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Profª. Cristiane Literatura Página 1 de 20 Classicismo em Portugual 1. Renascimento cultural Leonardo da Vinci, O homem vitruviano. 1490, lápis e tinta sobre papel, 34x24 cm, Gallerie dell’ Accademia O crescimento das cidades e o surgimento do homem livre, o burguês, durante a Baixa Idade Média, assim como o Mercantilismo que começava a aflorar, modificaram definidamente a estrutura da sociedade ocidental europeia. Um ambiente mais agitado, colorido, saboroso e cheiroso que começava a surgir – pense nas feiras como exemplo – foi um aspecto definitivo para a transformação da percepção do homem que, mais sensorial, passou a desejar viver intensamente a própria vida, preocupando-se, consequentemente, menos do que no período medieval, com o post-mortem. O individualismo burguês toma gradativamente o lugar do coletivismo medieval e, somado ao desenvolvimento científico e tecnológico, modificaria a sociedade como em poucos outros momentos da história. Não é à toa que o século XVI viu o heliocentrismo de Nicolau Copérnico, a expansão marítima, a Reforma Protestante de Martinho Lutero e a invenção da imprensa por Gutenberg. Sobre esse momento peculiar, comenta Massaud Moisés: Foi no ímpeto revolucionário da Renascença, e como desenvolvimento natural do Humanismo, que o Classicismo se difundiu amplamente, por corresponder, no plano literário, ao geral e efêmero complexo de superioridade histórica. Ao teocentrismo medieval opõe-se uma concepção antropocêntrica de mundo, em que “o homem é a medida de todas as coisas”, no redivivo dizer de Protágoras. Ao teologismo de antes contrapõe-se o paganismo, fruto duma sensação de pleno gozo da existência, provocada pela vitória do homem sobre a Natureza e seus “assombramentos”: não mais a volúpia de ascender para as alturas, mas sim de estender o olhar até os confins da Terra. O saber concreto, “científico”, e objetivo, tende a valorizar-se em detrimento do abstrato; notável avanço opera-se no campo das ciências experimentais; a mitologia greco-latina, esvaziada de sentido religioso ou ético, passa a funcionar apenas como símbolo ou ornamento; em suma: o humano prevalece ao divino. (Massaud Moisés. A literatura portuguesa. 33 ed, São Paulo: Cultrix, p. 50) Para as artes também é um momento marcante. Durante o período medieval, os artistas plásticos não tinham a pretensão de buscar realidade para as imagens, poderiam até mesmo mudar o tamanho das formas para fazê-las caber no espaço. Não havia trabalho pcom a espacialidade, com a proporcionalidade; a preocupação era meramente mostrar as figuras. A partir do século XIII, os artistas passam a imitar a realidade a partir dos conhecimentos técnicos desenvolvidos. A Itália é o berço do Renascimento nas artes plásticas. Giotto (1267-1337), pintor florentino, é um exemplar dessa transição nas artes plásticas da Idade Média para o Classicismo. Influenciado pelos grandes mestres bizantinos e pela pintura gótica, tenta se aproximar ao máximo de como os acontecimentos bíblicos poderiam ter sido. Sua genialidade fez com que fosse reconhecido e admirado por sua arte e habilidade numa época em que isso ainda não era comum. Para ele, a pintura é mais que uma substituta da linguagem escrita. Repare como ele trabalha a composição da cena e os gestos das pessoas, em busca de transmitir-nos a sensação de que estamos testemunhando uma cena real. Giotto di Bondone, Adoração dos Reis Magos. 1302 – 1306, Capela degli Scrovegni – Pádua (Itália) A descoberta da perspectiva e o estudo da natureza trouxeram novos ares para a pintura. Passa a ser temática recorrente, por exemplo, a mitologia greco-latina em detrimento das passagens bíblicas, marca do antropocentrismo renascentista. Note, porém, como as grandes obras de arte inovam em muitos aspectos. No fim do século XV, o também florentino Sandro Botticelli (1446-1510) foge ao estrito realismo clássico de artistas como Leonardo da Vinci e Rafael Sanzio. Em O nascimento de Vênus, a deusa emerge das águas em uma concha (na Antiguidade Clássica, símbolo do órgão genital feminino) já como uma mulher adulta, como aparece Profª. Cristiane Literatura Página 2 de 20 na mitologia romana, e é empurrada para a margem pelos Ventos D’oeste, símbolos das paixões espirituais. Recebe da Hora1 representativa da Primavera um manto bordado de flores. Numa época em que ainda a maioria das pinturas utilizavam-se de temas cristãos, essa sobressai com um efeito de paganismo. Perceba que nem tudo nessa obra imita objetivamente a realidade: o pescoço da deusa é irrealisticamente longo e o ombro esquerdo está posicionado em posição anatomicamente improvável – seriam já esses presságios do Maneirismo, período de transição entre o Classicismo e o Barroco? Sandro Botticelli, O Nascimento de Vênus, 1483, têmpera sobre tela, 172,5 x 278,5 cm, Galleria degli Uffizi (Florença). 2. Classicismo (1527-1580) Existem alguns sentidos possíveis para o termo Classicismo. Do latim, classis significa frota; classicis eram os ricos que pagavam impostos pela rota. Um escritor classicus, portanto, era aquele que escrevia para essa categoria mais afortunada da sociedade. Posteriormente, o vocábulo passou a ter um valor ético, estético e didático: uma obra clássica era aquela que poderia ser considerada digna de ser estudada nas “classes” das escolas. Ainda hoje o termo é usado como sinônimo de cânone. Assim, José de Alencar, apesar de ser romântico, pode ser considerado como um clássico da literatura brasileira. Aqui, porém, utilizaremos o termo sob um outro ângulo. Durante o Renascimento, houve a revalorização das produções intelectuais e artísticas da Antiguidade greco-latina (ou, como passou a chamar-se, clássica). O reencontro e consequente tradução direta do grego de autores consagrados como Aristóteles, somado ao clima empreendedor 1 As Horas eram as deusas das estações 2 “A arte, segundo Aristóteles, por um lado, possui a facilidade de representar o não visto e a verdade mais profunda. Eticamente, o interesse de beleza não é identificado, ao menos totalmente, nem com as aspirações morais, nem tampouco apenas com as sensuais. Através do belo, esteticamente, explicitam-se os acontecimentos da vida em sua ligação essencial, cujas raízes estão fincadas no de um ocidente mercantilista e científico, tornou dominante a concepção de que os princípios fundamentais da prática e da teoria helênicas constituíam os cânones imutáveis daquilo eu seria considerado obra de arte. O surto criativo que ocorreu na Europa no século XVI deu origem a trabalhos notáveis nas mais diversas áreas artísticas; seria o período “clássico” europeu, que se espalhou inclusive sob a forma de um neoclassicismo durante o século XVIII, o século do racionalismo ilustrado. Comentam Anatol Rosenfel e J, Guinsburg a respeito da estética classicista: [...] O classicismo se distingue fundamentalmente por elementos como o equilíbrio, a ordem, a harmonia, a objetividade, a ponderação, a proporção, a serenidade, a disciplina, o desenho sapiente, o caráter apolíneo, secular, lúcido e luminoso. É o domínio do diurno. Avesso ao elemento noturno, o classicismo quer ser transparente e claro, racional. E com tudo isso se exprime, evidentemente, uma fé profunda na harmonia universal. A natureza é concebida essencialmente em termos de razão, regida por leis, e a obra de arte reflete tal harmonia. A obra de arte é imitação da natureza e, imitando-a, imita seu concerto harmônico, sua racionalidade profunda, as leis do universo2. Outro aspecto relevante é o disciplinamento dos impulsos subjetivos. O escritor clássico domina os ímpetos da interioridade e não lhes dá pleno cursoexpressivo. De certo modo, pode-se considerar que ele se define precisamente por essa contenção. Anatol Rosenfeld e J. Guinsburg. Um conceito de classicismo in O classicismo. Org. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1999. p.374 O valor estético, agora, portanto, reside na obra de arte e, por trás dela, deve desaparecer a figura do artista, que passa a ser um mero artesão: segue as regras pré-estabelecidas às quais se conforma e se ajusta. É bem verdade que existe uma certa autolimitação... O desejo manifesto do autor é ser objetivo, mas não podemos descartar a individualidade do artista. Ainda assim, segundo a visão classicista, a obra será tanto mais realizada quanto maior o seu poder de veicular, através da forma, ensinamentos e verdades que elevem o conhecimento e contribuam para o aperfeiçoamento do gênero humano.3 O racionalismo clássico não significa ausência de emoção, mas uma caráter humano. Por outro lado, a arte que realiza a beleza é definida como mimesis, o que faz Aristóteles compreender o movimento da natureza orgânica que se encaminha para o melhor, para um acabamento mais perfeito, inserindo ainda a arte no espaço não apenas de uma ética, mas também da metafísica.” (Vera Lúcio Felício. A razão clássica in Anatol Rosenfeld e J. Guinsburg. op. cit., p. 27) 3 Anatol Rosenfeld e J. Guinsburg. op. cit, p. 375 Profª. Cristiane Literatura Página 3 de 20 sobreposição da Razão (da inteligência) aos sentimentos, para evitar que eles “transbordem”. Deseja-se criar uma arte equilibrada, impessoal e universal e, para tanto, o homem busca o Belo, o Bom e o Verdadeiro, concepção absolutista e idealista de arte. Em Portugal, o Classicismo inicia-se em 1527, quando o poeta luso Sá de Miranda (1481 – 1558), principal divulgador das ideias clássicas, retorna de uma viagem de seis anos pela Itália, onde teve contato com grandes intelectuais impregnados de novas ideias. Colaborou para a introdução em seu país da chamada “medida nova”, o decassílabo, em contraposição à medida dos versos mais comumente usada na Idade Média, os redondilhas, agora chamados “medida velha”. Também levou para a sua terra natal o soneto, o terceto, a elegia, a ode, a oitava e a comédia clássica. Aprecie um dos grandes sonetos desse poeta. O sol é grande, caem coa calma as aves, do tempo em tal sazão, que sói ser fria; esta água que d’alto cai acordar-m’ia de sono não, mas de cuidados graves. Ó cousas, todas vãs, todas mudaves, qual é tal coração qu’em vós confia? Passam os tempos vai dia trás dia, incertos muito mais que ao vento as naves. Eu vira já aqui sombras, vira flores, vi tantas águas, vi tanta verdura, as aves todas cantavam d’amores. Tudo é seco e mudo; e, de mistura, também mudando-m’ eu fiz doutras cores: e tudo o mais renova, isto é sem cura! Sá de Miranda in Massaud Moisés. A literatura portuguesa através dos textos. 