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FARMÁCIA HOSPITALAR Marcella Gabrielle Mendes Machado Farmacoterapia e Nutrição Parenteral Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever os principais conceitos aplicados à nutrição parenteral. � Explicar os critérios de qualidade aplicados à manipulação de nutrição parenteral. � Reconhecer as atribuições do farmacêutico no contexto multidisci- plinar da nutrição parenteral. Introdução Durante a internação hospitalar, muitos pacientes necessitam de uma alimentação artificial quando não podem ingerir alimentos através da via oral ou quando esta não atende às necessidades nutricionais diárias. Várias condições clínicas podem levar o paciente a precisar da nutrição parenteral (NP), como desnutrição, prematuridade e baixo peso, obstrução intestinal, alguns estágios de colite ulcerativa, entre outras. A NP é administrada por via intravenosa e é composta por carboidratos, aminoácidos (AA), lipídios, vitaminas e minerais, podendo ser comprada pronta ou manipulada na farmácia hospitalar pelo farmacêutico. Por ser uma solução estéril e apirogênica, os processos de manipulação, armazenamento, transporte e administração passam por rigorosos critérios de qualidade. Neste capítulo, você vai conhecer os principais conceitos aplicados à NP, bem como os tipos de formulações, os critérios que devem ser seguidos na garantia da qualidade das formulações preparadas e a atu- ação do farmacêutico hospitalar no contexto da equipe multidisciplinar de terapia nutricional aplicada especialmente à NP. 1 Princípios da nutrição parenteral A desnutrição tem um considerável impacto na evolução clínica dos pacientes e piorar o prognóstico e resultar em maior tempo de internação. Na tentativa de reverter esse processo nocivo, às vezes é preciso optar pela nutrição pa- renteral. O primeiro estudo registrado com uma administração bem-sucedida de alimentação parenteral utilizando AA cristalinos é da década de 1960 e foi desenvolvido por Dudrick e colaboradores. Desde então, houve grandes avanços na aplicação desse tipo de alimentação. A nutrição parenteral é uma forma de alimentação artificial que pode com- plementar ou substituir totalmente uma alimentação oral. Ela é administrada diretamente na circulação sistêmica, ultrapassando o trato gastrointestinal, em pacientes que não podem fazer uso da alimentação oral, quando a absorção dos nutrientes ocorre de forma incompleta ou quando o paciente está desnutrido ou pode evoluir para um quadro de desnutrição. A Portaria MS/SNVS nº 272/98 regulamenta a NP e a define como: [...] solução ou emulsão, composta basicamente de carboidratos, aminoáci- dos, lipídios, vitaminas e minerais, estéril e apirogênica, acondicionada em recipiente de vidro ou plástico, destinada à administração intravenosa em pacientes desnutridos ou não, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando a síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas. (BRASIL, 1998, documento on-line). De acordo com Gastaldi et al. (2009), a NP é indicada nas seguintes situações: � pré-operatórias, onde os pacientes apresentam um quadro de desnutrição com doenças obstrutivas no trato gastrointestinal alto; � com complicações pós-operatórias, como fístulas intestinais e íleo prolongado; � pós-traumáticas, como lesões múltiplas, queimaduras graves e infecção; � com moléstias inflamatórias intestinais, como na colite ulcerativa e doença de Crohn; � com desordens gastrointestinais, como vômitos crônicos e doença intestinal infecciosa; � pediátricas, como no caso de prematuros de baixo peso, de má formação congênita do trato gastrointestinal, de diarreia crônica intensa, entre outros. Nutrição parenteral2 Composição da nutrição parenteral A NP pode ser classificada em dois tipos: a nutrição parenteral total (NPT) e a nutrição parenteral parcial. A NPT fornece todas as necessidades