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Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 1 de 26 Filosofia – Caderno 4 SEMANA 1: Racionalismo René Descartes (1596 – 1650) Filósofo e matemático francês, considerado por muitos o pai da filosofia moderna. Em seus escritos, reflete sobre o mundo renascentista e sobre as consequências da revolução científica que marca o século XVI. Procura estabelecer os fundamentos para um conhecimento seguro, fundado em parâmetros racionais e em bases matemáticas, rompendo com os preceitos escolásticos e criticando, por outro lado, os posicionamentos de pensadores céticos que emergem em sua época. Descartes é um dos expoentes mais importantes do Racionalismo, vertente filosófica que aponta ser o princípio de racionalidade o que faz com que o homem seja capaz de obter conhecimento sobre si mesmo e sobre o mundo. A razão seria mais confiável do que os sentidos em matéria de produzir um conhecimento seguro. Contudo, é preciso um método para guiar a razão. De outro modo, ela estaria sujeita a erros. Descartes procura, assim, firmar uma base segura para o desenvolvimento das ciências. Busca também legitimar a matemática. Dúvida metódica – Descartes assume a dúvida como método e busca aquilo de que não se pode duvidar (indubitável ou ideia clara e distinta) Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências. Mas, parecendo-me ser muito grande essa empresa, aguardei atingir uma idade que fosse tão madura que não pudesse esperar outra após ela, na qual eu estivesse mais apto para executá-la; o que me fez diferi-Ia por tão longo tempo que doravante acreditaria cometer uma falta se empregasse ainda em deliberar o tempo que me resta para agir. (René Descartes – Meditações Metafísicas) “Meditações Metafísicas” (obra publicada em 1641) Busca uma base inicial segura para o conhecimento. Crítica ao ceticismo vigente, que duvidava de qualquer possibilidade de se definir verdades. Ao mesmo tempo, vale-se das próprias indagações céticas, submetendo suas crenças e antigas opiniões a uma análise rigorosa em busca pelo conhecimento seguro e indubitável. Afirma que aceitará como verdade apenas aquilo que conseguir sobreviver a qualquer dúvida. Duvida sistematicamente da tradição, dos sentidos, da realidade exterior, da matemática até chegar à primeira verdade segura: Cogito ergo sum. Em um momento significativo de sua primeira meditação, apresenta o que se costuma chamar de dúvida hiperbólica: argumento do gênio maligno, uma ferramenta de radicalização de seu método, com o intuito de fortalecer os critérios que demonstrem evidência. Qualquer indício de dúvida, mesmo algo que pareça absurdo à primeira vista, deve servir para que uma ideia seja descartada. Cogito – Penso, logo existo: garante a existência de um ser que pensa, mas não necessariamente um mundo exterior ao pensamento. Descartes dividiu a realidade em res conngitans (consciência e mente) e res extensa (corpo e matéria). Para ele, o pensamento é mais evidente do que a matéria, uma vez que é mais fácil comprovar o mundo imaterial do que o mundo material, algo constatado nas meditações filosóficas que o conduzem à sua primeira certeza, o COGITO. Assim como Platão, Descartes acredita na existência de certas ideias inatas. Uma desses seria a noção da existência de Deus. Ele afirma: “eu não teria a ideia de uma substância infinita e perfeita se ela não tivesse sido colocada em mim por uma substância verdadeiramente infinita e perfeita”. Deus, assim, é parte importante do sistema filosófico de Descartes, uma vez que é a existência de Deus que rompe com a hipótese do gênio maligno e garante a existência do mundo material. Argumento Mecanicista Descartes acreditava que o mundo físico operava como uma máquina, assim como as diferentes engrenagens produzidas pelo homem, tal como um relógio, por exemplo. No relógio, uma coisa funciona em função da outra e os mecanismo interagem entre si, o que pode originar dinâmicas complexas. Assim ele acreditava ser o funcionamento do mundo, que era visto por Descartes como um mecanismo bastante complexo. Um dos caminhos para se compreender um mecanismo complexo seria desmembrá-lo em partes mais simples, que é o que ele apresenta em sua obra Discurso do Método. “Discurso do Método” (publicado em 1637) Questiona o conhecimento até então adquirido e assume a racionalidade como o atributo fundamental do homem, que pode garantir o conhecimento seguro, desde que guiada por um método. As 4 regras do método: 1. jamais aceitar como verdadeira uma coisa que não se soubesse ser evidentemente como tal; 2. dividir as dificuldades em níveis, de acordo com a complexidade; 3. ir do pensamento mais simples ao mais complexo; 4. enumerar e revisar para nada omitir. “ (...) porque nossos sentidos nos enganam às vezes, quis supor que não havia coisa alguma que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, porque há homens que se equivocam ao raciocinar, mesmo no tocante às mais simples matérias da Geometria, e cometem aí paralogismos, rejeitei como falsas, julgando que estava sujeito a falhar como qualquer outro, todas as razões que eu tomara até então por demonstrações. E enfim, considerando que todos os mesmos pensamentos que temos quando despertos nos podem também ocorrer quando dormimos, sem que haja nenhum, nesse caso, que seja verdadeiro, resolvi fazer de conta que todas coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos.” DESCARTES, Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 1987 – p.25. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 2 de 26 Exercícios 1. (Ufsc 2019) No que se refere à obra Meditações Metafísicas de Descartes, é correto afirmar que: 01) os sentidos corpóreos são enganadores e, portanto, não são confiáveis para a obtenção de conhecimento. 02) só é possível distinguir o sono da vigília com o auxílio do gênio maligno. 04) não é possível adquirir conhecimento, portanto só nos resta aceitar o ceticismo. 08) Deus não existe, de modo que a melhor posição em filosofia é o ateísmo. 16) a dúvida metódica não se deve aplicar às verdades matemáticas. 32) a expressão “eu sou, eu existo” é a primeira certeza da filosofia cartesiana. 64) Deus existe, e tal verdade pode ser provada pela ideia que temos de Deus como um ser perfeito e pela constatação de que sua inexistência implicaria uma imperfeição. 2. (Uel 2019) Leia o texto a seguir. E se escrevo em francês, que é a língua de meu país, e não em latim, que é a de meus preceptores, é porque espero que aqueles que se servem apenas de sua razão natural inteiramente pura julgarão melhor minhas opiniões do que aqueles que não acreditam senão nos livros dos antigos. E quanto aos que unem o bom senso ao estudo, os únicos que desejo para meus juízes, não serão de modo algum, tenho certeza, tão parciais a favor do latim que recusem ouvir minhas razões, porque as explico em língua vulgar. DESCARTES, R. Discurso do Método. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Coleção “Os pensadores”. p. 79. Com base nos conhecimentos sobre Descartes e o surgimento da filosofia moderna, assinale a alternativa correta. a) A língua vulgar, o francês, expressa de modo mais adequado o espírito da modernidade por estar livre dos preconceitos da língua dos doutos, o latim. b) Redigir o Discurso do Método em francês teve propósitosimilar à tradução da bíblia para o alemão feita por Lutero: facilitar o acesso à sacralidade do texto em língua vulgar. c) O desencantamento do mundo, resultante da radical crítica cartesiana à tradição, teve como consequência o abandono da referência à divindade. d) As ideias expressas por Descartes em seu Discurso do Método refletem a postura tipicamente moderna de ruptura total com o passado. e) A razão natural inteiramente pura é um atributo inerente à natureza humana, independentemente da tradição ou da cultura à qual o humano se vincula. 3. (Enem 2018) O século XVIII é, por diversas razões, um século diferenciado. Razão e experimentação se aliavam no que se acreditava ser o verdadeiro caminho para o estabelecimento do conhecimento científico, por tanto tempo almejado. O fato, a análise e a indução passavam a ser parceiros fundamentais da razão. É ainda no século XVIII que o homem começa a tomar consciência de sua situação na história. ODALIA, N. In: PINSKY, J.; PINSKY. C. B. História da cidadania. São Paulo: Contexto. 2003. No ambiente cultural do Antigo Regime, a discussão filosófica mencionada no texto tinha como uma de suas características a) aproximação entre inovação e saberes antigos. b) conciliação entre revelação e metafísica platônica. c) vinculação entre escolástica e práticas de pesquisa. d) separação entre teologia e fundamentalismo religioso. e) contraposição entre clericalismo e liberdade de pensamento. 4. (Unesp 2018) De um lado, dizem os materialistas, a mente é um processo material ou físico, um produto do funcionamento cerebral. De outro lado, de acordo com as visões não materialistas, a mente é algo diferente do cérebro, podendo existir além dele. Ambas as posições estão enraizadas em uma longa tradição filosófica, que remonta pelo menos à Grécia Antiga. Assim, enquanto Demócrito defendia a ideia de que tudo é composto de átomos e todo pensamento é causado por seus movimentos físicos, Platão insistia que o intelecto humano é imaterial e que a alma sobrevive à morte do corpo. (Alexander Moreira-Almeida e Saulo de F. Araujo. “O cérebro produz a mente?: um levantamento da opinião de psiquiatras”. www.archivespsy.com, 2015.) A partir das informações e das relações presentes no texto, conclui-se que a) a hipótese da independência da mente em relação ao cérebro teve origem no método científico. b) a dualidade entre mente e cérebro foi conceituada por Descartes como separação entre pensamento e extensão. c) o pensamento de Santo Agostinho se baseou em hipóteses empiristas análogas às do materialismo. d) os argumentos materialistas resgatam a metafísica platônica, favorecendo hipóteses de natureza espiritualista. e) o progresso da neurociência estabeleceu provas objetivas para resolver um debate originalmente filosófico. 5. (Enem 2016) Nunca nos tornaremos matemáticos, por exemplo, embora nossa memória possua todas as demonstrações feitas por outros, se nosso espírito não for capaz de resolver toda espécie de problemas; não nos tornaríamos filósofos, por ter lido todos os raciocínios de Platão e Aristóteles, sem poder formular um juízo sólido sobre o que nos é proposto. Assim, de fato, pareceríamos ter aprendido, não ciências, mas histórias. DESCARTES. R. Regras para a orientação do espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Em sua busca pelo saber verdadeiro, o autor considera o conhecimento, de modo crítico, como resultado da a) investigação de natureza empírica. b) retomada da tradição intelectual. c) imposição de valores ortodoxos. d) autonomia do sujeito pensante. e) liberdade do agente moral. 6. (Ufu 2010) Em O Discurso sobre o método, Descartes afirma: Não se deve acatar nunca como verdadeiro aquilo que não se reconhece ser tal pela evidência, ou seja, evitar acuradamente a precipitação e a prevenção, assim como nunca se deve Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 3 de 26 abranger entre nossos juízos aquilo que não se apresente tão clara e distintamente à nossa inteligência a ponto de excluir qualquer possibilidade de dúvida. (REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: Do humanismo a Descartes. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. p. 289.) Após a leitura do texto acima, assinale a alternativa correta. a) A evidência, apesar de apreciada por Descartes, permanece uma noção indefinível. b) A evidência é a primeira regra do método cartesiano, mas não é o princípio metódico fundamental. c) Ideias claras e distintas são o mesmo que ideias evidentes. d) A evidência não é um princípio do método cartesiano. 7. (Uel 2010) Observe a tira e leia o texto a seguir: Mas há um enganador, não sei quem, sumamente poderoso, sumamente astucioso que, por indústria, sempre me engana. Não há dúvida, portanto, de que eu, eu sou, também, se me engana: que me engane o quanto possa, nunca poderá fazer, porém, que eu nada seja, enquanto eu pensar que sou algo. De sorte que, depois de ponderar e examinar cuidadosamente todas as coisas é preciso estabelecer, finalmente, que este enunciado eu, eu sou, eu, eu existo é necessariamente verdadeiro, todas as vezes que é por mim proferido ou concebido na mente. (DESCARTES, R. Meditações sobre Filosofia Primeira. Tradução, nota prévia e revisão de Fausto Castilho. Campinas: Unicamp, 2008, p. 25.) Com base na tira e no texto, sobre o cogito cartesiano, é correto afirmar: a) A existência decorre do ato de aparecer e se apresenta independente da essência constitutiva do ser. b) A existência é manifesta pelo ato de pensar que, ao trazer à mente a imagem da coisa pensada, assegura a sua realidade. c) A existência é concebida pelo ato originário e imaginativo do pensamento, o qual impede que a realidade seja mera ficção. d) a existência é a plenitude do ato de exteriorização dos objetos, cuja integridade é dada pela manifestação da sua aparência. e) A existência é a evidência revelada ao ser humano pelo ato próprio de pensar. 8. (ENEM) Após ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito. DESCARTES, R. Meditações. Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. A proposição “eu sou, eu existo” corresponde a um dos momentos mais importantes na ruptura da filosofia do século XVII com os padrões da reflexão medieval, por a) estabelecer o ceticismo como opção legítima. b) utilizar silogismos linguísticos como prova ontológica. c) inaugurar a posição teórica conhecida como empirismo. d) estabelecer um princípio indubitável para o conhecimento. e) questionar a relação entre a Filosofia e o tema da existência de Deus. 9. (Unioeste 2011) Considerando-se as primeiras linhas das Meditações sobre a filosofia primeira de René Descartes: “Há já algum tempo dei-me conta de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões por verdadeiras e de que aquilo que depois eu fundei sobre princípios tão mal assegurados devia ser apenas muito duvidoso e incerto; de modo que era preciso tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões que recebera até então em minha crença e começar tudo novamente desde os fundamentos, se eu quisesse estabelecer alguma coisa de firme e de constante nas ciências. (...) Agora, pois, que meu espírito está livre de todas as preocupações e que obtive um repouso seguro numa solidão tranquila, aplicar- me-ei seriamente e com liberdade a destruir em geral todas as minhas antigas opiniões” É correto afirmar sobre a teoria do conhecimento cartesiana que a) Descartes não utiliza um método ou uma estratégia para estabelecer algo de firme e certo no conhecimento,já que suas opiniões antigas eram incertas. b) Descartes considera que não é possível encontrar algo de firme e certo nas ciências, pois até então esse objetivo não foi atingido. c) Descartes, ao rejeitar o que a tradição filosófica considerou como conhecimento, busca fundamentar nos sentidos uma base segura para as ciências. d) ao investigar uma base firme e indestrutível para o conhecimento, Descartes inicia rejeitando suas antigas opiniões e utiliza o método da dúvida até encontrar algo de firme e certo. e) Descartes necessitou de solidão para investigar as suas antigas opiniões e encontrar entre elas aquela que seria o verdadeiro fundamento do conhecimento. 10. (Uel 2012) Leia o texto a seguir. Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda sua indústria em enganar-me sempre. Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 4 de 26 com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito. (DESCARTES, René. Meditações. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p.100 - Coleção Os Pensadores.) A partir do texto e dos conhecimentos acerca de Descartes: a) Apresente o propósito e os graus da dúvida metódica. b) Demonstre como Descartes descobre que o pensamento é a verdade primeira. Gabarito: 1. 01+32+64=97 2.E 3.E 4.B 5.D 6.C 7.E 8.D 9.D SEMANA 2: Introdução à sociologia brasileira (parte I) “Fracassei na maioria das propostas que defendi. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu” Darcy Ribeiro A Sociologia no Brasil Na Europa, a Sociologia tem seu início formal quando, em meados do século XIX, Auguste Comte propõe um método voltado para a elaboração científica do pensamento social, o que atribui à nova ciência um considerável grau de autonomia em relação à Filosofia Social, fundamental para seu desenvolvimento posterior. O foco da Sociologia é compreender a sociedade industrial moderna, caracterizada pelo modo de produção capitalista. No Brasil, há uma relação direta entre a formação do pensamento sociológico e o complexo processo de formação da consciência nacional, isso porque a identidade nacional do país vincula-se a um processo histórico de colonização e implantação da cultura europeia, promovido especialmente pelos jesuítas. “Imbuídos do espírito da catequese contrarreformista, os jesuítas trouxeram a filosofia universalista e a escolástica. Promoveram o tupi à condição de língua geral, popular, ao lado do latim e do português. Introduziram um sistema misto de exploração do trabalho indígena que, combinado com o ensino religioso, quase aniquilou, aos poucos, a cultura nativa. Assim, a catequese e a evangelização foram um importante instrumento de colonização.” (COSTA, Cristina. Sociologia: Introdução à Ciência da Sociedade. Ed. Moderna, p. 300) No século XVIII, com a mineração, e, posteriormente, no início do século XIX, com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, a sociedade brasileira começa a se urbanizar e a população livre passa a ser, pela primeira vez, mais numerosa do que a escrava. Há um forte desenvolvimento nas artes, com o Barroco, mas na produção científica o conhecimento era ainda insignificante. Ao longo do século XIX há alguns “estudos naturalistas” sobre o Brasil e o romantismo se desenvolve na literatura. Muito embora a nação emergisse como tema e como objeto de análise na produção artística da época, os modelos eram estrangeiros e na maioria das vezes isentos de caráter crítico ou reflexivo. Somente no final do século XIX, quando a sociedade começa a se modernizar, especialmente nos centros urbanos, é que a literatura realista começa a explorar a crítica social, como, por exemplo, na obra de Machado de Assis. O livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, que se propõe a analisar de modo denso e completo a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, é considerado por muitos uma obra inaugural do pensamento sociológico no Brasil. O autor, que como muitos de sua época era influenciado pelo Determinismo (corrente cientificista que acreditava que o ser humano é produto do meio ambiente, da raça e do contexto histórico), defendia, a princípio, o “embranquecimento dos brasileiros” e criticava a miscigenação racial. Euclides da Cunha manifesta essa perspectiva no seguinte trecho: "Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. E fazemo-lo porque a sua instabilidade de complexos, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em que jazem, as tornam talvez destinadas a próximo desaparecimento ante as exigências crescentes da civilização." (CUNHA, Euclides da. Os Sertões, Campanha de Canudos.) Contudo, após passar algum tempo vivendo junto à comunidade de Canudos, o próprio autor modifica sua visão e aos poucos abandona o determinismo. Com isso, temos em “Os Sertões” uma obra complexa, permeada por contradições, mas que explicita (de modo literário, jornalístico e historiográfico) o conflito de uma sociedade dividida entre o universo das cidades litorâneas e o do interior agrário e tradicional. Contradição semelhante permeia a obra literária, também inserida no contexto pré-modernista, de Monterio Lobato. Segundo Zinda Vasconcelos, em “O universo ideológico da obra infantil de Monteiro Lobato”: Francamente eugenista, a trama urdida por Lobato em O choque, onde a inteligência dos brancos acabava vencendo, vem destacar posições ambíguas Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 5 de 26 no escritor. Mas, se neste livro ele abraça ideias acerca da superioridade racial, em outros momentos resgata o elemento de origem africana e reconhece seu papel na cultura brasileira – como na caracterização de Tia Nastácia e tio Barnabé – personagens do sítio do Pica-Pau Amarelo representantes do saber popular. E tampouco se esquiva em denunciar as crueldades do escravismo, conforme se pode constatar no conto Negrinha. A falta de homogeneidade da população brasileira era alvo das críticas do pensamento internacional ao mesmo tempo em que se disseminava no Brasil no final do século XIX. Aquela população “sem forma”, misturada, mestiça era incompatível com qualquer projeto de nação. O Brasil era visto, então, como “uma nação sem povo”, pois não havia algo de homogêneo que pudesse definir ou caracterizar sua população. Proliferavam na época teses deterministas e positivistas, que contribuíam para que a miscigenação racial fosse vista como algo extremamente negativo. Tais teses estavam ligadas a estudos sobre raça e eugenia, que influenciavam muitos acadêmicos no final do século XIX. Era comum que o pensamento internacional analisasse de modo pejorativo o povo brasileiro, tal como no seguinte trecho, escrito pelo suíço Louis Agassiz, que relata sua viagem pelo Brasil: “O resultado natural do contato ininterrupto de mestiços entre eles é uma classe de homens em que tipos puros desaparecem quase totalmente, assim como as boas qualidades, físicas e morais, das raças primitivas, engendrando uma multidão sem raça tão repulsiva quanto os cães vira-latas, que estão aptos para serem companheiros e entre os quais é impossível escolher um único espécime que tenha a inteligência, a nobreza ou a afetividade natural que faz do cachorro de raça pura o companheiro favorito do homem civilizado. (...) Que qualquer um que duvidedo mal da mistura de raças e está inclinado, por uma falsa filantropia, a quebrar com as barreiras entre elas, vá ao Brasil. Não pode aí negar a deterioração resultante de uma amálgama de raças, mais difundida aqui do que em qualquer outro país do mundo, que apaga rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, deixando um tipo sem descrição nem raça, débil em termos físicos e mentais”. A Semana de Arte Moderna, em 1922, representa o início de uma busca por algo que rompesse com a preponderância das análises deterministas e positivistas que tratavam de modo pejorativo a miscigenação racial e que possibilitasse, assim, unificar todo esse conjunto de pessoas no país de uma forma singular, propriamente brasileira, de modo a definir o Brasil como cultura e civilização. Quando os modernistas inauguraram a Semana de 22, o Brasil era um país agrário, não industrializado e governado pela oligarquia do café. E mesmo a cidade de São Paulo sendo muito mais desenvolvida, (também mais cosmopolita, mais próxima das tendências europeias do que as demais cidades do país) as propostas dos modernistas não deixavam de estar distantes de sua realidade, de ser chocantes demais para o contexto. O modernismo no Brasil é um rompimento com o atraso do país. Propõe uma estética nova, de vanguarda, para um pensamento novo sobre o Brasil. A cidade de São Paulo passa por profundas modificações nas primeiras décadas do século XX. Os modernistas observaram a industrialização crescente e a importância gradativa que iam adquirindo os centros urbanos. Falando de progresso, de modernidade, eles pretendiam dar um grito de independência contra o atraso cultural do país. Inspirados nas linguagens das vanguardas européias, que revolucionaram a arte do período, buscavam romper com as tradições acadêmicas da arte no Brasil (tradições importadas da Europa) e, ao mesmo tempo, valorizar as marcas autenticamente brasileiras. Apesar da modernidade destacar uma nova realidade a ser pensada e retratada, o Brasil (apesar das marcas do progresso que começavam a aparecer na cidade de São Paulo) permanecia pouco desenvolvido, atrasado culturalmente, com um povo que carecia, segundo os relatos da época, de uma identidade própria. A Semana de Arte Moderna de 1922 pretendia colocar a cultura brasileira a par das correntes de vanguarda do pensamento europeu, ao mesmo tempo em que pregava a tomada de consciência da realidade brasileira, buscando inseri-la em um processo de civilização e adequação à contemporaneidade. A Semana de 22 detona um processo de transformação estética, reunindo propostas renovadoras que se defrontam com as tradições acadêmicas. O período que prossegue, de 1922 a 1930, é um período rico em manifestos e revistas que buscam definições e debatem questões do modernismo no país. O Movimento Antropofágico, que surge com o Manifesto Antropofágico, escrito por Oswald de Andrade em 1928, nasce como uma nova etapa do nacionalismo pau- brasil, sob a inspiração da tela de Tarsila do Amaral que Oswald batizou de Abaporu, que significa, em Tupi, homem que come. Essa tela deu nome ao movimento cuja proposta principal era que houvesse uma incorporação de vários elementos, tanto nativos quanto civilizadores, na formação de uma identidade cultural brasileira. Nessa perspectiva, os modernistas dão um importante passo reconstruindo a temática da identidade brasileira a partir de novas linguagens artísticas. Abaporu, Tarsila do Amaral – 1928. Se a Semana de 22 representa o primeiro passo do pensamento brasileiro no século XX, as obras “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, e “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque, representam os passos seguintes. O fato é que a proclamação da República não havia criado uma nação brasileira, com uma sociabilidade específica. Que país era o Brasil? Como era o seu povo? Quais suas peculiaridades? Já era uma República e então se via forçosamente inserido na modernidade através de um processo civilizatório complexo e comandado pelas elites. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 6 de 26 A GERAÇÃO DE 1930 Embora possamos dizer que havia alguma formulação sociológica no Brasil do final do século XIX, vinculada sobretudo ao pensamento de Euclides da Cunha, a Sociologia propriamente dita, autônoma e produzida num ambiente acadêmico, remete à década de 1930, com a fundação da Universidade de São Paulo e o aumento da produção científica. Em 1931 a Sociologia torna-se disciplina obrigatória no ensino médio. Os principais expoentes de uma geração de intelectuais que desponta na década de 30 são: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. Dentre as principais características do pensamento da época, podemos citar o interesse por analisar o Brasil de um modo não eurocêntrico, o nacionalismo como sentimento capaz de consolidar uma identidade brasileira e a valorização das abordagens científicas, inspiradas em teorias sociológicas e antropológicas produzidas na Europa e nos Estados Unidos. Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre O passo dado pelos modernistas na Semana de 22 é seguido pela elaboração da primeira grande obra teórica que se volta para pensar a cultura e a sociabilidade brasileira. Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, é uma obra pioneira para a Sociologia do país. Gilberto de Mello Freyre (1900 – 1987) nasceu e morreu no Recife. Sua obra é influenciada pela Antropologia culturalista de Franz Boas, pensador com o qual teve contato em sua pós- graduação na universidade Columbia, nos EUA, e também por análises da história do Brasil, sobretudo em seus aspectos mais cotidianos, que ele absorve inclusive de sua memória pessoal e de evocação de registros do seu passado, por meio de relatos familiares. Sua narrativa “romanceada” muitas vezes parece avessa à busca por rigor científico. Contudo, eis um dos traços fundamentais de seu estilo, descrito por muito estudiosos como “romance (ou saga) da história do Brasil”. Para Gilberto Freyre, todo o brasileiro, mesmo o alvo de cabelo louro, traz consigo, na alma ou no corpo, elementos incorporados dos indígenas e dos negros. Assim, ser brasileiro significa ser mesmo misturado. O português, por conta de uma disposição cultural, é um povo que gosta de se misturar. Freyre busca a origem desse comportamento na história de Portugal. Surge, já nessa primeira visualização da obra, uma interpretação para o Brasil. Ambos, indígenas, negros e brancos, contribuíram de forma significativa na formação do povo brasileiro. A cultura brasileira nasce, então, na miscigenação de elementos, e essa falta de homogeneidade não é algo prejudicial a um processo civilizatório, não significa a ausência de singularidade. Pelo contrário, Freyre atribui características comuns a todos os brasileiros. A partir de sua obra podemos reconhecer uma cultura peculiar de nosso país. Assim, podemos dizer que ele desenvolve uma tese sobre a formação da sociabilidade brasileira. Segundo Gilberto Freyre, nossa cultura nasce na esfera privada, nas relações cotidianas de família, no ambiente da casa grande. O negro aparece como importante elemento civilizatório, talvez o mais importante. A narrativa de Freyre é bastante rigorosa e detalhista, ao mesmo tempo, é como se ele estivesse contando uma história. “Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolegando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e mal assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho de pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama-de-vento,a primeira sensação completa de homem. Do moleque que foi nosso primeiro companheiro de brinquedo” (Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, pg. 331). Os negros, ao adentrarem na vida doméstica, imprimem sua cultura. As histórias portuguesas sofrem alterações ao passarem pela boca das negras, as velhas amas-de-leite. A linguagem infantil também se modifica no contato com as amas negras. Sem contar os hábitos alimentares, de higiene, que foram também bastante influenciados. Como vemos, a figura negra feminina tem uma importância fundamental na formação da sociabilidade brasileira. Ela adentra o ambiente doméstico e passa a fazer parte do cotidiano da família patriarcal. É na casa grande que o escravo pode manifestar sua cultura, pois não está oprimido no trabalho. É esse escravo que molda e influencia a cultura brasileira. O nascer da civilização brasileira se dá no seio da família, a sociabilidade surge nas relações de dominação, que se alternam com momentos de doçura, e que constituem o espaço privado da grande família. Assim, a relação senhor/escravo é um eixo explicativo da formação social brasileira. Essa relação de hierarquia e dominação é marcada pelo uso da violência. As relações familiares como um todo eram marcadas pela violência. Segundo Gilberto Freyre, a proximidade corporal pressupõe excessos de autoridade quanto ao corpo alheio: o despotismo dos pais, a agressão de senhores a seus escravos, a crueldade das senhoras com as escravas, dos meninos com os moleques de brinquedo. Ao mesmo tempo, a família patriarcal era bastante coesa. Na perspectiva de Freyre, as relações entre senhores e escravos também eram marcadas pela proximidade e pela doçura, como podemos claramente perceber através do trecho citado anteriormente. Os escravos domésticos fazem parte da vida afetiva da grande família, assim como da vida sexual, em muitos casos. As relações dos senhores com seus escravos, apesar de serem hierárquicas, não eram, para ele, unilaterais. E por isso os escravos tanto contribuíram para nossa formação cultural; também porque, segundo Freyre, o senhor português Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 7 de 26 não tinha consciência racial, o que permitiu ao negro imprimir sua cultura no Brasil. Com tudo isso, Freyre desmistifica a idéia da inferioridade mental do negro e dos povos miscigenados que proliferavam nas análises deterministas e positivistas da época. “(...) Dentro da orientação e dos propósitos deste ensaio, interessam-nos menos as diferenças de antropologia física (que não explicam inferioridades ou superioridades humanas, quando transportadas dos termos de hereditariedade e família para os termos de raça), que as de antropologia cultural e história social africana” (idem, pg.349). Em seu trabalho, procurou deixar de lado categorias como raça, natureza e determinismo do meio, e tentou interpretar o Brasil a partir da noção de cultura. A tese de Freyre quanto às contribuições equilibradas de negros e brancos ao patrimônio cultural brasileiro, e mesmo quanto à convivência supostamente harmônica no ambiente doméstico, permitiu que ele fosse interpretado a partir da ideia de democracia racial. O autor é visto como o criador desse mito da democracia racial, de que negros e brancos convivem no Brasil em harmonia, de que aqui não existe racismo, o que posteriormente foi criticado por diversos autores que pensaram as questões raciais e os problemas de conscientização racial no Brasil. Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque Gilberto Freyre demonstra ter saudades do período colonial, da voz suave da “ama-negra a nos embalar, daquela coceira tão boa, quando a mulata tirava de nós o bicho-de-pé”. A sociabilidade que nasce na esfera privada, que surge entre senhores e escravos, possibilita a constituição de relações de proximidade e troca de afinidades. Gilberto Freyre identifica a lógica privatista de nossa sociedade. Sérgio Buarque, por sua vez, aprofunda a questão da proeminência da vida privada no Brasil, entretanto, não adota um tom saudosista, volta-se para o futuro, está preocupado com o processo de modernização e com o desenvolvimento democrático no Brasil. Ao contrário de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque não tinha uma formação antropológica etnológica, também não estava preocupado com a narrativa. Sua preocupação maior era criar tipos ideais que caracterizassem a sociedade brasileira. Fortemente influenciado por Weber, sua obra se aproxima mais da Sociologia da época, apesar dele não ter formação em Sociologia. Com uma visão bastante apurada da formação colonial brasileira, Sérgio Buarque publica a obra Raízes do Brasil em 1936. Nela, identifica em nossa trajetória cultural os fundamentos de uma ordem patrimonialista que dificulta o desenvolvimento civil e democrático do Brasil. As raízes coloniais brasileiras são, para o historiador e sociólogo, contrárias à constituição de um espaço público em que predominem as regras racionais e a aceitação da lei como medida de justiça e equidade. Há no Brasil, por conta de um processo histórico em que os valores privados prevalecem sobre os públicos, uma dificuldade em se criar regras impessoais, fundadas no mercado e de se constituir um espaço público regido por uma lógica racional. Para Sérgio Buarque, essa raiz patrimonialista precisa ser quebrada para que haja um desenvolvimento democrático, para que o país se modernize. A formação colonial brasileira foi feita por um colonizador que não desejava constituir uma sociedade. O tipo ideal de colonizador que predominava era o do aventureiro, um tipo movido pelas paixões, avesso a uma noção de riqueza constituída a partir do trabalho, alguém que se apropria dos recursos para garantir sua própria sobrevivência. O modelo do aventureiro se opõe, portanto, ao tipo ideal do trabalhador, que procura se estabilizar e planeja objetivos longínquos. Sérgio Buarque identifica a cultura ibérica ao favorecimento da esfera privada. As raízes aventureiras de nossa colonização favorecem a lógica privatista que predomina em nossa sociedade. A ideia da não-racionalidade do brasileiro destaca-se por meio da figura do homem cordial. O homem cordial é o tipo ideal que personifica a tese de Sérgio Buarque, pois marca as relações de hierarquia e troca de favores presentes no espaço público. O homem cordial cultua valores como hospitalidade, generosidade, entretanto, é antagônico a qualquer manifestação de autoridade social que seja coercitiva à sua pessoa. Sua lógica é personalista. Apesar de não tolerar coerção social, reconhece o êxito de conviver entre as hierarquias, usando as regras a seu proveito. Essa lógica de socialização que predomina no homem cordial é oriunda de uma cultura que nasce na esfera privada, no seio da família patriarcal, e que também se funda na não- racionalidade do colonizador português, em sua atitude de aventureiro. Segundo Sérgio Buarque, a família foi sem dúvida a instituição que mais se destacou em nossa sociedade. As relações criadas na esfera doméstica sempre ofereceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. A dificuldade de adaptação dos indivíduos no mecanismo social se deve especialmente ao triunfo de virtudes familiares, de ordem privatista. Sérgio Buarque evoca, em sua obra, um comportamento racional moderno, está preocupado com a modernização política do país. Segundo ele, onde predomina o Estado deve ser abolida a ordem familiar, deve haver um triunfo da lei em detrimento do que é doméstico, o indivíduo deve tornar-se cidadão. Entretanto, no Brasil, como vimos, o Estado republicano convive com valores privatistas próprios de uma ordem familiar. Esses valores são um obstáculo à democracia, não permitem que o indivíduo deixe de ser uma expressão da coletividade familiar e torne-se um cidadão. A cordialidade brasileira é fruto de uma lógica privada, sustentada em hierarquias. A elitebrasileira carrega o coletivo-familiar, carrega a lógica do privilégio, carrega o autoritarismo. Sérgio Buarque vê a sociedade brasileira como uma sociedade autoritária que, por ser patrimonialista e atribuir importância Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 8 de 26 fundamental ao prestígio, não consegue cultuar valores democráticos. Até hoje podemos identificar a sociedade brasileira com uma sociedade que passou por um processo de modernização, mas que permanece conservadora, com dificuldade de criar uma sociabilidade pública. Implantar a sociedade civil não significa implantar civilidade e cidadania, uma democracia requer uma sociedade democrática e ações políticas mediadas pelas leis e pelos costumes republicanos. Exercícios: 01. (ENEM 2004) A questão étnica no Brasil tem provocado diferentes atitudes: I. Instituiu-se o “Dia Nacional da Consciência Negra” em 20 de novembro, ao invés da tradicional celebração do 13 de maio. Essa nova data é o aniversário da morte de Zumbi, que hoje simboliza a crítica à segregação e à exclusão social. II. Um turista estrangeiro que veio ao Brasil, no carnaval, afirmou que nunca viu tanta convivência harmoniosa entre as diversas etnias. Também sobre essa questão, estudiosos fazem diferentes reflexões: “Entre nós [brasileiros], (…) a separação imposta pelo sistema de produção foi a mais fluida possível. Permitiu constante mobilidade de classe para classe e até de uma raça para outra. Esse amor, acima de preconceitos de raça e de convenções de classe, do branco pela cabocla, pela cunhã, pela índia (…) agiu poderosamente na formação do Brasil, adoçando-o.” (Gilberto Freyre. O mundo que o português criou.) “[Porém] o fato é que ainda hoje a miscigenação não faz parte de um processo de integração das “raças” em condições de igualdade social. O resultado foi que (…) ainda são pouco numerosos os segmentos da “população de cor” que conseguiram se integrar, efetivamente, na sociedade competitiva.” (Florestan Fernandes. O negro no mundo dos brancos.) Considerando as atitudes expostas acima e os pontos de vista dos estudiosos, é correto aproximar a) a posição de Gilberto Freyre e a de Florestan Fernandes igualmente às duas atitudes. b) a posição de Gilberto Freyre à atitude I e a de Florestan Fernandes à atitude II. c) a posição de Florestan Fernandes à atitude I e a de Gilberto Freyre à atitude II. d) somente a posição de Gilberto Freyre a ambas as atitudes. e) somente a posição de Florestan Fernandes a ambas as atitudes. 02. (ENEM 2009) “Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio – e mais tarde de negro – na composição. Sociedade que se desenvolveria defendida menos pela consciência de raça, do que pelo exclusivismo religioso desdobrado em sistema de profilaxia social e política. Menos pela ação oficial do que pelo braço e pela espada do particular. Mas tudo isso subordinado ao espírito político e de realismo econômico e jurídico que aqui, como em Portugal, foi desde o primeiro século elemento decisivo de formação nacional; sendo que entre nós através das grandes famílias proprietárias e autônomas; senhores de engenho com altar e capelão dentro de casa e índios de arco e flecha ou negros armados de arcabuzes às suas ordens”. De acordo com a abordagem de Gilberto Freyre sobre a formação da sociedade brasileira, é correto afirmar que a) a colonização na América tropical era obra, sobretudo, da iniciativa particular. b) o caráter da colonização portuguesa no Brasil era exclusivamente mercantil. c) a constituição da população brasileira esteve isenta de mestiçagem racial e cultural. d) a Metrópole ditava as regras e governava as terras brasileiras com punhos de ferro. e) os engenhos constituíam um sistema econômico e político, mas sem implicações sociais. 03. (UEL) “A falta de coesão em nossa vida social não representa, assim, um fenômeno moderno. E é por isso que erram profundamente aqueles que imaginam na volta à tradição, a certa tradição, a única defesa possível contra nossa desordem. Os mandamentos e as ordenações que elaboraram esses eruditos são, em verdade, criações engenhosas de espírito, destacadas do mundo e contrárias a ele. Nossa anarquia, nossa incapacidade de organização sólida não representam, a seu ver, mais do que uma ausência da única ordem que lhes parece necessária e eficaz. Se a considerarmos bem, a hierarquia que exaltam é que precisa de tal anarquia para se justificar e ganhar prestígio”. (HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 33). Caio Prado Junior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda são intelectuais da chamada “Geração de 30”, primeiro momento da sociologia no Brasil como atividade autônoma, voltada para o conhecimento sistemático e metódico da sociedade. Sobre as preocupações características dessa geração, considere as afirmativas a seguir. I. Critica o processo de modernização e defende a preservação das raízes rurais como o caminho mais desejável para a ordem e o progresso da sociedade brasileira. II. Promove a desmistificação da retórica liberal vigente e a denúncia da visão hierárquica e autoritária das elites brasileiras. III. Exalta a produção intelectual erudita e escolástica dos bacharéis como instrumento de transformação social. IV. Faz a defesa do cientificismo como instrumento de compreensão e explicação da sociedade brasileira. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e III. b) I e IV. c) II e IV. d) I, II e III. e) II, III e IV. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 9 de 26 04. (Uel 2011) Leia o texto a seguir. “Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade incômoda, confirmando nosso instintivo horror às hierarquias e permitindo tratar com familiaridade os governantes.” (HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 160.) O trecho de Raízes do Brasil ilustra a interpretação de Sérgio Buarque de Holanda sobre a tradição política brasileira. A esse respeito, considere as afirmativas a seguir. I. As mudanças políticas no Brasil ocorreram conservando elementos patrimonialistas e paternalistas que dificultam a consolidação democrática. II. A política brasileira é tradicionalmente voltada para a recusa das relações hierárquicas, as quais são incompatíveis com regimes democráticos. III. As relações pessoais entre governantes e governados inviabilizaram a instauração do fenômeno democrático no país com a mesma solidez verificada nas nações que adotaram o liberalismo clássico. IV. A cordialidade, princípio da democracia, possibilitou que se enraizassem, no país, práticas sociais opostas aos princípios do clientelismo político. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e III são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 05. (Uem 2011) “O quadro familiar torna-se, assim, tão poderoso e exigente, que sua sombra persegue os indivíduos mesmo fora do recinto doméstico. A entidade privada precede sempre, neles, a entidade pública. A nostalgia dessa organização compacta, única e intransferível, onde prevalecem necessariamente as preferências fundadas em laços afetivos, não podia deixar de marcar nossa sociedade, nossa vida pública, todas as nossas atividades. Representando, como já se notou acima, o único setor onde o princípio de autoridade é indisputado, a família colonial fornecia a ideiamais normal de poder, da respeitabilidade, da obediência e da coesão entre os homens. O resultado era predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família.” HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992, p. 50. Considerando o texto acima e o tema instituições sociais, assinale o que for correto. 01) O texto trata das relações que os indivíduos estabelecem com uma instituição social específica, o Estado. 02) No processo de formação da sociedade brasileira, os interesses privados interferem na conduta pública dos indivíduos. 04) No Brasil, a comunidade doméstica promoveu um equilíbrio entre os interesses coletivos e privados, revelando sua ação em defesa do que é público. 08) O autor define que a família colonial é uma organização compacta, única e intransferível, que exerceu profunda influência na formação social e cultural brasileira. 16) O Estado brasileiro manteve-se livre dos particularismos, das visões antipolíticas e dos interesses privados. 06. (Unicentro 2011) No Brasil, o pensamento sociológico se desenvolve a partir da década 30, do século passado, com a fundação da Universidade de São Paulo e o crescimento da produção científica. Sobre o desenvolvimento dessa ciência no Brasil, no século XX, é correto afirmar: a) Os sociólogos desse período buscavam descrever o país por meio de estudos naturalistas. b) Os grandes nomes desse período foram Euclides da Cunha, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. c) As duas preocupações dos sociólogos eram a aculturação indígena e a modernização do sistema político brasileiro. d) A orientação das análises sociológicas estava voltada para as discussões mundiais ditadas por países, como França e Inglaterra. e) O interesse dos intelectuais desse período estava voltado para o conhecimento do Brasil real, do povo, em oposição às análises etnocêntricas anteriores. 7.(UEL). Na primeira metade do século XX, o desenvolvimento social brasileiro foi marcado por intensos debates a respeito do processo de modernização do País. De acordo com esses debates: I. O País era apresentado, por algumas correntes de pensamento, como sendo de vocação agrícola. II. O desenvolvimento social e econômico do País passaria, necessariamente, pela modernização do campo. III. O atraso brasileiro decorria de sua origem feudal, aqui reproduzida mediante a relação entre senhor e escravo. IV. A expansão da economia capitalista no campo seria fundamental para eliminar os focos de pobreza e os movimentos sociais de caráter agrário. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. Gabarito: 1. C 2. A 3. C 4. B 5. 01+02+08=11 6. E 7. D Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 10 de 26 SEMANA 3: Empirismo Inglês e Criticismo de Kant 1.Empirismo Inglês Corrente filosófica que parte do pressuposto de que o conhecimento humano tem origem nas experiências sensoriais. Os principais pensadores da tradição empirista são: Francis Bacon, Thomas Hobbes, John Locke e David Hume. Em 1660 é fundada, em Londres, a Royal Society of London for the Improvement of Natural Knowledge, instituição que representa a tradição empirista inglesa e que tem como principal objetivo firmar um método seguro que possa contribuir com o avanço científico. Francis Bacon (1561 - 1626) Contemporâneo a Descartes, é considerado um dos primeiros pensadores modernos. Seu pensamento atrela o progresso social ao desenvolvimento técnico-científico, por meio do lema “saber é poder”. Por isso, para muitos Bacon é considerado já um precursor das ideias iluministas. As duas principais contribuições de Bacon para a história do pensamento filosófico são seu método indutivo e a Teoria dos Ídolos. Ídolos Em sua obra Novum Organum, Bacon preocupou-se inicialmente com a análise de falsas noções (ídolos) que se revelam responsáveis pelos erros cometidos pela ciência ou pelos homens que produzem conhecimento. Esses ídolos foram classificados em quatro grupos: 1) Idola Tribus (ídolos da tribo). Ocorrem por conta das deficiências do próprio espírito humano e se revelam pela facilidade com que generalizamos com base nos casos favoráveis ou em observações imediatas. O homem, que se entende como o padrão das coisas, faz com que todas as percepções dos sentidos e da mente sejam tomadas como verdade, limitando as possibilidades de conhecimento do mundo. Tais ídolos são, portanto, inerentes à natureza humana, à própria tribo ou condição humana. 2) Idola Specus (ídolos da caverna). Resultam da educação e da pressão dos costumes, que conformam a humanidade a visões de mundo preestabelecidas. Há uma alusão à alegoria da caverna platônica, pois Bacon faz referência às correntes que nos fixam ao mundo sensível: nossas crenças, nossos valores e nossas opiniões. 3) Idola Fori (ídolos do foro - vida pública). Estes estão vinculados à linguagem e decorrem das dificuldade de comunicação e do próprio mau uso da língua; 4) Idola Theatri (ídolos do teatro - autoridade). Decorrem da irrestrita subordinação à autoridade de pensamentos e doutrinas, tal como a física aristotélica, que do ponto de vista empírico carecia de demonstração, mas que era considerada verdadeira por pressuposto de autoridade. Assim, é preciso propor uma nova forma, um novo modelo de ciência que não caia na mesma armadilha dos ídolos. O modelo para Bacon é o Método Indutivo, caracterizado pela observação dos fenômenos, por meio de experiências, para que se possa chegar a uma regularidade desses mesmos fenômenos. Com a percepção dessa regularidade, o cientista pode fazer relação entre elas até chegar a uma generalização ou a uma lei. Usando o método indutivo, a ciência estabelecerá conhecimento seguro e conquistará avanços na parte técnica. Tal conhecimento deve exercer controle sobre a natureza e é essa justamente a ideia expressa em sua famosa frase: “saber é poder”. John Locke (1632 – 1704) Publica a obra Ensaio sobre o Entendimento Humano, em 1690. Acredita que as representações do real são sempre derivadas das percepções sensíveis. O conhecimento, portanto, não é inato, mas resulta do modo como elaboramos as informações provenientes da experiência. Defende a ideia de que a mente humana é uma página em branco (tábula rasa) que se constitui a partir das experiências. David Hume (1711 – 1776) O escocês David Hume levou o empirismo a níveis radicais. Nas suas principais obras Tratado sobre a natureza humana (1739) e Investigação sobre o entendimento humano (1748), encontramos sua tese principal, semelhante à dos outros empiristas, de que todas as ideias se originam da experiência sensível. Contudo, o que é importante na obra de Hume é notar como ele leva esse princípio a consequências que estão além dos seus contemporâneos, chegando a beirar o ceticismo. Além disso, cunha um novo conceito, o hábito, que vai exercer forte influência sobre filósofos posteriores, como Immanuel Kant. Hume parte das premissas empiristas, estabelecendo uma distinção entre impressões (dados fornecidos pelos sentidos) e ideias (representações da memória ou da imaginação). Acredita que percepção forma todas as ideias. Quanto mais próximas cronologicamente da experiência, maior força e nitidez possuem tais ideias. Por isso, para ele, os fenômenos da percepção são sempre particulares. Os conceitos são formados a partir de generalizações de casos particulares que captamos por meio de nossas experiências.Não existe, por exemplo, a ideia geral de árvore, mas sim cada árvore que vemos. A nossa mente opera, assim, de modo a extrair os aspectos gerais dos fenômenos e criar relações entre eles, tais como as noções de causalidade. Tendemos a, ao observar algo imediato, supor que isso seja o efeito de algo ou causa de um próximo efeito, porém, para Hume, estamos restritos às experiências momentâneas e não temos o poder de alcançar tamanhas suposições. A causalidade, ou seja, a relação entre diferentes fenômenos, é, para Huem, um hábito criado pelo pensamento. O que para muitos outros filósofos seria razão, para Hume é apenas o hábito ou costume de associar ideias que têm origem na experiência. Desse modo, Hume entende que somos dotados de um mecanismo psicológico que nos leva a encontrar semelhanças ou algum padrão de repetição nos fenômenos e é por meio desse processo, o hábito, que tiramos as nossas conclusões acerca da realidade. Porém, tais conclusões não geram um conhecimento seguro, uma vez que dependem de fatores subjetivos. “Todo o poder criador da mente reduz-se à simples faculdade de combinar, transpor, aumentar ou diminuir os materiais fornecidos pelos sentidos e pela experiência”, afirma Hume. Por que associamos ideias? Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 11 de 26 Por repetição ou semelhança. Se vivemos em uma região em que todos coelhos são brancos, tendemos a associar a espécie animal a esta cor. Se comemos um alimento todos os dias e, em uma viagem, observamos algo semelhante, tendemos a classificar aquilo como um alimento mesmo sem termos experimentado. Essas associações, contudo, atingem somente probabilidades, jamais certezas. Podemos incidir em erros seguindo semelhantes especulações. Afinal, estamos circunscritos em nosso próprio campo de experimentação, que é limitado, mas tendemos a tirar conclusões gerais, que buscam explicar a realidade como um todo. Hume, como vimos, duvida da possibilidade de alcançarmos um conhecimento verdadeiro (essencial e completo) acerca da realidade. Por isso, podemos dizer que ele radicaliza as bases do Empirismo e alcança o que muitos definem como CETICISMO RELATIVO, uma vez que não duvida da nossa capacidade de percepção imediata da realidade, mas põe em xeque as conclusões que tiramos por meio do hábito. Para o filósofo, as verdades só podem ser constatadas em termos particulares, jamais de modo generalizado. Em uma das partes de sua obra Ensaio acerca do entendimento humano, Hume procura desconstruir o argumento cartesiano da prova da existência de Deus, mostrando que Deus, como ideia, é fruto de conclusões que obtemos projetando elementos de nossas experiências diretas para preencher as lacunas da realidade que não compreendemos. 1.O Criticismo de Kant Immanuel Kant (1724 – 1804) Filósofo alemão, um dos principais expoentes do século XVIII e de toda a filosofia moderna. Nasceu, cresceu e trabalhou por toda a vida na cosmopolita cidade portuária de Konigsberg (atual Kaliningrado), então parte da Prússia. Embora nunca tenha deixado a província natal, tornou-se um filósofo internacionalmente conhecido ainda em vida. Estudou na Universidade de Konigsberg e lecionou na mesma universidade ao longo de toda sua vida. Após uma fase em que defende preceitos semelhantes aos demais pensadores iluministas, como a valorização da racionalidade humana e seu poder de romper com a ignorância e com a alienação, Kant adentra em sua fase célebre, conhecida como criticismo ou fase crítica. Tal fase corresponde à maturidade do pensamento do autor, após seus cinquenta anos de vida. Influenciado por David Hume, desperta de seu “sono dogmático” e questiona a capacidade da racionalidade humana compreender a realidade tal como é em si mesma. Em todo a sua obra, Kant dialoga com o pressuposto iluminista de que a razão autônoma é capaz de produzir conhecimento. Ele parte da tese de que “a razão tende a libertar a humanidade de seu estado de menoridade”, porém, acredita que posicionar a filosofia no “projeto iluminista” implica em se analisar criticamente a razão humana, estabelecendo os limites do que esta pode conhecer. Essa busca pelos limites da racionalidade humana é o que decide aprofundar por meio de suas obras críticas: Critica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e Crítica das Faculdades do Juízo. Tais obras solidificam o Criticismo, vertente filosófica desenvolvida por Kant. Crítica à Razão Pura Promove uma análise crítica da razão humana e dos limites do conhecimento, O que a razão pode conhecer do real? Como o conhecimento se processa? Os juízos Dialogando com as vertentes do Racionalismo e do Empirismo, Kant busca analisar o que a razão consegue conhecer de modo puro, ou seja, a razão por ela mesma. Ao fazer esta análise, constata que a razão não traz, de modo inato, nenhuma informação acerca da realidade física ou metafísica, mas possui a capacidade de produzir um conhecimento lógico e universal, que Kant classifica como juízo analítico. Juízo analítico: é fruto de uma operação racional, de deduções lógicas que a racionalidade alcança por ela mesma. Por isso, trata-se de um conhecimento independente da experiência (a priori). É um instrumento de análise do próprio pensamento, mas não conclui nada acerca da realidade externa. Para Kant, o juízo analítico é aquele em que o predicado está contido no conceito do sujeito. Como exemplo, temos a seguinte afirmação: “o quadrado tem quatro lados”. Juízo sintético: representa o conhecimento obtido por meio da experiência (a posteriori). Nesta forma de conhecimento o predicado não está contido no sujeito, por isso Kant acredita que a experiência acrescenta conteúdo à forma lógica da racionalidade. Quando digo que “aquela caneta é azul”, é necessária uma informação sensível posterior para que o conhecimento possa ser validado. Porém, o juízo sintético se limita ao tempo e espaço em que a experiência está circunscrita, portanto, não constitui um juízo necessário e universal. Juízo sintético a priori: para Kant, a ciência deve se basear numa terceira forma de juízo, capaz de sintetizar os outros dois. Para isso, a mente do cientista deve ser capaz de produzir juízos que dependam da experiência, mas que possam ser universais e necessários, ou seja, que transcendam os limites daquele fenômeno em particular. Síntese entre racionalismo e empirismo O conhecimento, para Kant, está relacionado, portanto, à nossa capacidade de produzir juízos sintéticos a priori. Isso acontece porque os dados fornecidos pela experiência são organizados dentro dos nossos moldes racionais. A razão é uma estrutura vazia, anterior à experiência e independente desta (a priori), porém os conteúdos que a razão conhece e Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 12 de 26 nos quais ela pensa dependem da experiência (a posteriori). A experiência não é a causa das ideias, mas é a ocasião para que a razão, recebendo a matéria ou o conteúdo, formule as ideias. Experiência: fornece os conteúdos, a matéria do conhecimento. RAZÃO Forma universal e necessária do conhecimento. Recebe as informações do meio e as organiza de acordo com suas formas estruturais: sensibilidade: noções temporais e espaciais; entendimento: organiza os conteúdos enviados pela sensibilidade em categorias (qualidade; quantidade; causalidade; finalidade; verdade; falsidade; universalidade e particularidade). “O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada podem pensar. Só pela sua reunião se obtém conhecimento” Revolução Copernicana de Kant O “eu” é condicionante no processo de conhecimento. O objeto apenas se encaixa nos moldes da percepção humana. Não é o objeto que determina o sujeito, mas o sujeito que determina o objeto. O objeto só se torna cognoscível à medida que há um sujeito que pode conhecê-lo e isso depende da estruturade nossa razão (formas a priori). Por isso, o mundo não é senão aquilo que pode ser conhecido pelo sujeito, é sua representação. “A razão só entende aquilo que produz segundo seus próprios planos” Impossibilidade da Metafísica A razão possui essas estruturas como meio de conhecimento. Por serem universais e necessárias, o conhecimento é racional e verdadeiro para os seres humanos. Isso implica que podemos conhecer a realidade dentro dos limites do cognoscível. O que não se pode supor é que com essas estruturas possa-se conhecer a realidade tal como esta é em si mesma. O erro dos inatistas e empiristas foi supor que a nossa razão alcança a realidade em si , o númeno, quando na verdade só podemos captar a realidade como fenômeno, ou seja, a realidade organizada pela razão, que submete os conteúdos da experiência às formas da sensibilidade e do entendimento. 3. Texto complementar KANT: Resposta à Pergunta: Que é esclarecimento? Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha, continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranquilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes, em seguida, o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá- lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro. É difícil, portanto, para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou, antes, do abuso de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a este movimento livre. Por isso são muito poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então uma marcha segura. Que, porém, um público se esclareça a si mesmo é perfeitamente possível; mais que isso, se lhe for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois, encontrar- se-ão sempre alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores estabelecidos da grande massa, que, depois de terem sacudido de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão em redor de si o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo. O interessante nesse caso é que o público, que anteriormente foi conduzido por eles a este jugo, obriga-os daí em diante a permanecer sob ele, quando é levado a se rebelar por alguns de seus tutores que, eles mesmos, são incapazes de qualquer esclarecimento. Vê-se assim como é prejudicial plantar preconceitos, porque terminam por se vingar daqueles que foram seus autores ou predecessores destes. Por isso, um público só muito lentamente pode chegar ao esclarecimento. Uma revolução poderá talvez realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, porém nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar. Apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como cintas para conduzir a grande massa destituída de pensamento. Para este esclarecimento, porém, nada mais se exige senão LIBERDADE. E a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso público de sua razão em todas as questões. Ouço, agora, porém, exclamar de todos os lados: não raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: não raciocineis, mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis, mas crede! (Um único senhor no mundo diz: Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 13 de 26 raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Eis aqui por toda a parte a limitação da liberdade. Que limitação, porém, impede o esclarecimento? Qual não o impede, e até mesmo favorece? Respondo: o uso público de sua razão deve ser sempre livre e só ele pode realizar o esclarecimento entre os homens. Exercícios 1. (ENEM) Texto I Experimentei algumas vezes que os sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez. DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1979. Texto II Sempre que alimentarmos alguma suspeita deque uma ideia esteja sendo empregada sem nenhum significado, precisaremos apenas indagar: de que impressão deriva esta suposta ideia? E se for impossível atribuir-lhe qualquer impressão sensorial, isso servirá para confirmar nossa suspeita. HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. São Paulo: Unesp, 2004. Nos textos, ambos os autores se posicionam sobre a natureza do conhecimento humano. A comparação dos excertos permite assumir que Descartes e Hume a) defendem os sentidos como critério originário para considerar um conhecimento legítimo. b) entendem que é desnecessário suspeitar do significado de uma ideia na reflexão filosófica e crítica. c) são legítimos representantes do criticismo quanto à gênese do conhecimento. d) concordam que conhecimento humano é impossível em relação às ideias e aos sentidos. e) atribuem diferentes lugares ao papel dos sentidos no processo de obtenção do conhecimento. 2. (Uel 2007) Leia o texto a seguir: “Todos os raciocínios referentes a questões de fato parecem fundar-se na relação de causa e efeito. É somente por meio dessa relação que podemos ir além da evidência de nossa memória e nossos sentidos. [...] Arrisco-me a afirmar, a título de uma proposta geral que não admite exceções, que o conhecimento dessa relação não é, em nenhum caso, alcançado por meio de raciocínios a priori, mas provém inteiramente da experiência, ao descobrirmos que certos objetos particulares acham-se constantemente conjugados uns aos outros. ”Fonte: HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Editora UNESP, 1999. p. 44-45. Com base no texto e em seus conhecimentos sobre Hume, é correto afirmar que: a) Ao observarmos dois objetos conjugados entre si, podemos observar também a relação de causa e efeito que os une. b) É a razão que nos faz descobrir as causas e efeitosdos acontecimentos. c) Quando raciocinamos a priori e consideramos um objeto ou causa apenas, tal como aparece à mente, independente de toda observação, ele facilmente poderá sugerir-nos a ideia de algum objeto distinto, como seu efeito, e também exibir-nos a conexão inseparável e inviolável entre eles. d) Nenhum objeto jamais revela, pelas qualidades que aparecem aos sentidos, nem as causas que o produziram, nem os efeitos que dele provirão; tampouco nossa razão é capaz de extrair, sem o auxílio da experiência, qualquer conclusão referente à existência efetiva de coisas ou questões de fato. e) Todas as leis da natureza e todas as operações dos corpos são conhecidas pela razão, com o auxílio da experiência. 3. (UNESP) Suponhamos, pois, que a mente é um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem nenhuma ideia; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento. (John Locke. Ensaio acerca do entendimento humano [publicado originalmente em 1690], 1999. Adaptado.) Qual é a interpretação de Locke sobre as ideias inatas? Explique quais foram as implicações do pensamento desse filósofo no que se refere à metafísica. 4. (UNESP) “O Iluminismo é a saída do homem de um estado de menoridade que deve ser imputado a ele próprio. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio intelecto sem a guia de outro. Imputável a si próprios é esta menoridade se a causa dela não depende de um defeito da inteligência, mas da falta de decisão e da coragem de servir-se do próprio intelecto sem ser guiado por outro. Sapere aude! Tem a coragem de servires de tua própria inteligência!” (Immanuel Kant, 1784.) Esse texto do filósofo Kant é considerado uma das mais sintéticas e adequadas definições acerca do Iluminismo. Justifique essa importância comentando o significado do termo “menoridade”, bem como os fatores sociais que produzem essa condição, no campo da religião e da política. 5. (Uem 2009) “(...) a própria experiência é um modo de conhecimento que requer entendimento, cuja regra tenho que pressupor a priori em mim ainda antes de me serem dados objetos e que é expressa em conceitos a priori, pelos quais, portanto todos os objetos da experiência têm necessariamente que se regular e com eles concordar.” (KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p.13). Com base na filosofia de Kant, assinale o que for correto. 01) O método de Kant é chamado criticismo, pois consiste na crítica ou na análise reflexiva da razão, a qual, antes de partir ao conhecimento das coisas, deve conhecer a si mesma, fixando as condições de possibilidade do conhecimento, aquilo que pode legitimamente ser conhecido e o que não. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 14 de 26 02) Para Kant, uma vez que os limites do conhecimento científico são os limites da experiência, as coisas que não são dadas à intuição sensível (a coisa em si, as entidades metafísicas como Deus, alma e liberdade) não podem ser conhecidas. 04) Kant mantém-se na posição dogmática herdada de Hume. Para os dois filósofos, o conhecimento é um fato que não põe problema. O resultado da crítica da razão é a constatação do poder ilimitado da razão para conhecer. 08) O sentido da revolução copernicana operada por Kant na filosofia é que são os objetos que se regulam pelo nosso conhecimento, não o inverso. Ou seja, o conhecimento não reflete o objeto exterior, mas o sujeito cognoscente constrói o objeto do seu saber. 