25 ed, São Paulo: Cultrix, 1998, p. 109-110 3. Épica de Camões: Os Lusíadas 4 narrativa heróica escrita em versos com temática universal e tom de celebração nacional. Bico Bauer, A Partida de Vasco da Gama para Índia em 1497. 1897-1900, 9x13 cm, Lisboa Iniciaremos nossos estudos sobre um dos maiores escritores em língua portuguesa, Luís Vaz de Camões (1524 ou 1525 – 1580), pela sua obra épica. O autor também cultivou a lírica, tema da próxima aula, e o gênero dramático – parte de sua obra que não alcança a genialidade das demais e, portanto, não estudaremos aqui. O grande exemplar da épica de Camões são Os Lusíadas (1572), epopeia4 cujo tema é a viagem de Vasco da Gama até às Índias. Para entendemos melhor esse tipo de texto, vejamos o que comenta o professor Ivan Teixeira a respeito das epopeias clássicas: A epopeia era a forma poética mais importante nos tempos heroicos da Grécia homérica, mais ou menos entre o século XII e o século VIII antes de Cristo. Nesse período, ouvir um trecho da Ilíada ou da Odisseia era algo tão espontâneo quanto hoje assistir a um filme sobre a Segunda Guerra Mundial ou sobre a Guerra do Vietnã. Assim como todos sabemos algo da atmosfera geral desses conflitos, os gregos da Antiguidade conheciam o espírito e as linhas gerais das aventuras de Ulisses em sua viagem de retorno à Ítaca ou da ira de Aquiles contra o parceiro Agamenon ou contra o inimigo Heitor. Tais coisas faziam parte do repertório coletivo. Por isso, todos gostavam de relembrar essas proezas, nas quais os deuses tinham intensa participação. (...) Os cantos homéricos exaltavam a astúcia, a força, a coragem, a amizade, a hospitalidade, a obediência aos deuses e a fidelidade aos reis. Nos combates ou aventuras, venciam as pessoas de coração mais forte, porque estas eram as preferidas dos deuses. (...) Os cantos homéricos são considerados (epopeias) naturais, por serem espontâneos e anônimos. Entendem-se como manifestação primitiva do impulso artístico de um povo que ainda não atingira com nitidez a distinção entre as forças da natureza e as abstrações da cultura. A Eneida5, ao contrário, é considerada, sem 5 Epopeia encomendada por Otávio Augusto, imperador romano, a Virgílio, grande poeta latino ao lado de Horácio e Ovídio; narra as aventuras do herói troiano Enéias que, depois da destruição de Profª. Cristiane Literatura Página 4 de 20 nenhuma conotação pejorativa, epopeia artificial ou de imitação, não só por possuir autor específico que reelabora os esquemas consagrados pela tradição homérica, mas também por resultar de encomenda com propósitos políticos, o que implica a incorporação de um ideário pré-existente.(...) De fato, a Eneida surgiu sob a diretriz do Estado, a quem convinha organizar artisticamente sua história e seus mitos. Ivan Teixeira, Primeiros Passos para a Leitura de Os Lusíadas in Os Lusíadas, Luís de Camões. Cotia: Ateliê Editorial, 1999, p. 15-20 Assim como a Eneida, Os Lusíadas também são uma epopeia artificial, pois foram escritos por um autor específico para atender a um propósito político determinado: legitimar pela língua recém-portuguesa6 a história da sua nação, desde suas origens míticas na Idade Média até a expansão mercantilista no Renascimento. É notório o fato de o poeta fazer uso do discurso dominante da época, sua obra preencheu as necessidades culturais dos setores expansionistas. Por ser a história metrificada de Portugal, exaltou o Feudalismo em seu ideal guerreiro cristão medieval ao mesmo tempo em que elogiou o Mercantilismo expansionista burguês. Estrutura d’Os Lusíadas A obra-prima de Camões foi composta, como não poderia deixar de ser para um autor clássico, segundo o modelo das epopeias antigas. É dividida em cinco partes: 1. Proposição – as primeiras três estrofes da obra são destinadas a expor o assunto de que tratarão. Porém, Camões não apenas imita os antigos, busca também o princípio da emulação, ou seja, pretende rivalizar com os autores clássicos e, até mesmo, superá-los em qualidade7. As armas e os barões8 assinalados9 Que da Ocidental praia Lusitana10, Por mares nunca dantes navegados Passaram ainda além da Taprobana11, Em perigos e guerras esforçados12 Mais do que prometia a força humana sua cidade pelos gregos, imigra para a região do Lácio, na Itália, onde cria raízes e lança os fundamentos para o grande esplendor de Roma. 6 É Camões que inaugura a língua portuguesa como conhecemos hoje. 7 Basearemo-nos na seguinte edição d’ Os Lusíadas para a elaboração das notas de rodapé destas aulas: Os Lusíadas, Luís de Camões. Apresentação e notas: Ivan Teixeira. Cotia: Ateliê Editorial, 1999. 8 Armase os barões: barões armados, nobres destinados à guerra 9 Distintos, ilustres E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram13; E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando14 A Fé, o Império, e as terras viciosas15 De África e de Ásia andaram devastando, E aqueles que por obras valerosas Se vão da lei da Morte libertando Cantando espalharei por toda a parte Se a tanto me ajudar o engenho e arte. Cessem do sábio grego e do troiano As navegações grandes que fizeram; Cale−se de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que16 eu canto o peito ilustre Lusitano17, A quem Neptuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antígua canta, Que outro valor mais alto se alevanta. Aqui, afirma-se que o poema consagrará os reis e sua elite guerreira na expansão e na manutenção da fé e do império. A terceira estrofe exalta o povo português por meio de uma comparação com os maiores navegantes e guerreiros de toda a Antiguidade. Deve-se ressaltar que devemos entender como “povo português” não os marinheiros ou os humildes guerreiros, mas a aristocracia responsável pelo comando do país. A visão de Camões é, portanto, aristocrática e nobiliárquica. 2. Invocação – a quarta e a quinta estrofes pedem inspiração para que a obra seja grandiosa como o assunto de que trata. Assim como os antigos invocavam as Musas18, Camões clama às Tágides, entidades portuguesas que habitariam as águas do rio Tejo. Aqui fica claro o tom épico da obra: a celebração da guerra e da aventureira viagem. E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mim um novo engenho ardente, Se sempre em verso humilde19 celebrado Foi de mim vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto20 e sublimado21, 10 Portugal 11 Extremo Oriente, atual Sri Lanka 12 Refere-se a barões 13 elevaram 14 divulgando 15 Infiés, terras que não são cristãs 16 porque 17 Povo português 18 Entidades gregas responsáveis pelo entusiasmo dos poetas. 19 Poesia lírica 20 grandiloquente 21 elevado Profª. Cristiane Literatura Página 5 de 20 Um estilo grandíloco e corrente, Porque de vossas águas, Febo22 ordene Que não tenham inveja às de Hipocrene23. 3.Dedicatória – as treze próximas estrofes dirigem- se a D. Sebastião, rei de Portugal no período do pioneirismo marítimo, para solicitar atenção intelectual e, indiretamente, apoio à publicação da obra. Vós, poderoso Rei24, cujo alto Império O Sol, logo em nascendo, vê primeiro, Vê-o também no meio do Hemisfério, E quando desce o deixa derradeiro; Vós, que esperamos jugo25 e vitupério26 Do torpe27 Ismaelita cavaleiro, Do Turco Oriental e do Gentio28 Que inda bebe o licor do santo Rio29: Inclinai por um pouco a majestade Que nesse tenro gesto vos contemplo, Que já se mostra qual na inteira idade, Quando subindo ireis ao eterno Templo; Os olhos da real benignidade Ponde no chão: vereis um novo exemplo De amor dos pátrios feitos valerosos30, Em versos divulgado numerosos. 4. Narração – apenas aqui começa a narrativa propriamente dita: a viagem de Vasco da Gama até às Índias. 