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Universidade Federal de Campina Grande Centro de Tecnologia e Recursos Naturais Unidade Acadêmica de Engenharia Civil CONFLITOS AMBIENTAIS EM TORNO DA UHE DE BELO MONTE E OS EFEITOS NAS POPULAÇÕES INDÍGENAS DIEGO DELEONIS ARAUJO DANTAS CAMPINA GRANDE ABRIL/2021 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................3 2. CONFLITO EM ANÁLISE..................................................................................5 2.1 CRONOLOGIA DO CONFLITO...................................................................5 2.2 TIPO DE CONFLITO.....................................................................................8 2.3 DIMENSÃO DO CONFLITO.........................................................................9 2.4 SISTEMA SOCIOECOLÓGICO..................................................................10 3. A PROGRESSÃO DO CONFLITO....................................................................11 4. A RODA DO CONFLITO..................................................................................12 5. A FERRAMENTA DA ―CEBOLA‖...................................................................15 6. A RESOLUÇÃO DO CONFLITO......................................................................17 7. CONCLUSÃO.....................................................................................................19 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ....................................................................20 3 1. INTRODUÇÃO A partir do final do século XIX, iniciaram aqui no Brasil os primeiros aproveitamentos hidráulicos nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Com isso, os investimentos na geração de energia hidroelétrica aumentaram e, na primeira década do século XX, já superou a produção das termelétricas. Entre 1960 e 1990, a construção de usinas hidrelétricas provocou grandes impactos ao meio ambiente e à população que residia nesses locais devido à formação de grandes lagos. Esse tipo de empreendimento tem causado inúmeros conflitos principalmente pela realocação das famílias atingidas e, também, por conta dos graves problemas ambientais gerados. Logo, naquele período, não existia uma discussão por parte da sociedade a cerca da população que era afetada por essas obras e, tampouco, sobre as questões ambientais, fazendo com que fossem concretizadas grandes obras de usinas hidrelétricas como: Sobradinho (Bahia), Tucuruí (Pará) e Itaipu (Paraná). Depois de um período sem muitas preocupações com o meio ambiente, passou- se a ter uma maior consciência ecológica principalmente depois de grandes eventos mundiais como a Conferência Mundial sobre meio Ambiente e Desenvolvimento, promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas) em Estocolmo - Suécia 1972; à publicação do Relatório Brundtland - Nosso Futuro Comum (1987); a Conferência para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92. A partir disso, houve uma maior pressão social para com o setor elétrico com relação às questões socioambientais, fazendo com que as empresas passassem a dar mais atenção a essa temática. Em razão da formação de grandes lagos, esse tipo de empreendimento atinge grandes áreas de terras causando a saída compulsória da população, desfazendo os costumes e tradições históricas e, ainda, a relação desses povos com o rio. Esses lagos também causam efeitos diversos a fauna e a flora da região. Portanto, com a construção de usinas hidrelétricas, muitas famílias tiveram que sair de suas terras e residências e, segundo Mendes (2005): ―Muitas famílias deixaram de ser reassentadas, e aquelas que receberam indenizações, muitas vezes, não conseguiram comprar novas terras, em virtude do valor irrisório recebido‖. Mendes (2005) ainda cita um exemplo sobre as famílias realocadas em função da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí no Pará: 4 ―Outras foram reassentadas em terras com baixa fertilidade. Em muitos casos, a exemplo de Tucuruí (Estado do Pará), milhares de famílias ainda não foram reassentadas e pescadores a jusante da usina hidrelétrica perderam seus meios de vida, sem serem compensados por essas perdas‖. A construção da UHE de Tucuruí, por exemplo, ocasionou uma intensa mobilidade da população, que segundo Mendes (2005): ―O deslocamento e reassentamento de populações nativas e de migrantes, somados aos impactos ambientais, resultaram em intensos