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Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 1 de 39 Filosofia – Caderno 2 AULA 1 – Ética: filosofia moral CONCEITOS DE MORAL E DE ÉTICA Moral: Conjunto de normas que orientam o comportamento humano tendo como base valores próprios de uma dada comunidade ou cultura. Valores relacionados ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, válidos para todos os membros de cada sociedade. Os costumes são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido moral da sociedade em que vivemos. Ética: Filosofia Moral >>>> indagação ou questionamento a respeito da natureza e do significado dos valores morais e dos costumes. Ação pautada no bem comum, hábito racional que promove a virtude (Aristóteles). É no campo daquilo que está em nosso poder que aparecem os dilemas éticos, momentos em que o indivíduo entra em embate com a moral vigente (da sociedade) ou em situações novas para as quais existem lacunas morais. Conflito ético: o sujeito entende a norma moral como inadequada ou ilegítima. Texto I A característica específica do homem em comparação com os outros com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais. ARISTÓTELES, Política, p. 15 Texto II Moral é o conjunto de normas que a sociedade elabora para regulamentar o comportamento dos indivíduos que compartilham a vida social. Ética é o conjunto de reflexões sistemáticas sobre a moral, elaboradas no curso da história. Anita Helena Schlesener, Para Filosofar. São Paulo: Scipione, 2007; p. 61 Ética e Ciência Saber científico: desenvolvimento tecnológico, controle da natureza. Tal saber amplia o campo das ações humanas. O ser humana passa a dispor de possibilidades de controlar a natureza. Porém, surgem com isso novos conflitos no campo moral e problematizações éticas. Até que ponto devemos manipular a natureza? DICA DE FILME: Gattaca, experiência genética (Andrew Niccol, 1997, EUA) BIOÉTICA Algumas definições: Estudo dos problemas e implicações morais despertados pelas pesquisas científicas e relacionados à vida humana. Área transdisciplinar que abrange a biologia, a medicina, o direito e a filosofia que estuda as condições necessárias para uma administração responsável da vida humana, animal e responsabilidade ambiental. Responsabilidade moral dos cientistas em suas pesquisas e aplicações. Questões centrais do campo bioético: Há limites para o desenvolvimento científico? Quais as implicações éticas do controle da natureza? Assuntos relacionados: A bioética abrange problemas como a utilização de seres vivos em experimentos, a legitimidade moral do aborto ou da eutanásia, as implicações profundas da pesquisa e da prática no campo da genética. Excerto de Hannah Arendt sobre Bioética: O mundo – artifício humano – separa a existência do homem de todo ambiente meramente animal; mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos. Recentemente, a ciência vem se esforçando por tornar artificial a própria vida, por cortar o último laço que faz do homem um filho da natureza. O mesmo desejo de fugir da prisão terrena manifesta-se na tentativa de criar a vida numa proveta, no desejo de misturar, 'sob o microscópio, o plasma seminal congelado de pessoas comprovadamente capazes, a fim de produzir seres humanos superiores' e 'alterar-lhe o tamanho, a forma e a função'; e talvez o desejo de fugir à condição humana esteja presente na esperança de prolongar a duração da vida humana para além do limite dos cem anos. Esse homem do futuro, que, segundo os cientistas, será produzido em menos de um século, parece motivado por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi dada (secularmente falando), que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo. Não há razão para duvidar de que sejamos capazes de realizar essa troca, tal como não há motivo para duvidar de nossa atual capacidade de destruir toda a vida orgânica da terra. A questão é apenas se desejamos usar nessa direção nosso novo conhecimento científico e técnico – e esta questão não pode ser resolvida por meios científicos: é uma questão ética de primeira grandeza, e portanto não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por políticos profissionais. (Hannah Arendt. A Condição Humana, 1995, p. 10-11) 1. Concepções filosóficas de ética e moral Para Platão, ética relaciona-se à conduta racional à medida que as noções do bem e do justo estão presentes na dimensão inteligível, acessível somente aos que desenvolvem o intelecto. Como reconhecer o bem é determinante para que haja uma conduta moralmente boa, a ética vincula-se à busca pela verdade. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 2 de 39 Para Aristóteles, por sua vez, a ética é uma habilidade relacional que fortalece virtude. O homem capaz de conter seus impulsos e agir racionalmente objetivando o bem comum é doado de virtudes morais. A virtude enobrece o homem e o conduz à felicidade, finalidade última da existência. Portanto, o hábito de refletir (ethos) nos aprimora em nossa condição humana, uma vez que para Aristóteles somos um ser animal racional (temos a capacidade de pensar), moral (temos a capacidade de discernir e construir valores) e político (compartilhamos e organizamos nossa vida social com base nos valores que organizamos). IMMANUEL KANT e a Crítica da Razão Prática Novas reflexões sobre ética e moral remetem ao pensamento de Kant, no século XVIII. Em sua busca por entender profundamente os princípios de racionalidade humana, o filósofo distingue a razão pura, instância que nos permite conhecer a realidade, da razão prática, instância incumbida de deliberar racionalmente e regular as ações humanas. A questão central em sua obra Crítica à Razão Prática é: existe algum princípio racional que regule de forma universal as ações? Ou seja, existe alguma referência ética que seja compartilhada por todos os indivíduos universalmente ou os valores morais são relativos às culturas e aos indivíduos? A partir de suas reflexões, Kant conclui que existe um princípio ético a priori, determinado pela razão prática. Tal princípio, chamado de imperativo categórico, regula de forma universal as ações a partir da noção de dever. “O imperativo categórico é portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.” (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 1995. p. 59.) Assim, para Kant, há um princípio racional que orienta a moral e este existe a priori. Cabe ao indivíduo determinar se sua ação será pautada por tal princípio de racionalidade, uma vez que a ética é o campo da liberdade humana. Essa orientação ética universal, o imperativo categórico, determina que todo indivíduo deve agir considerando a possibilidade de sua ação ser amplificada em nível universal. Isso, para o filósofo, asseguraria a base moral de uma conduta individual, sem prejuízo para a humanidade. Não há conteúdo universalmente prescrito no campo da moral, mas uma noção de dever para com o outro, tomar a humanidade como um fim e não como um meio. Essa “ética do dever” é o princípio racional que norteia universalmente a conduta moral. Reações às concepções de Kant surgem, no século XIX, com Schopenhauer e Nietzsche, que condenam essa concepção de moral prescritiva, que teria como única finalidade o controle do indivíduo. Para Schopenhauer, a verdadeira experiência ética somente poderia brotar da compaixão genuína. De outro modo, o egocentrismo humano seria apenas contido por princípios de moralidadeexternos ao indivíduo, desprovidos, portanto, de real sentido. Para Nietzsche, é fundamental a negação da moral vigente, que aprisiona o homem em uma situação de culpa e resignação, inibindo a verdadeira potencialidade humana. 2. Vertentes filosóficas contemporâneas sobre Ética UNIVERSALISMO O Universalismo, inspirado na filosofia moral de Kant, no século XVIII, prega que o comportamento moral deve ser predeterminado por princípios racionais universalmente válidos, vinculados à máxima kanteana do imperativo categórico: aja de modo que sua conduta possa ser universalizada sem prejuízo para as outras pessoas. A ética é, portanto, um dever racional que o indivíduo reconhece. Nessa lógica, comportamentos como matar e mentir seriam necessariamente negativos, uma vez que se fossem assumidos por todos os indivíduos, gerariam prejuízos tamanhos para a humanidade. UTILITARISMO O Utilitarismo como corrente de pensamento no campo da ética e da filosofia política tem sua origem principalmente com as ideias do pensador francês Helvétius (1715-71) e do inglês Bentham (1748-1832). Posteriormente foi desenvolvido e perpetuado pelo filósofo, pensador político e ativista liberal John Stuart Mill (1806-73). Esses pensadores estipulam o critério da utilidade como critério do valor moral de um ato. De acordo com esse princípio, o bem seria aquilo que maximiza o benefício e reduz a dor ou o sofrimento. O útil é entendido como aquilo que contribui para o bem estar geral. Desse modo, os pensadores ligados ao utilitarismo propõem que a conduta do sujeito moral deva ser avaliada pelo resultado e não pelo princípio. A boa ação é aquela que gera resultados favoráveis, independente dos meios e critérios. ÉTICA DAS VIRTUDES (ou Neoaristotelismo) Tal vertente é defendida por pensadores do século XX, tais como Habermas e Sartre. A virtude, tal como propôs Aristóteles, residiria no indivíduo equilibrado que pondera suas ações levando em