hiperbilirrubinemia direta se prolonga, estabelece-se ligação covalente com albumina, o que constitui a bilirrubina delta (b). Deduz-se que há bilirrubina delta quando a hiperbilirrubinemia direta persiste, apesar de se observar regressão de bilirrubinúria. As causas de elevação de bilirrubina indireta podem ser divididas em: Doenças que cursam com aumento da destruição dos eritrócitos (hemólise). Prejuízo na captação hepática de bilirrubina. Defeitos da conjugação da bilirrubina. Nos casos de elevação da bilirrubina indireta, o primeiro passo é avaliar o hemograma e as provas de função hepática. No hemograma, deve-se observar principalmente o nível de hemoglobina. Se o nível de hemoglobina for baixo, possivelmente a causa será um processo hemolítico. O nível de reticulócitos e DHL também ajudam a determinar a presença de anemia hemolítica. Se a causa do aumento da bilirrubina indireta for hemólise, deve- se diferenciar se é intra ou extravascular. Nesse momento, avalia-se o nível de haptoglobina, proteína que normalmente se liga aos produtos da lise dos eritrócitos. Quando diminuída, a causa da hemólise é intravascular; se normal, a hemólise provavelmente é extravascular. Condições que causam hemólise decorrente de alterações constitutivas do eritrócito, como a deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase ou esferocitose hereditária, podem produzir a rápida elevação de bilirrubina indireta e sobrecarregar a capacidade de conjugação hepática, produzindo icterícia transitória. A icterícia que surge durante a absorção de um hematoma ou após a transfusão sanguínea é causada por um mecanismo similar. Condições que produzem eritropoiese ineficaz, como talassemias ou deficiência de cobalamina, folato e ferro, também podem predispor à destruição precoce de eritrócitos. Prejuízo na captação hepática da bilirrubina:Quando os níveis de bilirrubina estão elevados predominantemente à custa da fração indireta, mas a hemoglobina está dentro dos limites da normalidade, pode-se descartar com segurança uma causa hemolítica. A captação hepática de bilirrubina indireta pode ser prejudicada em vários estados patológicos, como insuficiência cardiaca congestiva, sepse e administração de contraste ou certas drogas. Se as enzimas hepáticas (ALT, AST, FA, gGT) encontram-se normais, a suspeita recai sobre algum problema em sua conjugação. / Página 20 de 33 Entre as causas de hiperbilirrubinemia hereditária predominantemente não conjugada existem três tipos: síndrome de Crigler-Najjar tipos I e II (CN-I e CN-II) e síndrome de Gilbert, todas decorrentes de mutações no gene UGT1A1. Esse gene codifica a enzima uridina difosfato gluconil transferase (UGT), responsável pela glucuronidação (ou conjugação) hepática da bilirrubina. O tipo de mutação e localização da mutação no gene UGT1A1 determina os diferentes fenótipos que distinguem essas três síndromes. Hiperbilirrubinemia direta, também denominada icterícia colestática, resulta da deficiência no transporte da bilirrubina conjugada para fora do hepatócito e/ou prejuízo no efluxo da bile do sistema biliar. A abordagem diagnóstica inicial visa a distinguir se a causa da hiperbilirrubinemia direta é por: Doença extra-hepática. Doença intra-hepática: colestase intra-hepática e dano hepatocelular. Alguns sinais clínicos indicam aumento da bilirrubina direta, como presença de prurido e colúria pela bilirrubina direta (solúvel em água) na urina. Nesses casos, também é comum encontrar elevação de fosfatase alcalina (FA) e GGT séricas. Porém, quando há aumento da bilirrubina direta com FA normal, deve-se suspeitar de defeitos no transporte da bilirrubina conjugada para fora do hepatócito, como ocorre nas síndromes de Dubin-Johnson e de Rotor. As principais causas extra-hepáticas de aumento da bilirrubina direta ou conjugada são mais bem abordadas anatomicamente. Uma forma racional de avaliar as causas extra-hepáticas de aumento da bilirrubina direta é dividi-las em neoplásicas e não neoplásicas. As causas não neoplásicas podem ser ainda classificadas em congênitas, inflamatórias, infecciosas, calculosas e pós-cirúrgicas. : A colestase intra-hepática representa um desafio, particularmente quando ocorre em um paciente gravemente doente. A excreção da bilirrubina conjugada está prejudicada em uma série de condições adquiridas, como na sepse, nas hepatites virais ou alcoólicas, na