conflitos que, na década de 1980, resultaram em movimentos sociais com ampla repercussão no âmbito regional e nacional‖. Desse modo, os impactos sociais e ambientais ocasionados pela construção dessas usinas provocam danos irreversíveis à população e ao meio ambiente e, mesmo com a tentativa de diminuir os mesmos, seja por meio do reassentamento das famílias e também transferência de parte da fauna da região, essas alternativas acabam por não serem suficientes no tocante a impedir maiores perdas. O conflito ocorre quando duas ou mais partes constatam que os interesses de ambas são incompatíveis, levando a atitudes hostis e, ainda, perseguem interesses a fim de prejudicar outras partes. Quanto a esses interesses, Schmid (1998) relata que se referem a: acesso/alocação de recursos; controle de poder e participação política na tomada de decisão; identidade (cultural, social, política) e status (relacionados com sistemas de governo, religião, ideologia). Sabemos que a vida em sociedade é marcada pela ocorrência de constantes conflitos, seja pela forma como interagimos socialmente ou, ainda, quando estamos diante de algum tipo de mudança da qual não estávamos acostumados. Para Coser (1956) conflito social é um: processo interativo e uma forma de socialização, que pode consolidar um grupo mal estruturado e fortalecer a organização social de uma sociedade ou grupo à beira da desintegração. Quando falamos de conflito ambiental estamos nos referindo a um tipo particular de conflito social. Quando ocorre a existência de recursos de uso comum ou bens comuns, sejam eles naturais ou não, a falta de gestão ou a gestão inadequada dos mesmos acaba por fazer com que ocorra a geração de conflitos. A partir do momento que existe o conflito faz-se necessário procurar alternativas para eliminar/diminuir o mesmo e, então, a partir de estudos sobre o assunto, Ostrom (1990) afirma que os usuários dos recursos de uso comum podem gerenciá-los, efetivamente, sem intervenção governamental ou privatização, desde que atendam a 5 Princípios de Governança de Recursos de Uso Comum. Esses princípios têm a finalidade de reger um sistema de gestão de bens comuns por parte de uma comunidade de utilizadores fazendo com que minimize/evite conflitos. Andando junto com os princípios de Ostrom tem o Sistema Socioecológico que foi concebido pelo mesmo autor e reformulado por McGinnis e Ostrom (2009), que é uma estrutura que possibilita examinar um conjunto comum de variáveis relevantes e seus subcomponentes objetivando reconhecer as possibilidades de aumentar políticas sustentáveis conforme as especificidades de um determinado sistema. O conflito pode se manifestar de diferentes maneiras, que podem ser: em função do número de envolvidos, dos fatores intervenientes e de termos de similaridades entre as partes. No caso do conflito em função do número de envolvidos, de acordo com (CAP-NET/UNDP, 2008) podem ser de quatro tipos: intrapessoal, interpessoal e intragrupo ou intergrupo. Quanto aos fatores intervenientes, segundo (CAP-NET/UNDP, 2008) temos o conflito: de dados ou informações; de relacionamento; de valor; estrutural e o de interesse. No que diz respeito a similaridades entre as partes, para Pignatelli (2010) o conflito pode ser do tipo simétrico e assimétrico. Dentro de um conflito podemos encontrar três dimensões, que segundoMayer (2000) são: cognitiva, emocional e a comportamental. Estas expressam, respectivamente, uma percepção, sentimento e ação sobre o conflito. 2. CONFLITO EM ANÁLISE 2.1. CRONOLOGIA DO CONFLITO Desde a idealização inicial do seu projeto, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, que se situa no Rio Xingu, no Estado do Pará, encontra-se responsável por inúmeros conflitos ambientais, dentre eles, existe o conflito com as tribos indígenas da região devidos aos grandes impactos ambientais provocados pela obra, o qual será o foco desta pesquisa. Mas, para entender melhor como iniciou todo o conflito em torno da construção da usina, será feita uma cronologia partindo do início do projeto até a efetivação do mesmo. Desde sua idealização que aconteceu na década de 1970, durante o período da ditadura militar, até o início concreto das obras em 2011, se passaram mais de trinta anos. Mesmo sendo o foco de forte oposição de grupos organizados da sociedade civil como, por exemplo, os indígenas e os ambientalistas, o projeto nunca 6 deixou de fazer parte do sonho dos governantes (tanto nos governos militares como nos democráticos). No ano de 1986, a imprensa das regiões Sul e Sudeste começou a noticiar que a empresa Eletronorte iria começar em breve a concretizar o projeto de Belo Monte. Isso fez com que aumentasse a mobilização em torno da construção, principalmente, depois que as lideranças indígenas denunciaram internacionalmente a inexistência de uma consulta prévia, aos povos indígenas, tanto por parte do governo brasileiro como também os responsáveis pelos projetos de barragens e usinas no Rio Xingu. Algumas entidades religiosas atuantes na região também começaram a defender os direitos dos povos indígenas e isso culminou no I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, de 20 a 25 de fevereiro de 1989, no Centro de Formação da Prelazia do Xingu, distante oito quilômetros de Altamira. Isso fez com que o governo suspendesse o projeto naquele momento. A partir de 1993, um grupo de trabalho com os responsáveis pelo projeto da usina começou a se reunir no intuito de reverem o projeto a fim de encontrarem alternativas que o tornasse viável. Depois de realizadas as mudanças, o projeto foi inserido no Programa Avança Brasil, do governo FHC e, posteriormente, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula. Em 2005, por meio do decreto legislativo 788/20053, ocorreu a autorização para que se implantasse a UHE Belo Monte, após a realização de estudos de viabilidade pela Eletrobrás. Devido à falta de consulta prévia aos indígenas ocorreram inúmeros protestos e manifestações por parte de organizações e movimentos sociais. No entanto, foram pouco perceptíveis os efeitos dessas manifestações e todas as etapas fundamentais do processo se mantiveram e foram aprovadas pelos órgãos públicos responsáveis. No mesmo período a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) criou grupos de pesquisa para medir os impactos ambientais com a construção da usina sobre as comunidades as comunidades indígenas com o intuito de criar programas para mitigação dos mesmos. O resultado desses estudos foi incorporado aos estudos de impacto ambiental e, com isso, em maio de 2009, foi entregue ao IBAMA o documento conclusivo do EIA-Rima, juntamente com o pedido da Eletrobrás para que fosse aprovada a Licença Prévia (LP) do empreendimento. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) encaminhou à Organização das Nações Unidas (ONU) uma carta delatando a violação do direito à consulta livre, prévia e informada, visto que iria à contramão do que era previsto para os indígenas na 7 Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os Direitos dos Povos Indígenas. A Licença de Instalação (LI) do empreendimento foi emitida no dia 1 de junho de 2011, aprovando que a empresa responsável iniciasse as obras da UHE, embora a mesma não tivesse cumprido a maior parte das condicionantes da LP no prazo estabelecido. Entre essas condicionantes está o Plano de Proteção Territorial das mais de treze Terras Indígenas afetadas pela hidrelétrica, que é uma das principais ações mitigadoras previstas, mas a mesma ainda não havia sido iniciada apesar de o licenciamento exigir que o plano devesse ter começado em 2010. Após a formalização por parte da Norte Energia para que fosse emitida a Licença de Operação de Belo Monte, o Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS) iniciou a mobilização da sociedade para assinar um abaixo-assinado via internet visando exigir que o IBAMA não concedesse a LO da usina. Entre os argumentos para essa mobilização estava o das centenas de famílias que residiam na área de alagamento, mas que ainda não haviam sido reassentadas. Porém, no final de 2015, foi autorizado o preenchimento do reservatório e também o início da operação de algumas turbinas da usina devida a emissão da Licença de Operação (LO), sendo que nem todas as condicionantes socioambientais da LI tivessem sido cumpridas. Uma dessas condicionantes não cumpridas trata-se da falta de infraestrutura nos Reassentamentos urbanos Coletivos (RUCs) que abrigam os desalojados pelo lago da usina. Além disso, não ocorreu à implementação de um plano de ações nas Terras Indígenas (TIs). Em decorrência do não cumprimento de todas as condicionantes da LI, ocorreu um novo protesto em Brasília contra a construção de Belo Monte, que segundo Fainguelernt (2016): ―Diversos representantes e lideranças das populações atingidas, movimentos sociais (como o MXVPS) e ambientalistas se reuniram em frente ao planalto para pedir mais transparência e participação da sociedade na discussão do projeto. Este protesto contou com a presença dos índios Mebengokre (Kaiapó) que fizeram sua ―dança de guerra‖ e assim expressaram sua indignação diante do projeto‖. Com o início das obras, o conflito em torno da UHE Belo Monte não chegou ao fim ele apenas teve uma mudança em sua configuração. 