consideração os efeitos de sua liberdade no outro. A decisão ética não é predeterminada, mas reside no sujeito Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 3 de 39 que a pratica, uma vez que todo ato está imerso em circunstâncias particulares e, pelo fato de tais circunstâncias serem normalmente complexas, é preciso que o agente avalie sua conduta nos casos particulares, o que carece de um aprimoramento do caráter (virtude). Como as virtudes não são inatas, a construção da atitude ética é um continuo aprendizado. “Toda a habituação ocorre no convívio, pois é somente no interior de nossas próprias relações humanas que podemos aprender o que é relevante humano e moral por meio da própria convivência” (Marco Zingano) É importante não confundirmos a ética das virtudes com o relativismo moral absoluto, que prega que não há bem comum: O relativismo moral é a visão de que as afirmações morais ou éticas, que variam de pessoa para pessoa, são todas igualmente válidas e que nenhuma opinião sobre o que é "certo e errado" é melhor do que qualquer outra. O relativismo moral é uma forma mais ampla e mais pessoalmente aplicada de outros tipos de pensamento relativista, tal como o relativismo cultural. Estas são todas baseadas na ideia de que não exista um padrão definitivo do bem ou do mal, por isso cada decisão sobre o que é certo e errado acaba sendo um puro produto das preferências e ambiente de uma pessoa. Não existe um padrão definitivo de moralidade, de acordo com o relativismo moral, e nenhuma declaração ou posição pode ser considerada absolutamente "certa ou errada", "melhor ou pior". Fonte: http://www.allaboutphilosophy.org/portuguese/relativismo- moral.htm Texto Complementar: Muita gente diz que o significado de ser livre é fazer aquilo que se quer, como se o fato de uma pessoa não seguir determinada regra revelasse um indício de sua liberdade. A afirmação que a filosofia moral kantiana faz a respeito da liberdade aponta para o sentido oposto ao do senso comum: para poder pensar a liberdade como uma ideia universal, é necessário buscar seu fundamento nos limites da razão humana, ou seja, encontrar uma lei própria à razão que torne possível determinar se uma ação é livre ou não. Toda argumentação kantiana vai na direção de retirar da causa da ação (de sua intenção última) qualquer vinculação com o sensível (impulsos, instintos e desejos individuais). A moral, para o filósofo, não é prescritiva, no sentido de possuir um conteúdo prévio gerador de valores, mas terá de ser compreendida como um procedimento racional de avaliação das ações dos homens. Esse procedimento de avaliação diz respeito à possibilidade de universalização de uma determinada regra que, por sua vez, foi pressuposta pela vontade. Assim, se uma determinada regra, subjetiva, é válida para todos os seres racionais, a ação pressuposta pela regra da vontade é racional e, consequentemente, a ação será compreendida como uma ação por dever, que respeitou a lei. Esta obriga o sujeito a avaliar suas regras de conduta por meio do critério de universalização, ou seja, se sua regra de conduta é ou não passível de valer para todos os sujeitos racionais. Segundo Kant, o princípio formal da vontade, a lei, pode ser formulada dessa maneira: “Devo proceder sempre de uma maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal”. Essa primeira formulação da lei é o imperativo categórico da razão. Assim, uma ação só pode ser considerada moral se for livre, e só pode ser vista como livre no momento em que passa pelo critério de avaliação fornecido pela própria razão, pela universalização de sua máxima por meio do imperativo. É a razão que, portanto, determina a ética de uma ação. Kant está preocupado com a condição de universalidade da liberdade, o que pressupõe que a liberdade seja válida para todos os homens (de outro modo não seria liberdade). Todo esse movimento da filosofia prática kantiana converge para a ideia do sujeito moderno. Kant o pressupõe tanto do ponto de vista de um sujeito universal quanto do ponto de vista do indivíduo, pois, em última instância, como a vontade está vincula à ideia de uma intenção, só o próprio indivíduo pode avaliar se sua ação foi livre, moral, ou não. Apesar disso, se por um lado Kant resguarda a possibilidade de a vontade de um indivíduo não estar submetida à vontade de outrem, por outro lado, com o princípio de universalização, o sujeito deve agir de uma forma que o seu querer possa também ser entendido como uma lei universal. Ele deve levar em conta, portanto, todos os seres racionais em sua ação, ou seja, a sua ação é livre e moral na medida em que todos também possam, em princípio, agir da mesma forma. Kant não afirma que todos os seres racionais vão agir assim, mas que todos devem ser levados em consideração – o que dá legitimidade à legalidade moral. Com isso, o sujeito está sendo pensado tanto do ponto de vista de sua individualidade quanto do ponto de vista de sua universalidade. Maurício Keirnert – Lei Moral e Autonomia: o conceito da vontade em Kant. Exercícios básicos 1. (ENEM) Ninguém delibera sobre coisas que não podem ser de outro modo, nem sobre as que lhe é impossível fazer. Por conseguinte, como o conhecimento científico envolve demonstração, mas não há demonstração de coisas cujos http://www.allaboutphilosophy.org/portuguese/relativismo-moral.htm http://www.allaboutphilosophy.org/portuguese/relativismo-moral.htm Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 4 de 39 primeiros princípios são variáveis (pois todas elas poderiam ser diferentemente), e como é impossível deliberar sobre coisas que são por necessidade, a sabedoria prática não pode ser ciência, nem arte: nem ciência, porque aquilo que se pode fazer é capaz de ser diferentemente,nem arte, porque o agir e o produzir são duas espécies diferentes de coisa. Resta, pois, a alternativa de ser ela uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Aristóteles considera a ética como pertencente ao campo do saber prático. Nesse sentido, ela difere-se dos outros saberes porque é caracterizada como: A. conduta definida pela capacidade racional de escolha. B. capacidade de escolher de acordo com padrões científicos. C. conhecimento das coisas importantes para a vida do homem. D. técnica que tem como resultado a produção de boas ações. E. política estabelecida de acordo com padrões democráticos de deliberação. 2. (Uem 2012) A reflexão sobre a ética apresenta, na antiguidade clássica, três características principais: a) a fusão do sujeito moral com o sujeito político, pois só enquanto cidadão ou membro de uma comunidade política pode-se pensar a moralidade; b) a discussão de princípios éticos metafísicos, pois a moral fundamenta-se a partir de conceitos que descrevem uma interrogação sobre a essência do ser (o que é virtude, o que é a felicidade, o que é a verdade, etc.); c) a separação entre o domínio privado e o domínio público. A partir dessa reflexão sobre a ética na antiguidade grega, assinale o que for correto. 01) A fundação platônica da cidade ideal, em A República, dá-se sob o signo de uma moralidade subjetiva, isto é, relativa à boa vontade dos indivíduos, seja qual for sua classe social ou política. 02) Por ser precursor do pensamento político democrático, Platão defende os interesses dos escravos, das mulheres e das crianças. 04) Na Ética a Nicômaco, Aristóteles defende os princípios de uma ética relativista, já que, ao defender o “justo meio”, acaba por defender a medida individual de cada sujeito. 08) A ética, na cidade-Estado grega, acompanha seu fundamento político, razão pela qual a violência não é condenada na esfera privada e é proibida na esfera pública. 16) Para Aristóteles, as amizades de um homem dependem da pessoa que se é, resultando, se ele for um home justo e correto, no coroamento de todos os bens: a felicidade. Por isso, a filosofia moral de Aristóteles é uma eudaimonia (do grego: “boa vida”, “vida feliz”). 3. (Uncisal 2012) A Ética e a Moral são diferentes, porém intrinsecamente interligadas. As reflexões éticas exercem significativa influência sobre as práticas morais, assim como estas servem de matéria às reflexões éticas. A prática moral é relativa, mas as reflexões éticas tendem a ser universais. Com relação à Ética e à Moral, assinale a opção correta. a) Sem a Ética a Moral ficaria obsoleta, caduca, ultrapassada. b) Sendo universais os princípios éticos perdem o sentido à medida que se relacionam com os valores propagados pelas diferentes culturas. c) Os princípios éticos, em qualquer situação, são expressões do individualismo e do relativismo. d) A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um exemplo de práticas morais. e) Independentemente do momento histórico a Moral é única, absoluta e imutável. 4. (Uel 2005) “É na verdade conforme ao dever que o merceeiro não suba os preços ao comprador inexperiente, e quando o movimento do negócio é grande, o comerciante esperto também não faz semelhante coisa, mas mantém um preço fixo geral para toda a gente, de forma que uma criança pode comprar em sua casa tão bem como qualquer outra pessoa. É-se, pois servido honradamente; mas isto ainda não é bastante para acreditar que o comerciante tenha assim procedido por dever e princípios de honradez; o seu interesse assim o exigia; mas não é de aceitar que ele além disso tenha tido uma inclinação imediata para os seus fregueses, de maneira a não fazer, por amor deles, preço mais vantajoso a um do que outro”. (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 112.