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ʕ ´•̥̥̥ ᴥ•̥̥̥`ʔ Brenda Bosquê Lúpus Eritematoso Sistêmico - LES O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, autoimune, de etiologia pouco conhecida, decorrente de um desequilíbrio do sistema imunológico e de produção de autoanticorpos dirigidos contra proteínas do próprio organismo. Tem apresentação clínica variável e muito polimórfica, podendo afetar múltiplos órgãos ou sistemas. Possui evolução crônica caracterizada por períodos de exacerbação e remissão parcial ou completa. ● O LES é muito mais prevalente em mulheres (10:1) na idade reprodutiva, sendo que os primeiros sinais e sintomas se iniciam entre a segunda e a terceira décadas de vida ● No Brasil, estima-se uma incidência aproximada de 4,8 a 8,7 casos por 100.000 habitantes/ano. ➔ Lúpus Neonatal: é um tipo muito raro. Os principais achados são as lesões na pele de bebês filhos de mães portadoras de Lúpus Eritematoso; ➔ Lúpus Cutâneo: também chamado de Discóide. Acontece quando as manifestações da doença se limitam à pele, gerando lesões características principalmente na face e cabelo. Esse tipo pode evoluir para um quadro de Lúpus Eritematoso Sistêmico; ➔ Lúpus causado por drogas: É o tipo mais comum no sexo masculino e pode ser causado pelo uso de medicamentos como antiarrítimicos (procainamida) e anti-hipertensivos, classicamente a hidralazina. Normalmente desaparece com o fim do uso do fármaco; ETIOPATOGENIA A etiologia do LES é multifatorial e envolve fatores genéticos, ambientais e hormonais. FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia é marcada por vários defeitos no sistema imune que levam a uma perda de autotolerância. Nesse sentido, há uma produção anormal de autoanticorpos, prévia ao início dos sintomas, por parte dos linfócitos B, que são estimulados e mantém sua sobrevida por ação das moléculas de BLyS/BAFF. Antígenos próprios (DNA/proteína nucleossomais, RNA/proteína em SM, Ro e La, além de fosfolipídeos) estão disponíveis para o reconhecimento por parte do sistema imune nas vesículas apoptóticas. Assim, antígenos, anticorpos e complexos imunes persistem por períodos prolongados, tornando possível a inflamação e a própria doença. Outro fator que contribui para o LES é a produção insuficiente de IL-2 e TGF, pelas células T e natural killer (NK), para a sustentação das células T CD8+ e CD4+ reguladoras, que inviabilizaram a evolução fisiopatológica. O resultado de todo esse processo é a manutenção e produção de autoanticorpos e, subsequente, imunocomplexos, que se depositam em órgãos-alvo. As células-alvo lesadas (glomérulos, células endoteliais, plaquetas e outras) liberam mais antígenos, que perpetuam o processo. Paralelamente aos eventos descritos acima, ainda ocorre a ativação do sistema complemento, levando à liberação de citocinas, quimiocinas, peptídeos vasoativos, oxidantes e enzimas destrutivas. Esse contexto é acompanhado pelo influxo de células T, monocitos, macrófagos e células dendríticas para os tecidos-alvo, bem como pela ativação de macrófagos residentes e células dendríticas. Durante a inflamação crônica, o acúmulo de fatores de crescimento e de produtos da oxidação crônica contribui para o dano tecidual irreversível aos glomérulos, artérias, pulmões e outros tecidos. MANIFESTAÇÕES ʕ ´•̥̥̥ ᴥ•̥̥̥`ʔ Brenda Bosquê As principais queixas são: febre, artrite, queda de cabelo, sensibilidade à luz, dificuldade para respirar e a típica lesão eritematosa em forma de borboleta na região malar da face. Manifestações Mucocutâneas São extremamente frequentes e podemos classifica-lo em específico e não específico, distinguindo-as pela presença ou ausência de dermatite de interface na junção epiderme-derme. AGUDA Rash Malar (70%); Fotossensibilidade SUBAGUDA Vasculite cutânea Alopecia não discóide Livedo reticular. CRÔNICA Lesões esféricas eritematosas elevadas com descamação e evoluem para