nutricionais diárias e essenciais para o paciente, tais como carboidratos, gorduras, AA, eletrólitos, minerais, oligoelementos e vitaminas, podendo ser administrada por acesso venoso central como uma solução hiperosmolar. A NP parcial fornece somente um percentual das necessidades nutricionais diárias, suplementando a alimentação oral. Muitos pacientes hospitalizados recebem glicose ou soluções de aminoácidos por esse método. A NP pode ser comprada pronta para o uso, com nutrientes em quantidades padronizadas, ou pode ser manipulada para que a fórmula atenda melhor às necessidades individuais do paciente. Uma NPT para um indivíduo adulto pode ser exemplificada pela formulação indicada no Quadro 1. Fonte: Adaptado de Gastaldi (2009). Solução de aminoácidos totais 10% 300–600 ml Solução de glicose 50% 300–600 ml Cloreto de sódio 20 % 10–20 ml Cloreto de potássio 19,1% 5–10 ml Fosfato de potássio 5–10 ml Gluconato de cálcio 5–10 ml Sulfato de magnésio 5–10 ml Solução multivitamínica 10 ml Solução de oligoelementos 5 ml Solução de lipídios 20% TCL/TCM 100–200 ml Quadro 1. Composição de uma formulação parenteral total para adulto 3Nutrição parenteral Já a composição da solução de NP pode ser classificada como: � sistema glicídico, binário ou “2 em 1” — a NP é composta por duas soluções de grande volume (solução de AA e solução de glicose); � sistema lipídico, ternário ou “3 em 1” —a NP é composta por três so- luções de grande volume (solução de AA, solução de glicose e solução de lipídios). Na NP, o nitrogênio é fornecido através de uma mistura de AA colocados na solução. De acordo com o fabricante, as soluções de AA podem variar em concentração (7 a 15%) e em variedade (13 a 20 AA diferentes), combinando AA essenciais e não essenciais. Há soluções de AA específicas para pacientes nefropatas, hepatopatas, entre outros. Quanto às fontes calóricas, podem ser empregados na NP soluções de glicose e emulsões lipídicas. As soluções de glicose possuem a vantagem de serem facilmente encontradas e possuírem baixo custo, além de ser uma fonte pronta para uso, sem necessidade de metabolização prévia. Porém, elas contribuem, de forma significativa, para a elevação da osmolaridade da solução. As emulsões lipídicas, por sua vez, funcionam como fonte calórica e resultam em menor osmolaridade e menor volume. Elas podem ser adquiridas em concentrações de 10 a 20%. Às emulsões lipídicas, podem ser adicionados triglicérides de cadeia longa (TCL) e triglicérides de cadeia média (TCM), evitando a carência de ácidos graxos essenciais. Os eletrólitos, as vitaminas e os oligoelementos na NP devem estar em quantidades que atendam às necessidades diárias para boa manutenção dos processos fisiológicos intracelulares e extracelulares do indivíduo. Existem tabelas que descrevem os valores recomendados desses elementos para cada faixa etária e patologia associada, como as da Sociedade Americana de Nu- trição Parenteral e Enteral (ASPEN, do inglês American Society Parenteral and Enteral Nutrition), que devem ser consultadas antes da manipulação das formulações. Nutrição parenteral4 Vias de administração da nutrição parenteral A NP pode ser administrada por via central (nutrição parenteral central — NPC) ou periférica (nutrição parenteral periférica — NPP). A NPC é infundida através de um cateter central implantado em veias de grande calibre, com alto fluxo sanguíneo, como a veia cava superior ou inferior, o átrio direito, a subclávia ou a jugular interna. A NPC permite a infusão de NPT com alta osmolaridade (de três a oito vezes a osmolaridade do plasma, que é aproxi- madamente 277,5 mOsm/L). A NPP é administrada em veias de menor calibre, geralmente na mão ou no antebraço, com soluções de baixa osmolaridade (inferior a 900 mOsm/L), a fim de evitar o desenvolvimento de complicações mecânicas e metabólicas. O tipo de NP administrada por essa via é a nutrição parenteral