16) Com a sua explicação da natureza do conhecimento, Kant supera a dicotomia racionalismo-empirismo. O conhecimento, que tem por objeto o fenômeno, é o resultado da síntese entre os dados da experiência e as intuições e os conceitos a priori da razão. 6. (Ufu 2004) Até agora se supõe que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos: todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso, tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos mesmos que deve estabelecer algo sobre os objetos antes de nos serem dados. O mesmo aconteceu com os pensamentos de Copérnico que, depois das coisas não quererem andar muito bem com a explicação dos movimentos celestes admitindo—se que todo exército de astros girava em tomo do espectador, tentou ver se não seria mais bem-sucedido se deixasse o espectador mover-se e, em contrapartida, os astros em repouso.” KANT, I. Crítica da razão pura São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 14. (Os Pensadores) Considerando a leitura do trecho acima, podemos dizer que a revolução copernicana de Kant é a) uma revolução filosófica e científica segundo a qual o espectador não pode permanecer fixo em sua posição, aprendendo apenas os fenômenos, mas deve considerar que ele mesmo encontra-se em movimento para poder perceber as coisas em si mesmas. b) uma revolução astronômica que pretendeu mudar o curso da Filosofia Moderna, propondo uma reavaliação da física newtoniana. c) uma revolução filosófica que estabeleceu que o conhecimento da coisa em si só pode ser atingido caso haja um cuidadoso estudo dos fenômenos. d) uma revolução filosófica que afirmou a distinção entre fenômeno e coisa em si, qualificando esta última como incognoscível. 7. (Uem 2009) A Filosofia Moderna compreende os séculos XVII e XVIII, caracterizando-se por um acentuado racionalismo que se opõe ao pessimismo teórico do ceticismo, o qual duvida da capacidade da razão humana poder alcançar um conhecimento certo fundamentado em uma verdade universal. Assinale o que for correto. 01) René Descartes, no Discurso do Método, instaura a dúvida metódica; deve ser, portanto, considerado um adepto do ceticismo. 02) O dogmatismo opõe-se ao ceticismo, pois é uma doutrina segundo a qual é possível atingir a certeza de verdades inquestionáveis. 04) Para o racionalismo, o ponto de partida do conhecimento é o sujeito como consciência de si reflexiva, isto é, como consciência que conhece sua capacidade de conhecer. 08) Francis Bacon é um dos mais importantes céticos do século XVII, pois, para ele, o homem nunca poderia libertar-se dos ídolos que impedem sua razão de alcançar qualquer saber efetivo. 16) O racionalismo acredita que a vida ética pode ser totalmente racional, visto que a razão humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e das emoções, podendo dominá-las e governá-las. 8. (Ufsj 2012) Os termos “impressões” e “ideias”, para David Hume, são, respectivamente, por ele definidos como a) “nossas percepções mais fortes, tais como nossas sensações, afetos e sentimentos; percepções mais fracas ou cópias daquelas na memória e imaginação”. b) “aquilo que se imprime à memória e nos permite ativar a imaginação; lampejos inéditos sobre o objeto e sua natureza”. c) “o que fica impresso na memória independentemente da força: ação de criar a partir do dado sensorial”. d) “vaga noção do sensível; raciocínio com força de lei que legitima a natureza no âmbito da razão”. 9.(Enem PPL 2018) Quando analisamos nossos pensamentos ou ideias, por mais complexos e sublimes que sejam, sempre descobrimos que se resolvem em ideias simples que são cópias de uma sensação ou sentimento anterior. Mesmo as ideias que, à primeira vista, parecem mais afastadasdessa origem mostram, a um exame mais atento, ser derivadas dela. HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Depreende-se deste excerto da obra de Hume que o conhecimento tem a sua gênese na a) convicção inata. b) dimensão apriorística. c) elaboração do intelecto. d) percepção dos sentidos. e) realidade transcendental. 10. (Uem 2018) “Devemos recorrer a dois princípios bastante manifestos na natureza humana. O primeiro é a simpatia, ou seja, a comunicação de sentimentos e paixões [...]. Tão estreita e íntima é a correspondência entre as almas dos seres humanos que, assim que uma pessoa se aproxima de mim, ela me transmite todas as suas opiniões, influenciando meu julgamento em maior ou menor grau. Embora, muitas vezes, minha simpatia por ela não chegue ao ponto de me fazer mudar inteiramente meus sentimentos e modos de pensar, raramente [a simpatia] é tão fraca que não perturbe o tranquilo curso do meu pensamento, dando autoridade à opinião que me Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 15 de 26 é recomendada por seu assentimento. O segundo princípio para o qual chamarei a atenção é o da comparação, ou seja, a variação de nossos juízos acerca dos objetos segundo a proporção entre estes e aqueles com os quais comparamos. [...]. Nenhuma comparação é mais óbvia que a comparação conosco; por isso, ela tem lugar em todas as ocasiões e influencia a maioria de nossas paixões. Esse tipo de comparação é diretamente contrário à simpatia em seu modo de operar.” (HUME, D. Tratado da natureza humana. In: SAVIAN FILHO. J. Filosofia e filosofias: existência e sentidos. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016, p. 272). A partir do texto, assinale o que for correto. 01) Entende-se que a simpatia consiste na experiência na qual uma pessoa é influenciada por outra. 02) Para Hume, não é a razão que leva os seres humanos a agir, e sim as emoções. 04) Hume desenvolveu um sistema filosófico moral fundamentado na razão e nos limites dela. 08) É próprio da comparação o fechamento em si, pois aquele que compara não está sujeito à influência. 16) Simpatia e comparação não interferem diretamente em nosso comportamento moral. 11. (Unesp 2018) Se um estranho chegasse de súbito a este mundo, eu poderia exemplificar seus males mostrando-lhe um hospital cheio de doentes, uma prisão apinhada de malfeitores e endividados, um campo de batalha salpicado de carcaças, uma frota naufragando no oceano, uma nação desfalecendo sob a tirania, fome ou pestilência. Se eu lhe mostrasse uma casa ou um palácio onde não houvesse um único aposento confortável ou aprazível, onde a organização do edifício fosse causa de ruído, confusão, fadiga, obscuridade, e calor e frio extremados, ele com certeza culparia o projeto do edifício. Ao constatar quaisquer inconveniências ou defeitos na construção, ele invariavelmente culparia o arquiteto, sem entrar em maiores considerações. (David Hume. Diálogos sobre a religião natural, 1992. Adaptado.) a) Explicite o tema filosófico abordado no texto e sua relação com a criação do mundo. b) Explique como os argumentos do filósofo evidenciam um ponto de vista empirista (fundamentado na experiência) e cético (baseado na dúvida), em contraste com uma concepção metafísica sobre o tema. 12.(Unioeste 2018) O filósofo alemão Immanuel Kant formulou, na Crítica da Razão Pura, uma divisão do conhecimento e acesso da razão aos fenômenos. Fenômenos não são coisas; eles nomeiam aquilo que podemos conhecer das coisas, através das formas da sensibilidade (Espaço e Tempo) e das categorias do entendimento (tais como Substância, Relação, Necessidade etc.). Assim, Kant afirma que o conhecimento humano é finito (limitado por suas formas e categorias). Como poderia haver, então, algum conhecimento universalmente válido? Ele afirma que tal conhecimento se formula num “juízo sintético a priori”. Juízos são afirmações; o adjetivo “sintéticos” significa que essas afirmações reúnem conceitos diferentes; “a priori”, por sua vez, indica aquilo que é obtido sem acesso à experiência dos fenômenos, antes deles e para que os fenômenos possam ser reunidos em um conhecimento que tenha unidade e sentido. Com base nisso, indique a alternativa CORRETA. a) Para Kant, o conhecimento humano é diretamente dado pela experiência das coisas, acessíveis pelos sentidos (visão, audição, etc.). b) Juízos sintéticos a priori são afirmações de conhecimento cuja natureza é particular e que se altera caso a caso. c) Se a Metafísica é o conhecimento da essência das coisas elas mesmas, Kant é, na Crítica da Razão Pura, um defensor da Metafísica, e não um defensor da finitude do conhecimento. d) Para Kant, Espaço e Tempo são categorias do entendimento mediante as quais conhecemos os fenômenos. e) Juízos sintéticos a priori permitem organizar o conhecimento, dando a ele validade universal e unicidade. 13. (Uem 2018) “De que todo o nosso conhecimento comece com a experiência, não há a mínima dúvida; pois de que outro modo a faculdade de conhecer deveria ser despertada para o exercício, se não ocorresse mediante objetos que impressionam os nossos sentidos e em parte produzem espontaneamente representações, em parte põem em movimento a nossa atividade intelectual de comparar essas representações, conectá-las ou separá-las, e deste modo transformar a matéria bruta das impressões sensíveis em conhecimento de objetos, que se chama experiência? [...] Mas, ainda que todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele origina-se da experiência.” (KANT, I. Crítica da razão pura. In: MARCONDES, D. Textos básicos de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 117). A partir do texto citado, assinale o que for correto. 01) O conhecimento tem seu início na experiência sensível; isso não significa, todavia, que ele esteja preso à experiência e limitado por ela. 02) A faculdade de conhecer está em repouso e é despertada pela experiência sensível, sendo essa a fonte primeira do conhecimento. 04) As representações sensíveis das coisas são espontâneas e não precisam de qualquer interferência dos sentidos. 08) A faculdade de conhecer pode produzir conhecimentos por si mesma, visto que as impressões sensíveis não são a origem de todo o conhecimento. 16) A faculdade de conhecer opera sobre as representações das coisas advindas por meio dos sentidos e produz, assim, novos conhecimentos. Gabarito: 1.E 2.D 5. (1+2+8+16) 6.D 7. (2+4+16) 8.A 9.D 10. (1+2+8=11) 11. Dissertativa 12.E 13. 1 + 2 + 8 + 16 = 27 Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 16 de 26 SEMANA 4: Introdução à sociologia brasileira (parte II) Caio Pardo Júnior (1907 – 1990) De família importante e influente na política, Caio Prado Jr. possui formação de historiador. Procurou formalizar o método marxista para a análise da realidade política brasileira. Foi um importante intelectual, mas também um ativista político, que manteve, ao longo da vida, uma postura militante, vinculada ao partido comunista. Foi fundador da Revista Brasiliense. Principais obras: - Evolução Política do Brasil (1933) Ensaio de interpretação materialista da história do Brasil. Nesta obra, “Caio prado produzirá um marco nos estudos marxistas brasileiros, dando centralidade às massas populares e sua importância à integração da realidade do país. Ele insere, portanto, os estratos sociais menos privilegiados dentro do processo de construção nacional, da Colônia ao fim do Império, como agentes ativos que se expressam por meio de lutas populares” (Intérpretes do Brasil. Boitempo editorial, p. 195). O insucesso dessas lutas, bem como o papel político insignificante desempenhado pelos ex- escravos e seus descendentesdeixa clara q distância entre a “necessidade efetiva da maior parte da população por mudanças e o encaminhamento político dado pelas elites locais”. (idem, p. 196) - Formação do Brasil Contemporâneo (1942) - História Econômica do Brasil (1945) Nessas principais obras, Caio Prado Jr. estuda o sentido da colonização, mostrando que tudo o que era produzido no mercado brasileiro voltava-se para atender o mercado externo, o que, em sua visão, caracteriza uma “exploração descontínua dos recursos naturais”. A lógica colonial estaria vinculada a um processo de acumulação mundial, que combina capitalismo mercantil com estrutura agrária e com imperialismo. Tais fatores seriam obstáculos ao desenvolvimento nacional. “Se vamos à essência de nossa formação veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamante; depois algodão e, em seguida, o café, para o comércio europeu. Nada mais do que isso. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do país.” (Caio Pardo Júnior – Formação do Brasil Contemporâneo) Caio Pardo Jr. defende a “modernização do Brasil”, para isso insistia na necessidade de uma interpretação correta da realidade brasileira, de modo que os problemas vinculados ao passado colonial pudessem ser sanados. Acredita na importância de um processo revolucionário para modificar estruturalmente a raiz dos problemas: “Pode-se em sã consciência afirmar que já exista entre nós uma correta interpretação marxista do nosso país de nossa revolução? Qualquer coisa, já não digo que se aproxime, mas que lembre vagamente o que Marx fez para o século XIX, e Lenin para a Europa e sobretudo à Rússia dos primeiros vinte anos deste século? A revolução não é uma brincadeira. Transformar a ordem estabelecida é uma tarefa imensa que não se resolve com um passe de mágica e nem com as melhores intenções do mundo. Sinceridade, dedicação, sacrifício próprio são todos fatores necessários; indispensáveis. Mas faltará ainda alguma coisa, e de importância fundamental: uma consciência clara, nítida e segura do caminho a seguir. Temos isto no Brasil? Penso que ainda não. Porque não considero tal meia dúzia de esquemas abstratos que vão se ajeitando conforme as circunstâncias e que servem para todas as oportunidades.” (carta a Evaldo da Silva Garcia, em1946) Florestan Fernandes (1920 – 1995) Importante intelectual brasileiro, que cumpre o papel de estabelecer a Sociologia como ciência no Brasil, fazendo avançar a sistematização do conhecimento sobre a realidade brasileira. Florestan tem uma origem humilde, é filho de uma imigrante portuguesa, mãe solteira, que trabalhava como empregada doméstica. Fez supletivo e lutou para prosseguir seus estudos e conseguir uma vaga no curso de Ciências Sociais da USP, em 1941. Contudo, logo se torna um aluno com desempenho brilhante, muito admirado pelos professores. Sua atuação na Universidade de São Paulo marcou a vida intelectual de São Paulo e do Brasil. Defendia uma Sociologia crítica e militante. Em 1949, é convidado para coordenar, junto com Roger Bastide, uma grande pesquisa sobre as relações raciais em São Paulo, que tinha suporte da UNESCO. Em seu relatório vinculado à pesquisa. Florestan contradiz a perspectiva de Donald Pierson (intelectual dos Estados Unidos, vinculado à Escola Livre de Sociologia e Política), que imaginava encontrar no Brasil um modelo de convivência racial mais democrático, especialmente se comparado à segregação norte-americana. Em Cor e estrutura social em mudança, Florestan afirma que “as transformações políticas ocorridas após o fim da escravidão não foram suficientemente profundas para desorganizar o sistema de relações raciais, que se elabora como conexão da escravidão da dominação senhorial”. Principais obras: - A integração do negro na sociedade de classes (1964) Nesta obra, Florestan apresenta desconforto com as expressões preto e população de cor. Analisa as privações dos negros na sociedade de brasileira, por meio de muitos relatos pessoais (imaginação sociológica). “Os destinos individuais estão condicionados pelas estruturas sociais, a narrativa particular não pode ser entendida fora da sua relação com a sociedade”. - A revolução burguesa no Brasil (1975) Ensaio de interpretação sociológica do processo de modernização do Brasil, que, na visão do autor, foi “progressista e perverso” simultaneamente. A questão principal é: como o Brasil patriarcal e escravocrata deu lugar a um país capitalista, relativamente industrializado e dependente do capital externo? A tese central é que a ascensão da burguesia e da lógica do capitalismo não interrompeu o processo de dominação patriarcal. A burguesia brasileira soube “unir o velho e o novo”, promovendo a industrialização do país e ao mesmo tempo mantendo os privilégios relacionados à cultura patriarcal. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 17 de 26 Há, além disso, uma relação entre tal processo e à marginalização da população negra: “Essa mudança profunda (a independência do país), no entanto, não corresponde a uma ruptura explícita entre a mentalidade burguesa e a aristocrática, mesmo com o correr do século XIX. Nem o florescimento da ideologia liberal e do republicanismo na segunda metade do século será suficiente para separar esses grupos, uma vez que o elemento conservador dessa revolução dentro da ordem está ligado justamente à manutenção da estrutura social. ‘Velho’ e ‘novo’ se fundem e, de certo modo, o aristocrata rural amplia o seu poder político, passando a ser ‘cidadão nacional’ e também agente da expansão burguesa. Aqui, a burguesia não se distinguiu e se colocou em conflito de vida e morte com a aristocracia agrária, defende Florestan. Aristocracia e burguesia se fundiram no novo modo de dominação por meio de laços políticos, econômicos e, não menos importantes, de mentalidades – ou seja, culturais. Entre os elementos da ordem social estamental que são manipulados, mas se mantém vivos no século XX, está, justamente, a marginalização do negro do projeto nacional. Mediante mecanismos ideológicos que atuam fortemente sobre brancos e negros, ocorre um processo de pauperização da população negra, que cai numa situação de anomia social: famílias desajustadas, sustentadas pelo trabalho feminino; exploração permanente da companheira pelo homem negro; obtenção de trabalhos ocasionais e preferência pela comercialização do crime. ‘Essa vida marginal afastava os negros da lógica de uma vida profissional. Em vez de prepararem o negro para competir com o branco na civilização industrial, elas concorriam para convertê-lo num agente econômico deformado’, diz Florestan. A abolição e a república significam, assim, para negros e mulatos, uma nova forma de perversão social, que marginaliza as populações responsáveis por produzir as riquezas na ordem estamental.” (Intérpretes do Brasil. Boitempo editorial, pp. 235 – 236) Darcy Ribeiro (1922 – 1995) Antropólogo, etnólogo, político e escritor. É mais conhecido como figura pública do que pela sua atuação junto ao meio acadêmico. “Eu sou atípico. O partido comunista não me quis porque me achava um militante muito agitado, e a Força Expedicionária Brasileira não me aceitou porque os médicos achavam que eu era muito raquítico para ser sargento. Eu me entendi com o Marechal Rondon e passei dez anos com os índios. Dali fui ser Ministro da Educação, criei a Universidade de Brasília, fui chefe da Casa Civil do Jango, tentei fazer a reforma de base e caí no exílio. E foi no exílio que eu escrevi uma larga obra. Nunca gostei de ser político. No fundo, acho que sou político por razõeséticas. Um poeta inglês pode ser só um poeta. Mas num país com o intestino à mostra, como o Brasil, o intelectual tem obrigação de tomar uma posição. Essa é uma briga séria e eu estou nessa briga.” Darcy Ribeiro possui um pensamento social autônomo e eclético, não vinculado a nenhuma escola de pensamento, daí a dificuldade de aceitação de sua obra no meio acadêmico. Por outro lado, envolve-se fortemente com a causa indígena, sendo um dos criadores do Parque Nacional Xingu. Lutou também para implementar uma escola pública gratuita em tempo integral, além de ser grande defensor da democracia. Fez parte de uma geração de intelectuais e artistas que acreditava firmemente ser possível construir um projeto cultural abrangente para o Brasil e para a América Latina. Um projeto destinado a revolucionar as estruturas do país e do continente. Em um discurso proferido no México, em 1978, Darcy disse: “Ao meu ver, o que caracteriza a América Latina de hoje é o súbito descobrimento de tudo o que é questionável. As velhas explicações eram justificações. É necessário repensar tudo... Eu acredito que o que caracteriza a nossa geração, a geração que passou a atuar depois de 1945, é essa consciência mais lúdica e mais clara de que o nosso mundo tinha que ser desfeito para ser refeito.” Características de sua obra: - ecletismo teórico-metodológico (usa Karl Marx e Gilberto Freyre em uma mesma obra, sem, contudo, filiar-se ao pensamento de algum deles); - constrói uma interpretação própria do Brasil, que ele chama de “sua interpretação do Brasil”, uma abordagem histórico- antropológica original; - faz prognósticos para o futuro e acredita no papel transformador da tecnologia; - acredita que a formação do Brasil nação foi um processo de “assimilação cultural sofrida e violenta”; - usa o conceito de evolução como eixo explicativo, o que estava em desuso no meio acadêmico, sobretudo na academia paulista; - num contexto em que o etnólogo limitava-se a estudar uma população local, Darcy Ribeiro esforça-se para inserir o “local no processo civilizatório”; - defende a mestiçagem brasileira, mas não nega as “dores do parto da nação” “Para Darcy Ribeiro, a marca da nacionalidade reside exatamente neste ponto: a violência do europeu serviu para desenraizar, por meio da cultura e da miscigenação, os componentes originais indígenas e africanos, tornando-os ‘ninguém’ – já não serviam para ser índios, ou nem se viam mais como africanos, e muito menos eram considerados brancos. Mas, se esse havia sido o destino dos povos indígenas e africanos que foram triturados ao longo da história, também essas vicissitudes desencadearam um processo ‘criatório de gente’, como afirma Darcy. (...) Temos então a crença inabalável de um intelectual militante que nunca duvidou das virtudes de um povo gestado a ferro e a sangue, que ao final poderia ser a antítese de todos os particularismos e xenofobias que grassaram o século XX. As benesses da natureza, associadas a um povo em permanente formação e capaz de incorporar e recriar o elemento exógeno, seriam as garantias dessa nova civilização.” (Intérpretes do Brasil. Boitempo editorial, pp. 334 – 335) Paulo Freire (1921 – 1997) Nascido em Recife, notório educador e pensador brasileiro. De origem humilde, luta para poder ter formação secundária e acadêmica. Em 1946 forma-se em Direito, mas abdica da advocacia para se tornar professor. Costumava se colocar como objeto de estudo e refletir sobre sua própria prática. Para ele, refletir sobre educação era refletir sobre o ser humano, promover a capacidade de interpretar o mundo e agir para transformá-lo. Influenciado pelo existencialismo, considera todos os educandos como “seres Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 18 de 26 em construção”. Respeitava o saber empírico que cada indivíduo trazia e considerava tais saberes parte importante do processo pedagógico. Paulo Freire acreditava que o processo de educação não estava dissociado da politização, da compreensão crítica do educando sobre o seu “estar sendo no mundo” e de como agir para transformar a realidade. “A educação, na perspectiva freiriana, compromete-se com a eliminação de práticas que institucionalizem o preconceito, a exclusão, a degradação e a injustiça. Busca a superação de relações de caráter repressivo e discriminatório (raça, etnia, classe social, gênero, orientação sexual); oferece espaços formativos capazes de estabelecer a autoestima, a confiança, a capacidade criatia e criadora dos educandos.” (Intérpretes do Brasil. Boitempo editorial, pp. 383) Educação, portanto, significava: permitir ao indivíduo compreender seu lugar no mundo e o seu papel na história, sempre de forma construtiva e orientada pela ética. Acreditava que o diálogo é a verdadeira condição para o conhecimento. O ato de conhecer ocorre num processo social e é o diálogo e mediador desse processo. Para Paulo Freire, não é possível que a leitura de mundo seja um esforço intelectual que uns façam e transmitam para os outros. Ela é construção coletiva, feita com a multiplicidade das visões daqueles que o vivem. O educador deve, portanto, estimular o educando a buscar níveis mais profundos do conhecimento. Tratando sempre o indivíduo como um sujeito histórico, para Freire educação é “um ato de escolhas, compromisso e luta”. Principais obras: - Pedagogia do Oprimido (1968) - Educação como prática de liberdade - Pedagogia da Esperança - Pedagogia da Autonomia “Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes? (Pedagogia da Autonomia) Exercícios: 1. (UNIOESTE) Observando o parágrafo abaixo e as afirmações que se seguem, seria correto dizer que: Em Casa Grande & Senzala Gilberto Freyre refuta as teses que atribuem o “atraso” da sociedade brasileira à miscigenação, o que é por muitos considerado um ponto de vista inovador. I. Suas concepções podem assim mesmo ser consideradas conservadoras por enfatizar a harmonia das relações entre as etnias constitutivas da sociedade brasileiras, sobretudo entre brancos e negros. II. Freyre faz, no livro citado acima, um elogio à colonização portuguesa no Brasil. Decorrem desse fato as críticas que recebe por parte daqueles que vêm justamente no tipo de colonização que tivemos a origem do atraso nacional. III. Adotando pontos de vista e procedimentos muito distintos em relação aos de Freyre, Florestan Fernandes foi um dos autores que, na busca de explicações para aspectos da sociedade brasileira, enfatizou muito mais as mudanças sociais do que equilíbrio. IV. O principal ponto de convergência entre Freyre e Florestan é que com a progressiva industrialização da sociedade brasileira os negros não ocupam, necessariamente, um lugar marginal. a) Todas as afirmativas estão corretas. b) Apenas as afirmativas I e III estão corretas. c) Apenas as afirmativas II e III estão corretas. d) Apenas as afirmativas III e IV estão corretas. e) Apenas a afirmativa I está correta. 2. (UFU) "Calculo que o Brasil, no seu fazimento, gastou cerca de 12 milhões de negros, desgastados como a principal força de trabalho de tudo o que se produziu aqui e de tudo que aqui se edificou. Ao fim do período colonial, constituía uma das maiores massas negras do mundo moderno. Sua abolição, a mais tardia da história, foi a causa principal da queda do Império e da proclamação da República. Mas as classes dominantes reestruturaram eficazmente seu sistema de recrutamento da força de trabalho, substituindo a mão de obra escrava por imigrantes importados da Europa, cuja população se tornara excedente e exportável a baixo preço." (RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formaçãoe o sentido do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p.220-221.) Considerando o texto acima, pode-se afirmar que I. A escravidão foi a base de desenvolvimento econômico do Brasil, ao longo da colônia e do Império. II. A escravidão teve papel importante na formação étnica do país. III. O escravo contribuiu para moldar o trabalho e a sociedade no Brasil através de técnicas próprias, pelo seu modo de ser e cultura, pela culinária, pela dimensão religiosa, linguística e artística. IV. Do ponto de vista da diversidade étnico-cultural brasileira, o negro não sofre preconceito social. Selecione a alternativa correta: a) II, III e IV estão corretas. b) I e IV estão corretas. c) I, II e III estão corretas. d) III e IV estão corretas. 3. (UEL) Em relação ao processo de formação social no Brasil, o sociólogo Florestan Fernandes escreveu: “Lembremo-nos de que da vinda da Família Real, em 1808, da abertura dos portos e da Independência, à Abolição em 1888, à Proclamação da República e à “revolução liberal”, em 1930, decorrem 122 anos, um processo de longa duração, que atesta claramente como as coisas se passaram. Esse quadro sugere, desde logo, a resposta à pergunta: a quem beneficia a mudança social?” (Fonte: FERNANDES, F. As Mudanças Sociais no Brasil. In IANNI, Octavio (org) Florestan Fernandes: coleção grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1986.) Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 19 de 26 De acordo com o texto e os conhecimentos sobre o tema, em relação à indagação feita pelo autor, é correto afirmar que a mudança social beneficiou: a) Fundamentalmente os trabalhadores, uma vez que as liberdades políticas e as novas formas de trabalho aumentaram a renda. b) Os grupos sociais que dispunham de capacidade econômica e poder político para absorver os efeitos construtivos das alterações ocorridas na estrutura social. c) A elite monárquica, pois ao monopolizar o poder político impediu que outros grupos sociais pudessem surgir e ter acesso aos efeitos construtivos das alterações na estrutura social. d) Os grupos sociais marginalizados ou excluídos, pois, em decorrência deste processo, passaram a fazer parte do processo produtivo. e) A população negra, uma vez que a alteração na estrutura da sociedade criou novas oportunidades de inserção social. 4. (UEL) Analise a tabela a seguir: Os dados sobre a pobreza e a indigência segundo a cor ilustram os argumentos dos estudos a) de Gilberto Freyre sobre a natural integração dos negros na sociedade brasileira, que desenvolveu a democracia racial. b) de Caio Prado Junior sobre a formação igualitária da sociedade brasileira, que desenvolveu o liberalismo racial. c) de Sérgio Buarque de Holanda sobre a cordialidade entre as raças que formam a nação brasileira: os negros, os índios e os brancos. d) de Euclides da Cunha sobre a passividade do povo brasileiro, ordeiro e disciplinado, que desenvolveu a igualdade de oportunidades para todas as raças. e) de Florestan Fernandes sobre a não integração dos negros no mercado de trabalho cem anos após a abolição da escravidão. 5. (UNIOESTE) Tendo por base o texto abaixo, do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, assinale o(s) item(s) que melhor corresponde(m) as suas ideias. “Nessa confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo (...), num novo modelo de estruturação societária. Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais dela oriundos. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existem (...)” “A confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras poderia ter resultado numa sociedade multiétnica, dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis. Ocorreu justamente o contrário, uma vez que, apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciaram em antagônicas minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas próprias e disputantes de autonomia frente à nação” (RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, 19-20 [1995]). I. O Brasil é um país fundamentalmente multicultural, evidenciando-se no cotidiano o antagonismo entre os diferentes povos que migraram para cá e os povos nativos. II. O povo brasileiro na realidade é uma ficção, pois sob a aparência de um apaziguamento de etnias e culturas diferentes, o que se tem são etnias minoritárias em luta para sobreviverem. III. A teoria da miscigenação, que o autor compõe, expressa que, apesar dos vários e acentuados embates que as diferentes etnias experimentaram, surgiu uma nova realidade cultural, na qual as culturas e povos foram misturados de forma única e inseparável, originando os atuais brasileiros. IV. Quaisquer das práticas de distinção entre os brasileiros, seja por “raça”, “regionalismo”, “origem”, bem como práticas como ações afirmativas para grupos étnicos minoritários, corresponderiam às características próprias do modo de ser do povo brasileiro. V. O povo brasileiro, em seus tipos regionais, expressaria modos de ser que têm suas raízes no encontro de índios, negros e brancos, e, posteriormente, nas novas etnias migrantes, sem contudo perder a sua unidade e especificidade ou deixar de ser uma única gente. Assinale a alternativa correta. a) Apenas as afirmativas I e II estão corretas. b) Apenas as afirmativas III e IV estão corretas. c) Apenas as afirmativas III e V estão corretas. d) Apenas a afirmativa IV está correta. e) Todas as afirmativas estão corretas. Dissertativas: 6) (UEL 2017) De acordo com vários estudos recentes sobre a vivência do racismo, a descoberta da discriminação racial, baseada em alguns aspectos físicos (como a coloração da pele e o cabelo encaracolado, por exemplo), acontece ainda na infância para muitas crianças negras, que primeiro percebem a negritude como algo ruim, a ser escondida. No entanto, desde os anos 1960, vários movimentos sociais, entre eles o movimento negro e os movimentos contraculturais, vêm contestando duramente os padrões impostos socialmente como modelos únicos de beleza, cultura e religiosidade, por exemplo. Em um movimento crescente, que remete a uma luta histórica do povo Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 20 de 26 negro em países de todo o continente americano, aos poucos a negritude tem começado a ser concebida como algo positivo, uma herança a ser cultivada e valorizada. Entendendo que tanto as estruturas racistas das sociedades quanto os atuais movimentos em prol da valorização da cultura negra são fruto de processos sociais e disputas políticas, responda aos itens a seguir. a) A despeito das diferenças culturais existentes entre os países do continente americano, o racismo é um elemento presente em todos esses lugares. Por que as sociedades americanas têm um histórico de racismo tão acentuado? b) Qual o papel dos movimentos negros e das ações afirmativas no combate ao racismo? 