22 Deus Apolo, responsável pela poesia e pela música 23 Referência à fonte de Hipocrene, de cuja água bebeu Homero e outros poetas da Antiguidade 24 D. Sebastião 25 opressão 26 Afronta, injúria, insulto 27 Infame, aquele em que há maldade e desonestidade 28 Termo pejorativo que designa aquele que não é cristão 29 Referência aos povos orientais, infiéis 30 valorosos 31 D. Inês de Castro era filha de D. Pedro Fernandes de Castro, mordomo-mor do rei D. Afonso XI de Castela, e de uma dama portuguesa, Aldonça Lourenço de Valadares. O seu pai, neto por via ilegítima de D. Sancho IV de Leão e Castela, era um dos fidalgos mais poderosos do Reino de Castela. Em 24 de Agosto de 1339 teve lugar, na Sé de Lisboa, o casamento do Infante Pedro I de Portugal, herdeiro do trono português, com D. Constança Manuel, filha de D. João Manuel de Castela, príncipe de Vilhena e Interessante notar que, apesar de o famoso navegante assumir papel preponderante na história – em alguns momentos chega até mesmo a narrador, ele não é o herói d’Os Lusíadas como Eneias o é na Eneida. O protagonista da obra, como já revela o título, é o povo português; tem-se pela primeira vez na história das epopeias um herói coletivo. Com isso, Camões demonstra o seu nacionalismo, ao exaltar toda a população componente da sua nação. Diversas passagens são notáveis e muitas mereceriam o nosso destaque. Porém, a crítica atual ressalta determinados episódios, no geral aqueles que se desviam de alguma forma do ideário oficial da expansão ultramarítima. O episódio de Inês de Castro é um bom exemplo, já que é um trecho da obra em que os gêneros épico e lírico se confundem. É a história de uma moça (Inês) que fora assassinada por ordem do próprio sogro, o qual colocou os interesses políticos acima dos sentimentos de seu filho31. Escalona, duque de Penafiel, tutor de Afonso XI de Castela, «poderoso e esforçado magnate de Castela»,[1] e neto do rei Fernando III de Castela. Todavia seria por uma das aias de D. Constança, D. Inês de Castro, que D. Pedro viria a apaixonar-se. Este romance notório começou a ser comentado e a ser mal aceite, mais pela corte, que temia a influência castelhana sobre o infante Pedro, que pelo povo. Visto que o seu relacionamento era mal aceite, passaram a encontrar-se às escondidas na antiga Vila do Jarmelo na Guarda. Sob o pretexto da moralidade, D. Afonso IV não aprovava esta relação, não só por motivos de diplomacia com João Manuel de Castela, mas também devido à amizade estreita de D. Pedro com os irmãos de D. Inês - D. Fernando de Castro e D. Álvaro Perez de Castro. Assim, em 1344, o rei mandou exilar D. Inês no castelo de Albuquerque, na fronteira castelhana, onde tinha sido criada por sua tia, D. Teresa, mulher de um meio irmão de D. Afonso IV. No entanto, a distância não teria apagado o amor entre Pedro e Inês, que se correspondiam com frequência. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Fernandes_de_Castro https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Fernandes_de_Castro https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_XI_de_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_XI_de_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_IV_de_Le%C3%A3o_e_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/Fidalgo https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_de_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_I_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_reis_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Constan%C3%A7a_Manuel https://pt.wikipedia.org/wiki/Constan%C3%A7a_Manuel https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Manuel_de_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Manuel_de_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%ADncipe https://pt.wikipedia.org/wiki/Duque https://pt.wikipedia.org/wiki/Penafiel https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_XI_de_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_XI_de_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/In%C3%AAs_de_Castro#cite_note-NobPt1-2 https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_III_de_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/Aia https://pt.wikipedia.org/wiki/Corte_(realeza) https://pt.wikipedia.org/wiki/Povo https://pt.wikipedia.org/wiki/Moral https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_IV_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Diplomacia https://pt.wikipedia.org/wiki/1344 https://pt.wikipedia.org/wiki/Castelo https://pt.wikipedia.org/wiki/Alburquerque Profª. Cristiane Literatura Página 6 de 20 Em Outubro do ano seguinte D. Constança morreu ao dar à luz o futuro rei, D. Fernando I de Portugal. Viúvo, D. Pedro, contra a vontade do pai, mandou D. Inês regressar do exílio e uniu-sea ela, provocando algum escândalo na corte e desgosto para El-Rei, seu pai. Começou então uma desavença entre o rei e o infante. D. Afonso IV tentou remediar a situação casando o seu filho com uma dama de sangue real. Mas D. Pedro rejeitou este projeto, alegando que sentia ainda muito a perda de sua mulher, D. Constança, e que não conseguia ainda pensar num novo casamento. No entanto, D. Inês foi tendo filhos de D. Pedro: Afonso em 1346 (que morreu pouco depois de nascer), João em 1349, Dinis em 1354 e Beatriz em 1347. O nascimento destes veio agudizar a situação porque, durante o reinado de D. Dinis, o seu filho e herdeiro D. Afonso IV sentira-se em risco de ser preterido na sucessão ao trono por um dos filhos bastardos do seu pai. Agora circulavam boatos de que os Castros conspiravam para assassinar o infante D. Fernando, legítimo herdeiro de D. Pedro, para o trono português passar para o filho mais velho de D. Inês de Castro. Não passavam de boatos plantados pelos fidalgos da corte portuguesa, vez que D. Fernando I assumiu o trono, como previamente esperado. Depois de alguns anos no Norte de Portugal, Pedro e Inês tinham regressado a Coimbra e instalaram-se no Paço de Santa Clara. Mandado construir pela avó de D. Pedro, a Rainha Santa Isabel, foi neste paço que esta Rainha vivera os últimos anos, deixando expresso o desejo que se tornasse na habitação exclusiva de reis e príncipes seus descendentes, com as suas esposas legítimas. Havia boatos de que o Príncipe se tinha casado secretamente com D. Inês, facto confirmado por D. Pedro I na famosa Declaração de Cantanhede. Na Família Real um incidente deste tipo assumia graves implicações políticas. Sentindo-se ameaçados pelos irmãos Castro, os fidalgos da corte portuguesa pressionavam o rei D. Afonso IV para afastar esta influência do seu herdeiro. O rei D. Afonso IV decidiu que a melhor solução seria matar a dama galega. Na tentativa de saber a verdade, o Rei ordenou a dois conselheiros seus que dissessem a D. Pedro que ele se podia casar livremente com D. Inês se assim o pretendesse. D. Pedro percebeu que se tratava de uma cilada e respondeu que não pensava casar-se nunca com D. Inês. A 7 de Janeiro de 1355, houve uma denuncia por parte de um dos carrascos, que era habitante da Vila do Jarmelo, alegando que se encontravam às escondidas. O rei, aproveitando a ausência de D. Pedro, foi com Pero Coelho, Álvaro Gonçalves, Diogo Lopes Pacheco e outros para executarem Inês de Castro em Santa Clara, conforme fora decidido em conselho. Segundo a lenda, as lágrimas derramadas no rio Mondego pela morte de Inês teriam criado a Fonte das Lágrimas da Quinta das Lágrimas, e algumas algas avermelhadas que ali crescem seriam o seu sangue derramado. A morte de D. Inês provocou a revolta de D. Pedro contra D. Afonso IV. Após meses de conflito, a Rainha D. Beatriz conseguiu intervir e fez selar a paz, em Agosto de 1355. D. Pedro tornou-se no oitavo rei de Portugal como D. Pedro I em 1357. Em Junho de 1360 fez a declaração de Cantanhede, legitimando os filhos ao afirmar que se tinha casado secretamente com D. Inês, em 1354, em Bragança. A palavra do rei, do seu capelão e de um seu criado foram as provas necessárias para legalizar esse casamento. De seguida perseguiu os assassinos de D. Inês, que tinham fugido para o Reino de Castela e mandou destruir a Vila do Jarmelo. Pêro Coelho e Álvaro Gonçalvesforam apanhados e executados em Santarém (segundo a lenda o Rei mandou arrancar o coração de um pelo peito e o do outro pelas costas, assistindo à execução enquanto se banqueteava, o que é confirmado por Fernão Lopes, com a ressalva de que o carrasco o teria dissuadido da ideia pela dificuldade encontrada nesta forma de execução). Diogo Lopes Pacheco conseguiu escapar para a França e, posteriormente, seria perdoado pelo Rei no seu leito de morte. D. Pedro mandou construir os dois esplêndidos túmulos de D. Pedro I e de D. Inês de Castro no mosteiro de Alcobaça, para onde trasladou o corpo da sua amada Inês, em 1361 ou 1362. Juntar- se-ia a ela em 1367. A posição primeira dos túmulos foi lado a lado, de pés virados a nascente, em frente da primeira capela do transepto sul, então dedicada a São Bento. Na década de 1780 os túmulos foram mudados para o recém-construído panteão real, onde foram colocados frente a frente. Em 1956 foram mudados para a sua actual posição, D. Pedro no transepto sul e D. Inês no transepto norte, frente a frente. Quando os túmulos, no século XVIII, foram colocados frente a frente apareceu a lenda que assim estavam para que D. Pedro e D. Inês «possam olhar-se nos olhos quando despertarem no dia do juízo final». https://pt.wikipedia.org/wiki/Constan%C3%A7a_Manuel https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_I_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Infante https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_IV_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Casamento https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Afonso_de_Portugal_(1346)&action=edit&redlink=1 https://pt.wikipedia.org/wiki/1346 