parcial. A ad- ministração de NP em veias periféricas pode causar tromboflebite e hemólise; por isso,a seleção dessa via geralmente se restringe àqueles que necessitam da terapia apenas durante um curto prazo de tempo ou durante a fase inicial da administração da NP, até que seja estabelecido um acesso central no paciente. A NP pode ser administrada pelo método de gravidade, utilizando equipos de infusão, ou com auxílio de uma bomba de fusão em operação contínua ou intermitente. A NP deve ser administrada inicialmente de forma gradual para evitar hiperglicemia devido às elevadas concentrações de glicose nas formulações. Após esse cuidado inicial, deve-se manter um alto controle do ritmo de gotejamento, em velocidade constante, a fim de evitar variações na velocidade que podem causar hiper ou hipoglicemia. A infusão de cada frasco de NP não deve durar mais de 24 horas. Complicações da nutrição parenteral Ao conhecer as possíveis complicações mecânicas, sépticas e metabólicas causadas pela própria NP, os profissionais envolvidos com a terapia nutricional podem tomar medidas para evitá-las e estar preparados para tratá-las com maior facilidade caso ocorram. A administração de NP é, por si só, um método invasivo, já que a formulação é administrada diretamente na circulação san- guínea, requerendo vigilância em todas as etapas do processo e cumprimento de todos os procedimentos preconizados pela Portaria 272/98. 5Nutrição parenteral As complicações mecânicas ou associadas ao cateter podem surgir durante o procedimento de inserção e são provocadas principalmente por inexperiência do profissional ou por dificuldades técnicas. As complicações mais comuns são pneumotórax, embolia gasosa, embolia por cateter, lesão do ducto torácico, localização inadequada do cateter e lesão arterial. Após a inserção, podem ocorrer trombose venosa, oclusão do acesso venoso, flebite e saída acidental do cateter. A infecção do cateter venoso é uma complicação séptica que merece atenção. Ocorre mais frequentemente em ambiente hospitalar e se manifesta clinica- mente por meio de febre, calafrios, taquicardia, hipotensão arterial, confusão mental e glicosúria inexplicada. Outras complicações sépticas por infecção podem ser resultantes do próprio estado de desnutrição do paciente, pelo uso recorrente de antibióticos de amplo espectro e por infecções simultâneas advindas de ferimentos, além do trato respiratório e urinário. A presença de Candida na urina e na cavidade oral dos pacientes também é um sintoma frequente. As complicações metabólicas são ocasionadas pelo excesso ou pela defi- ciência dos componentes da NP. Diversas complicações metabólicas podem ocorrer durante a administração da NP, como glicosúria, hipofosfatemia, hipomagnesemia, entre outros abordados no Quadro 2. Hipergli- cemia Complicação imediata: desidratação hiperosmolar. Complicação tardia: coma secundário à diurese osmótica. Se a glicemia permanecer maior que 130mg/dl, há comprometimento da função imune. Neste caso, são mais suscetíveis diabéticos, sépticos e pacientes em uso de drogas hiperglicemiantes (corticosteroides). A abordagem desses pacientes deve ser a seguinte: � ingestão calórica — 25 a 30 Kcal/ml; � taxa de infusão de glicose — 3 a 5 mg/min (no máximo); � aumentar se necessário, 0% das Kcal lipídicas, de 30 para 40% do VET; � usar protocolos com insulina endovenosa em bomba de infusão no caso de hiperglicemia de difícil controle. Quadro 2. Principais complicações metabólicas relacionadas à administração de nutrição parenteral (Continua) Nutrição parenteral6 Fonte: Adaptado de Brito (2011). Equilíbrio ácido-base Sempre que for necessário, corrigir os eletrólitos da solução na NP; por exemplo, mais ou menis sódio e/ou potássio, dosar cloro e bicarbonato séricos para saber a forma adequada de adicionar cátions à NP. Nunca utilizar bicarbonato de sódio devido ao risco de