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre o conceito de dever em Kant, considere as afirmativas a seguir, sobre a ação do merceeiro. I. É uma ação correta, isto é, conforme postula o dever social. II. É ética, pois revela honestidade na relação com seus clientes. III. Não é uma ação por dever, pois sua intenção é egoísta. IV. É honesta, mas motivada pela compaixão aos semelhantes. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 5 de 39 Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e II. b) I e III. c) II e IV. d) I, III e IV. e) II, III e IV. 5. (Ufu 2003) Na Crítica da razão pura, Kant vincula o sistema da moralidade à felicidade. Assinale a alternativa que explica no que consiste a relação moralidade — subjetividade. a) A esperança de ser feliz e a aspiração por tornar-se feliz podem ser conhecidas pela razão prática, desde que o fundamento da ação e a norma da conduta sejam a máxima do “não faça aos outros aquilo que não queres que te façam”. b) A convicção da felicidade humana decorre da certeza de que todos os entes racionais comportam-se com a mais rigorosa conformidade à lei moral, de maneira que cada um age orientado pela sua vontade, ou seja, pela razão prática do arbítrio individual. c) Quando a liberdade é dirigida e restringida pelas leis morais, é possível pensar na felicidade universal, pois a observância dos princípios morais pode proporcionar não só o bem estar para si, como também ser o responsável pelo bem estar dos outros. d) A felicidade implica na transcendência do mundo moral, pois somente na esfera sensível é possível o conhecimento pleno das ações humanas, já que somente nesse mundo sensível é possível a conexão entre moralidade e felicidade. 6. ENEM A moralidade, Bentham exortava, não é uma questão de agradar a Deus, muito menos de fidelidade a regras abstratas. A moralidade é a tentativa de criar a maior quantidade de felicidade possível neste mundo. Ao decidir o que fazer, deveríamos portanto, perguntar qual curso de conduta promoveria a maior quantidade de felicidade para todos aqueles que serão afetados. RACHELS, J. Os elementos da filosofia moral Barueri-SP, Manole, 2005. Os parâmetros da ação indicados no texto estão em conformidade com uma: a) fundamentação científica de viés positivista. b) convenção social de orientação normativa c) transgressão Comportamental religiosa d) racionalidade de caráter pragmático. e) inclinação de natureza passional 7. (UNESP) É esse o sentido da famosa formulação do filósofo Kant sobre o imperativo categórico: “Aja unicamente de acordo com uma máxima tal que você possa querer que ela se torne uma lei universal”. Isso é agir de acordo com a humanidade, em vez de agir conforme o seu “euzinho querido”, e obedecer à razão em vez de obedecer às suas tendências ou aos seus interesses. Uma ação só é boa se o princípio a que se submete (sua “máxima”) puder valer, de direito, para todos: agir moralmente é agir de tal modo que você possa desejar, sem contradição, que todo indivíduo se submeta aos mesmos princípios que você. Não é porque Deus existe que devo agir bem; é porque devo agir bem que posso necessitar – não para ser virtuoso, mas para escapar do desespero – de crer em Deus. Mesmo se Deus não existir, mesmo se não houver nada depois da morte, isso não dispensará você de cumprir com o seu dever, em outras palavras, de agir humanamente. (André Comte-Sponville. Apresentação da filosofia, 2002. Adaptado.) O conceito filosófico de imperativo categórico é baseado no relativismo ou na universalidade moral? Justifique sua resposta. Explique o motivo pelo qual a ética kantiana dispensa justificativas de caráter religioso. 8. (Uel 2007) Na segunda seção da Fundamentaçãoda Metafísica dos Costumes, Kant nos oferece quatro exemplos de deveres. Em relação ao segundo exemplo, que diz respeito à falsa promessa, Kant afirma que uma “pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: Não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: Quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá”. Fonte: KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 130. De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a moral kantiana, considere as afirmativas a seguir: I. Para Kant, o princípio de ação da falsa promessa não pode valer como lei universal. II. Kant considera a falsa promessa moralmente permissível porque ela será praticada apenas para sair de uma situação momentânea de apuros. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 6 de 39 III. A falsa promessa é moralmente reprovável porque a universalização de sua máxima torna impossível a própria promessa. IV. A falsa promessa é moralmente reprovável porque vai de encontro às inclinações sociais do ser humano. A alternativa que contém todas as afirmativas corretas é: a) I e II b) I e III c) II e IV d) I, II e III e) I, II e IV Gabarito: 1. D 2. (8+16) 3. A 4. B 5. C 6. D 8. B 7. O conceito de imperativo categórico, de Kant, é fundamentado na universalidade da moral, uma vez que o filósofo acredita que temos bases racionais para um discernimento moral universal. Isso significa sermos capazes de nos nortearmos por valores comuns, que não se vinculem a uma pretensa superioridade do eu em relação ao outro, mas que se pautem em uma máxima universal. É este dever universal que está contido no imperativo categórico: tratar a humanidade com um fim. E podemos alcançá-lo por sermos seres racionais, capazes de discernir moralmente. A ética kantiana dispensa justificativas de caráter religioso justamente pelo fato de se pautar em bases racionais. São essas bases – e não a moral prescrita – que nos fazem seres capazes de avaliar nossas condutas. Exercícios Complementares 1. (Unesp 2011) Renata, 11, combinava com uma amiga viajar em julho para a Disney. Questionada pela mãe, que não sabia de excursão nenhuma, a menina pegou uma pasta com preços do pacote turístico e uma foto com os dizeres: “Se eu não for para a Disney vou ser um pateta”. A agência de turismo e a escola afirmam que não pretendiam constranger ninguém e que a placa do Pateta era apenas uma brincadeira. Para um promotor da área do consumidor, o caso ilustra bem os abusos na publicidade infantil. “Já temos problemas sérios de bullying nas escolas. Essa empresa está criando uma situação propícia para isso”. (Folha de S.Paulo, 20.04.2010. Adaptado.) Acerca dessa notícia, podemos afirmar que: a) Em nossa sociedade, os campos da publicidade e da pedagogia são esferas separadas, não suscitando questões de natureza ética. b) Para o promotor citado na reportagem, o caso em questão provoca problemas de natureza exclusivamente jurídica. c) Uma das questões éticas envolvidas diz respeito à exposição precoce das crianças à manipulação do desejo, exercida pela publicidade. d) O público-alvo dessa campanha publicitária constitui-se de indivíduos dotados de consciência autônoma. e) Para o promotor citado na reportagem, o caso em questão não apresenta repercussões de natureza psicológica. 2. (Unesp 2011) Num mundo onde cresce sem parar a compulsão para obrigar as pessoas a levar uma vida “correta” no maior número possível das atividades que formam o seu dia a dia, a mesa tornou-se uma das áreas que mais atraem a atenção dos gendarmes empenhados em arbitrar o que é realmente bom para você. É uma provação permanente. Médicos, nutricionistas, personal trainers, editores e editoras de revistas dedicadas à forma física, ambientalistas, militantes da produção orgânica, burocratas, chefs de cozinha, críticos de restaurantes e mais uma multidão de diletantes prontos a dar testemunho expedem decretos cada vez mais frequentes, e cada vez mais severos, sobre os deveres do cidadão na hora de comer. O fato é que toda essa gente, quase sempre com as melhores intenções, acabou construindo um crescente sistema de ansiedade em torno do pão nosso de cada dia – e o resultado é que o prazer de comer bem vai sendo substituído pela obrigação de comer certo. Modelos, atrizes e outras pessoas que precisam pesar pouco para fazer sucesso chegam aos 30 anos de idade, ou mais, praticamente sem ter feito uma única refeição decente na vida. Propõe-se, como virtude alimentar, um mundo sombrio de pastas, mingaus, poções, soros de proteína e sabe-se lá o que ainda vem pela frente. Não está claro o que se ganha em toda essa história. A perspectiva de morrer, um dia, no peso ideal? (J. R. Guzzo. Veja, 09.06.2010. Adaptado.) Sob o ponto de vista filosófico, podemos afirmar que, para o autor, a) é positiva a adoção de procedimentos científicos no campo nutricional. b) o tema da qualidade de vida deve ser enfocado sob critérios morais. c) os padrões hegemônicos vigentes na sociedade atual no campo da nutrição são elogiáveis. d) a felicidade depende do número de calorias ingeridas pelo ser humano. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 7 de 39 e) a autonomia individual deveria ser o critério para definir os parâmetros de uma vida adequada. 