https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_de_Portugal,_Duque_de_Val%C3%AAncia_de_Campos https://pt.wikipedia.org/wiki/1349 https://pt.wikipedia.org/wiki/Dinis_de_Portugal,_Senhor_de_Cifuentes https://pt.wikipedia.org/wiki/1354 https://pt.wikipedia.org/wiki/Beatriz_de_Portugal,_Condessa_de_Alburquerque https://pt.wikipedia.org/wiki/1347 https://pt.wikipedia.org/wiki/Dinis_I_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Bastardo https://pt.wikipedia.org/wiki/Boato https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_I_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_do_Norte_(Portugal) https://pt.wikipedia.org/wiki/Coimbra https://pt.wikipedia.org/wiki/Mosteiro_de_Santa_Clara-a-Velha https://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Isabel_de_Arag%C3%A3o,_Rainha_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Pero_Coelho https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81lvaro_Gon%C3%A7alves https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81lvaro_Gon%C3%A7alves https://pt.wikipedia.org/wiki/Diogo_Lopes_Pacheco https://pt.wikipedia.org/wiki/Lenda https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Mondego https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Mondego https://pt.wikipedia.org/wiki/Quinta_das_L%C3%A1grimas https://pt.wikipedia.org/wiki/Algas https://pt.wikipedia.org/wiki/Sangue https://pt.wikipedia.org/wiki/Beatriz_de_Castela_(1293%E2%80%931359) https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_reis_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_I_de_Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_de_Cantanhede_(1360) https://pt.wikipedia.org/wiki/1354 https://pt.wikipedia.org/wiki/Capel%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_de_Castela https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%AAro_Coelho https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81lvaro_Gon%C3%A7alves https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81lvaro_Gon%C3%A7alves https://pt.wikipedia.org/wiki/Pena_de_morte https://pt.wikipedia.org/wiki/Cora%C3%A7%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%C3%A3o_Lopes https://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%C3%A3o_Lopes https://pt.wikipedia.org/wiki/Diogo_Lopes_Pacheco https://pt.wikipedia.org/wiki/Diogo_Lopes_Pacheco https://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7a https://pt.wikipedia.org/wiki/Mosteiro_de_Alcoba%C3%A7a https://pt.wikipedia.org/wiki/1367 https://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9cada_de_1780 https://pt.wikipedia.org/wiki/1956 https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XVIII Profª. Cristiane Literatura Página 7 de 20 Drama de Inês de Castro (c. 1901-04), por Columbano Bordalo Pinheiro, no Museu Militar de Lisboa Vejamos trechos dessa lírica passagem d’Os Lusíadas. Passada esta tão próspera vitória, Tornado Afonso à Lusitana Terra32, A se lograr33 da paz com tanta glória Quanta soube ganhar na dura guerra, O caso triste e dino34 da memória, Que do sepulcro os homens desenterra, Aconteceu da mísera e mesquinha35 Que despois de ser morta foi Rainha. Tu, só tu, puroamor, com força crua36, Que os corações humanos tanto obriga37, Deste causa à molesta morte sua, Como se fora38 pérfida inimiga. Se dizem, fero39 Amor, que a sede tua Nem com lágrimas tristes se mitiga40, É porque queres, áspero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano. Estavas, linda Inês, posta em sossego41, De teus anos colhendo doce fruito42, Naquele engano da alma, ledo43 e cego, Que a Fortuna não deixa durar muito, Nos saudosos campos do Mondego, A tétrica cerimónia da coroação e do beija mão à Rainha D. Inês, já morta, que D. Pedro pretensamente teria imposto à sua corte e que se tornaria numa das imagens mais vívidas no imaginário popular, terá sido inserida pela primeira vez nas narrativas espanholas do final do século XVI. 32 Portugal 33 gabar 34 digno 35 Pobre coitada 36 cruel 37 Que tanto força os corações humanos 38 fosse 39 feroz 40 Se acalma, se contenta De teus fermosos44 olhos nunca enxuito, Aos montes insinando e às ervinhas O nome que no peito escrito tinhas45. Há outros episódios que também merecem destaque: O Gigante Adamastor, a Ilha dos Amores, a Máquina do Mundo e o Velho do Restelo, episódio em que, por meio da voz de um velho representante do povo e, simbolicamente, de uma nobreza tradicional cristã, Camões critica a ambição do projeto expansionista português. Na roda de leitura desta aula você poderá conferir excertos dessa belíssima passagem. 5. Epílogo – últimas estrofes do poema, equivale à conclusão da obra. Expõe um poeta decepcionado com o desempenho da pátria, o qual relativiza, agora, o ideário nacionalista do poema No mais, Musa, no mais46, que a Lira47 tenho Destemperada e a voz enrouquecida, E não do canto48, mas de ver que venho Cantar a gente49 surda e endurecida. O favor50 com que mais se acende o engenho Não no dá51 a pátria, não, que está metida52 No gosto da cobiça e na rudeza Dhüa austera, apagada e vil tristeza. Outro aspecto notável é a regularidade das estrofes, harmonia característica de obra classicista. Os Lusíadas dividem-se em 10 cantos53, os quais se subdividem em estrofes compostas por versos decassílabos sáficos e heroicos. Ao todo, são 1102 estrofes e 8816 versos. Essas estrofes são chamadas de oitavas-rimas, já que são formadas por rimas alternadas nos seis primeiros versos e, nos dois últimos, emparelhadas (ABABABCC). Há diversos narradores na obra. O mais importante deles é a persona, a personagem épica que nos conta a história sem dela participar. Vasco da Gama, como já dissemos, também assume a função de narrador quando, ao aportar em Melinde, 41 morta 42 Doce fruto dos anos: juventude 43 alegre 44 formosos 45 O nome que tinha cravado no peito era Pedro 46 Não cantarei mais, Musa, não cantarei mais 47 Instrumento musical associado à poesia, daí o termo “lírico” 48 A voz está enrouquecida, mas não é por causa do canto 49 Os portugueses 50 Apoio dos nobre aos poetas 51 Não me concede 52 perdida 53 Canto é o nome que se dá para cada parte de uma epopeia. Da mesma maneira que um romance é dividido em capítulos e uma peça teatral em atos, as epopeias dividem-se em cantos. https://pt.wikipedia.org/wiki/Drama_de_In%C3%AAs_de_Castro_(Columbano) https://pt.wikipedia.org/wiki/Columbano_Bordalo_Pinheiro https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Militar_de_Lisboa https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Militar_de_Lisboa https://pt.wikipedia.org/wiki/Beija_m%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XVI https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XVI https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ines_de_castro.jpg Profª. Cristiane Literatura Página 8 de 20 conta para o rei dessa terra toda a história de Portugal, desde a fundação até a partida da sua armada. O irmão de Vasco, Paulo da Gama, integrante da armada, também assume a voz narrativa posteriormente. Quando chegam às Índias, Vasco estabelece relações pacíficas com o monarca Samorim e é para ele que Paulo narra diversos episódios da Idade Média portuguesa. Podemos considerar que existem três tempos diferentes que integram a obra. 1572, data de sua publicação, tempo da persona, marca a proposição, a invocação, a dedicatória e o epílogo. Na narração propriamente dita, há dois tempos: 1498, data da viagem de Vasco e um flash-back referente à história portuguesa – quando Vasco e Paulo tornam-se narradores. Os espaços, logicamente, são múltiplos. Portugal, África, Oceano Atlântico e Oceano Índico Para concluirmos, é importante lembrar que dois planos perpassam Os Lusíadas: o histórico e o mítico. A respeito disso, comenta o professor Ivan Teixeira: [...] Os dois planos se interpenetram e se complementam na estrutura do poema, sendo certo que a mitologia agencia a maior parte do encanto poético da obra. Além disso, há interferência dos mitos católicos, dos quais o exemplo mais consagrado é a Batalha de Ourique, no qual o próprio Cristo teria auxiliado Áfono Henriques a deter os árabes em seu avanço contra as terras cristãs. Ivan Teixeira. Op.cit. p. 66 Agora, é só usufruir da obra. Boa leitura! Leitura complementar Aqui, encontram-se algumas estrofes do episódio do Velho do Restelo para a sua apreciação. Mas um velho, de aspeito54 venerando55, Que ficava nas praias, entre a gente56, 54 aspecto 55 Venerável, respeitoso 56 No meio do povo. O poeta insinua que a figura do velho representa a opinião popular sobre as navegações 57 Movendo a cabeça em sinal de reprovação 58 Voz carregada, própria da pessoa idosa 59 O saber do velho vem de suas experiências, saber empírico; não é uma pessoa erudita 60 experiente 61 Prazer de dominar 62 Enganoso prazer 63 prestígio 64 Culto da aparência e da ambição 65 Que enorme castigo. Fazer castigo = castigar; fazer justiça = punir Postos em nós os olhos, meneando57 Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada58 um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, Cum saber só de experiências feito59, Tais palavras tirou do experto60 peito: "Ó glória de mandar!61 Ó vã cobiça Desta vaidade, a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto62, que se atiça C’uma aura63 popular, que honra64 se chama! Que castigo tamanho65 e que justiça