precipitação com cálcio e liberação de microbolhas do dióxido de carbono. Acidose respiratória pode ser secundária à sobrecarga de CHO, pois toda a energia em excesso, ao ser estocada sob a forma de gordura (principalmente os CHO), produz quantidades elevadas de CO2. Disfunção hepática A maioria dos pacientes em NP, após 6 semanas, apresenta moderada elevação das enzimas hepáticas e a oferta contínua de carboidratos em paralelo com a hiperinsulinemia. É provocada, assim, esteatose hepática — este risco pode ser diminuído se a NP for administrada de forma cíclica, permitindo um período de jejum em que os níveis de insulina diminuem e os de glucagon aumentam, mobilizando os estoques de gordura. NPT - ↓ produção de colecistoquinina e perda da estimulação biliar – colestase. Síndrome da reali- mentação (overfeed- ing) Com o início da NPT, há uma rápida passagem de líquidos, eletrólitos, macro e micronutrientes (principalmente fósforo e potássio) para o meio intracelular, com queda dos seus níveis séricos. E, como consequência dessa hipofosfatemia e dessa hipopotassemia, surge um quadro de insuficiência respiratória e disfunção cardíaca, observado nas primeiras 24 a 48 horas após o início da NPT. Pacientes gravemente desnutridos – iniciar a NPT lentamente (25 ml/h), com monitorização periódica dos eletrólitos nas primeiras 48horas. Atrofia do TGI Ocorre por atrofia das vilosidades intestinais, pela falta de uso do TGI. Observa-se a presença de bactérias entéricas nos linfonodos mesentéricos (translocação bacteriana) e desenvolvimento de bacteremia e sepse. Recomenda-se que o TGI seja utilizado o mais rápido possível, de acordo com a tolerância do paciente. Quadro 2. Principais complicações metabólicas relacionadas à administração de nutrição parenteral (Continuação) 7Nutrição parenteral 2 Critérios de qualidade aplicados à manipulação de nutrição parenteral As formulações de NP podem ser industrializadas, manipuladas na própria farmácia hospitalar ou manipuladas por empresas terceiras. As formulações industrializadas são disponibilizadas prontas para o uso e têm composição padro- nizada; suas variações referem-se à quantidade de carboidratos, AA e eletrólitos e à presença ou não de lipídios. Diante da necessidade de individualização da NP, comum entre prematuros extremos, por exemplo, é possível manipular a NP visando atender às necessidades específicas do paciente. A manipulação da NP pode ser realizada no próprio hospital, desde que todos os requisitos da Portaria 272/98 sejam atendidos, ou ainda pode ser realizada por terceiros. Para manipulação de NP, a farmácia hospitalar deve possuir sistema de garantia de qualidade que atenda aos requisitos exigidos pelas Boas Práticas de Preparação de Nutrição Parenteral (BPPNP) explicitados na Portaria 272/98 e controle de qualidade que seja efetivo, documentado e monitorizado através de auditorias da qualidade. De acordo com Gomes e Reis (2003, p. 466), um sistema de garantia de qualidade apropriado para a preparação de NP deve assegurar que: a) as operações de preparação da NP sejam claramente especificadas por escrito e que as exigências de BPPNP sejam cumpridas; b) os controles de qualidade necessários para avaliar os produtos farma- cêuticos, os correlatos, o processo de preparação (avaliação farmacêutica, manipulação, conservação e transporte) e a NP sejam realizados de acordo com procedimentos escritos e devidamente registrados; c) os pontos críticos do processo sejam devida e periodicamente validados, com registros disponíveis; d) os equipamentos e instrumentos sejam calibrados, com documentação comprobatória; e) a NP seja corretamente preparada, segundo procedimentos apropriados; f) a NP só seja fornecida após o farmacêutico responsável ter atestado for- malmente que o produto foi manipulado dentro dos padrões específicos pelas BPPNP; g) a NP seja manipulada, conservada e