3. (Uenp 2009) Leia o fragmento: “Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade. Como para derivar as ações das leis é necessária a razão, a vontade não é outra coisa senão razão prática. Se a razão determina infalivelmente a vontade, as ações de um tal ser, que são conhecidas como objetivamente necessárias, são também subjetivamente necessárias, isto é, a vontade é a faculdade de escolher só aquilo que a razão independentemente da inclinação, reconhece como praticamente necessário, quer dizer bom”. (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 47.) Assinale a alternativa correta: a) A ética kantiana tem os mesmos princípios da ética aristotélica, e por isso pode ser considerada eudemonista e utilitarista. b) Kant afirmava que o princípio da ação moral era o imperativo categórico, que poderia ser reduzido a seguinte assertiva: “...age de tal forma que a máxima de sua ação possa ser universal”. c) Kant desenvolve uma ética do dever. d) No pensamento kantiano não existe qualquer distinção entre a lei ética, a lei física, a lei moral e a lei jurídica, porque todas possuem o mesmo princípio elementar de fundamento. e) O sistema proposto por Kant servirá de crítica para os teóricos posteriores que procuram defender a ideia de “ética mínima”. 4.(Uem 2009) “A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral.” (ARANHA, Maria L. de Arruda e MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2003, p. 301). A ética nasce quando a indagação formula duas questões: primeiro, de onde vêm e o que valem os costumes; segundo, o que é o caráter de cada pessoa, isto é, seu senso e consciênciamoral. Assinale o que for correto. 01) Para Nietzsche, a ética institui um “dever ser” moral, os princípios e os valores que ela dita são universais, portanto válidos para todos os homens, independentemente do tempo e do espaço. 02) As perguntas dirigidas por Sócrates aos atenienses sobre o que eram os valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir inauguram a filosofia moral, porque definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos pela determinação do seu ponto de partida, isto é, a consciência do agente moral. 04) Para Aristóteles, a ética fundamenta-se em princípios ascéticos, em uma moral da abnegação, como condições indispensáveis para impor aos homens um “dever ser” capaz de conter o caráter perverso dos seus instintos e paixões. 08) A ética não se confunde com a política, todavia elas mantêm entre si uma relação necessária, pois a formação ética é, ao sobrepor os interesses coletivos aos individuais, importante para o exercício da cidadania. 16) Para Kant, não existe bondade natural. Por natureza, o homem pode ser egoísta, ambicioso, destrutivo, ávido de prazeres que nunca o saciam e pelos quais mata, mente, rouba; é a razão pela qual precisa do dever racional para se tornar um ser moral. 5.(Unioeste 2009) “O termo bioética foi, primeiramente, utilizado pelo médico norte-americano V. R. Potter no início da década de 1970. [...] Nos últimos trinta anos, a bioética cresceu rapidamente como área de conhecimento e tornou- se particularmente importante nas ciências relacionadas com a vida humana, tais como a medicina, a enfermagem, a biologia, o direito etc., apesar de ser um objeto de estudo interdisciplinar e ter ocupado também lugar central na filosofia moral”. (D. Dall'Agnol) Tendo em conta o ponto de vista da Bioética, é correto afirmar que a) questões relacionadas à intervenção na natureza e ao uso de recursos naturais são independentes das que dizem respeito à segurança, ao meio ambiente e ao bem- estar comum. b) a conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde não precisa ser analisada à luz dos valores e princípios morais. c) é preciso discutir a questão da responsabilidade e da autoridade da ciência e do médico em relação às intervenções e limites de certas experiências, tais como o aborto induzido, a esterilização, a eutanásia, a clonagem, as células-tronco, etc. d) o conhecimento científico, exatamente por tratar da verdade, não pode sofrer limitações por questões éticas e, portanto, é independente de valores morais. e) a ciência é uma atividade imparcial, neutra e desinteressada. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 8 de 39 6.(Uel 2007) “Ora, nós chamamos aquilo que deve ser buscado por si mesmo mais absoluto do que aquilo que merece ser buscado com vistas em outra coisa, e aquilo que nunca é desejável no interesse de outra coisa mais absoluto do que as coisas desejáveis tanto em si mesmas como no interesse de uma terceira; por isso chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa” Fonte: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Nova Cultural, 1987, 1097b, p. 15. De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a ética de Aristóteles, assinale a alternativa correta: a) Segundo Aristóteles, para sermos felizes é suficiente sermos virtuosos. b) Para Aristóteles, o prazer não é um bem desejado por si mesmo, tampouco é um bem desejado no interesse de outra coisa. c) Para Aristóteles, as virtudes não contam entre os bens desejados por si mesmos. d) A felicidade é, para Aristóteles, sempre desejável em si mesma e nunca no interesse de outra coisa. e) De acordo com Aristóteles, para sermos felizes não é necessário sermos virtuosos. 7.(Uema 2005) “Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da natureza”. Essa máxima kantiana afirma que: a) a universalidade da conduta ética é aquilo que todo e qualquer ser humano racional deve fazer como se fosse uma lei inquestionável e válida para todo o tempo e lugar. A ação, por dever, é uma lei moral para o agente. b) a dignidade dos seres humanos como pessoas é, portanto, a exigência de que sejam tratadas como fim da ação e jamais como meio. c) o agir moral se funda exclusivamente na subjetividade. d) o motivo moral da vontade má é agir por dever. e) a ação por dever é uma lei amoral para o agente. 8. (Unesp 2012) O clima do “politicamente correto” em que nos mergulharam impede o raciocínio. Este novo senso comum diz que todos os preconceitos são errados. Ao que um amigo observou: “Então vocês têm preconceito contra os preconceitos”. Ele demonstrava que é impossível não ter preconceitos, que vivemos com eles, e que grande quantidade deles nos é útil. Mas, afinal, quais preconceitos são pré-julgamentos danosos? São aqueles que carregam um juízo de valor depreciativo e hostil. Lembre-se do seu tempo de colégio. Quem era alvo dos bullies? Os diferentes. As crianças parecem repetir a história da humanidade: nascem trogloditas, violentas, cruéis com quem não é da tribo, e vão se civilizando aos poucos. Alguns, nem tanto. Serão os que vão conservar esses rótulos pétreos, imutáveis, muitas vezes carregados de ódio contra os “diferentes”, e difíceis (se não impossíveis) de mudar. (Francisco Daudt. Folha de S.Paulo, 07.02.2012. Adaptado.) O artigo citado aborda a relação entre as tendências culturais politicamente corretas e os preconceitos. Com base no texto, pode-se afirmar que a superação dos preconceitos que induzem comportamentos agressivos depende a) da capacidade racional de discriminar entre pré- julgamentos socialmente úteis e preconceitos disseminadores de hostilidade. b) de uma assimilação integral dos critérios “politicamente corretos” para representar e julgar objetivamente a realidade. c) da construção de valores coletivos que permitam que cada pessoa diferencie os amigos e os inimigos de sua comunidade. d) de medidas de natureza jurídica que criminalizem a expressão oral de juízos preconceituosos contra integrantes de minorias. e) do fortalecimento de valores de natureza religiosa e espiritual, garantidores do amor ao próximo e da convivência pacífica. Gabarito: 1.C 2.E 3.B 4. (2+8+16) 5.C 6.D 7.A 8.E AULA 2 – O idealismo alemão: Hegel Hegel (1770 – 1831) Georg Hegel nasceu em Stuttgart, na Alemanha. Estudou teologia e atuou muitos anos como preceptor. Estabeleceu- se como professor na Universidade de Jena, onde produziu a sua mais importante obra: Fenomenologia do Espírito (1807), mas foi forçado a deixar a cidade quando ela foi invadida pelas tropas de Napoleão. Trabalhou como editor, professor e, mais tarde, nas importantes Universidades de Heidelberg e de Berlim. “Hegel foi o filósofo mais famoso na Alemanha na primeira metade do século XIX. Sua ideia central era a de que todos Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 9 de 39 os fenômenos, da consciência às instituições políticas, são aspectos de um único espírito (mente ou ideia) que ao longo do tempo reintegra esses aspectos em si mesmo. Esse processo de reintegração é o que Hegel chama de dialética: um processo que nós (enquanto aspectos do espírito) entendemos como história.” (O Livro da Filosofia – Ed. Globo, 2011) Crítica à Kant: como podemos criticar e estabelecer os limites da razão usando a própria razão? A realidade possui um movimento dialético. A realidade é dinâmica e, em seu movimento, apresenta momentos que se contradizem sem, no entanto, perder a unidade do processo. A realidade é,portanto, um contínuo DEVIR, no qual um momento prepara para o outro, mas, para que esse outro momento possa acontecer, o anterior tem que ser negado. Dialética: TESE ANTÍTESE SÍNTESE Sistema dialético hegeliano: o caminhar do espírito (consciência) em busca do absoluto. A busca da infinitude a partir da consciência finita. O caminho é feito de verdades parciais que vão sendo reunidas até que se chegue a uma verdade totalizadora que as engloba. Cada tese e cada antítese foram verdadeiras, mas parciais, foram momentos necessários para a razão conhecer-se cada vez mais. A razão é histórica e o real é obra histórica da razão. O processo histórico tem uma lógica racional. Todas as coisas e eventos, mesmo os piores, possuem um sentido dentro do processo histórico, pois compõem o plano racional que é a realidade. A formação da consciência vai depender do contexto histórico em que está inserida. É na ação que a consciência adquire compreensão do objeto. A Filosofia é: “sua época apreendida pelo pensamento”. Exercícios 1.