cicatriz e atrofia (Lúpus discóide) As manifestações mucocutâneas são extremamente comuns e podem ser divididas em inespecíficas e específicas, sendo as específicas classificadas em agudas, subagudas e crônicas. Das manifestações agudas, o eritema ou rash malar e a fotossensibilidade são as mais comuns e afetam de 50% a 70% dos pacientes. O eritema malar é também conhecido como “asa de borboleta”, afeta o dorso do nariz, a região malar e a poupa o sulco nasolabial, tem aspecto edematoso ou maculopapular, não deixa cicatriz e pode ser induzido pela exposição solar. Outras manifestações MUSCULOESQUELÉ TICAS Artralgia ou artrite (70-75%) são as manifestações mais comuns e tendem a acometer pequenas e grandes articulações, simetricamente e de caráter inflamatório, com rigidez matinal prolongada não erosivo; Artropatia de Jaccoud (8-10%) presença de deformidades reversíveis e associadas à frouxidão ligamentar; Necrose avascular que costuma acometer principalmente a cabeça do fêmur. HEMATOLÓGICAS Anemia de doença crônica (50% dos pacientes). A leucopenia e a linfopenia também são comuns e estão associadas à atividade de doença ou ao efeito colateral de imunossupressores;Trombocitopenia; Síndrome de Evans, que consiste em anemia hemolítica associada à plaquetopenia CARDIOVASCULARE S Pericardite, com ou sem derrame. A miocardite também ocorre e se apresenta clinicamente com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca ou taquicardia persistente associados à elevação de enzimas musculares; A Endocardite de Libman-Sacks é uma endocardite estéril e habitualmente não possui repercussão clínica. Fenômeno de Raynaud está presente em 30% dos casos e se caracteriza por uma hiperreatividade de arteríolas digitais após exposição ao frio e aspecto clínico trifásico: palidez, cianose e eritema. PULMONARES A pleurite consiste em um derrame de pequeno a moderado volume, geralmente bilateral, derrame pleural e pneumonite. A ʕ ´•̥̥̥ ᴥ•̥̥̥`ʔ Brenda Bosquê pleurite acomete cerca de 30% dos pacientes com LES, sendo caracterizada por derrames exsudativos e dor à respiração. Já o derrame pleural lúpico, assim com a pleurite costuma ter comprometimento bilateral apresentando níveis de glicose normais e níveis de FAN que normalmente não são solicitados para diagnóstico. Concluindo, a pneumonite lúpica apresenta falta de ar, hemoptise, tosse e infiltrado alveolar. GASTROINTESTINAI S Ocorrem em 25 a 40% dos pacientes, sendo que grande parte são queixas inespecíficas, como dor abdominal, náuseas e vômitos, que podem traduzir desde uma peritonite estéril até efeitos colaterais dos medicamentos. A queixa de boca seca pode aparecer secundária como parte da síndrome de Sjögren secundária. Disfagia RENAIS O envolvimento renal é um dos principais determinantes da morbimortaliade nos pacientes com LES. Manifesta-se clinicamente em 50 a 70% dos pacientes, mas praticamente 100% deles têm doença renal à microscopia eletrônica. Em geral, as manifestações renais surgem nos primeiros 2 a 5 anos da doença e, quando se apresentam como a manifestação inicial do LES, pioram o prognóstico desses pacientes. Além das síndromes nefrítica e nefrótica que ocorrem em quadros de nefrite lúpica, alterações do sedimento urinário também são comuns durante as repercussões OCULARES A manifestação ocular mais comum é a ceratoconjuntivite seca e, felizmente, tende a ser leve. Já quadros graves, como vasculite retiniana, uveíte e esclerite, são menos frequentes. Eventos adversos de tratamento, como glaucoma e catarata pelo uso crônico de corticoide ou degeneração macular pelo uso de antimaláricos, podem ocorrer. **Renal: o acometimento renal é observado em aproximadamente 50% dos pacientes com LES, com hematúria e/ou proteinúria na análise de urina. A biópsia renal deve ser realizada na maioria dos pacientes com LES que desenvolvem insuficiência renal com o intuito de estabelecer o diagnóstico e a classe