transportada de forma que a qualidade da mesma seja mantida até o seu uso; h) sejam realizadas auditorias da qualidade para avaliar regularmente o Sis- tema de Garantia da Qualidade e oferecer subsídios para a implementação de açõescorretivas, de modo a assegurar um processo de melhoria contínua. Nutrição parenteral8 O controle de qualidade deve analisar todos os aspectos relacionados aos materiais de embalagem, formulações, procedimentos de limpeza, higiene e desinfecção, conservação e transporte da NP com o intuito de atestar que os critérios pré-acordados sejam cumpridos. Todos os produtos utilizados na manipulação da NP devem ser registrados no Ministério da Saúde e estar acompanhados dos certificados de análise emitidos pelo fabricante, os quais devem ser conferidos quanto ao atendimento das especificações pré-estabelecidas. Todas as manutenções preventivas e corretivas devem ser registradas para controle. Como se trata de produto estéril, a manipulação de NP deve ser realizada em sala limpa classe ISO 7, utilizando cabines de fluxo laminar classe ISO 5 com pressão positiva e por profissional capacitado. Nestas cabines, a passagem do ar é feita através de filtros HEPA (filtros de alta eficiência com a capacidade de reter 99,97 % das partículas maiores de 0,3 micrômetros de diâmetro) e é impulsionada por ventiladores. Antes de adentrar na área limpa, o manipulador deve passar por uma antecâmara para desinfecção e paramentação com vestuário próprio, o qual deve ser esterilizado e não deve liberar partículas. Além disto, de acordo com a Portaria 272/98: [...] Todas as superfícies de trabalho, inclusive as internas da capela de fluxo laminar, devem ser limpas e desinfetadas, com desinfetantes recomendados em Legislação do Ministério da Saúde, antes (pelo menos 30 minutos) e depois de cada sessão de manipulação. (BRASIL, 1998, documento on-line). A NP pronta deve ser submetida à análise da embalagem a fim de verificar se o rótulo contém as informações corretas, se há possíveis precipitações, separação de fases e presença de partículas. De acordo com a portaria 272/98 o rótulo da NP pronta deve conter: [...] nome do paciente, n.º do leito e registro hospitalar, composição quali- tativa e quantitativa de todos os componentes, osmolaridade, volume total, velocidade da infusão, via de acesso, data e hora da manipulação, prazo de validade, número sequencial de controle e condições de temperatura para conservação e transporte, nome e CRF do farmacêutico responsável. (BRA- SIL, 1998, documento on-line). Devem ser retiradas amostras representativas para os testes de esterilidade e microbiológicos. As amostras de contrarreferência de cada NP preparada devem ser armazenadas sob refrigeração até o fim do seu prazo de validade acrescido de sete dias. 9Nutrição parenteral Segundo a Portaria 272/98, o transporte deve ser feito em recipientes térmicos exclusivos, protegidos da incidência direta da luz solar, sob condi- ções validadas, que garantam a integridade físico-química e de esterilidade do produto. A temperatura de transporte não deve exceder 20°C e não deve ultrapassar 12 horas. O armazenamento da NP deve ser feito em geladeira exclusiva para medicamentos e sua temperatura deve estar entre 2°C a 8°C. A determinação do prazo de validade pode ser baseada em informações de avaliações da estabilidade físico-química dos fármacos ou por meio da realização de testes de estabilidade. Estabilidade das formulações de nutrição parenteral A precipitação de cálcio e fósforo e a ruptura da emulsão lipídica são os princi- pais aspectos críticos de estabilidade das formulações de NP. Nas formulações onde há a necessidade de adicionar uma quantidade maior de cálcio e fósforo, há o risco de formação de um precipitado insolúvel, o fosfato de cálcio. Este precipitado é proveniente da união do íon cálcio, fornecido pelo gluconato de cálcio, e do íon