8 2.2. TIPO DE CONFLITO Após mostrar cronologicamente como foi desencadeando os conflitos em Belo Monte, podemos analisar um pouco mais os mesmos, lembrando que o foco aqui serão as tribos indígenas, e observar que o tipo de conflito existente com relação ao número dos envolvidos trata-se de um do tipo intragrupo ou intergrupo. Já no que diz respeito aos fatores intervenientes, ocorre um conflito de dados ou informações devido à existência de críticas ao IBAMA, principalmente em relação ao EIA-Rima, em que estudos apontam que os impactos socioambientais e a viabilidade da obra não estão adequadamente avaliados. Trata-se de uma das primeiras vezes em que é concedida uma ―licença prévia de instalação‖, uma vez que não houve o cumprimento de todas as condicionantes listadas na licença prévia para que a emissão da licença de instalação inicial do empreendimento fosse concedida. Pode-se destacar ainda a existência de um conflito de interesse, por conta do envolvimento de empresas, governo, comunidades, entre outros. Conflitos esses de interesse político, que está relacionado com a necessidade de aumento do crescimento econômico do país. Ocorre também o interesse ambiental, em que as comunidades necessitam do rio Xingu para a sua sobrevivência e temem os efeitos causados pela obra, entre outros. Quanto à similaridade entre as partes, temos um conflito estrutural assimétrico, devido às distribuições desiguais ou injustas de poder e recursos. Por um lado, existem as comunidades locais e as tribos indígenas (lado mais fraco) que buscam derrubar a construção da usina e, por outro, têm as empresas e o governo (lado mais forte) com muito mais poder para tornar o projeto uma realidade. Uma das posições adotadas para minimizar o conflito foi o reassentamento das tribos indígenas atingidas para outras áreas rurais e, também, para a área urbana deAltamira o que ocasionou, neste caso, um rompimento com os moldes tradicionais de produção e reprodução da existência desses povos por conta do afastamento da natureza e cultura dos mesmos. Também ocorreu o pagamento de indenizações aos moradores afetados pela construção e investimentos em ações de compensação ambiental. Além disso, segundo Da Silva; Mourão (2018): ―O primeiro benefício prometido pelo governo submete os indígenas dessa região a trasladar o trabalho de artesanato, extrativismo vegetal (em especial açaí e castanhas), apicultura, pequenas agriculturas e criação de animais, que 9 já desempenham como valores de uso, para valores de troca, resultantes em produtos a serem comercializados.‖ Com relação aos interesses que envolvem a obra o principal seria o aumento do setor energético do país que também está envolvido com interesses políticos. Também existe uma preocupação com os danos ao meio ambiente provocados pela construção da usina e o quanto as tribos indígenas serão afetadas devido à construção de Belo Monte. Além do mais, esses interesses acabam por infringir valores, por exemplo, os indígenas que foram obrigados a saírem de sua comunidade de origem provocando uma grande mudança em seus costumes criados ali. 2.3. DIMENSÃO DO CONFLITO Para o conflito estudado, o fato de parte de a sociedade desejar a proteção ambiental, ou seja, não querer a construção da usina devido aos impactos ambientais causados e outras partes que desejam o crescimento econômico e um aumento da capacidade energética, mas, para a sua efetivação, seja necessário causar esse impacto, logo estamos diante de uma incompatibilidade objetiva em nossos desejos, ou seja, trata-se de uma dimensão cognitiva. No que concerne à dimensão emocional do conflito, o fato das famílias de indígenas que foram obrigadas a saírem de suas comunidades e sem uma definição exata do futuro em seus novos locais de morada retrata bem esse aspecto. Quanto à dimensão comportamental do conflito podemos destacar que mesmo antes da UHE já existia um processo de colonização, em razão da concentração fundiária, que ―levou à compressão dos ribeirinhos em ilhas‖, logo a construção da usina fez com que se intensificasse ainda mais os conflitos agrários existentes na região. Isso ocasionou uma série de problemas para as comunidades, inclusive os povos indígenas, e, ainda, deixou os ribeirinhos mais expostos aos ruralistas. Portanto essa guerra entre índios, ribeirinhos e fazendeiros acaba provocando grandes conflitos, principalmente por parte dos fazendeiros que se dizem os donos das terras. 