colestase da gestação e associada a uma variedade de drogas. / Página 21 de 33 A veia porta compõe um sistema vascular muito especial... Ele difere dos demais sistemas vasculares do corpo por ligar estrategicamente duas importantes redes capilares – mesentérica e hepática. Anatomicamente, esta grande veia abdominal é formada pela junção das veias mesentérica superior e esplênica (as outras veias envolvidas são tributárias dessas duas veias principais). Assim, todas as substâncias que vêm do intestino e do baço chegam ao fígado pelo sistema porta, penetrando neste órgão através dos espaços-porta interlobulares e ganhando a circulação sinusoidal que banha os hepatócitos. Veremos neste capítulo sobre hipertensão porta (ou portal): 1. A sua fisiopatologia; 2. As suas causas; 3. As suas complicações; e 4. O seu tratamento. Tecnicamente, a hipertensão porta é definida por uma pressão na veia porta > 10 mmHg (normal = 5 a 10 mmHg). No entanto, como a mensuração direta da pressão na veia porta é muito complicada, outra definição habitualmente utilizada se refere a uma forma indireta de avaliação: o chamado gradiente de pressão venosa hepática (HVPG, em inglês), que quando > 5 mmHg identifica a existência de hipertensão porta (normal = 1-5 mmHg). O HVPG é aferido através da cateterização da veia hepática (após punção da veia jugular interna). Guiado por fluoroscopia, um cateter com balão na ponta é colocado no interior de uma das veias hepáticas (com o balão vazio), obtendo-se a chamada "pressão venosa hepática livre". Posteriormente, o balão é inflado até ocluir aquele segmento vascular, obtendo-se a "pressão encunhada" da veia hepática. No fígado cirrótico, a pressão encunhada corresponde à pressão intrassinusoidal que, por sua vez, corresponde à pressão no interior da veia porta. O HVPG, então, é calculado pela diferença entre a pressão "encunhada" e a pressão venosa hepática "livre"... A literatura demonstrou que o HVPG é um bom preditor prognóstico: as varizes esofagogástricas começam a ser formar quando o HVPG ultrapassa o valor de 10 mmHg, tornando-se o risco de sangramento clinicamente significativo a partir de valores de HVPG > 12 mmHg. Valores > 20 mmHg preveem hemorragia incontrolável ou chance elevada de ressangramento em pacientes submetidos à terapia endoscópica durante um episódio de hemorragia aguda. Em suma, quanto / Página 22 de 33 maior o HVPG, maior o risco de hemorragia e a mortalidade! Quando o tratamento farmacológico da hipertensão porta consegue promover reduções do HVPG > 10-20% do valor inicial (colocando o valor absoluto < 12 mmHg), a morbimortalidade efetivamente diminui. A síndrome da hipertensão porta é composta basicamente pela esplenomegalia congestiva, pelas varizes gastroesofágicas e pela circulação colateral visível no abdome. Muitas causas de hipertensão porta, como a cirrose hepática (a principal), também cursam com outro sinal importante – a ascite. Na cirrose, a hipertensão porta contribui ainda para a encefalopatia hepática (ao desviar para a circulação sistêmica parte do sangue portal, rico em amônia), ganhando a sinonímia de encefalopatia portossistêmica. O fígado recebe seu aporte sanguíneo basicamente de duas fontes: a veia porta e a artéria hepática. A veia porta é formada atrás do colo do pâncreas, pela confluência das veias mesentérica superior e esplênica. Ela segue um trajeto na borda livre do ligamento gastro- hepático até alcançar o porta hepatis, onde se divide em ramos esquerdo e direito. A veia gástrica esquerda ou coronária drena a porção distal do esôfago e a pequena curvatura gástrica. Ela entra na veia porta em cerca de 2/3 dos casos e drena para a veia esplênica no terço restante. A veia coronária é uma das principais responsáveis pela gênese das varizes esofagogástricas (ver adiante). A veia mesentérica inferior drena para a veia esplênica em cerca de 2/3 dos indivíduos normais e para veia mesentérica superior no terço restante O sistema porta, em condições normais, possui baixa pressão. Uma resistência aumentada a seu fluxo determina uma diferença de pressão (geralmente superior a 5 mmHg) entre a circulação porta e a sistêmica, representada pela veia cava inferior. Imediatamente, vasos colaterais se desenvolvem, numa tentativa de equalizar as pressões em ambos os sistemas e escoar o sangue porta. A rede colateral constituída pela veia coronária (diretamente da veia porta) e pelas veias gástricas curtas (pela veia esplênica), que drenam, através das veias esofagianas e paraesofagianas, para a veia ázigos (no tórax), é a mais importante clinicamente, pois determina a formação das "temidas" varizes esofagogástricas. Outros sítios de importância em que ocorre a formação de colaterais incluem: o Recanalização da veia umbilical, ligando o ramo esquerdo da veia porta com as veias epigástricas (sistema cava). A acentuação desta rede colateral dá origem ao sinal semiológico conhecido como "cabeça de medusa". É a chamada "circulação colateral abdominal tipo porto-cava". o Plexo venoso hemorroidário, conectando as veias hemorroidárias superiores (tributárias da mesentérica superior e, logo, do sistema portal) com as hemorroidárias médias e inferiores (que FIGURA 2 drenam para o sistema cava). o A acentuação do fluxo sanguíneonestes vasos colaterais, em consequência à hipertensão porta, justifica o surgimento de varizes anorretais. É importante compreender que varizes retais não são a mesma coisa que hemorroidas!!! Os vasos que dão origem às hemorroidas não apresentam comunicação com o sistema porta, logo, a incidência de hemorroidas não está aumentada na hipertensão porta... o Vasos retroperitoneais. A artéria hepática é um dos três ramos do tronco celíaco. Ela origina as artérias hepáticas direita e esquerda após a emergência da artéria gastroduodenal. Antes da origem deste ramo, a artéria denomina-se "hepática comum", e após a origem deste ramo, "hepática própria". Em cerca de 20% dos casos a artéria hepática direita origina-se da artéria mesentérica superior; em 15% dos casos, a artéria hepática esquerda origina-se da artéria gástrica esquerda. Ambas as anomalias podem coexistir, e o conhecimento desta variação anatômica pelo cirurgião é importantíssimo no manejo do transplante. A circulação arterial hepática possui uma riqueza de / Página 23 de 33 vias colaterais (cerca de 20 pequenas artérias), dez ramos provenientes do território celíaco (gastroduodenal e mesentérica superior) e dez ramos oriundos de território não celíaco (artérias diafragmáticas). O fluxo sanguíneo hepático corresponde a 1.500 ml/min, o que representa cerca de 25% do débito cardíaco. A veia porta contribui com cerca de 75% dessa quantidade e a artéria hepática pelos 25% restantes. O volume carreado pelo sistema porta é regulado, de maneira indireta, pela vasoconstrição ou vasodilatação do leito venoso esplâncnico. Quando, por alguma razão, como choque hipovolêmico ou derivações cirúrgicas, o sangue no interior da veia porta é insuficiente, existe uma compensação da perda, determinada por um fluxo aumentado de sangue pela artéria hepática. Apesar do rótulo de "veia" , a veia porta carreia mais da metade do suprimento de oxigênio necessário para o fígado, além de transportar hormônios hepatotróficos esplâncnicos que mantêm a integridade e a função dos hepatócitos. Por outro lado, este vaso leva também para o fígado toxinas que precisam ser devidamente depuradas pelos hepatócitos. Dessa forma, não é de se estranhar que, em casos avançados de hipertensão porta e em pacientes com derivações cirúrgicas, o sangue "reduzido" na circulação porta venha a agravar a insuficiência hepatocelular e desviar as "toxinas" para a circulação sistêmica, determinando piora ou surgimento de encefalopatia... Durante muito tempo, pensou-se que a hipertensão portal fosse consequência apenas do aumento da resistência ao fluxo venoso portal causado por um aumento da resistência vascular em nível pré-hepático (trombose de veia porta), intra-hepático (cirrose) ou pós-hepático (síndrome de BuddChiari). Entretanto, foi demonstrado que, além desse aumento na resistência vascular, há também um aumento no fluxo sanguíneo portal, em decorrência da vasodilatação esplâncnica. QUADRO DE CONCEITOS I: A hipertensão porta encontrada na cirrose hepática é decorrente de dois processos: (1) aumento da resistência intra-hepática ao fluxo sanguíneo por alterações estruturais; e (2) aumento do fluxo esplâncnico secundário à vasodilatação deste leito. É importante ressaltar que na hipertensão portal da cirrose hepática a obstrução ao fluxo portal é resultante de dois componentes: 1. Resistência estrutural secundária à fibrose e à formação de nódulos regenerativos; 2. Elevação primária do tônus vascular intra-hepático pela