fosfato, fornecido pelo fosfato de potássio ou sódio. A formação deste precipitado pode ser impedida pela troca da fonte fósforo, utilizando o glicerofosfato de sódio, que é um fósforo orgânico ao invés do fosfato de sódio ou potássio (“fósforo inorgânico”). Outra recomendação para prevenir esta instabilidade é avaliar a concentração de cálcio e fósforo, o pH, o tempo de infusão, a temperatura e se a solução de AA é menor que 2,5%. As soluções de NP com sistema lipídico são sujeitas à ruptura da estabilidade da emulsão lipídica ou à formação de micelas gordurosas maiores. O risco de instabilidade pela separação de fases deste tipo de NP pode ser calculado utilizando a fórmula segundo Shultz-Hard, no qual o intervalo recomendável é de 400 a 700 mMol/L. A fórmula pode ser vista a seguir. CAN = (a + 64 × b + 729 × c) × 1000/volume total onde: � CAN: número crítico de agregação; � a: concentração de cátions monovalentes em mMol/L; � b: concentração de cátions divalentes em mMol/L; � c: concentração de cátions trivalentes em mMol/L. Nutrição parenteral10 São fatores que podem influenciar a estabilidade de uma emulsão lipídica: concentração final de AA, glicose e lipídeos, proporção entre macronutrientes, concentração de eletrólitos, ordem de adição, pH, volume final da mistura e temperatura de armazenamento. Algumas atitudes podem ser tomadas ao verificar a instabilidade da emul- são, como corrigir a distribuição e a concentração de íons; dividir a solução em duas etapas, separando os íons divalentes; aumentar a concentração de AA; alterar a concentração de glicose; administrar a emulsão lipídica em sistema separado. Na dissertação disponível no link a seguir, foram avaliadas nutrições parenterais con- tendo cálcio e fósforo para uso neonatal quanto à estabilidade físico-química. Bebês prematuros necessitam de formulações com altas quantidades de cálcio e fósforo para adequada mineralização óssea. Embora a formação do fosfato de cálcio possa ser contornada com a utilização de fosfato orgânico, ainda existe a interferência de altas concentrações do íon cálcio na estabilidade da emulsão lipídica. Três formulações do tipo 3 em 1, com diferentes concentrações de cálcio e quantidade constante de fosfato orgânico, foram avaliadas frente aos seguintes parâmetros de estabilidade físico-química: inspeção visual, presença de precipitados, osmolalidade/osmolaridade, quantificação de peróxido e determinação do tamanho das partículas lipídicas por microscopia óptica. Também é possível ver, nesta dissertação, tabelas com as necessidades diárias de eletrólitos, vitaminas e oligoelementos recomendadas pela ASPEN para recém-nascidos. https://qrgo.page.link/c25Pm 3 Atribuições do farmacêutico relacionadas à nutrição parenteral Para que o paciente hospitalizado tenha uma terapia nutricional adequada à sua condição clínica, é necessária a atuação de diversos profissionais de saúde, como o médico, o farmacêutico, o nutricionista e o enfermeiro. Todos esses profissionais integram o que se conhece como equipe multidisciplinar de terapia nutricional (EMTN). Essa equipe é responsável por estabelecer as normas e procedimentos para a correta prescrição, formulação, armazenamento e administração da NP aos pacientes. Nesse contexto, o farmacêutico, junto 11Nutrição parenteral aos demais profissionais da EMTN, deve trabalhar na busca de melhorias nos procedimentos, avaliando o custo-efetividade da formulação e da terapia de NP, bem como a manutenção e constante aprimoramento da qualidade total. As atividades logísticas do farmacêutico previstas na Portaria 272/98 rela- cionadas à NP são as seguintes: “[...] o farmacêutico deve selecionar, adquirir, armazenar e distribuir, criteriosamente, os produtos necessários ao preparo da NP; qualificar fornecedores e assegurar que a entrega dos produtos seja acompanhada de certificado de análise emitido pelo fabricante”. Essa