10 2.4. SISTEMA SOCIOECOLÓGICO O uso do sistema socioecológico concede aos usuários e gestores a criação de um quadro de análise sobre a forma como as variáveis do sistema ecológico, da unidade de recursos, dos usuários e do sistema de governança se comunicam uns com os outros e os resultados provenientes dessa interação. Além disso, segundo Ostrom, et al. (2007 apud JUNIOR, et al. 2019) os usuários e gestores podem usar essa estrutura para avaliar o efeito e a interação dessas variáveis nos cenários econômico, político e ecológico. Para Ostrom (2007 apud JUNIOR, et al. 2019) Tal estrutura permitir uma integração entre conhecimento local e a ciência acadêmica. Essa integração permite a construção de diagnósticos que combinam os arranjos de governança com problemas específicos em um contexto socioecológico. Vista a importância do sistema socioecológico, segue abaixo uma imagem contendo o SSE do conflito ambiental em torno da UHE de Belo Monte. Fonte: Pessoal A partir do SSE acima podemos identificar que o deslocamento da comunidade do seu local de origem, a geração de energia elétrica e o crescimento econômico fazem parte, respectivamente, dos cenários social, econômico e político. O sistema de recursos 11 envolve a bacia hidrográfica do Rio Xingu e a floresta amazônica. Já dentro do sistema de governança temos as legislações pertinentes a recursos hídricos e a áreas de proteção ambiental, além de órgãos responsáveis pela gestão e gerenciamento desses recursos como, por exemplo, os integrantes do SINGREH (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos). Quanto às unidades de recursos do sistema temos além do Rio Xingu, a parcela da floresta amazônica utilizada para a instalação do empreendimento. No tocante aos atores estão envolvidos o governo, os empreendedores, os movimentos sociais, ambientalistas, os indígenas e ribeirinhos, castanheiros, seringueiros, pequenos agricultores, pequenos posseiros e a pequena burguesia mercantil. O conflito gerado pelo impacto da instalação da usina vem a ser a situação de ação focal que interage com o IBAMA, ONGs, a comunidade local e o ministério do meio ambiente que vai resultar, dependendo de cada situação, num resultado positivo e/ou negativo para cada envolvido no sistema e, neste caso, temos a desapropriação de terras indígenas e ribeirinhas, bem como a realocação desses grupos em outras áreas em decorrência da instalação da usina. 3. A PROGRESSÃO DO CONFLITO Para dá sustentação ao crescimento econômico que ocorria no país na década de 1970, principalmente, devido ao crescimento industrial, ocorreu uma busca por fontes de energia que fossem alternativas ao petróleo. A partir disso, a hidroeletricidade passou a ser vista como a principal fonte energética a ser explorada por conta do seu grande potencial de geração e assim iniciaram os estudos para verificar o potencial de geração de energia elétrica através de barragens e usinas hidrelétricas nos rios da Amazônia brasileira e, a partir de então, se começou a originar um conflito devido essa intenção por parte do governo. Com isso começou a ocorrer à formação de lados no conflito onde as pessoas que não tinham interesse na questão, começam a mover-se para um lado ou outro. A partir do ano de 1986, a imprensa divulgou que estava próximo do projeto da UHE de Belo Monte se consolidar e, isso fez com que as posições sobre a obra se endurecessem levando a população local a se mobilizarem com o intuito de barrar o projeto. Até que em 1989 após o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu as autoridades brasileiras que lideravam o projeto decidiram suspender o mesmo e isso de deu, principalmente, devido a grande quantidade de manifestações que eram contrárias ao empreendimento. 