(Ueg 2011) Um dos elementos mais conhecidos da filosofia de Hegel é a dialética, baseada no pressuposto de que uma ideia (tese) produz uma ideia oposta (antítese), resultando, consequentemente, numa conciliação (síntese) entre as duas ideias opostas. Nesse sentido, ao utilizar esse princípio hegeliano para interpretar os sistemas políticos contemporâneos, percebe-se que a síntese entre os princípios do liberalismo e os do marxismo foi efetivada no a) Estado de bem-estar social. b) anarquismo de Bakunin. c) nazismo alemão. d) fascismo italiano. 2.(Uem 2010) Hegel criticou o inatismo, o empirismo e o kantismo. Endereçou a todos a mesma crítica, a de não terem compreendido o que há de mais fundamental e essencial à razão: o fato de ela ser histórica. Com base nessa afirmação, assinale o que for correto. 01) Ao afirmar que a razão é histórica, Hegel considera a razão como sendo relativa, isto é, não possui um caráter universal e não pode alcançar a verdade. 02) Não há para Hegel nenhuma relação entre a razão e a realidade. Submetida às circunstâncias dos eventos históricos, a razão está condenada ao ceticismo, isto é, “ao duvidar sempre”. 04) A identificação entre razão e história conduz Hegel a desenvolver uma concepção materialista da história e da realidade, negando entre ambas a possibilidade de uma relação dialética. 08) No sistema hegeliano, a racionalidade não é mais um modelo a ser aplicado, mas é o próprio tecido do real e do pensamento. O mundo é a manifestação da ideia, o real é racional, e o racional é o real. 16) Karl Marx, ao afirmar, na Ideologia alemã, que não é a história que anda com as pernas das ideias, mas as ideias é que andam com as pernas da história, critica, ao mesmo tempo, o idealismo e a concepção da história de Hegel e dos neo-hegelianos. 3.(Ufu 2005) Hegel, em seus cursos universitários de Filosofia da História, fez a seguinte afirmação sobre a relação entre a filosofia e a história: “O único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação da história”. HEGEL, G. W. F. Filosofia da História. 2 ed. Brasília: Editora da UnB, 1998, p. 17. De acordo com a reflexão de Hegel, é correto afirmar que: I. a razão governa o mundo e, portanto, a história universal é um processo racional. II. a ação dos homens obedece a vontade divina que preestabelece o curso da história. III. no processo histórico, o pensar está subordinado ao real existente. IV. a ideia ou a razão se originam da força material de produção e reprodução da história. Assinale a alternativa que contém somente assertivas corretas. a) III e IV. b) I e II. c) II e III. d) I e III. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 10 de 39 Gabarito: Resposta da questão 1: [A] A única alternativa correta é a A, porém, com ressalvas. O Estado de bem-estar social, como síntese dos princípios do liberalismo com o marxismo, só pode ser considerado a partir de uma concepção simplista da dialética hegeliana. A síntese dialética é uma forma de se alcançar a realidade e a verdade por meio da contradição, não uma forma de se adaptar governos ou interesses políticos. Resposta da questão 2: 08 + 16 = 24. Somente [08] e [16] são asserções verdadeiras. O idealismo hegeliano, uma das teorias filosóficas mais difíceis de serem compreendidas, considerava a razão como sendo histórica, no sentido de que ela conhece-se a si mesma através do tempo. Hegel também dividia a razão em dois tipos: a razão subjetiva, correspondente ao conjunto de leis do pensamento, e a razão objetiva, correspondente à ordem objetiva e racional das coisas. É na busca da superação de tal sistema filosófico que Karl Marx desenvolveu seu materialismo dialético. Resposta da questão 3: [D] O idealismo hegeliano faz uma abordagem da história enquanto manifestação da razão. Nesse processo, o pensar está subordinado ao real existente, ou seja, à razão. Vale ressaltar que essa razão não corresponde à vontade divina nem é produzida pela força material de produção e reprodução da história. Essa última visão (apresentada na assertiva IV) se aproxima mais ao marxismo que ao hegelianismo. AULA 3 – Origens da Sociologia O QUE É SOCIOLOGIA? Ciência que surge no século XIX e que se propõe a estudar a sociedade moderna. Objetivos: - analisar a relação entre as transformações na vida cotidiana e os processos mais amplos de mudança histórica. - compreender a sociedade industrial do século XIX: capitalismo, vida urbana, industrialização, desenvolvimento tecnológico, novas relações de tempo e espaço, individualismo, secularização. Estas mudanças que caracterizam a sociedade moderna passam a não ser mais tomadas como naturais pelo indivíduo do século XIX. Nesse contexto, surgem as chamadas ciências sociais, que aplicam o método científico (rigor, apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos) para estudar diferentes aspectos da vida social. Sociologia – estudo científico da sociedade moderna, com foco em questões estruturais e na relação entre indivíduo e sociedade. Antropologia – ciência social que estuda o ser humano como produtor de cultura e as diferentes manifestações culturais Ciência Política – estudos dos fenômenos e das estruturas políticas. imaginação sociológica Expressão criada pelo cientista social norte-americano C. Wright Mills em 1959. Ela designa uma habilidade que qualquer indivíduo pode desenvolver ao longo da vida. Significa o indivíduo tornar-se capaz de compreender de modo mais amplo os eventos cotidianos, estabelecendo relações entre a biografia (pessoal) e a história (social, estrutural). Assim, a imaginação sociológica é um conceito que que procura descrever o processo de conexão entre a experiência individual da pessoa com as instituições sociais sob as quais convive e com o seu próprio lugar na história da humanidade. Carles Wright Mills (1916 – 1962) Contexto histórico do surgimento da sociologia: - Rev. Industrial: desestrutura por completo o feudalismo e consolida o modo de produção capitalista; - Rev. Francesa: marca, junto às demais revoluções burguesas, a ascensão política da classe burguesa, que desestrutura o Antigo Regime e abre caminhos para o surgimento de modelos de democracia representativa baseados na igualdade jurídica e civil dos cidadãos; - Iluminismo: corrente filosófica do século XVIII que compreende a razão humana como instrumento de transformação histórica (progresso), consagra a ciência e dissemina valores liberais como liberdade e igualdade. É importante notarmos que até o Iluminismo não existia um pensamento autônomo sobre a vida social, as tradições, os costumes (ancorados na religião) regiam a vida cotidiana como se todos os hábitos evalores fossem inquestionáveis. https://pt.wikipedia.org/wiki/C._Wright_Mills https://pt.wikipedia.org/wiki/C._Wright_Mills https://pt.wikipedia.org/wiki/1959 https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 11 de 39 A desigualdade entre os homens era tomada como uma condição natural. Contexto científico do surgimento da sociologia: Dentre os pressupostos científicos para o surgimento da Sociologia encontram-se as seguintes noções, bastante difundidas no século XIX: − as relações entre os homens podem ser destacadas como objeto de conhecimento científico; − há leis (padrões) que ordenam a política, o Estado, os costumes e hábitos sociais (esses padrões independem da vontade do homem) e tais leis podem ser conhecidas por meio de um método formalizado de acordo com as premissas da ciência. Como vimos, a sociedade que inquietava os primeiros sociólogos era uma sociedade industrial, marcada por novas formas de produção material e pela intensa divisão do trabalho. A ciência passa a ocupar lugar de destaque nessa sociedade, uma vez que muitas teses e descobertas sobre a natureza se alastram pela Europa dos séculos XVIII e XIX, alternando significativamente o que se conhecia do mundo. O cientificismo do período expande-se para o estudo da sociedade, gerando um conjunto de teses e interpretações hoje bastante questionáveis, mas que marcaram os primeiros estudos no campo sociológico. Darwinismo Social Muitos cientistas e políticos do século XIX leram as teses de Darwin sobre a evolução das espécies e transpuseram tais ideias para a análise da sociedade, o que resultou no darwinismo social, expressão que abarca teses do século XIX que afirmam que as sociedades se desenvolvem de forma semelhante, sempre de um estágio inferior para um estágio superior. Inspirados nessa perspectiva evolucionista, cientistas justificavam a discrepância entre as sociedades europeias e as de outros continentes, que se encontrariam em estágios inferiores de desenvolvimento. Além de refletir o otimismo da industrialização, o darwinismo social acabou servindo de forte justificativa para o colonialismo na África e em outras regiões do planeta que, na leitura dos representantes dessa corrente, careciam de ser levados ao progresso. Herbert Spencer (1820 – 1903) Spencer, principal teórico e defensor do Organicismo, defendeu a tese de que toda a realidade evolui de