mesma Portaria determina, em relação às atribuições clínicas do farmacêutico perante a NP, que: [...] O farmacêutico é o responsável pela preparação da NP. A preparação da NP, que envolve a avaliação farmacêutica da prescrição, a manipulação, o controle de qualidade, a conservação e o transporte da NP, exige a responsabilidade e a supervisão direta dofarmacêutico, devendo ser realizada, obrigatoriamente, na farmácia habilitada para este fim e de acordo com as recomendações das BPPNP. (BRASIL, 1998, documento on-line). Na prática, a atribuição inicial do farmacêutico está centrada na avaliação da prescrição médica quanto à composição, dosagem e compatibilidade dos componentes prescritos na NP. Além disso, esse profissional avalia também a estabilidade da formulação durante o tempo de infusão prescrito, a necessidade de proteção da luz durante a infusão e a adequação da via de administração escolhida em relação à osmolaridade da solução. Caso haja necessidade de uma alteração na prescrição, o farmacêutico deve discuti-la com o médico responsável. Na preparação da NP, o farmacêutico deve utilizar técnicas pré-deter- minadas a fim de assegurar esterilidade, compatibilidade físico-química, apirogenicidade e ausência de partículas. A Portaria 272/98, bem como várias outras resoluções pertinentes à manipulação de produtos estéreis, deve ser observada e atendida na sua plenitude. Utilizando critérios rígidos de con- trole de qualidade, o prazo de validade também deve ser determinado para cada NP padronizada. A administração de NP deve ser iniciada até 24 horas após sua preparação, e o prazo de validade durante a infusão deve atender às recomendações dos fabricantes. Após o preparo da NP, o farmacêutico deve fazer o registro contendo a data e hora da preparação, o nome completo do paciente, o número da prescrição e a identificação do médico, o número de doses preparadas por prescrição e a identificação do manipulador. Nutrição parenteral12 Em relação ao controle de qualidade, são atribuições do farmacêutico, de acordo com a Portaria 272/98: - Assegurar que os rótulos da NP apresentem todos os dizeres exigidos pela portaria de maneira clara e precisa; - Assegurar a correta amostragem da NP preparada para análise microbiológica e para o arquivo da contra referência; - Participar, promover e registrar as atividades de treinamento operacional e de educação continuada, garantindo a atualização dos seus colaboradores, bem como para todos os profissionais envolvidos na preparação da NP; - Desenvolver e atualizar regularmente as diretrizes e procedimentos relativos aos aspectos operacionais da preparação da NP; - Supervisionar e promover auto-inspeção nas rotinas operacionais da prepa- ração da NP. (BRASIL, 1998, documento on-line). Quanto ao transporte, a Portaria 272/98 diz que “[...] o farmacêutico é res- ponsável pela manutenção da qualidade da NP até a sua entrega ao profissional responsável pela administração e deve orientar e treinar os funcionários que realizam o seu transporte” (BRASIL, 1998, documento on-line). Assim que recebida da farmácia, a enfermagem deve armazenar a NP em refrigerador próprio para medicamentos caso não venha utilizá-la imediatamente. A NP deve ser retirada da geladeira com antecedência de aproximadamente uma hora a fim de que ela atinja a temperatura ambiente necessária para a sua administração. Em hospitais que optam por terceirizar o serviço de manipulação da NP, o farmacêutico deve tomar todas as medidas cabíveis à qualificação do for- necedor, certificando-se também de que a dieta seja entregue nas condições de temperatura adequada (toda dieta recebida deve ter a temperatura checada e anotada no ato do recebimento), acompanhada do respectivo laudo técnico. Paralelamente ao processo de disponibilização da NP, o farmacêutico também se envolve com aspectos clínicos relacionados à administração de dietas e medicamentos, avaliando e monitorando a compatibilidade entre medicamentos e NP utilizados. Caso haja mudanças na farmacoterapia, uma nova avaliação das propriedades fármaco-específicas se faz necessária. A eficácia e os efeitos adversos devem ser documentados pelo farmacêutico e os objetivos da terapia devem ser ajustados conforme seja necessário. 