Fazes no peito vão66 que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles67 exprimentas! "Dura inquietação d'alma e da vida68, Fonte69 de desemparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios! Chamam-te ilustre, chamam-te subida70, Sendo dina71 de infames vitupérios72; Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com quem se o povo néscio73 engana; "A que novos desastres determinas De levar estes Reinos e esta gente? Que perigos, que mortes lhe74 destinas, Debaixo dalgum nome preminente75? Que promessas de reinos e de minas De ouro, que lhe farás tão facilmente ? Que famas lhe prometerás? Que histórias? Que triunfos? Que palmas? Que vitórias76? "Mas, ó tu, geração77 daquele insano78 Cujo pecado e desobediência Não somente do Reino soberano79 Te pôs neste desterro e triste ausência, Mas inda doutro estado, mais que humano, Da quieta e da simples inocência, Idade de ouro, tanto te privou, Que na de ferro e de armas te deitou80: "Já que nesta gostosa vaidade 66 Homens de peito vazio, sem coração, gananciosos 67 Nos homens de peito vazio 68 A glória de mandar é motivo de inquietação espiritual e física 69 Origem 70 sublime 71 digna 72 castigos 73 ignorante 74 Refere-se a “peito vão” 75 Proeminente, com aparência de importante 76 Sequência de sinônimos 77 Dirige-se a D. Manuel e á humanidade em geral 78 Adão 79 Éden, paraíso 80 lançou Profª. CristianeLiteratura Página 9 de 20 Tanto enlevas a leve Fantasia81, Já que à bruta82 crueza83 e feridade84 Puseste nome85, esforço86 e valentia, Já que prezas87 em tanta quantidade O desprezo da vida, que devia De ser sempre estimada, pois que já Temeu tanto perdê-la Quem a dá88: "Não tens junto contigo o Ismaelita89, Com quem sempre terás guerras sobejas90? Não segue ele do Arábio a Lei maldita91, Se tu pola92 de Cristo só pelejas93? Não tem94 cidades mil, terra infinita, Se terras e riqueza mais desejas? Não é ele por armas esforçado95, Se queres por vitórias ser louvado? "Deixas96 criar às portas o inimigo97, Por ires98 buscar outro de tão longe, Por quem se despovoe o Reino antigo99, Se enfraqueça e se vá deitando a longe100! Buscas o incerto e incógnito perigo Por que a Fama te exalte e te lisonje101 Chamando-te senhor com larga cópia102, Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia. "Oh! Maldito o primeiro que, no mundo, Nas ondas vela pôs em seco lenho103! Dino104 da eterna pena do Profundo105, Se é justa a justa 106Lei que sigo e tenho! Nunca juízo algum, alto e profundo, Nem cítara sonora107 ou vivo engenho108, Te dê por isso109 fama nem memória, 81 Extasiar a leviana imaginação 82 grosseira 83 crueldade 84 ferocidade 85 nomeaste 86 Coragem, bravura 87 valorizas 88 Cristo, aquele que dá a vida. 89 Mouro, mulçumano 90 Numerosas guerras 91 Religião maldita de Maomé, referência ao islamismo 92 pela 93 lutas 94 Sujeito: ismaelita 95 destemido 96 Sujeito elíptico: tu, glória de mandar 97 Os espanhóis 98 Para ires 99 Portugal 100 Vai se perdendo 101 lisonjeie 102 Com grande abundância 103 Maldito o primeiro homem no mundo que pôs vela em lenho seco nas ondas 104 digno 105 Inferno Mas contigo se acabe o nome e glória110! "Trouxe o filho de Jápeto111 do Céu O fogo que ajuntou ao peito humano, Fogo que o mundo em armas acendeu, Em mortes, em desonras (grande engano!)112. Quanto melhor nos fora, Prometeu, E quanto pera o mundo menos dano, Que a tua estátua ilustre113 não tivera114 Fogo de altos desejos que a movera115! "Não cometera o moço miserando116 O carro alto do pai, nem o ar vazio O grande arquitector117 c’o filho, dando, Um, nome ao mar118, e o outro, fama ao rio119. Nenhum cometimento alto e nefando120 Por fogo, ferro, água, calma e frio, Deixa intentado121 a humana geração. Mísera sorte! Estranha condição!122" Exercícios 1. (FUVEST) Leia os textos que seguem. Texto I - Mar português Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! 106 O segundo “justa” pode ser entendido como “santa”; Lei sagrada, a Bíblia 107 Instrumento relativo á poesia 108 inspiração 109 Por esse motivo, o invento da navegação 110 Nome e glória: fama 111 Prometeu, um dos titãs que se revoltaram contra os domínio de Júpter e roubou o fogo dos deuses para levá-lo aos homens 112 Para o Velho, levar o fogo dos deuses aos homens fez com que acendesse nestes a ambição, a ganância 113 O homem 114 tivesse 115 movesse 116 Fateonte, aquele que dirige o carro do sol 117 Dédalo, pai de Ícaro, o qual construiu asas de cera para tentar voar. Por conta da altitude, as asas derreteram e ambos caíram, um no rio e outro, no mar 118 Mar Icário, mar Egeu 119 Rio Pado, na Itália 120 Alto e nefando = digno de louvor ou de censura 121 intacto 122 A maior força do homem é também a sua maior fraqueza. Profª. Cristiane Literatura Página 10 de 20 Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Fernando Pessoa Texto II Em tão longo caminho e duvidoso Por perdidos as gentes nos julgavam, As mulheres co’um choro piedoso, Os homens com suspiros que arrancavam. Mães, esposas, irmãs, que o temeroso Amor mais desconfia, acrescentavam A desesperação e frio medo De já nos não tornar a ver tão cedo. Camões A partir dos trechos e de seus conhecimentos de Os Lusíadas, assinale a alternativa incorreta. a) O texto II pertence ao episódio “O velho do Restelo”, de Os Lusíadas, em que Camões indica uma crítica às pretensões expansionistas de Portugal, nos séculos XV e XVI. b) Apesar das diferenças de estilo, tanto o texto de Camões quanto o de Fernando Pessoa indicam uma mesma idéia: a de que o caráter heróico das descobertas marítimas exige e justifica riscos e sofrimentos. c) O fato de Camões, em Os Lusíadas, lançar dúvidas sobre a adequação das conquistas ultramarinas – o assunto principal do poema – contrapõe-se ao modelo clássico da epopéia. d) Ainda que abordem uma mesma circunstância histórica e ressaltem as mesmas reações humanas, o texto de Fernando Pessoa e o episódio “O velho do Restelo” chegam a conclusões diferentes sobre a validade das navegações portuguesas. e) Os dois textos referem-se aos sofrimentos que a expansão marítima portuguesa provocou 2. (FUVEST) No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho Destemperada e a voz enrouquecida, E não do canto, mas de ver que venho Cantar a gente surda e endurecida. O favor com que mais se acende o engenho Não no dá a pátria, não, que está metida No gosto da cobiça e na rudeza Duma austera, apagada e vil tristeza. Os versos acima pertencem a que parte de Os Lusíadas? a) Proposição b) Invocação c) Dedicatória d) Narração e) Epílogo As próximas duas questões tomam por base o seguinte texto: Cessem do sábio grego e do troiano As navegações grandes que fizeram; Cale−se de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram; Que eu canto o peito ilustre Lusitano, A quem Neptuno e Marte obedeceram. Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro valor mais alto se alevanta. 3. (Vunesp) A oitava acima constitui a terceira estrofe de Os Lusíadas, De Luís de Camões, poema épico publicado em 1572, obra máxima do Classicismo português. O tipo de verso que Camões empregou é de origem italiana e fora introduzido na literatura portuguesa algumas décadas antes, por Sá de Miranda. Quanto ao conteúdo, o poema Os Lusíadas toma como ponto de referência um episódio da história de Portugal. Baseado nestes comentários e em seus próprios conhecimentos, releia a estrofe citada e indique: a) O tipo de verso utilizado (pode mencionar simplesmente o número de sílabas métricas). b) O episódio da história de Portugal que serve de núcleo narrativo ao poema. 4. (Vunesp) Uma leitura atenta da estrofe citada revela que o conteúdo dos primeiros seis versos é retomado e sintetizado nos últimos dois versos. Interprete a estrofe de acordo com esta observação. 5. (FUVEST – SP) No mar, tanta tormenta e tanto dano, Tantas vezes a morte apercebida; Na terra, tanta guerra, tanto engano, Tanta necessidade aborrecida Onde pode acolher-se um fraco humano, Onde terá segura a curta vida, Profª. Cristiane Literatura Página 11 de 20 Que não se arme e se indigne o céu sereno Contra um bicho da terra tão pequeno? Nessa estrofe, Camões: a) exalta a coragem dos homens que enfrentam os perigos do mar e da terra. b) considera quanto deve o homem confiar na providência divina que o ampara nos riscos e adversidades. c) lamenta a condição humana ante os perigos, sofrimentos e incertezas da vida. d) propõe uma explicação a respeito do destino do homem e) classifica o homem como um bicho da terra, dada a sua agressividade. 6. (Fuvest) Leia os versos transcritos de Os Lusíadas, de Camões,para responder ao teste. Tu, só tu, puro Amor, com força crua, Que os corações humanos tanto obriga, Deste causa à molesta morte sua, Como se fora pérfida inimiga. Se dizem, fero Amor, que a sede tua Nem com lágrimas tristes se mitiga, É porque queres, áspero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano. Assinale a afirmação incorreta em relação aos versos transcritos: a) A apóstrofe inicial da estrofe introduz um discurso dissertativo a respeito da natureza do sentimento amoroso. b) O amor é compreendido como uma força brutal contra a qual o ser humano não pode oferecer resistências. c) A causa da morte de Inês é atribuída ao amor desmedido que subjugou completamente a jovem d) A expressão "se dizem" indica ser senso comum a idéia que brutalidade faz parte do sentimento amoroso. e) Os versos associam a causa da morte de Inês não só à força cruel do amor, mas também aos perigosos riscos que a jovem inimiga representava para o rei. 7. (UFSCar) A questão seguinte baseia-se no poema épico Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, do qual se reproduzem, a seguir, três estrofes. Mas um velho, de aspeito123 venerando, 123 aspecto Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, C’um saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito: “Ó glória de mandar, ó vã cobiça Desta vaidade a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça C’uma aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas! Dura inquietação d’alma e da vida Fonte de desamparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios! Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo digna de infames vitupérios; Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com quem se o povo néscio engana.” Os versos de Camões foram retirados da passagem conhecida como “O Velho do Restelo”. Nela, o velho a) abençoa os marinheiros portugueses que vão atravessar os mares à procura de uma vida melhor. b) critica as navegações portuguesas por considerar que elas se baseiam na cobiça e busca de fama. Profª. Cristiane Literatura Página 12 de 20 c) emociona-se com a saída dos portugueses que vão atravessar os mares até chegar às Índias. d) destrata os marinheiros por não o terem convidado a participar de tão importante empresa. e) adverte os marinheiros portugueses dos perigos que eles podem encontrar para buscar fama em outras terras. 8. (FUVEST) Considere as seguintes afirmações sobre a fala do velho do Restelo, em Os Lusíadas: I - No seu teor de crítica às navegações e conquistas, encontra-se refletida e sintetizada a experiência das perdas que causaram, experiência esta já acumulada na época em que o poema foi escrito. II - As críticas aí dirigidas às grandes navegações e às conquistas são relativizadas pelo pouco crédito atribuído a seu emissor, já velho e com um “saber só de experiências feito”. III - A condenação enfática que aí se faz à empresa das navegações e conquistas revela que Camões teve duas atitudes em relação a ela: tanto criticou o feito quanto o exaltou. Está correto apenas o que se afirma em a) I. b) II. c) III. d) I e II. e) I e III. 9. (PUC) Os Lusíadas, obra de Camões, exemplificam o gênero épico na poesia portuguesa, entretanto oferecem momentos em que o lirismo se expande, humanizando os versos. O episódio de “Inês de Castro” é considerado o ponto alto do lirismo camoniano inserido em sua narrativa épica. Desse episódio, como um todo, pode afirmar-se que seu núcleo central a) personifica e exalta o Amor, mais forte que as conveniências e causa da tragédia de Inês. b) celebra os amores secretos de Inês e de D. Pedro e o casamento solene e festivo de ambos. c) tem como tema básico a vida simples de Inês de Castro, legítima herdeira do trono de Portugal. d) retrata a beleza de Inês, posta em sossego, ensinando aos montes o nome que no peito escrito tinha. e) relata em versos livres a paixão de Inês pela natureza e pelos filhos e sua elevação ao trono português. 10. (UEL) A próxima questão refere-se ao Canto V de Os Lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões (1524/5?- 1580). XXXVII Porém já cinco sóis eram passados Que dali nos partíramos, cortando Os mares nunca de outrem navegados, Prosperamente os ventos assoprando, Quando ua noite, estando descuidados Na cortadora proa vigiando, Ua nuvem, que os ares escurece, Sobre nossas cabeças aparece. XXXVIII Tão temerosa vinha e carregada, Que pôs nos corações um grande medo. Bramindo, o negro mar de longe brada, Como se desse em vão nalgum rochedo - “Ó Potestade - disse - sublimada, Que ameaço divino ou que segredo Este clima e este mar nos apresenta, Que mor cousa parece que tormenta?” (CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. 4ª. ed. Porto: Editorial Domingos Barreira, s.d. p. 332.) Há, na passagem selecionada, o registro de mudança no cenário. Trata-se do prenúncio de agouros a serem efetivados: a) Pelo velho do Restelo, encolerizado frente à excessiva vaidade do povo português. b) Pelos mouros, inconformados com as sucessivas conquistas dos portugueses. c) Pelo velho do Restelo, irritado diante de tantas glórias relatadas por Vasco da Gama. d) Pelo gigante Adamastor, irritado com o atrevimento do povo português a navegar seus mares. e) Pelo promontório Adamastor, maravilhado com a tecnologia náutica dos portugueses. ______________________________ Gabarito 1. B 2. E 3. a) O tipo de verso utilizado em todo o poema é o decassílabo (versos de dez sílabas poéticas). b) O episódio é a viagem de Vasco da Gama às Índias. 4. Nessa estrofe, Camões busca emular os grandes poetas da Antiguidade Clássica. A persona épica, com uma voz enfurecida, exige que se pare de cantar os feitos de Ulisses (“sábio grego”) e de Eneias (“troiano”), assim como as guerras de Profª. Cristiane Literatura Página 13 de 20 Alexandre Magno e de Trajano. O assunto agora superior seria as viagens de Vasco da Gama às Índias e a guerra dos portugueses contra os árabes e os espanhóis. A poesia do passado (“Musa antiga”) deveria ceder espaço para os feitos grandiosos do povo português. Essa ideia também se encontra nos últimos versos do poema, quando se refere a Alexandre, o Grande e Aquiles, herói da Odisseia: “De sorte que Alexandro em vós se veja, / Sem à dita de Aquiles ter enveja”. 5. C 6. E 7. B 8. E 9. A 10. D Lírica de Camões Dedicaremos esta aula ao estudo da poesia lírica de Camões. Para tanto, é necessário pensarmos também no estilo da lírica portuguesa dentre os contemporâneos desse grandioso poeta. Já dissemos que os autores clássicos tinham como princípio a imitação e que buscavam o equilíbrio e a sobriedade. Assim, o diálogo entre poetas do século XVI era intenso e a temática de sua poesia deveras semelhante. Muitos temas são recorrentes nesses poetas: [...] elogio de damas de alta e baixa classe, críticas pessoais, comentários sobre os costumes e os problemas sociais e políticos, adulação do padre responsável pela censura dos livros, elogios mútuos entre poetas, pedidos de mecenato, pedidos prosaicos (como o envio de cães de caça), pedidos de ajuda financeira ou de soltura da prisão, permuta de poemas por facas, tecidos ou galinhas. Discutiam-se em versos questões pessoais, sociais e nacionais, em epístolas,sátiras, odes, elegias, trovas, epigramas e sonetos. Foi uma época de muitos (bons e maus) poetas. Sheila Moura Hue, Introdução in Antologia de Poesia Portuguesa – século XVI – Camões entre seus contemporâneos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004, p. 11 É necessário ressaltar, porém, que o ideário medieval ainda aparece na lírica do século XVI: [...] O século XVI português constitui época bifronte, justamente pela coexistência e não raro interinfluência das duas formas de cultura, a medieval e a clássica. Do ângulo da expressão poética, a primeira seria a “medida velha” e a segunda, a “medida nova”. Tal dicotomia, lugar- comum nos escritores quinhentistas portugueses, é indispensável à compreensão das aparentes ambivalências de sua proposta estética. Explica-se a dualidade quinhentista do seguinte modo: para alguns homens, moldados conforme os padrões medievais ainda vigentes, não era fácil aceitar de pronto e integralmente a nova moda. Em consequência, só lhes estava a tentativa de assimilar o novo ao velho, formando um rosto de dupla face: uma, olha para o passado medieval, outra, para o clássico, fundindo-o com a atmosfera trazida pelas descobertas e pelas invenções. Doutro modo, não se compreende como a novela de cavalaria, medieval por excelência, tenha alcançado o ápice e tivesse sido cultivada com apaixonante interesse precisamente no século XVI. Massaud Moisés. A Literatura Portuguesa. 33 ed, São Paulo: Cultrix, ?, p. 52 Apesar dessa dualidade, o período renascentista na literatura portuguesa é de tamanho racionalismo que até mesmo o sentimento amoroso é entendido sob uma lógica por meio da qual se busca uma verdade universal. É notória a influência de Petrarca, poeta italiano, nos clássicos portugueses. A imitação em Camões, porém, de seu grande influenciador, ainda quando feita deliberadamente, deixava margem para a expressão pessoal. Diferente do florentino, o poeta português nega o aristocratismo da poesia italiana e acolhe também os moldes populares. Abaixo, um soneto camoniano inspirado em Petrarca: Eu cantarei de amor tão docemente, por uns termos em si tão concertados, que dous mil acidentes namorados faça sentir ao peito que não sente. Farei que amor a todos avivente, pintando mil segredos delicados, brandas iras, suspiros namorados, temerosa ousadia e pena ausente. Também, Senhora, do desprezo honesto de vossa vista branda e rigorosa, contentar-me-ei dizendo a menos parte. Porém, para cantar de vosso gesto Profª. Cristiane Literatura Página 14 de 20 a composição alta e milagrosa, aqui falta saber, engenho e arte124. (Luís de Camões, Lírica. Notas de Aires da Mata Machado, Belo Horizonte: Itatiaia, 1982, p. 14) Esse outro soneto também tem influência de Petrarca: Quem diz que Amor é falso ou enganoso, ligeiro, ingrato, vão desconhecido, sem falta lhe terá bem merecido que lhe seja cruel ou rigoroso. Amor é brando, doce e é piedoso. Quem o contrário diz não seja crido, seja por cego e apaixonado tido, e aos homens, e inda os deuses, odioso. Se males faz Amor, em mim se vêm; em mim mostrando todo o seu rigor, ao mundo quis mostrar quanto podia. Mas todas suas iras são de amor; todos estes males são um bem, que eu por todo outro bem não trocaria. (Luís de Camões in Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez MInchillo, A Lírica de Camões. 