7) UEL 2017 O decênio de 1930 viu florescer um gênero novo de textos sobre o Brasil. O país, que já havia sido interpretado anteriormente em livros de gênero literário (como em “Os Sertões”, de Euclides da Cunha), passou a contar com análises advindas do campo das ciências sociais, que também começavam a se constituir em terreno nacional. Um dos mais destacados autores do período foi Sérgio Buarque de Holanda, que escreveu, em 1936, o clássico ensaio “Raízes do Brasil”, que aborda aspectosfundamentais acerca da colonização nacional e da formação de características da cultura política brasileira. Muito conhecida é sua formulação acerca do homem cordial. Com base nessas considerações, disserte sobre como a cordialidade do brasileiro, descrita por Sérgio Buarque de Holanda, influi na relação entre o público e o privado na sociedade brasileira. _________________________________________________ Gabarito: 1.A 2.C 3.B 4.E 5.C SEMANA 5: Ética- filosofia moral 1. Conceitos de moral e de ética Moral: Conjunto de normas que orientam o comportamento humano tendo como base valores próprios de uma dada comunidade ou cultura. Valores relacionados ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, válidos para todos os membros de cada sociedade. Os costumes são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido moral da sociedade em que vivemos. Ética: Filosofia Moral >>>> indagação ou questionamento a respeito da natureza e do significado dos valores morais e dos costumes. Ação pautada no bem comum, hábito racional que promove a virtude (Aristóteles). É no campo daquilo que está em nosso poder que aparecem os dilemas éticos, momentos em que o indivíduo entra em embate com a moral vigente (da sociedade) ou em situações novas para as quais existem lacunas morais. Conflito ético: o sujeito entende a norma moral como inadequada ou ilegítima. Texto I A característica específica do homem em comparação com os outros com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais. ARISTÓTELES, Política, p. 15 Texto II Moral é o conjunto de normas que a sociedade elabora para regulamentar o comportamento dos indivíduos que compartilham a vida social. Ética é o conjunto de reflexões sistemáticas sobre a moral, elaboradas no curso da história. Anita Helena Schlesener, Para Filosofar. São Paulo: Scipione, 2007; p. 61 2. Ética e Ciência Saber científico: desenvolvimento tecnológico, controle da natureza. Tal saber amplia o campo das ações humanas. O ser humana passa a dispor de possibilidades de controlar a natureza. Porém, surgem com isso novos conflitos no campo moral e problematizações éticas. Até que ponto devemos manipular a natureza? DICA DE FILME: Gattaca, experiência genética (Andrew Niccol, 1997, EUA) BIOÉTICA Algumas definições: Estudo dos problemas e implicações morais despertados pelas pesquisas científicas e relacionados à vida humana. Área transdisciplinar que abrange a biologia, a medicina, o direito e a filosofia que estuda as condições necessárias para uma administração responsável da vida humana, animal e responsabilidade ambiental. Responsabilidade moral dos cientistas em suas pesquisas e aplicações. Questões centrais do campo bioético: Há limites para o desenvolvimento científico? Quais as implicações éticas do controle da natureza? Assuntos relacionados: A bioética abrange problemas como a utilização de seres vivos em experimentos, a legitimidade moral do aborto ou da eutanásia, as implicações profundas da pesquisa e da prática no campo da genética. Excerto de Hannah Arendt sobre Bioética: O mundo – artifício humano – separa a existência do homem de todo ambiente meramente animal; mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos. Recentemente, a ciência vem se esforçando por tornar artificial a própria vida, por cortar o último laço que faz do homem um filho da natureza. O mesmo desejo de fugir da prisão terrena manifesta-se na tentativa de criar a vida numa proveta, no desejo de misturar, 'sob o microscópio, o plasma seminal congelado de pessoas comprovadamente capazes, a fim de produzir seres humanos superiores' e 'alterar-lhe o tamanho, a forma e a função'; e talvez o desejo de fugir à condição humana esteja presente na esperança de prolongar a duração da vida humana para além do limite dos cem anos. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 21 de 26 Esse homem do futuro, que, segundo os cientistas, será produzido em menos de um século, parece motivado por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi dada (secularmente falando), que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo. Não há razão para duvidar de que sejamos capazes de realizar essa troca, tal como não há motivo para duvidar de nossa atual capacidade de destruir toda a vida orgânica da terra. A questão é apenas se desejamos usar nessa direção nosso novo conhecimento científico e técnico – e esta questão não pode ser resolvida por meios científicos: é uma questão ética de primeira grandeza, e portanto não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por políticos profissionais. (Hannah Arendt. A Condição Humana, 1995, p. 10-11) 3. Concepções filosóficas de ética e moral Para Platão, ética relaciona-se à conduta racional à medida que as noções do bem e do justo estão presentes na dimensão inteligível, acessível somente aos que desenvolvem o intelecto. Como reconhecer o bem é determinante para que haja uma conduta moralmente boa, a ética vincula-se à busca pela verdade. Para Aristóteles, por sua vez, a ética é uma habilidade relacional que fortalece virtude. O homem capaz de conter seus impulsos e agir racionalmente objetivando o bem comum é doado de virtudes morais. A virtude enobrece o homem e o conduz à felicidade, finalidade última da existência. Portanto, o hábito de refletir (ethos) nos aprimora em nossa condição humana, uma vez que para Aristóteles somos um ser animal racional (temos a capacidade de pensar), moral (temos a capacidade de discernir e construir valores) e político (compartilhamos e organizamos nossa vida social com base nos valores que organizamos). IMMANUEL KANT e a Crítica da Razão Prática Novas reflexões sobre ética e moral remetem ao pensamento de Kant, no século XVIII. Em sua busca por entender profundamente os princípios de racionalidade humana, o filósofo distingue a razão pura, instância que nos permite conhecer a realidade, da razão prática, instância incumbida de deliberar racionalmente e regular as ações humanas. A questão central em sua obra Crítica à Razão Prática é: existe algum princípio racional que regule de forma universal as ações? Ou seja, existe alguma referência ética que seja compartilhada por todos os indivíduos universalmente ou os valores morais são relativos às culturas e aos indivíduos? A partir de suas reflexões, Kant conclui que existe um princípio ético a priori, determinado pela razão prática. Tal princípio, chamado de imperativo categórico, regula de forma universal as ações a partir da noção de dever. “O imperativo categórico é portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.” (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 1995. p. 59.) Assim, para Kant, há um princípio racional que orienta a moral e este existe a priori. Cabe ao indivíduo determinar se sua ação será pautada por tal princípio de racionalidade, uma vez que a ética é o campo da liberdade humana. Essa orientação ética universal, o imperativo categórico, determina que todo indivíduo deve agir considerando a possibilidade de sua ação ser amplificada em nível universal. Isso, para o filósofo, asseguraria a base moral de uma conduta individual, sem prejuízo para a humanidade. Não há conteúdo universalmente prescrito no campo da moral, mas uma noção de dever para com o outro, tomar a humanidade como um fim e não como um meio. Essa “ética do dever” é o princípio racional que norteia universalmente a conduta moral. Reações às concepções de Kant surgem, no século XIX, com Schopenhauer e Nietzsche, que condenam essa concepçãode moral prescritiva, que teria como única finalidade o controle do indivíduo. Para Schopenhauer, a verdadeira experiência ética somente poderia brotar da compaixão genuína. De outro modo, o egocentrismo humano seria apenas contido por princípios de moralidade externos ao indivíduo, desprovidos, portanto, de real sentido. Para Nietzsche, é fundamental a negação da moral vigente, que aprisiona o homem em uma situação de culpa e resignação, inibindo a verdadeira potencialidade humana. 4. Vertentes filosóficas contemporâneas sobre Ética UNIVERSALISMO O Universalismo, inspirado na filosofia moral de Kant, no século XVIII, prega que o comportamento moral deve ser predeterminado por princípios racionais universalmente válidos, vinculados à máxima kanteana do imperativo categórico: aja de modo que sua conduta possa ser universalizada sem prejuízo para as outras pessoas. A ética é, portanto, um dever racional que o indivíduo reconhece. Nessa lógica, comportamentos como matar e mentir seriam necessariamente negativos, uma vez que se fossem assumidos por todos os indivíduos, gerariam prejuízos tamanhos para a humanidade. UTILITARISMO O Utilitarismo como corrente de pensamento no campo da ética e da filosofia política tem sua origem principalmente com as ideias do pensador francês Helvétius (1715-71) e do inglês Bentham (1748-1832). Posteriormente foi desenvolvido e perpetuado pelo filósofo, pensador político e ativista liberal John Stuart Mill (1806-73). Esses pensadores estipulam o critério da utilidade como critério do valor moral de um ato. De acordo com esse princípio, o bem seria aquilo que maximiza o benefício e reduz a dor ou o sofrimento. O útil é entendido como aquilo que contribui para o bem estar geral. Desse modo, os pensadores ligados ao utilitarismo propõem que a conduta do sujeito moral deva ser avaliada pelo resultado e não pelo princípio. A boa ação é aquela que gera resultados favoráveis, independente dos meios e critérios. ÉTICA DAS VIRTUDES (ou Neoaristotelismo) Tal vertente é defendida por pensadores do século XX, tais como Habermas e Sartre. A virtude, tal como propôs Aristóteles, residiria no indivíduo equilibrado que pondera suas ações levando em consideração os efeitos de sua liberdade no outro. A decisão ética não é predeterminada, mas reside no sujeito que a pratica, uma vez que todo ato está imerso em circunstâncias particulares e, pelo fato de tais circunstâncias serem normalmente complexas, é preciso que o agente avalie sua Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 22 de 26 conduta nos casos particulares, o que carece de um aprimoramento do caráter (virtude). Como as virtudes não são inatas, a construção da atitude ética é um continuo aprendizado. “Toda a habituação ocorre no convívio, pois é somente no interior de nossas próprias relações humanas que podemos aprender o que é relevante humano e moral por meio da própria convivência” (Marco Zingano) É importante não confundirmos a ética das virtudes com o relativismo moral absoluto, que prega que não há bem comum: O relativismo moral é a visão de que as afirmações morais ou éticas, que variam de pessoa para pessoa, são todas igualmente válidas e que nenhuma opinião sobre o que é "certo e errado" é melhor do que qualquer outra. O relativismo moral é uma forma mais ampla e mais pessoalmente aplicada de outros tipos de pensamento relativista, tal como o relativismo cultural. Estas são todas baseadas na ideia de que não exista um padrão definitivo do bem ou do mal, por isso cada decisão sobre o que é certo e errado acaba sendo um puro produto das preferências e ambiente de uma pessoa. Não existe um padrão definitivo de moralidade, de acordo com o relativismo moral, e nenhuma declaração ou posição pode ser considerada absolutamente "certa ou errada", "melhor ou pior". Fonte: http://www.allaboutphilosophy.org/portuguese/relativismo- moral.htm Texto Complementar: Muita gente diz que o significado de ser livre é fazer aquilo que se quer, como se o fato de uma pessoa não seguir determinada regra revelasse um indício de sua liberdade. A afirmação que a filosofia moral kantiana faz a respeito da liberdade aponta para o sentido oposto ao do senso comum: para poder pensar a liberdade como uma ideia universal, é necessário buscar seu fundamento nos limites da razão humana, ou seja, encontrar uma lei própria à razão que torne possível determinar se uma ação é livre ou não. Toda argumentação kantiana vai na direção de retirar da causa da ação (de sua intenção última) qualquer vinculação com o sensível (impulsos, instintos e desejos individuais). A moral, para o filósofo, não é prescritiva, no sentido de possuir um conteúdo prévio gerador de valores, mas terá de ser compreendida como um procedimento racional de avaliação das ações dos homens. Esse procedimento de avaliação diz respeito à possibilidade de universalização de uma determinada regra que, por sua vez, foi pressuposta pela vontade. Assim, se uma determinada regra, subjetiva, é válida para todos os seres racionais, a ação pressuposta pela regra da vontade é racional e, consequentemente, a ação será compreendida como uma ação por dever, que respeitou a lei. Esta obriga o sujeito a avaliar suas regras de conduta por meio do critério de universalização, ou seja, se sua regra de conduta é ou não passível de valer para todos os sujeitos racionais. Segundo Kant, o princípio formal da vontade, a lei, pode ser formulada dessa maneira: “Devo proceder sempre de uma maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal”. Essa primeira formulação da lei é o imperativo categórico da razão. Assim, uma ação só pode ser considerada moral se for livre, e só pode ser vista como livre no momento em que passa pelo critério de avaliação fornecido pela própria razão, pela universalização de sua máxima por meio do imperativo. É a razão que, portanto, determina a ética de uma ação. Kant está preocupado com a condição de universalidade da liberdade, o que pressupõe que a liberdade seja válida para todos os homens (de outro modo não seria liberdade). Todo esse movimento da filosofia prática kantiana converge para a ideia do sujeito moderno. Kant o pressupõe tanto do ponto de vista de um sujeito universal quanto do ponto de vista do indivíduo, pois, em última instância, como a vontade está vincula à ideia de uma intenção, só o próprio indivíduo pode avaliar se sua ação foi livre, moral, ou não. Apesar disso, se por um lado Kant resguarda a possibilidade de a vontade de um indivíduo não estar submetida à vontade de outrem, por outro lado, com o princípio de universalização, o sujeito deve agir de uma forma que o seu querer possa também ser entendido como uma lei universal. Ele deve levar em conta, portanto, todos os seres racionais em sua ação, ou seja, a sua ação é livre e moral na medida em que todos também possam, em princípio, agir da mesma forma. Kant não afirma que todos os seres racionais vão agir assim, mas que todos devem ser levados em consideração – o que dá legitimidade à legalidade moral. Com isso, o sujeito está sendo pensado tanto do ponto de vista de sua individualidade quanto do ponto de vista de sua universalidade. Maurício Keirnert – Lei Moral e Autonomia: o conceito da vontade em Kant. Exercícios básicos 1. (ENEM) Ninguém delibera sobre coisas que não podem ser de outro modo, nem sobre as que lhe é impossível fazer. Por conseguinte, como o conhecimento científico envolve demonstração, mas não há demonstração de coisas cujos primeiros princípios são variáveis (pois todas elas poderiam ser diferentemente), e como é impossível deliberar sobre coisas que são por necessidade, a sabedoria prática não pode ser ciência, nem arte: nem ciência, porque aquilo que se pode fazer é capaz de ser diferentemente, nem arte, porque o agir e o produzir são duas espéciesdiferentes de coisa. Resta, pois, a alternativa de ser ela uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Aristóteles considera a ética como pertencente ao campo do saber prático. Nesse sentido, ela difere-se dos outros saberes porque é caracterizada como a) conduta definida pela capacidade racional de escolha. b) capacidade de escolher de acordo com padrões científicos. c) conhecimento das coisas importantes para a vida do homem. d) técnica que tem como resultado a produção de boas ações. e) política estabelecida de acordo com padrões democráticos de deliberação. 2. (Uem 2012) A reflexão sobre a ética apresenta, na antiguidade clássica, três características principais: a) a fusão do sujeito moral com o sujeito político, pois só enquanto cidadão ou membro de uma comunidade política pode-se pensar a moralidade; b) a discussão de princípios éticos metafísicos, pois a moral fundamenta-se a partir de conceitos Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 23 de 26 que descrevem uma interrogação sobre a essência do ser (o que é virtude, o que é a felicidade, o que é a verdade, etc.); c) a separação entre o domínio privado e o domínio público. A partir dessa reflexão sobre a ética na antiguidade grega, assinale o que for correto. 01) A fundação platônica da cidade ideal, em A República, dá- se sob o signo de uma moralidade subjetiva, isto é, relativa à boa vontade dos indivíduos, seja qual for sua classe social ou política. 02) Por ser precursor do pensamento político democrático, Platão defende os interesses dos escravos, das mulheres e das crianças. 04) Na Ética a Nicômaco, Aristóteles defende os princípios de uma ética relativista, já que, ao defender o “justo meio”, acaba por defender a medida individual de cada sujeito. 08) A ética, na cidade-Estado grega, acompanha seu fundamento político, razão pela qual a violência não é condenada na esfera privada e é proibida na esfera pública. 16) Para Aristóteles, as amizades de um homem dependem da pessoa que se é, resultando, se ele for um homem justo e correto, no coroamento de todos os bens: a felicidade. Por isso, a filosofia moral de Aristóteles é uma eudaimonia (do grego: “boa vida”, “vida feliz”). 