contração das células hepáticas estreladas, miofibroblastos e células de músculo liso vascular. Este último componente responde por 20-30% do aumento da resistência intra- hepática. Analisando a, você observa que o bloqueio ao fluxo portal (pré, intra ou pós-hepático) é o fator principal do aumento de pressão da veia porta. Contudo, não é o único... O sistema se autoalimenta pela retenção de vasodilatadores esplâncnicos (especialmente o óxido nítrico) que, em última análise, redistribui a volemia de forma a reduzir a perfusão orgânica e a ativar o sistema renina-angiotensina-aldosterona, catecolaminas e ADH. A ativação neuro-hormonal então aumenta o fluxo de sangue na veia porta, aumentando ainda mais a pressão no sistema. A baixa resistência vascular justifica o estado circulatório hiperdinâmico típico dos pacientes cirróticos. / Página 24 de 33 As lesões iniciais localizam-se mais comumente na fronteira entre os espaços-porta e o lóbulo hepático ("hepatite de interface"). Com a progressão da doença, notamos hepatite lobular, com aumento da deposição de colágeno nos espaços de Disse (espaço entre os sinusoides e os hepatócitos) e comprometimento sinusoidal. Dessa forma, temos um componente pré- sinusoidal e, com o avançar da doença, um comprometimento sinusoidal. Devemos ter em mente que a hipertensão porta pode surgir eventualmente na ausência de cirrose, embora seja bastante incomum. Devemos suspeitar de hipertensão porta em todo paciente que apresente uma combinação dos seguintes achados: ascite, esplenomegalia, encefalopatia ou varizes esofagogástricas. Os exames laboratoriais iniciais nos ajudam a identificar a existência ou não de disfunção hepatocelular associada e incluem a dosagem sérica de albumina, o hemograma completo, as provas de função hepática e a determinação do TAP. A USG é o método tradicionalmente utilizado na avaliação inicial do sistema porta em pacientes com suspeita de HP. Possui elevada acurácia em distinguir entre uma veia porta trombosada de uma patente. Além disso, as colaterais do sistema porta em torno da veia ázigos, estômago, baço e retroperitônio são também visualizadas. O tamanho do baço é determinado com clareza e constitui dado diagnóstico adicional. O calibre da veia porta, em casos de hipertensão, acha-se em torno de 15 mm, entretanto, um valor normal (até 12 mm) não afasta esta condição. Uma veia porta normal aumenta seu calibre em resposta à alimentação (hiperemia reativa). A ausência desse fenômeno é sugestiva de hipertensão portal... A inabilidade de visualizar a veia porta é sugestiva de trombose deste vaso. O uso concomitante da fluxometria pelo Doppler permite uma estimativa do fluxo porta. Um sentido hepatopetal (em direção ao fígado) é observado / Página 25 de 33 em indivíduos normais e nos casos menos severos de HP. O fluxo hepatofugal (contrário ao fígado) revela a existência de hipertensão porta grave. A endoscopia digestiva está sempre indicada na suspeita ou após o diagnóstico de HP. A presença de varizes esofagogástricas (esofagianas e/ou gástricas) sela o diagnóstico de hipertensão portal! Uma proporção variável de pacientes com HP não possui varizes. A presença de outras complicações da hipertensão porta como encefalopatia e ascite não é capaz de indicar, com confiabilidade, se um indivíduo já tem ou não varizes. Uma contagem plaquetária inferior a 140.000/mm³ e um diâmetro da veia porta superior a 13 mm na USG têm se correlacionado melhor com a presença de varizes. Uma vez identificadas, a graduação das varizes de acordo com o seu tamanho é útil para indicarmos profilaxia primária (antes do primeiro episódio) ou não. Outros achados endoscópicos que se correlacionam com o risco de ruptura incluem manchas vermelho-cereja (cherry-red spots) e manchas hematocísticas. As varizes gástricas são de reconhecimento um pouco mais difícil, uma vez que se assemelham às pregas da mucosa. A coexistência de outras lesões, como gastrite e úlceras pépticas, é frequente em pacientes com cirrose. A gastropatia hipertensiva portal é descrita como uma mucosa com áreas esbranquiçadas reticulares entremeadas a áreas róseas (por vezes sangrantes), dando o aspecto de "pele de cobra". Seu reconhecimento, através da endoscopia, é difícil, porém útil no diagnóstico diferencial de hemorragias digestivas altas nessa população.
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