3 ed, Cotia: Ateliê Editorial, 1998, p. 21) Note que o eu lírico tenta conceituar o amor chegando à conclusão de que, para aqueles que amam, mesmo o sofrimento é um bem. Ao analisar a essência do sofrer, reforça-se o compromisso com a especulação racional, marca do homem renascentista. 124 Arte = eloquência; engenho = talento. A primeira sem a segunda resulta num trabalho artesanal destituído de inspiração. 125 Daí o termo “ideal”. 1. Influência da filosofia grega na lírica camoniana Como vimos, a literatura classicista retoma normas e gêneros eruditos da Antiguidade. Mas não é só. É notória a influência também dos filósofos clássicos na obra de Camões, sobretudo na lírica. Para entendermos um pouco mais sobre esse tema, vejamos o que comentam Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez Minchillo sobre a filosofia antiga na lírica renascentista: A dimensão filosófica da literatura do Renascimento também vem de correntes desenvolvida na Grécia antiga. Especialmente o Platonismo influenciou a visão de mundo observável nas obras do período. Platão havia proposto um modelo de universo bipartido: a realidade terrena seria uma grande ilusão, enquanto num plano transcendental se encontrariam as Ideias125 perfeitas. Em outras palavras, aquilo que nos cerca e que se conhece através dos sentidos é entendido como um “engano”, uma cópia imperfeita de modelos intangíveis126. Essa teoria propõe, no entanto, um outro problema: se as formas idéias não podem ser conhecidas diretamente através dos sentidos, como o homem poderia conhecê-las? O próprio Platão soluciona a questão. Para o filósofo grego, a alma humana é imortal e já teria vivenciado uma dimensão superior, na qual pode contemplar essas formas perfeitas. O nascimento acarretaria o aprisionamento da alma, cujas lembranças do mundo ideal estariam adormecidas. Dessa teoria deriva a noção de que tudo que se conhece no plano terreno, tudo que se experimenta na vida é falso, insatisfatório: o amor consumado vale menos que o amor distante e improvável; a beleza da mulher que se deixa ver é menos interessante que a sensualidade da mulher com quem não se pode encontrar; as conquistas já realizadas não têm a força dos desejos não satisfeitos. (Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez Minchillo, A Lírica de Camões. 3 ed, Cotia: Ateliê Editorial, 1998, p. 15-17) Agora, leia esse soneto e pense: em que medida o poema apresenta a visão de mundo platônica? Transforma-se o amador na cousa amada, por virtude127 do muito imaginar; não tenho, logo128, mais que desejar, pois tenho em mim a parte desejada. 126 inalcançáveis 127 em consequência 128 portanto Profª. Cristiane Literatura Página 15 de 20 Se nela está minh’alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está ligada. Mas esta linda e pura semideia129 que, como um acidente em seu sujeito, assi com a alma minha se conforma, está no pensamento como ideia; o vivo e puro amor de que sou feito, como a matéria simples, busca a forma. Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez Minchillo, op. cit., p. 15-17 2. Poemas líricos Camonianos Em 1595 publicam-se pela primeira vez as Rimas de Camões; obra póstuma, portanto, já que o poeta morre em 1580 – fato que marca o fim do Classicismo em Portugal. Alguns temas fazem-se frequentes: instabilidade dos sentimentos e da realidade, ideal de perfeição física e moral, desconcerto do mundo, amor platônico, perda da amada, a própria atividade poética. Devido às contradições, aos dilemas humanos e à sensação de impotência diante do destino presentes em sua obra, cria-se um universo de incertezas e desestabilidade, marcas de um poeta melancólico e pessimista, que busca entender opostos inconciliáveis – justiça e injustiça, eterno e efêmero, incerto e previsível – o que se manifesta também numa linguagem repleta de antíteses e paradoxos. É por essas tensões existenciais que o poeta se aproxima do estilo maneirista, visão dos últimos tempos do Renascimento que contrastava com a tendência e equilíbrio emocional e racionalismo do mundo clássico, já prefigurando o Barroco (assunto que trabalharemos em breve). Agora que já conhecemosum pouco da obra de Camões, seguem alguns poemas para você ler, interpretar e refletir. I 129 semideusa 130 Versos que servem de tema para o desenvolvimento do poema 131 formosa 132 Glosa, composição poética que desenvolve o mote MOTE130 Descalça vai pera a fonte Lianor, pela verdura; vai fermosa131 e não segura. VOLTA132 Leva na cabeça o pote, o testo133 nas mãos de prata, cinta de fina escarlata, sainho de chamalote134; traz a vasquinha de cote135, mais branca que a neve pura; vai fermosa e não segura. Descobre a touca a garganta, cabelos d' ouro o trançado, fita de cor d' encarnado... Tão linda que o mundo espanta! Chove nela graça tanta que dá graça à fermosura; vai fermosa, e não segura. II Os bons vi sempre passar no mundo graves tormentos; e, para mais m’espantar, os maus vi sempre nadar em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim o bem tal mal ordenado, fui mal; mas fui castigado. Assim que só para mim Anda o mundo concertado. III Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. 133 Tampa para vasilhas 134 Casaco de lã trançada com seda que cobre até a altura dos joelhos 135 Saia com muitas pregas usada cotidianamente Profª. Cristiane Literatura Página 16 de 20 Continuamente vemos novidades, diferentes136 em tudo da esperança137; do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem – se algum houve—, as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto foi de neve fria, e enfim converte em choro o doce canto. E afora este mudar-se cada dia, outra mudança faz de mor espanto: que não se muda já como soía138. IV Busque Amor novas artes, novo engenho, para matar-me, e novas esquivanças; que não pode tirar-me as esperanças, que mal me tirará o que eu não tenho. Olhai de que esperanças me mantenho! Vede que perigosas seguranças! Que não temo contrastes nem mudanças, andando em bravo mar, perdido o lenho. Mas, conquanto não pode haver desgosto onde esperanças falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê. Que dias há que na alma me tem posto 136 Cria-se um efeito interessante de contrastes, característica também bastante marcante na poesia camoniana, entre “continuamente” (permanência) e “diferentes” (mudança) 137 esperado um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê. V Tanto de meu estado me acho incerto, que em vivo ardor tremendo estou de frio; sem causa, juntamente choro e rio, o mundo todo abarco e nada aperto. É tudo quanto sinto, um desconcerto; da alma um fogo me sai, da vista um rio; agora espero, agora desconfio, agora desvario, agora acerto. Estando em terra, chego ao Céu voando, numa hora acho mil anos, e é de jeito que em mil anos não posso achar uma hora. Se me pergunta alguém porque assi ando, respondo que não sei; porém suspeito que só porque vos vi, minha Senhora. 139 Exercícios 1. (UM-SP) Sobre a lírica camoniana, é incorreto afirmar que: a) Boa parte de sua realização se encontra na poesia de inspiração clássica b) Sua temática é variada, encontrando-se desde temas abstratos até tradicionais c) No aspecto formal, é toda construída em versos decassílabos em oitava rima d) Sonda o sombrio mundo do “eu”, da mulher, da pátria e de Deus e) Muitas vezes, o poeta procura conceituar o amor, lançando mão de antíteses e paradoxos. Texto para as próximas duas questões. Busque Amor novas artes, novo engenho Pera matar-me, e novas esquivanças, Que não pode tirar-me as esperanças, Que mal me tirará o que eu não tenho. Olhai de que esperanças me mantenho! Vede que perigosas seguranças! 138 costumava 139 Todos os poemas foram retirados da mesma edição: Izeti Fragata Torralvo e Carlos Cortez Minchillo, op. cit.. Profª. Cristiane Literatura Página 17 de 20 Que não temo contrastes nem mudanças, Andando em bravo mar, perdido o lenho. Mas, enquanto não pode haver desgosto Onde esperança falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê, Que dias há que na alma me tem posto Um não sei quê, que nasce não sei onde, Vem não sei como e dói não sei porquê. Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br 2. (FGV-SP) Neste poema é possível reconhecer que uma dialética amorosa trabalha a oposição entre: a) O bem e o mal b) A proximidade e a distância c) O desejo e a idealização d) A razão e o sentimento e) O mistério e a realidade 3. (FGV-SP) Uma imagem de forte expressividade deixa implícita uma comparação com o arriscado jogo do amor. Assinalar a alternativa que contém essa imagem. a) O engenho do amor b) O perigo da segurança c) Naufrágio em bravo mar d) Mar tempestuoso e) Um não sei quê 4. (Fuvest) Na Lírica de Camões: a) O metro usado para a composição dos sonetos é a redondilha maior b) Encontram-se sonetos, odes, sátiras e autos c) Cantar a pátria é o centro das preocupações d) Encontra-se uma fonte de inspiração de muitos poetas brasileiros do século XX e) A mulher é vista em seus aspectos físicos, despojada de espiritualidade. (MACK) Textos para as próximas três questões. Texto I Tanto de meu estado me acho incerto que em vivo ardor tremendo estou de frio; sem causa, juntamente choro e rio; o mundo todo abarco e nada aperto. [...] Se me pergunta alguém por que assim ando, respondo que não sei; porém suspeito que só porque vos vi, minha Senhora. Camões Texto II Metassoneto ou o computador irritado abba baab cdc dcc [...] blablablablablablablablablablablablablabla bla José Paulo Paes 5. O texto I corresponde à primeira e última estrofes de conhecido soneto camoniano. Depreende-se de sua leitura que a) o poeta, ao usar o vocativo minha Senhora, explicita o fato de ter como interlocutora uma mulher já madura e experiente, capaz, portanto, de lhe aliviar a dor. b) um antigo envolvimento amoroso é agora relembrado com alegria, provocando no poeta prazerosas e variadas sensações. c) o poeta, ao manifestar à Senhora seu estado de espírito, faz indiretamente uma declaração amorosa. d) a insegurança do poeta se deve ao fato de ter sido rejeitado, conforme se explicita no verso que só porque vos vi, minha Senhora (última estrofe). e) o poeta, ao dizer respondo que não sei; porém suspeito revela uma contradição (“não saber/suspeitar”), pois não está em condições de descrever o momento que vive. 6. Assinale a alternativa correta acerca do texto I. a) O fragmento exemplifica traço estilístico característico da estética barroca que, de certa forma, já está latente na lírica camoniana: a linguagem marcada por paradoxos. b) Nesses versos, o poeta, embora renascentista, afasta-se dos cânones estéticos da época, como, por exemplo, o ideal de beleza artística associado à harmonia da composição. Profª. Cristiane Literatura Página 18 de 20 c) Observa-se nas estrofes a retomada de alguns expedientes retóricos típicos da Idade Média, como, por exemplo, o confessionalismo amoroso em linguagem ostensivamente emotiva. d) O texto é exemplo eloquente de que Camões inovou a lírica portuguesa ao tematizar o platonismo amoroso, caracterizado pela “coita de amor” e ausência de contato direto entre amante e amada. e) Nos versos confirma-se a tese de que, na obra camoniana, o amor é concebido como graçadivina, apesar de ser representado como uma intensa experiência erótica 7. Assinale a alternativa correta a respeito do texto II. a) O primeiro e o quarto versos da primeira estrofe aludem ao esquema rímico das estrofes do texto I. b) O último verso acentua a crítica a uma concepção de poesia que valoriza apenas o fazer técnico consagrado pelos cânones estéticos. c) O título Metassoneto, vocábulo composto por derivação, apresenta prefixo que, no contexto, dá à palavra o sentido de “soneto excepcional”, “supersoneto”. d) O sentido depreciativo, associado ao processo de repetição usado no último verso, opõe-se ao tom grave e solene impresso na primeira estrofe. e) A expressão computador irritado explicita a incompatibilidade, denunciada pelo texto, entre qualidade artística e progresso científico. 8. (UNICAMP) Leia o soneto abaixo, de Luís de Camões. Enquanto quis Fortuna que tivesse esperança de algum contentamento, o gosto de um suave pensamento me fez que seus efeitos escrevesse. Porém, temendo Amor que aviso desse minha escritura a algum juízo isento, escureceu-me o engenho com tormento, para que seus enganos não dissesse. Ó vós, que Amor obriga a ser sujeitos a diversas vontades! Quando lerdes num breve livro casos tão diversos, verdades puras são, e não defeitos... E sabei que, segundo o amor tiverdes, Tereis o entendimento de meus versos! (Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/ texto/bv000164.pdf. Acessado em 02/08/2016.) a) Nos dois quartetos do soneto acima, duas divindades são contrapostas por exercerem um poder sobre o eu lírico. Identifique as duas divindades e explique o poder que elas exercem sobre a experiência amorosa do eu lírico. b) Um soneto é uma composição poética composta de 14 versos. Sua forma é fixa e seus últimos versos encerram o núcleo temático ou a ideia principal do poema. Qual é a ideia formulada nos dois últimos versos desse soneto de Camões, levando-se em consideração o conjunto do poema? 9. (UNICAMP) Leia o soneto abaixo, de Luís de Camões: Cá nesta Babilônia, donde mana matéria a quanto mal o mundo cria; cá donde o puro Amor não tem valia, que a Mãe, que manda mais, tudo profana; cá, onde o mal se afina e o bem se dana, e pode mais que a honra a tirania; cá, onde a errada e cega Monarquia cuida que um nome vão a desengana; cá, neste labirinto, onde a nobreza, com esforço e saber pedindo vão às portas da cobiça e da vileza; cá neste escuro caos de confusão, cumprindo o curso estou da natureza. Vê se me esquecerei de ti, Sião! Profª. Cristiane Literatura Página 19 de 20 (Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/tex to/bv000164.pdf. Acessado em 08/09/2015.) a) Uma oposição espacial configura o tema e o significado desse poema de Camões. Identifique essa oposição, indicando o seu significado para o conjunto dos versos. b) Identifique nos tercetos duas expressões que contemplam a noção de desconcerto, fundamental para a compreensão do tema do soneto e da lírica camoniana. 10. (UNICAMP) Leia o seguinte soneto de Camões: Oh! Como se me alonga, de ano em ano, a peregrinação cansada minha. Como se encurta, e como ao fim caminha este meu breve e vão discurso humano. Vai-se gastando a idade e cresce o dano; perde-se-me um remédio, que inda tinha. Se por experiência se adivinha, qualquer grande esperança é grande engano. Corro após este bem que não se alcança; no meio do caminho me falece, mil vezes caio, e perco a confiança. Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, se os olhos ergo a ver se inda parece, da vista se me perde e da esperança. a) Na primeira estrofe, há uma contraposição expressa pelos verbos alongar e encurtar. A qual deles está associado o cansaço da vida e qual deles se associa à proximidade da morte? b) Por que se pode afirmar que existe também uma contraposição no interior do primeiro verso da segunda estrofe? c) A que termo se refere o pronome “ele” da última estrofe? _____________________________________ Gabarito 1. C 2. D 3. D 4. D 5. C 6. A 7. B 8. a) A primeira divindade é a Fortuna, que ajuda o eu lírico a escrever, isto é, a fazer um registro de sua experiência amorosa. A segunda divindade é o Amor, que dificulta o engenho do poeta, produz enganos e sujeita aquele que ama. Portanto, o soneto elabora a tensão entre o ato de criação poética, marcado por certo contentamento e “o gosto de um suave pensamento” e os efeitos contraditórios que o Amor produz na experiência criativa e amorosa do eu lírico. b) A tese defendida é a de que o entendimento dos versos é possível na medida em que o leitor experimente o amor. Por conseguinte, a escrita do poema é produção dotada de sentido com lastro na experiência e compreensível em um grau proporcional à experiência existencial do possível leitor da obra lírica. 9. a) Trata-se da oposição entre Babilônia e Sião. Se Babilônia representa alegoricamente o mal, ao evocar a situação de exílio e privação do eu lírico, e também por tudo que simboliza na tradição judaico- cristã (como, por exemplo, a tirania, o amor impuro, os desenganos e a vida errática), Sião encarna as ideias de liberdade, verdade e amor puro. Babilônia é o local do desconcerto do mundo, ao passo que Sião indica a pátria verdadeira, local da justa proporção e da possível harmonia entre os valores espirituais do eu lírico e a sua realidade social e material. b) No primeiro terceto, a expressão “neste labirinto,” capta um dos traços fundamentais da noção de desconcerto, a saber, o deslocamento errático do eu lírico em um mundo marcado pela cobiça e pela vileza, em suma, pelo pecado. No segundo terceto, a expressão “neste escuro caos de confusão” sugere as ideias de desordem e desorientação desse eu lírico. Tais expressões do desconcerto são antítese das ideias de proporção, equilíbrio e beleza, que compõem o campo semântico do conceito de concerto, encarnado na forma lógica e rigorosa do soneto e na própria visão de mundo do homem renascentista. 10. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000164.pdf.%20Acessado%20em%2008/09/2015 http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000164.pdf.%20Acessado%20em%2008/09/2015 Profª. Cristiane Literatura Página 20 de 20 a) O verbo "alongar" associa-se a cansaço da vida. O "encurtar" relaciona-se à proximidade da morte. b) Há no primeiro verso da segunda estrofe uma oposição entre "gastando" e "cresce". Quanto mais a idade avança, mais o eu lírico aproxima-se do fim da vida. c) O pronome "ele" refere-se ao vocábulo "bem". Leitura complementar Um dos poemas mais conhecidos em língua portuguesa sobre o amor é da autoria de Camões. Muitos poetas e compositores utilizaram- se dele para criar novos textos. Abaixo, aprecie o soneto camoniano e a canção Monte Castelo, da Legião Urbana Note a intertextualidade com o poema camoniano e com trechos bíblicos. Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor? Luís de Camões Monte Castelo Legião Urbana Composição: Renato Russo (recortes do Apóstolo Paulo e de Camões) Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse
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