12 Em 2005, o decreto legislativo 788/20053 autorizou a implantação da UHE Belo Monte, após terem sido realizados estudos de viabilidade pela Eletrobrás. Em 2009 foi aprovada a LP e teve inicio as audiências públicas que são previstas na legislação ambiental brasileira e com isso a sociedade civil pode se manifestar a partir dos seus argumentos contrários à obra. Nessa mesma época o conflito saiu da comunidade chegando até a ONU através de uma carta denúncia sobre a violação dos Direitos dos Povos Indígenas que está previsto na Convenção 169 da OIT. No final de 2015, a Licença de Operação foi emitida e a partir de então se iniciou uma nova fase do conflito com o acompanhamento e monitoramento das condicionantes socioambientais e, além disso, a comunidade cobrou o cumprimento de todas as obrigações assumidas com o processo de licenciamento. A partir de então, o conflito em Belo Monte muda a sua configuração e a comunidade local passar a buscar melhores alternativas visando minimizar os efeitos que seriam causados aos mesmos com a construção da usina e, então, os responsáveis pela obra realocaram e pagaram indenizações as famílias atingidas, sendo que, nem todos aceitaram as indenizações levando a outros conflitos. Atualmente, com a mudança do fluxo natural de água provocada pela barragem, ribeirinhos e indígenas afirmam, segundo reportagem do programa Fantástico da Rede Globo, que sentem o impacto da redução da vazão do rio Xingu.Isso se agravou ainda mais a partir de fevereiro de 2021, em que o IBAMA autorizou a Norte Energia S.A. a controlar a vazão de água em volumes e variações de volume, contrariando o próprio órgão. Isso mostra que os conflitos em torno de Belo Monte ainda não foram resolvidos mesmo após a finalização do empreendimento e ainda existem muitas cobranças da sociedade civil para que os responsáveis pela obra cumpram as responsabilidades e condicionantes assumidas. 4. A RODA DO CONFLITO Um modo de analisar as forças que estão na origem de grande parte dos conflitos é através da ―Roda do Conflito‖, da qual estão integradas as maneiras como as pessoas se comunicam, suas emoções, seus valores, as estruturas pelas quais as interações 13 ocorrem, e a sua história. Neste sentido, será apresentado aqui a ―Roda do Conflito‖ para o conflito existente com a construção da UHE de Belo Monte. A construção da usina de Belo Monte está no centro da ―Roda do Conflito‖ e ligada a ela existem os problemas de comunicação que, neste caso, faltou diálogo entre os responsáveis pela obra com as tribos indígenas sobre os resultados dos estudos de impacto ambiental do empreendimento e, mesmo quando ocorreu esse diálogo, segundo a população ribeirinha, foi de forma inapropriada, o que impossibilitou um entendimento acerca do projeto e a devida apropriação do conteúdo relativo aos impactos ambientais e sociais da usina. Além disso, o mesmo não foi totalmente incorporado no processo de licenciamento fazendo com que às emoções aflorassem e provocassem protestos por parte das populações indígenas (coalizão A) desde o início do projeto da obra até os dias atuais. Parte disso ocorre em razão do descumprimento da Constituição Federal (CF) relacionado à questão indígena, visto que, a mesma estabelece: "[as] terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo [...] dos rios [...] nelas existentes" e ainda que "[o] aproveitamento dos potenciais [da energia hidráulica] somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União [...] na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em [...] terras indígenas". No entanto, não foi elaborada uma lei que determinasse essas exigências e, assim, qualquer ato ou ação que permitisse a construção da usina seria nulo. Outro ponto importante trata-se das audiências públicas as quais debateram a implementação de Belo Monte em que a Resolução CONAMA 09/1987 define que ao final de cada Audiência Pública "[a] ata da(s) audiência(s) pública(s) e seus anexos, servirão de base, juntamente com o RIMA, para a análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação ou não do projeto". Mas, de acordo com o Parecer Técnico nº 114/2009 do IBAMA, dispõe que "tendo em vista o prazo estipulado pela Presidência, esta equipe não concluiu sua análise a contento. Algumas questões não puderam ser analisadas na profundidade apropriada, dentre elas as questões indígenas e as contribuições das audiências públicas". Isso demonstra que mesmo havendo diversos esforços por parte de movimentos sociais, o próprio órgão reconheceu que devido o 14 ritmo acelerado para implementação do projeto, fez com que se comprometesse a incorporação de contribuições no processo de licenciamento. No que se refere às emoções, pode-se destacar os protestos por