3. (Uncisal 2012) A Ética e a Moral são diferentes, porém intrinsecamente interligadas. As reflexões éticas exercem significativa influência sobre as práticas morais, assim como estas servem de matéria às reflexões éticas. A prática moral é relativa, mas as reflexões éticas tendem a ser universais. Com relação à Ética e à Moral, assinale a opção correta. a) Sem a Ética a Moral ficaria obsoleta, caduca, ultrapassada. b) Sendo universais os princípios éticos perdem o sentido à medida que se relacionam com os valores propagados pelas diferentes culturas. c) Os princípios éticos, em qualquer situação, são expressões do individualismo e do relativismo. d) A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um exemplo de práticas morais. e) Independentemente do momento histórico a Moral é única, absoluta e imutável. 4. (Uel 2005) “É na verdade conforme ao dever que o merceeiro não suba os preços ao comprador inexperiente, e quando o movimento do negócio é grande, o comerciante esperto também não faz semelhante coisa, mas mantém um preço fixo geral para toda a gente, de forma que uma criança pode comprar em sua casa tão bem como qualquer outra pessoa. É-se, pois servido honradamente; mas isto ainda não é bastante para acreditar que o comerciante tenha assim procedido por dever e princípios de honradez; o seu interesse assim o exigia; mas não é de aceitar que ele além disso tenha tido uma inclinação imediata para os seus fregueses, de maneira a não fazer, por amor deles, preço mais vantajoso a um do que outro”. (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 112.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre o conceito de dever em Kant, considere as afirmativas a seguir, sobre a ação do merceeiro. I. É uma ação correta, isto é, conforme postula o dever social. II. É ética, pois revela honestidade na relação com seus clientes. III. Não é uma ação por dever, pois sua intenção é egoísta. IV. É honesta, mas motivada pela compaixão aos semelhantes. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e II. b) I e III. c) II e IV. d) I, III e IV. e) II, III e IV. 5. (Ufu 2003) Na Crítica da razão pura, Kant vincula o sistema da moralidade à felicidade. Assinale a alternativa que explica no que consiste a relação moralidade — subjetividade. a) A esperança de ser feliz e a aspiração por tornar-se feliz podem ser conhecidas pela razão prática, desde que o fundamento da ação e a norma da conduta sejam a máxima do “não faça aos outros aquilo que não queres que te façam”. b) A convicção da felicidade humana decorre da certeza de que todos os entes racionais comportam-se com a mais rigorosa conformidade à lei moral, de maneira que cada um age orientado pela sua vontade, ou seja, pela razão prática do arbítrio individual. c) Quando a liberdade é dirigida e restringida pelas leis morais, é possível pensar na felicidade universal, pois a observância dos princípios morais pode proporcionar não só o bem estar para si, como também ser o responsável pelo bem estar dos outros. d) A felicidade implica na transcendência do mundo moral, pois somente na esfera sensível é possível o conhecimento pleno das ações humanas, já que somente nesse mundo sensível é possível a conexão entre moralidade e felicidade. 6. (ENEM) A moralidade, Bentham exortava, não é uma questão de agradar a Deus, muito menos de fidelidade a regras abstratas. A moralidade é a tentativa de criar a maior quantidade de felicidade possível neste mundo. Ao decidir o que fazer, deveríamos portanto, perguntar qual curso de conduta promoveria a maior quantidade de felicidade para todos aqueles que serão afetados. RACHELS, J. Os elementos da filosofia moral Barueri-SP, Manole, 2005 Os parâmetros da ação indicados no texto estão em conformidade com uma a) fundamentação científica de viés positivista. b) convenção social de orientação normativa c) transgressão Comportamental religiosa d) racionalidade de caráter pragmático. e) inclinação de natureza passional 7. (UNESP) É esse o sentido da famosa formulação do filósofo Kant sobre o imperativo categórico: “Aja unicamente de acordo com uma máxima tal que você possa querer que ela se torne uma lei universal”. Isso é agir de acordo com a humanidade, em vez de agir conforme o seu “euzinho querido”, e obedecer à razão em vez de obedecer às suas tendências ou aos seus interesses. Uma ação só é boa se o princípio a que se submete (sua “máxima”) puder valer, de direito, para todos: agir Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 24 de 26 moralmente é agir de tal modo que você possa desejar, sem contradição, que todo indivíduo se submeta aos mesmos princípios que você. Não é porque Deus existe que devo agir bem; é porque devo agir bem que posso necessitar – não para ser virtuoso, mas para escapar do desespero – de crer em Deus. Mesmo se Deus não existir, mesmo se não houver nada depois da morte, isso não dispensará você de cumprir com o seu dever, em outras palavras, de agir humanamente. (André Comte-Sponville. Apresentação da filosofia, 2002. Adaptado.) O conceito filosófico de imperativo categórico é baseado no relativismo ou na universalidade moral? Justifique sua resposta. Explique o motivo pelo qual a ética kantiana dispensa justificativas de caráter religioso. 8. (Uel 2007) Na segunda seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant nos oferece quatro exemplosde deveres. Em relação ao segundo exemplo, que diz respeito à falsa promessa, Kant afirma que uma “pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: Não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: Quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá”. Fonte: KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 130. De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a moral kantiana, considere as afirmativas a seguir: I. Para Kant, o princípio de ação da falsa promessa não pode valer como lei universal. II. Kant considera a falsa promessa moralmente permissível porque ela será praticada apenas para sair de uma situação momentânea de apuros. III. A falsa promessa é moralmente reprovável porque a universalização de sua máxima torna impossível a própria promessa. IV. A falsa promessa é moralmente reprovável porque vai de encontro às inclinações sociais do ser humano. A alternativa que contém todas as afirmativas corretas é: a) I e II b) I e III c) II e IV d) I, II e III e) I, II e IV _________________________________________________ Gabarito: 1.D 2.8+16 3.A 4.B 5.C 6.D 8.B Exercícios Complementares 1. (Unesp 2011) Renata, 11, combinava com uma amiga viajar em julho para a Disney. Questionada pela mãe, que não sabia de excursão nenhuma, a menina pegou uma pasta com preços do pacote turístico e uma foto com os dizeres: “Se eu não for para a Disney vou ser um pateta”. A agência de turismo e a escola afirmam que não pretendiam constranger ninguém e que a placa do Pateta era apenas uma brincadeira. Para um promotor da área do consumidor, o caso ilustra bem os abusos na publicidade infantil. “Já temos problemas sérios de bullying nas escolas. Essa empresa está criando uma situação propícia para isso”. (Folha de S.Paulo, 20.04.2010. Adaptado.) Acerca dessa notícia, podemos afirmar que: a) Em nossa sociedade, os campos da publicidade e da pedagogia são esferas separadas, não suscitando questões de natureza ética. b) Para o promotor citado na reportagem, o caso em questão provoca problemas de natureza exclusivamente jurídica. c) Uma das questões éticas envolvidas diz respeito à exposição precoce das crianças à manipulação do desejo, exercida pela publicidade. d) O público-alvo dessa campanha publicitária constitui-se de indivíduos dotados de consciência autônoma. e) Para o promotor citado na reportagem, o caso em questão não apresenta repercussões de natureza psicológica. 2. (Unesp 2011) Num mundo onde cresce sem parar a compulsão para obrigar as pessoas a levar uma vida “correta” no maior número possível das atividades que formam o seu dia a dia, a mesa tornou-se uma das áreas que mais atraem a atenção dos gendarmes empenhados em arbitrar o que é realmente bom para você. É uma provação permanente. Médicos, nutricionistas, personal trainers, editores e editoras de revistas dedicadas à forma física, ambientalistas, militantes da produção orgânica, burocratas, chefs de cozinha, críticos de restaurantes e mais uma multidão de diletantes prontos a dar testemunho expedem decretos cada vez mais frequentes, e cada vez mais severos, sobre os deveres do cidadão na hora de comer. O fato é que toda essa gente, quase sempre com as melhores intenções, acabou construindo um crescente sistema de ansiedade em torno do pão nosso de cada dia – e o resultado é que o prazer de comer bem vai sendo substituído pela obrigação de comer certo. Modelos, atrizes e outras pessoas que precisam pesar pouco para fazer sucesso chegam aos 30 anos de idade, ou mais, praticamente sem ter feito uma única refeição decente na vida. Propõe-se, como virtude alimentar, um mundo sombrio de pastas, mingaus, poções, soros de proteína e sabe-se lá o que ainda vem pela frente. Não está claro o que se ganha em toda essa história. A perspectiva de morrer, um dia, no peso ideal? (J. R. Guzzo. Veja, 09.06.2010. Adaptado.) Sob o ponto de vista filosófico, podemos afirmar que, para o autor, a) é positiva a adoção de procedimentos científicos no campo nutricional. b) o tema da qualidade de vida deve ser enfocado sob critérios morais. c) os padrões hegemônicos vigentes na sociedade atual no campo da nutrição são elogiáveis. d) a felicidade depende do número de calorias ingeridas pelo ser humano. e) a autonomia individual deveria ser o critério para definir os parâmetros de uma vida adequada. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 25 de 26 3. (Uenp 2009) Leia o fragmento: “Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade. Como para derivar as ações das leis é necessária a razão, a vontade não é outra coisa senão razão prática. Se a razão determina infalivelmente a vontade, as ações de um tal ser, que são conhecidas como objetivamente necessárias, são também subjetivamente necessárias, isto é, a vontade é a faculdade de escolher só aquilo que a razão independentemente da inclinação, reconhece como praticamente necessário, quer dizer bom”. (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 47.) Assinale a alternativa correta: a) A ética kantiana tem os mesmos princípios da ética aristotélica, e por isso pode ser considerada eudemonista e utilitarista. b) Kant afirmava que o princípio da ação moral era o imperativo categórico, que poderia ser reduzido a seguinte assertiva: “...age de tal forma que a máxima de sua ação possa ser universal”. c) Kant desenvolve uma ética do dever. d) No pensamento kantiano não existe qualquer distinção entre a lei ética, a lei física, a lei moral e a lei jurídica, porque todas possuem o mesmo princípio elementar de fundamento. e) O sistema proposto por Kant servirá de crítica para os teóricos posteriores que procuram defender a ideia de “ética mínima”. 4. (Uem 2009) “A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral.” (ARANHA, Maria L. de Arruda e MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2003, p. 301). A ética nasce quando a indagação formula duas questões: primeiro, de onde vêm e o que valem os costumes; segundo, o que é o caráter de cada pessoa, isto é, seu senso e consciência moral. Assinale o que for correto. 01) Para Nietzsche, a ética institui um “dever ser” moral, os princípios e os valores que ela dita são universais, portanto válidos para todos os homens, independentemente do tempo e do espaço. 02) As perguntas dirigidas por Sócrates aos atenienses sobre o que eram os valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir inauguram a filosofia moral, porque definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos pela determinação do seu ponto de partida, isto é, a consciência do agente moral. 04) Para Aristóteles, a ética fundamenta-se em princípios ascéticos, em uma moral da abnegação, como condições indispensáveis para impor aos homens um “dever ser” capaz de conter o caráter perverso dos seus instintos e paixões. 08) A ética não se confunde com a política, todavia elas mantêm entre si uma relação necessária, pois a formação ética é, ao sobrepor os interesses coletivos aos individuais,importante para o exercício da cidadania. 16) Para Kant, não existe bondade natural. Por natureza, o homem pode ser egoísta, ambicioso, destrutivo, ávido de prazeres que nunca o saciam e pelos quais mata, mente, rouba; é a razão pela qual precisa do dever racional para se tornar um ser moral. 5. (Unioeste 2009) “O termo bioética foi, primeiramente, utilizado pelo médico norte-americano V. R. Potter no início da década de 1970. [...] Nos últimos trinta anos, a bioética cresceu rapidamente como área de conhecimento e tornou-se particularmente importante nas ciências relacionadas com a vida humana, tais como a medicina, a enfermagem, a biologia, o direito etc., apesar de ser um objeto de estudo interdisciplinar e ter ocupado também lugar central na filosofia moral”. (D. Dall'Agnol) Tendo em conta o ponto de vista da Bioética, é correto afirmar que a) questões relacionadas à intervenção na natureza e ao uso de recursos naturais são independentes das que dizem respeito à segurança, ao meio ambiente e ao bem-estar comum. b) a conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde não precisa ser analisada à luz dos valores e princípios morais. c) é preciso discutir a questão da responsabilidade e da autoridade da ciência e do médico em relação às intervenções e limites de certas experiências, tais como o aborto induzido, a esterilização, a eutanásia, a clonagem, as células-tronco, etc. d) o conhecimento científico, exatamente por tratar da verdade, não pode sofrer limitações por questões éticas e, portanto, é independente de valores morais. e) a ciência é uma atividade imparcial, neutra e desinteressada. 6. (Uel 2007) “Ora, nós chamamos aquilo que deve ser buscado por si mesmo mais absoluto do que aquilo que merece ser buscado com vistas em outra coisa, e aquilo que nunca é desejável no interesse de outra coisa mais absoluto do que as coisas desejáveis tanto em si mesmas como no interesse de uma terceira; por isso chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa”. Fonte: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Nova Cultural, 1987, 1097b, p. 15. De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a ética de Aristóteles, assinale a alternativa correta: a) Segundo Aristóteles, para sermos felizes é suficiente sermos virtuosos. b) Para Aristóteles, o prazer não é um bem desejado por si mesmo, tampouco é um bem desejado no interesse de outra coisa. c) Para Aristóteles, as virtudes não contam entre os bens desejados por si mesmos. d) A felicidade é, para Aristóteles, sempre desejável em si mesma e nunca no interesse de outra coisa. e) De acordo com Aristóteles, para sermos felizes não é necessário sermos virtuosos. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 26 de 26 7. (Uema 2005) “Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da natureza”. Essa máxima kantiana afirma que: a) a universalidade da conduta ética é aquilo que todo e qualquer ser humano racional deve fazer como se fosse uma lei inquestionável e válida para todo o tempo e lugar. A ação, por dever, é uma lei moral para o agente. b) a dignidade dos seres humanos como pessoas é, portanto, a exigência de que sejam tratadas como fim da ação e jamais como meio. c) o agir moral se funda exclusivamente na subjetividade. d) o motivo moral da vontade má é agir por dever. e) a ação por dever é uma lei amoral para o agente. 8. (Unesp 2012) O clima do “politicamente correto” em que nos mergulharam impede o raciocínio. Este novo senso comum diz que todos os preconceitos são errados. Ao que um amigo observou: “Então vocês têm preconceito contra os preconceitos”. Ele demonstrava que é impossível não ter preconceitos, que vivemos com eles, e que grande quantidade deles nos é útil. Mas, afinal, quais preconceitos são pré- julgamentos danosos? São aqueles que carregam um juízo de valor depreciativo e hostil. Lembre-se do seu tempo de colégio. Quem era alvo dos bullies? Os diferentes. As crianças parecem repetir a história da humanidade: nascem trogloditas, violentas, cruéis com quem não é da tribo, e vão se civilizando aos poucos. Alguns, nem tanto. Serão os que vão conservar esses rótulos pétreos, imutáveis, muitas vezes carregados de ódio contra os “diferentes”, e difíceis (se não impossíveis) de mudar. (Francisco Daudt. Folha de S.Paulo, 07.02.2012. Adaptado.) O artigo citado aborda a relação entre as tendências culturais politicamente corretas e os preconceitos. Com base no texto, pode-se afirmar que a superação dos preconceitos que induzem comportamentos agressivos depende a) da capacidade racional de discriminar entre pré-julgamentos socialmente úteis e preconceitos disseminadores de hostilidade. b) de uma assimilação integral dos critérios “politicamente corretos” para representar e julgar objetivamente a realidade. c) da construção de valores coletivos que permitam que cada pessoa diferencie os amigos e os inimigos de sua comunidade. d) de medidas de natureza jurídica que criminalizem a expressão oral de juízos preconceituosos contra integrantes de minorias. e) do fortalecimento de valores de natureza religiosa e espiritual, garantidores do amor ao próximo e da convivência pacífica. _________________________________________________ Gabarito: 1.C 2.E 3.B 4.2+8+16=26 5.C 6.D 7.A 8.E