modo semelhante aos organismos vivos. Na perspectiva social, o sistema organicista defende a ideia da superioridade dos seres que melhor se adaptam ao ambiente. Auguste Comte (1789 – 1857) Filósofo francês, criador da corrente filosófica conhecida como Positivismo. Nela, a ciência é o único conhecimento válido à compreensão da realidade e capaz de resolver os problemas que impedem as sociedades humanas de alcançarem a sua plenitude. Comte consolidou a palavra “sociologia” no ambiente intelectual da época, num primeiro momento chamada de “física social”, dada a influência das ciências da natureza, seu método e pretensão de neutralidade. Ele defendia a tese de que a humanidade passava por três estágios de conhecimento: TEOLÓGICO: os homens atribuíam as causas dos fenômenos aos deuses. METAFÍSICO: recorriam a conceitos abstratos para entender o mundo. POSITIVO: os homens aplicam métodos científicos para compreender a causa dos fenômenos. Comte creditava que a especificidade da Sociologia era o estudo da sociedade. Defendia a existência de leis sociais que determinam o curso da evolução da humanidade. As leis são resultados aleatórios da ação humana. Essa movimentação natural tende a levar as sociedades ao progresso (evolução). As forças evolutivas, que fazem eclodir as transformações necessárias seriam, por sua vez, equilibradas pela ação das forças ordenadoras, que teriam o papel de manter a coesão das sociedades, não permitindo que as transformações abalassem de modo demasiado as estruturas. Essas forças, ordem e progresso, deveriam existir sempre em equilíbrio. O filósofo almejava entender a organização da sociedade industrial europeia, direcionando-a ao progresso. Acreditava que a Sociologia poderia estudar profundamente e contribuir com o equilíbrio das forças sociais. O positivismo influenciou um outro importante pensador francês, chamado Émile Durkheim, considerado um dos pais da Sociologia. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 12 de 39 EXERCÍCIOS 1. (Uem 2018) Auguste Comte (1798-1857), a quem se atribui a formulação do termo Sociologia, foi o principal representante e sistematizador do Positivismo. Acerca do pensamento comteano, é correto afirmar que 01) considerava os prejuízos do desenvolvimento econômico das sociedades industriais. 02) teve grande influência sobre o pensamento social brasileiro do século XIX e início do XX. 04) a inspiração para o método de investigação dos fenômenos sociais de Comte veio das ciências da natureza. 08) era uma tentativa de constituição de um método objetivo para a observação dos fenômenos sociais. 16) considerava o progresso e a evolução social um princípio da história humana. 3. (Uem 2018) Assinale o que for correto em relação ao surgimento das Ciências Sociais e de suas perspectivas teóricas e metodológicas. 01) Tal como a Física, a Química e a Biologia, a Sociologia surgiu como parte do desenvolvimento e dos desdobramentos do conhecimento científico. 02) Somente com o surgimento da Sociologia e da Psicologia, por volta do século XVIII, a humanidade despertou sua curiosidade para o comportamento humano e suas consequências para as relações entre as pessoas. 04) A Sociologia, como as demais ciências puras, não tem impacto prático na vida das pessoas. 08) A avaliação de resultados de políticas públicas pode ser um dos objetivos da investigação sociológica. 16) O estudo sociológico somente é possível porque a humanidade já atingiu seu completo desenvolvimento no processo de estruturação social. 3. (UNESP 2016) Texto 1 Diversamente do idealismo, o positivismo reivindica o primado da ciência: nós conhecemos somente aquilo que as ciências nos dão a conhecer, pois o único método de conhecimento é o das ciências naturais. O positivismo não apenas afirma a unidade do método científico e o primado desse método como instrumento de conhecimento, mas também exalta a ciência como o único meio em condições de resolver, ao longo do tempo, todos os problemas humanos e sociais que até então haviam atormentado a humanidade. (Giovanni Reale e Dario Antiseri. História da Filosofia, vol. 3, 1999. Adaptado.) Texto 2 Basta, portanto, que os homens sejam considerados coisas para que se tornem manipuláveis, submetidos à ditadura racionalizada moderna que encontra seu apogeu no campo de concentração. Assim, a nova crise da razão é interna e traz subitamente à luz, no cerne da racionalização, a presença destrutiva da desrazão. Já não é apenas a suficiência e a insuficiência da razão que estão em causa, é a irracionalidade do racionalismo e da racionalização. Essa irracionalidade pode devorar a razão sem que ela se dê conta. (Edgar Morin. Ciência com consciência, 1996. Adaptado.) Considerando a análise realizada por Edgar Morin sobre as tendências irracionais da razão, explique sua importância para uma crítica ao otimismo positivista diante da ciência. 4. (ENEM 2006) No início do século XIX, o naturalista alemão Carl Von Martius esteve no Brasil em missão científica para fazer observações sobre a flora e a fauna nativas e sobre a sociedade indígena. Referindo-se ao indígena, ele afirmou: “Permanecendo em grau inferior da humanidade, moralmente, ainda na infância, a civilização não o altera, nenhum exemplo o excita e nada o impulsiona para um nobre desenvolvimentoprogressivo [...]. Esse estranho e inexplicável estado do indígena americano, até o presente, tem feito fracassarem todas as tentativas para conciliá-lo inteiramente com a Europa vencedora e torná-lo um cidadão satisfeito e feliz.” (VON MARTIUS, Carl. O estado do direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1982.) Com base nessa descrição, conclui-se que o naturalista Von Martius a) apoiava a independência do Novo Mundo, acreditando que os índios, diferentemente do que fazia a missão europeia, respeitavam a flora e a fauna do país. b) discriminava preconceituosamente as populações originárias da América e advogava o extermínio dos índios. c) defendia uma posição progressista para o século XIX: a de tornar o indígena cidadão satisfeito e feliz. d) procurava impedir o processo de aculturação, ao descrever cientificamente a cultura das populações originárias da América. e) desvalorizava os patrimônios étnicos e culturais das sociedades indígenas e reforçava a missão "civilizadora europeia", típica do século XIX. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 13 de 39 5. (Uem 2012) Sobre a relação entre a revolução industrial e o surgimento da sociologia como ciência, assinale o que for correto. 01) A consolidação do modelo econômico baseado na indústria conduziu a uma grande concentração da população no ambiente urbano, o qual acabou se constituindo em laboratório para o trabalho de intelectuais interessados no estudo dos problemas que essa nova realidade social gerava. 02) A migração de grandes contingentes populacionais do campo para as cidades gerou uma série de problemas modernos, que passaram a demandar investigações visando à sua resolução ou minimização. 04) Os primeiros intelectuais interessados no estudo dos fenômenos provocados pela revolução industrial compartilhavam uma perspectiva positiva sobre os efeitos do desenvolvimento econômico baseado no modelo capitalista. 08) Os conflitos entre capital e trabalho, potencializados pela concentração dos operários nas fábricas, foram tema de pesquisa dos precursores da sociologia e continuam inspirando debates científicos relevantes na atualidade. 16) A necessidade de controle da força de trabalho fez com que as fábricas e indústrias do século XIX inserissem sociólogos em seus quadros profissionais, para atuarem no desenvolvimento de modelos de gestão mais eficientes e produtivos. 6. (Ufu 2010) A Sociologia surge em um período em que o fazer científico encontrava-se influenciado por algumas teses desenvolvidas durante o século XIX. Herbert Spencer, Charles Darwin e Auguste Comte, por exemplo, tiveram grande importância para o pensamento sociológico. O primeiro, por aplicar às ciências humanas o evolucionismo, mesmo antes das teses revolucionárias sobre a seleção das espécies do segundo. Com relação a Comte, houve a influência de seu “espírito positivo” na formação dos muitos intelectuais do período. Sobre as ideias de evolução e progresso e seu impacto no pensamento sociológico, podemos afirmar que: a) A ideia de progresso, apesar de ter grande influência na área das ciências naturais, não teve impacto decisivo na constituição da sociologia. b) A ideia de evolução foi uma das palavras de ordem do período, mas a sociologia rejeitou a sua adoção, assim como qualquer comparação entre seus efeitos no reino natural e no mundo social. c) A explicação sociológica procurou, desde o seu início, afastar-se de qualquer forma de determinismos, fossem biológicos ou geográficos, pois se contrapunha fortemente às explicações de cunho evolucionista. d) Em sua busca por constituir-se como disciplina, a Sociologia passou pela valorização e incorporação dos métodos das ciências da natureza, utilizando metáforas organicistas, assim como conferindo ênfase à noção de função. 