parte das populações indígenas (coalizão A) desde o início do projeto da obra até os dias atuais. Já com relação às diferenças de valores, enquanto a população indígena necessita da floresta e do rio Xingu para sobreviver (Coalizão A), os responsáveis pela idealização da UHE de Belo Monte (Jogador B) objetivam aumentar as fontes para geração de energia elétrica sem ter um maior comprometimento com os problemas causados pela obra no meio ambiente e na população local. Para os problemas de estrutura, a ausência de previsão e estudos sobre a grande quantidade de pessoas, inclusive indígenas, na região de Altamira fez com que ocorresse um grande aumento na população local e, com isso, trouxe inúmeros problemas para a cidade. Por fim, temos a história na ―Roda do Conflito‖, que começou a partir dos estudos sobre o potencial hidrelétrico nos rios da Amazônia e ocorre até o início do projeto da usina. Segue abaixo o esquema contendo a ―Roda do Conflito‖ para o conflito em Belo Monte: A “Roda do Conflito” aplicada a Belo Monte. Fonte: Pessoal 15 5. A FERRAMENTA DA ―CEBOLA‖ Outro método para análise de conflito é a chamada ferramenta da ―cebola‖, esta possibilita que o observador do conflito identifique os interesses subjacentes e as suas necessidades a partir das posições dos envolvidos no conflito. Segue abaixo o esquema da ferramenta da ―cebola‖ para o conflito em Belo Monte, em que primeiramente, foram aplicados na ferramenta os dados relacionados às posições, interesses e necessidades da população indígena. Ferramenta da “cebola” aplicada a Belo Monte Fonte: Pessoal A posição da população indígena sempre foi contra a construção da usina de Belo Monte desde o inicio do projeto, principalmente, por conta do grande impacto ambiental que a mesma ocasionaria além da necessidade de reassentamento da algumas tribos devido à ocupação do lago. Atualmente, após a finalização da construção da barragem, os indígenas ainda lutam para que os responsáveis pela obra cumpram todos 16 os acordos definidos. E, além disso, os indígenas e ribeirinhos necessitam que seja preservada a vazão do Xingu, pois os mesmos já sentem os impactos provocados pela alteração constante da vazão do rio a qual provoca uma confusão nos peixes reduzindo a sua reprodução e, consequentemente, diminuindo a sua quantidade no rio. Além de tudo, é de fundamental importância a preservação ambiental e a garantia de terras com água disponível em que possam reproduzir seu modo de vida e garantir a subsistência. Posteriormente, foram aplicados as posições, os interesses e as necessidades no tocante aos responsáveis pela obra de Belo Monte. Ferramenta da “cebola” aplicada a Belo Monte Fonte: Pessoal Historicamente, construir a UHE de Belo Monte sempre esteve em pauta desde a sua idealização e, com isso, sempre ocorreu essa posição da concretização de Belo Monte por parte dos responsáveis pelo projeto, do qual os maiores interesses diziam respeito ao aumento de fontes de geração de energia e o crescimento econômico do país. Esses interesses partiram, principalmente, por conta do aumento da demanda por 17 eletricidade que vinham acontecendo devido ao crescimento industrial nas décadas de 1970 e 1980. 6. A RESOLUÇÃO DO CONFLITO No que se refere à resolução dos conflitos em Belo Monte, o Instituto Socioambiental e o Ministério Público Federal (MPF) foram os mais atuantes na busca de soluções para os mesmos, conferindo voz e legitimidade aos afetados, ao mesmo tempo em que o judiciário se tornou a instância preferida na procura por soluções aos conflitos existentes. Segundo Alonso e Costa (2002 apud Choueri, 2019) há um entendimento por parte dos ambientalistas: ―[...] de que os atuais mecanismos de negociação são ainda incapazes de garantir um estilo de resolução plausível dos conflitos socioambientais, mas que devem ser aperfeiçoados para serem capazes de produzir resultados consistentes com o caráter complexo e integrado dos problemas ambientais‖. Portanto, segundo Choueri (2019) ―O MPF, tornou-se a principal entidade para canalizar as demandas das organizações sociais na região, e buscar uma solução para o conflito, fato confirmado pelas entrevistas semiestruturadas‖. Além de atuar juntamente com o IBAMA e a Norte Energia a fim de buscar um gerenciamento dos conflitos para aqueles afetados pela barragem, o MPFpropôs, até 2016, algumas Ações Civis Públicas que incluíam, entre elas, ilegalidades no processo de Licenciamento