histológica da nefrite, que direciona o tratamento. Entretanto pacientes com proteinúria menor de 500 mg/d e discreto sedimento urinário não precisa ser submetido à biópsia, pois esses pacientes provavelmente não apresentam uma classe de nefrite que necessiteimunossupressão. ʕ ´•̥̥̥ ᴥ•̥̥̥`ʔ Brenda Bosquê MANIFESTAÇÕES NEUROPSIQUIÁTRICAS O lúpus induzido por drogas é o exemplo clássico de que o lúpus se manifesta em indivíduos geneticamente predispostos que são expostos a fatores ambientais (fármacos). Trata-se de sinais e sintomas sugestivos de LES, com início após o uso de medicamentos e que cessam após a suspensão destes. Os medicamentos mais associados ao Lúpus Fármaco-Induzido (LID), são: procainamida e hidralazina (os mais associados); minociclinas; quinidinas; isoniazida; metildopa; clorpromazina; anti-TNF. DIAGNÓSTICO: O diagnóstico é clínico e é endossado pelos critérios classificatórios da American College of Rheumatology (ACR) de 1997, ou a revisão dos critérios pelo Systemic Lupus International Collaborating Clinics(SLICC) de 2012 Os critérios classificatórios de 2019 têm como maiores diferenciais: a obrigatoriedade do FAN positivo como critério de entrada e basear-se em um sistema de pontos. Com relação à sensibilidade, é semelhante aos critérios de 2012, mas houve ganho em especificidade. Observe ainda as seguintes diferenças: manifestações neurológicas mais restritas que nos critérios 2012; considera apenas lúpus discoide como critério de lúpus cutâneo crônico; não possui o critério “coombs direto positivo”; “febre” como um critério aditivo. Na suspeita de LES, primeiro deve-se realizar os exames laboratoriais de rotina: hemograma, urina simples, creatinina; e se alterados, realizar anticorpo antinuclear (FAN), que é um exame de triagem. Os exames mais específicos só devem ser solicitados após confirmação da positividade do FAN, dentre eles o anti-DNA, anti-Sm, C3, C4, VHS, PCR e caso haja proteína no EAS pode-se realizar a relação proteína-creatinina em amostra isolada de urina ou dosar a proteinúria em urina de 24hs. Outros exames como de imagem ou biópsia, irão depender das manifestações clínica presentes. LES E OS AUTO-ANTICORPOS ● Anti-nucleares: FAN (indica que no organismo do indivíduo existe pelo menos 1 anticorpo antinuclear – assim, deve-se fazer um painel para descobrir qual ou quais foram responsáveis pela positivação do exame – ver abaixo os principais) ● Anti-citoplasmáticos: ANTI-P(associado à psicose lúpica) ● Anti-membrana: ANTI-HEMÁCIA (anemia hemolítica), ANTI–LINFÓCITO (leucopenia/linfopenia), ANTI-PLAQUETA (plaquetopenia), ANTIFOSFOLIPÍDIO (SAF), ANTI NEURÔNIO (convulsão) ANTINUCLEARES – FAN ʕ ´•̥̥̥ ᴥ•̥̥̥`ʔ Brenda Bosquê ● Anti-DNAdh: mais associado à nefrite lúpica/ é o segundo mais específico para LES ● Anti-histona: associado ao lúpus fármaco induzido (Síndrome Lupus Like) ● Anti-ENA: ➔ Anti-Sm: mais específico para LES ➔ Anti-RNP: doença mista do tecido conjuntivo ➔ Anti-Ro (anti-SSA): associa-se a ocorrência de lúpus neonatal (maior facilidade para atravessar a barreira útero-placentária lesões do tecido elétrico de condução cardíaco – BAVT); é um dos dois anticorpos da síndrome de Sjögren ➔ Anti-La (anti-SSB): associado à uma proteção contra a nefrite lúpica; é outro anticorpo associado à síndrome de Sjögren Os achados laboratoriais são resultado da fisiopatologia da doença. A produção de autoanticorpos é detectada pelo FAN, e estes anticorpos se ligam a antígenos, formando imunocomplexos, que ativam a via clássica do complemento e o consomem. TRATAMENTO O tratamento é multidisciplinar e deve ser guiado através da decisão compartilhada com o paciente. Tem como principais objetivos aumentar a sobrevida, minimizar as lesões nos órgãos acometidos e melhorar a qualidade de vida. a) Tratamento não medicamentoso: o principal item do tratamento não medicamentoso deve ser a educação do paciente, explicando