13Nutrição parenteral De acordo com a Portaria 272/98, a infusão da NP deve ocorrer em via própria, exclusiva para essa finalidade. Porém, é comum, na ausência de uma via exclusiva, a utilização de equipos de duas vias, para infusão de NPT conco- mitantemente a outras soluções endovenosas. Em situações como essa, a EMTN deve avaliar as possíveis interações ou outros problemas que possam vir a ocorrer. As formulações de NP não devem ser consideradas veículo para administra- ção de medicamentos. Caso haja essa necessidade, em situações excepcionais, a adição de medicamentos às formulações deve ser criteriosamente avaliada pela EMTN com análise cuidadosa dos estudos de compatibilidade entre os fármacos e os nutrientes da NP. Alguns medicamentos, como aminofilina, heparina e insulina regular, apresentam estabilidade e compatibilidade quando adicionados a formulações de NP. Por outro lado, os componentes da NP podem interagir com a ranitidina e alterar a sua estabilidade, bem como a estabilidade da NP. Alguns exemplos de compatibilidade entre nutrientes da NP e medicamentos podem ser vistos no Quadro 3. Fonte: Adaptado de Calixto-Lima et al. (2010). Medicamento Concentração Tipo de formulação Compati- bilidade Acetato de octreotida 1,5 mg 2 em 1 Compatível Albumina humana 9,5 g 18,2 g 3 em 1 3 em 1 Incompatível Incompatível Aminofilina 250 mg, 500 mg, 1 g, 1,5 g 2 em 1 Compatível Anfotericina B 100 mg 2 em 1 Incompatível Cimetidina 300 mg 2 em 1 Compatível Heparina sódica 20.000 UI 2 em 1 Compatível Metilprednisolona 250 mg 2 em 1 Compatível Midazolam (HCl) 600 mg a 1g 2 em 1 Incompatível Ticarcilina 10 mg 20 mg 2 em 1 2 em 1 Compatível Incompatível Vancomicina 500 mg, 1 g e 6 g 2 em 1 Compatível Quadro 3. Compatibilidade entre nutrientes da NP e medicamentos Nutrição parenteral14 Quando não há informações sobre a compatibilidade dos medicamentos e da NP, a equipe de enfermagem deve ser orientada a realizar o procedimento descrito nos itens apresentados a seguir. � Suspender temporariamente a infusão da NP. � Lavar a linha a ser utilizada com solução fisiológica ou glicosada. � Administrar a medicação. � Lavar a linha novamente. � Reiniciar a NP. Por fim, o farmacêutico deve participar de estudos que visem o desenvol- vimento de novas formulações para NP, bem como de estudos de farmaco- vigilância a respeito das reações adversas e interações fármaco-nutriente e nutriente-nutriente. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria MS/SNVS nº 272, de 8 de abril de 1998. Regulamento técnico para a terapia de nutrição parenteral. Brasília, DF, 1998. Disponível em: http:// ccihadm.med.br/legislacao/Nutricao_parenteral_ANVISA.pdf. Acesso em: 29 jan. 2020. BRITO, D. A. Complicações por uso de cateter venoso na nutrição parenteral. 2011. Monografia (Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas)- Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. Disponível em: https://www.acervodigital.ufpr.br/bits- tream/handle/1884/54375/R%20-%20E%20-%20DARCLEY%20ALVES%20BRITO. pdf?sequence=1. Acesso em: 28 jan. 2020 CALIXTO-LIMA, L. et al. Manual de nutrição parenteral. Rio de Janeiro: Rubio, 2010. GASTALDI, M. et al. Nutrição parenteral: da produção a administração. Pharmacia Brasileira, p. 1–12, set/out. 2009. GOMES, M. J. V. de M.; REIS, A. M. M. Ciências farmacêuticas: uma abordagem em farmácia hospitalar. Rio de Janeiro: Atheneu, 2003. 15Nutrição parenteral Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Nutrição parenteral16
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