7. (UNESP) É difícil acreditar na guerra terrível, mas silenciosa, que os seres orgânicos travam em meio aos bosques serenos e campos risonhos. ("C. Darwin, anotação no Diário de 1839".) Na segunda metade do século XIX, a doutrina sobre a seleção natural das espécies, elaborada pelo naturalista inglês Charles Darwin, foi transferida para as relações humanas, numa situação histórica marcada a) pela concórdia universal entre povos de diferentes continentes. b) pela noção de domínio, supremacia e hierarquia racial. c) pelos tratados favoráveis aos povos colonizados. d) pelas concepções de unificação europeia e de paz armada. e) pela fundação de instituições destinadas a promover a paz. 8. (UEL 2005) A Sociologia é uma ciência moderna que surge e se desenvolve juntamente com o avanço do capitalismo. Nesse sentido, reflete suas principais transformações e procura desvendar os dilemas sociais por ele produzidos. Sobre a emergência da sociologia, considere as afirmativas a seguir. I. A Sociologia tem como principal referência a explicação teológica sobre os problemas sociais decorrentes da industrialização, tais como a pobreza, a desigualdade social e a concentração populacional nos centros urbanos. II. A Sociologia é produto da Revolução Industrial, sendo chamada de “ciência da crise”, por refletir sobre a transformação de formas tradicionais de existência social e as mudanças decorrentes da urbanização e da industrialização. III. A emergência da Sociologia só pode ser compreendida se for observada sua correspondência com o cientificismo europeu e com a crença no poder da razão e da observação, enquanto recursos de produção do conhecimento. IV. A Sociologia surge como uma tentativa de romper com as técnicas e métodos das ciências naturais, na análise dos problemas sociais decorrentes das reminiscências do modo de produção feudal. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 14 de 39 Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e III. b) II e III. c) II e IV. d) I, II e IV. e) I, III e IV. Gabarito: 1.(2+4+8+16) 2.(1+8) 4.E 5. (1+2+4+8) 6. D 7. B 8. B 3.Dissertativa (corrigido em aula ou no plantão) AULA 4 – Émile Durkheim e o método sociológico Émile Durkheim (1858 – 1917) Sociólogo francês, Émile Durkheim foi o primeiro a desenvolver a Sociologia como uma disciplina acadêmica, sendo considerado um de seus pilares clássicos. Obras principais: “Da Divisão do Trabalho Social” “As Regras do Método Sociológico” “As Formas Elementares da Vida Religiosa” “O Suicídio” Durkheim defendia a ideia de que a sociedade era mais do que um simples agrupamento de indivíduos movidos por interesses particulares. A sociedade é um corpo moral com regras e uma consciência coletiva. Mesmo em uma sociedade mais especializada e com uma forte presença do individualismo seria possível localizar a presença de regras que obrigavam os homens a certos modos de ação e certas relações com os outros. Durkheim acreditava que a Sociologia devia adotar procedimentos científicos, próprios ao mundo das ciências naturais, investigando os fatos de maneira objetiva. Define, então, um método para a Sociologia partindo do empirismo das outras ciências e deixando de lado a metafísica. Para ele, os preconceitos e valores arraigados do cientista impedem a apreciação positiva do mundo. Por isso, os fatos sociais deviam ser tratados como “coisas”, o que implica em distanciamento e busca pelo máximo grau de neutralidade possível. FATOS SOCIAIS - maneiras coletivas de agir, pensar e sentir (possuem generalidade); - exteriores ao indivíduo e coercitivos (independem da vontade do indivíduo); Sentimentos, opiniões e modos de agir de ordem coletiva seriam objetos gerados pela força da coletividade, cristalizadosem instituições sociais e impostos ao homem de forma coercitiva e obrigatória. Para Durkheim, a sociedade é um sistema complexo composto por diversas partes. É necessário compreender o fato social a partir da função que exerce no sistema. O autor adota o paradigma biológico, estabelecendo distinções entre o normal e o patológico (comportamento desviante), criando o conceito de anomia. Anomia: “ausência ou redução da capacidade do tecido social para regular a conduta dos indivíduos. Nesses sentido, configura-se como um problema a ser solucionado, sob pena de causar risco à coesão social e levar a sociedade ao fim. O aumento do número de crimes, por exemplo, indica que a sociedade é incapaz de regular o comportamento dos indivíduos.” (Sociologia em Movimento, vários autores, Ed. Moderna, p. 43) Entende que a divisão do trabalho cumpre um papel de extrema importância nas sociedades industriais, pois gera coesão (senso de pertencimento), produz solidariedade entre pessoas com funções claramente complementares e, por isso, evita quadros mais graves de anomia. Divisão do trabalho: − tem uma função no processo de diferenciação social / especialização − aumenta a forma produtiva do trabalhador − gera coesão e solidariedade Os dois tipos de solidariedade identificados por Durkheim relacionam-se especialmente à forma de organização social: Solidariedade mecânica (sociedades pré-capitalistas): os indivíduos se identificam por meio da família, da religião, da tradição e dos costumes. Não há diferenciação social promovida pela individualidade (ela é inexpressiva). O sentimento de pertencimento a uma coletividade é bastante forte, fazendo com que os indivíduos reconheçam os mesmos valores, crenças, sentimentos e objetos sagrados. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 15 de 39 Solidariedade orgânica (característica das sociedades capitalistas): através da divisão do trabalho social, os indivíduos tornam-se interdependentes. A união social não se dá pelo compartilhamento de costumes. Os indivíduos são diferentes e necessários, tal como os órgãos de um organismo vivo. O suicídio “Durkheim estudou profundamente o suicídio, utilizando nesse trabalho toda a metodologia defendida e propagada por ele. Considerou-o fato social por sua presença universal em toda e qualquer sociedade e por suas características exteriores e mensuráveis, completamente independente das razões individuais. Assim, apesar de uma conduta marcada pela vontade individual, o suicídio interessa ao sociólogo por aquilo que tem em comum e coletivo e que, certamente escapa às consciências individuais dos envolvidos. Para Durkheim, a prova de o suicídio depende de leis sociais e não da vontade do sujeito estava na regularidade com que variam as taxas de suicídio de acordo com alternâncias das condições históricas. Ele verificou, por exemplo, que as taxas de suicídio aumentavam nas sociedades em que havia uma aceitação profunda de uma fé religiosa que prometesse a felicidade após a morte. É sobre fatos assim concretos e objetivos, gerais e coletivos, cuja natureza social se evidencia, que o sociólogo deve se debruçar.” (Cristina Costa, Sociologia: uma introdução à ciência da sociedade; Ed Moderna, p. 84) Texto complementar O que é um fato social? Émile DURKHEIM (As Regras do Método Sociológico) Antes de indagar qual o método que convém ao estudo dos fatos sociais, é necessário saber que fatos podem ser assim chamados. A questão é tanto mais necessária quanto esta qualificação é utilizada sem muita precisão. Empregam-na correntemente para designar quase todos os fenômenos que se passam no interior da sociedade, por pouco que apresentem, além de certa generalidade, algum interesse social. Todavia, desse ponto de vista, não haveria por assim dizer nenhum acontecimento humano que não pudesse ser chamado de social. Cada indivíduo bebe, dorme, come, raciocina e a sociedade tem todo o interesse em que estas funções se exerçam de modo regular. Porém, se todos esses fatos fossem sociais, a Sociologia não teria objeto próprio e seu domínio se confundiria com o da Biologia e da Psicologia. Na verdade, porém, há em toda sociedade um grupo determinado de fenômenos com caracteres nítidos, que se distingue daqueles estudados pelas outras ciências da natureza. Quando desempenho meus deveres de irmão, de esposo ou de cidadão, quando me desincumbo de encargos que contraí, pratico deveres que estão definidos fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. Mesmo estando de acordo com sentimentos que me são próprios, sentindo- lhes interiormente a realidade, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu quem os criou, mas recebi-os através da educação. Contudo, quantas vezes não ignoramos o detalhe das obrigações que nos incumbe desempenhar, e precisamos, para sabê-lo, consultar o Código e seus intérpretes autorizados! Assim também o devoto, ao nascer, encontra prontas as crenças e as práticas da vida religiosa; existindo antes dele, é porque existem fora dele. O sistema de signos de que me sirvo para exprimir pensamentos, o sistema de moedas que emprego para pagar as dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas relações comerciais, as práticas seguidas na profissão, etc., etc., funcionam independentemente do uso que delas faço. Tais afirmações podem ser estendidas a cada um dos membros de que é composta uma sociedade, tomados uns após outros. Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais. Esses tipos de conduta ou de pensamento não são apenas exteriores ao indivíduo, são também dotados de um poder imperativo e coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não. Não há dúvida de que esta coerção não se faz sentir, ou é muito pouco sentida quando com ela me conformo de bom grado, pois então torna-se inútil. Mas não deixa de constituir caráter intrínseco de tais fatos, e a prova é que se afirma desde que tento resistir. Se experimento violar as leis do direito, estas reagem contra mim de maneira a impedir meu ato se ainda é tempo; com o fim de anulá-lo e restabelecê-lo em sua forma normal se já se realizou e é reparável; ou então para que eu o expie se não há outra possibilidade de reparação. Mas, e em se tratando de máximas puramente morais? Nesse caso, a consciência pública, pela vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e pelas penas especiais que têm a seu dispor, reprime todo ato que a ofende. Noutros casos, a coerção é menos violenta; mas não deixa de existir. Se não me submeto às convenções mundanas; se, ao me vestir, não levo em consideração os usos seguidos em meu país e na minha classe, o riso que provoco, o afastamento em que os outros me conservam, produzem, embora de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. Noutros setores, embora a coerção seja apenas indireta, não é menos eficaz. Não estou obrigado a falar o mesmo idioma que meus compatriotas, nem a empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outra maneira. Minha tentativa fracassaria lamentavelmente, se procurasse escapar desta necessidade. Se sou industrial, nada me proíbe de trabalhar utilizando processos e técnicas do século passado; mas, se o fizer, terei a ruína como resultado inevitável. Mesmo quando posso realmente me libertar destas regras e violá-las com sucesso, vejo-me sempre obrigado a lutar contra elas. E quando são finalmente vencidas, fazem sentir seu poderio de maneira suficientemente coercitiva pela resistência que me opuseram. Nenhum inovador, por mais feliz, deixou de ver Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 16 de 39 seus empreendimentos se chocarem contra oposições deste gênero. Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito especiais: consistemem maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem. Por conseguinte, não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, pois consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, que não existem senão na consciência individual e por meio dela. Constituem, pois, uma espécie nova e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. Esta é a qualificação que lhes convém; pois é claro que, não tendo por substrato o indivíduo, não podem possuir outro que não seja a sociedade: ou a sociedade política em sua integridade, ou qualquer um dos grupos parciais que ela encerra, tais como confissões religiosas, escolas políticas e literárias, corporações profissionais, etc. Por outro lado, é apenas a eles que a apelação convém; pois a palavra social não tem sentido definido senão sob a condição de designar unicamente fenômenos que não se englobam em nenhuma das categorias de fatos já existentes, constituídas e nomeadas. Estes fatos são, pois, o domínio próprio da Sociologia. É verdade que o termo coerção, por meio do qual o definimos, corre o risco de amedrontar os zelosos partidários de um individualismo absoluto. Como professam que o indivíduo é inteiramente autônomo, parece-lhes que o diminuímos todas as vezes que fazemos sentir que não depende apenas de si próprio. Porém, já que hoje se considera incontestável- que a maioria de nossas ideias e tendências não são elaboradas por nós, mas nos vêm de fora, conclui-se que não podem penetrar em nós senão através de uma imposição; eis todo o significado de nossa definição. Sabe-se, além disso, que toda coerção social não é necessariamente exclusiva com relação à personalidade individual. (...) Esta definição do fato social pode, além do mais, ser confirmada por meio de uma experiência característica: basta, para tal, que se observe a maneira pela qual são educadas as crianças. Toda a educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas não chegariam espontaneamente, observação que salta aos olhos todas as vezes que os fatos são encarados tais quais são e tais quais sempre foram. Desde os primeiros anos de vida, são as crianças forçadas a comer, beber, dormir em horas regulares; são constrangidas a terem hábitos higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências, forçamo-las ao trabalho etc. Se, com o tempo, esta coerção deixa de ser sentida, é porque pouco a pouco dá lugar a hábitos, a tendências internas que a tomam inútil, mas que não a substituem senão porque dela derivam. É verdade que, segundo Spencer, uma educação racional deveria reprovar tais procedimentos e deixar a criança agir em plena liberdade; mas como esta teoria pedagógica não foi nunca praticada por nenhum povo conhecido, não constitui senão um desiderato pessoal, não sendo fato que possa ser oposto àqueles que expusemos atrás. Ora, estes últimos se tomam particularmente instrutivos quando lembramos que a educação tem justamente por objeto formar o ser social; pode-se então perceber, como que num resumo, de que maneira este ser se constitui através da história. A pressão de todos os instantes que sofre a criança é a própria pressão do meio social tendendo a moldá-la à sua imagem, pressão de que tanto os pais quanto os mestres não são senão representantes e intermediários. (...) Chegamos, assim, a conceber de maneira precisa qual o domínio da Sociologia, o qual não engloba senão um grupo determinado de fenômenos. O fato social é reconhecível pelo poder de coerção externa que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a presença deste poder é reconhecível, por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a qualquer empreendimento individual que tenda a violentá-lo. Todavia, podemos defini- lo também pela difusão que apresenta no interior do grupo, desde que, de acordo com as precedentes observações, se tenha o cuidado de acrescentar como característica segunda e essencial que ele existe independentemente das formas individuais que toma ao se difundir. Nalguns casos, este 'último critério é até mesmo mais fácil de aplicar do que o anterior. Com efeito, a coerção é fácil de constatar quando ela se traduz no exterior por qualquer reação direta da sociedade, como é o caso em se tratando do direito, da moral, das crenças, dos usos, e até das modas. Mas, quando não é senão indireta, como a que exerce uma organização econômica, não se deixa observar com tanta facilidade. Generalidade e objetividade combinadas podem então ser mais fáceis de estabelecer. A segunda definição não constitui senão uma forma diferente que toma a primeira: pois o comportamento que existe exteriormente às consciências individuais só se generaliza impondo-se a estas. Vemos o quanto esta definição do fato social se afasta daquela que serve de base ao engenhoso sistema de Tarde. Primeiramente, devemos declarar que as pesquisas não nos fizeram de modo algum constatar a influência preponderante que Tarde atribui à imitação na gênese dos fatos coletivos. Além do mais, da definição precedente (que não é uma teoria, mas um simples resumo dos dados imediatos da observação) parece resultar que a imitação não exprime sempre, e nem mesmo exprime nunca, o que há de essencial e característico no fato social. Não há dúvida de que todo fato poder-se-ia, todavia, perguntar se esta definição é completa. Com efeito, os fatos que nos forneceram a base para ela são todos eles modos de agir; são de ordem fisiológica. Ora, existem também maneiras de ser coletivas, isto é, fatos sociais de ordem anatômica ou morfológica. A Sociologia não se pode desinteressar daquilo que concerne ao substrato da vida coletiva. No entanto, o número e a natureza das partes elementares de que é composta a sociedade, a maneira Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 17 de 39 pela qual estão dispostas, o grau de coalescência a que chegaram, a distribuição da população na superfície do território, o número e a natureza das vias de comunicação, a forma das habitações etc., não parecem, a um primeiro exame, passíveis de se reduzirem a modos de agir, de sentir e de pensar. Contudo, em primeiro lugar, apresentam estes diversos fenômenos o mesmo traço que nos serviu para definir os outros. Do mesmo modo que as maneiras de agir de que já falamos, também a social é imitado; apresenta, como acabamos de mostrar, tendência para se generalizar, mas isto porque é social, isto é, obrigatório. Seu poder de expansão não é a causa e sim a consequência de seu caráter sociológico. A imitação poderia servir, se não para explicar, pelo menos para definir os fatos sociais, se ainda estes fossem os únicos a produzir esta consequência. Mas um estado individual que ricocheteia não deixa por isso de ser individual. E, mais ainda, podemos indagar se o termo imitação é realmente aquele que convém para designar uma propagação devida a uma influência coercitiva. Sob esta expressão única - imitação - confundem-se fenômenos muito diferentes que seria necessário distinguir. De fato, quando queremos conhecer como está uma sociedade dividida politicamente, como se compõem estas divisões, a fusão mais ou menos completa que existe entre elas, não é com o auxílio de uma investigação material e por meio de observações geográficas que poderemos alcançá-lo; pois estas divisões são morais, ainda quando apresentam algum ponto de apoio na natureza física. É somente através do direito público que se torna possível estudar tal organização, pois é ele que a determina, assim como determina nossas relações domésticas e cívicas. Tal organização não é, pois, menos obrigatória do que outros fatos sociais. Se a população se comprime
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