o que é a doença, os fatores de risco para exacerbação, suas possíveis implicações e necessidade de aderências às consultas de retorno, mas tranquilizando o paciente de que a doença apesar de ser crônica e não ter cura, tem tratamento, utilizando-se de linguagem acessível ao nível de CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A GRAVIDADE DA DOENÇA Lúpus brando restrito a pele/mucosa; articulações e serosas. Nesses casos não é necessária a imunossupressão; é possível a utilização de corticoides tópicos (para lesões de pele e mucosas), antimaláricos (para queixas articulações), corticoides sistêmicos em dose anti-inflamatória (para as serosites). Obs.: o lúpus discoide às vezes é tratado com talidomida. Lúpus moderado quando atinge células sanguíneas. Nesses casos a terapêutica é imunossupressora – corticoide sistêmico em dose imunossupressora. Lúpus grave quando tem manifestações renais/ neurológicas. Neste caso também é necessária imunossupressão. ʕ ´•̥̥̥ ᴥ•̥̥̥`ʔ Brenda Bosquê escolaridade do paciente. Uso de fator de proteção solar acima de 55, pois o sol, por conta dos raios ultravioletas (UVA e UVB) assim como lâmpadas halógenas e fluorescentes, podem exacerbar ou induzir atividade da doença. Deve-se recomendar uma alimentação saudável e balanceada, atividade física, cessação do tabagismo, vacinação, tratamento de comorbidades (aterosclerose acelerada, osteoporose, hipertensão pulmonar, SAF), orientações em relação a anticoncepção e gravidez. b) Tratamento medicamentoso: tem como objetivo remissão ou baixa atividade de doença com a menor dose de corticoide. Depende das manifestações predominantes da doença naquele indivíduo e da gravidade. Entretanto, todos os pacientes com LES devem tomar hidroxicloroquina (HCQ) ou cloroquina, pois os estudos mostram que além de melhora dos sintomas constitucionais, articular e cutâneos, ela diminui risco de reativação da doença, de trombose e melhora a sobrevida. Na ausência de fatores de risco para toxicidade retiniana, deve-se realizar a avaliação da retina (avaliação oftalmológica com tomografia de coerência óptica) antes de iniciar a HCQ, após 5 anos e em seguida anualmente. Terapias adicionais irão depender da gravidade e das manifestações da doença: ♦ Manifestações leves (cutâneo, articular, mucosa): em lesões cutâneas não extensas pode-se utilizar corticoide ou inibidores da calcineurina tópicos, hidroxicloroquina (5mg/kg/dia), com ou sem AINES, e/ou baixas doses de corticoides (≤ 7,5mg de prednisona/dia). ♦ Manifestações moderadas (sintomas constitucionais, cutâneo, musculoesquelético ou hematológico): hidroxicloroquina mais curso rápido de corticoide (prednisona 5 a 15 mg/d), e imunossupressor (azatioprina, metotrexato, micofenolato mofetil, ciclosporina) com poupador de corticoide. E em casos resistentes, o belimumabe (imunobiológico). ♦ Manifestações graves com acometimento de órgãos nobres (renal, SNC, pulmonar, vasculites): geralmente requer no período inicial uma terapia de indução com imunossupressor para controlar a doença e interromper a lesão tecidual. Os pacientes devem ser tratados com curso rápido de altas doses de corticoides (pulsoterapia endovenosa com 0,5 a 1 g/dia de metilprednisolona por 3 dias consecutivos em pacientes muito graves e 1 a 2mg/kg/dia, via oral, em pacientes mais estáveis) isolado ou combinado a imunossupressores. A vantagem do corticoide é uma rápida redução da inflamação e controle da doença, visto que a maioria dos imunossupressores levam de 4 a 6 semanas para início de ação. Dentre os imunossupressores que podem ser utilizados para fase de manutenção da imunossupressão estão o micofenolato mofetil, azatioprina, ciclofosfamida ou rituximabe. ♦ Pacientes com lúpus que apresentem anticorpos antifosfolípides persistentemente positivos devem receber antiagregante plaquetário como AAS (81 a 100mg/dia).
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