Ambiental Federal e apoio aos interesses difusos aos atingidos pela barragem de Belo Monte. Outro órgão muito importante na resolução dos conflitos trata-se do Instituto Socioambiental (ISA) que atuou na promoção de estudos e relatórios a respeito da situação socioeconômica na região da usina. Além disso, Choueri (2019) destaca que: Considerando o contexto institucional da região, existe, na esfera administrativa, alguns espaços sociais para a gestão e resolução dos conflitos socioambientais, com destaque para a Casa de Governo, o Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Xingu – CGX (criado pelo Decreto n. 7340 em 2010) e o Fórum de Acompanhamento Social. Tanto a Casa de Governo quanto o CGX foram iniciativas criadas pelo Governo 18 Federal que suplementam as iniciativas do LAF (Licenciamento Ambiental Federal) e representam um canal para que organizações sociais tenham acesso ao Estado. No entanto, ambas carecem de poder decisório para a gestão e resolução de conflitos. Além desses métodos citados até aqui, julgo importante, também, a utilização do litígio como forma de resolução desses conflitos, principalmente pelo fato de que o mesmo fará uso de regras legais que pode ajudar a resolver desequilíbrios de poder muito existente nesse conflito de Belo Monte. Outro método utilizado e que tem a possibilidade de resolver o conflito de forma mais rápida, menos onerosa e menos desgastante é a conciliação e, este já vem sendo utilizado em Belo Monte. Logo, são duas formas de resolução de conflito que poderá ajudar a resolver esses impasses causados pela construção da usina, mas, além desses, outros métodos estão sendo aplicados como é o caso da negociação, que em fevereiro de 2021 a empresa Norte Energia buscou negociar um acordo com o IBAMA para retomar as vazões maiores para geração de energia, após o órgão ambiental ter determinado que a empresa aumente o fluxo de água direcionado a um trecho do rio Xingu visto que o aumento dessas vazões estava causando a diminuição da disponibilidade das áreas de desova e crescimento para a ictiofauna e, consequentemente, ribeirinhos e indígenas também seriam afetados. 19 7. CONCLUSÃO Portanto, é de muita relevância o uso de ferramentas visando analisar e entender melhor o conflito existente para a procura de formas de resolução destes e, ainda, colocar em prática a gestão de conflitos a fim de evitá-los. Em suma, o ISA e o MPF foram muito importantes em suas atuações na região na tentativa de resolver alguns dos conflitos existentes em Belo Monte, devido esses órgãos terem dado voz aos atingidos pela construção da usina. Com relação à atividade pesqueira, fundamental para a população indígena, ainda existem problemas de conflitos a serem resolvidos já que as organizações sociais ainda chamam a atenção para a redução do pescado na região, sobretudo, devido à diminuição da vazão em um trecho no rio Xingu. Diante das inúmeras formas de resolução de conflitos em Belo Monte, faz-se necessário que os envolvidos busquem a melhor alternativa para ambos a fim de resolver esses conflitos. É importante que exista uma fiscalização mais severa a cerca dos cumprimentos ou não das condicionantes acordadas para que não aumentem ainda mais os problemas sociais e ambientais causados pelo empreendimento. 20 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CHOUERI, Ricardo Brasil. Conflito, licença ambiental e energia na Amazônia: análise dos conflitos socioambientais produzidos pela usina hidrelétrica de Belo Monte (PA) relacionados à biodiversidade aquática e pesca. 2019. 242 f., il. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável)—Universidade de Brasília, Brasília, 2019. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/handle/10482/36742>. Acesso em: 11 de maio. 2021. COSER, L. Conclusion. In: COSER, L. The functions of social conflict. Glencoe, IL. Free Press, 1956, p.151-157. DA SILVA, E. G.; & MOURÃO, A. R. B. (2018). A construção da usina de Belo Monte e a urbanização dos indígenas xinguanos. PerCursos, 19(40), 12 - 38. Disponível em: <https://doi.org/10.5965/1984724619402018012>. Acesso em: 18 de abril. 2021. FAINGUELERNT, M. B. Dossiê: Impactos Socioambientais de Grandes Projetos de Infraestrutura. A Trajetória Histórica do Processo de Licenciamento Ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Ambient. soc. vol.19 no.2. São Paulo. Apr./June 2016. 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